Open-access TENTATIVA DE SUICÍDIO EM MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE EM UNIDADE PRISIONAL*

RESUMO

Objetivo:  descrever as ocorrências e os fatores associados à tentativa de suicídio em mulheres privadas de liberdade em uma unidade prisional.

Método:  estudo transversal, em unidade prisional do Paraná - Brasil, com 30 mulheres, com dados coletados em 2022, através dos instrumentos Columbia-Suicide Severity Rating Scale e outro elaborado pelas autoras e analisados descritivamente e inferencialmente.

Resultados:  durante a vida, 16 (53,3%) mulheres apresentaram comportamentos suicidas; 14 (46,7%) fizeram tentativas efetivas de suicídio; 14 (46,7%) tiveram danos físicos; e 10 (33,3%) atos preparatórios. A tentativa efetiva de suicídio teve associação com pensamentos suicidas antes da prisão (p <0,01) e pensamentos durante a prisão (p< 0,02).

Conclusão:  histórico anterior de ideação influenciaram na tentativa de suicídio. Assim, importa avaliar comportamentos suicidas na admissão e permanência de mulheres privadas de liberdade. Este estudo contribui para diminuir a lacuna na produção científica brasileira dessa temática com essa população.

DESCRITORES: Enfermagem; Prisões; Mulheres; Suicídio; Tentativa de Suicídio

ABSTRACT

Objective:  to describe the occurrences and factors associated with attempted suicide among women deprived of their freedom in a prison unit.

Method:  a cross-sectional study conducted at a detention facility in Paraná - Brazil, with 30 women, with data collected in 2022 using the Columbia-Suicide Severity Rating Scale instrument and another one prepared by the authors and analyzed descriptively and inferentially.

Results:  during their lifetime, 16 (53.3%) women presented suicidal behavior; 14 (46.7%) made actual suicide attempts; 14 (46.7%) had physical damage; and 10 (33.3%) preparatory acts. An actual suicide attempt was associated with suicidal thoughts before arrest (p<0.01) and with thoughts during arrest (p<0.02).

Conclusion:  previous history of ideation influenced the suicide attempt. Therefore, it is important to evaluate suicidal behavior in the admission and permanence of women deprived of their freedom. This study contributes to reducing the gap in the Brazilian scientific production on this topic with this population segment.

DESCRIPTORS: Nursing; Prison Units; Women; Suicide; Suicide Attempt

RESUMEN

Objetivo:  describir los sucesos y factores asociados al intento de suicidio en mujeres privadas de la libertad en una unidad penitenciaria.

Método:  estudio transversal, en una unidad penitenciaria de Paraná, Brasil, con 30 mujeres, con datos recolectados en 2022, mediante dos instrumentos, el Columbia-Suicide Severity Rating Scale y otro elaborado por las autoras, y analizados de forma descriptiva e inferencial.

Resultados:  a lo largo de su vida, 16 (53,3%) mujeres presentaron conductas suicidas; 14 (46,7%) intentaron suicidarse realmente; 14 (46,7%) sufrieron daños físicos; y 10 (33,3%) realizaron actos preparatorios. El intento de suicidio se asoció con pensamientos suicidas antes de ir a prisión (p <0,01) y con pensamientos durante la permanencia en prisión (p<0,02).

Conclusión:  el antecedente previo de ideación influyó en el intento de suicidio. Por lo tanto, es importante evaluar la conducta suicida al ingreso y durante la permanencia de mujeres privadas de la libertad. Este estudio contribuye a reducir las lagunas de la producción científica brasileña sobre este tema con esta población.

DESCRIPTORES: Enfermería; Prisiones; Mujer; Suicidio; Intento de Suicidio

HIGHLIGHTS

Na prisão, 23,3% das mulheres apresentaram tentativas de suicídio.

Na vida, 46,7% das mulheres apresentaram tentativas de suicídio.

Avaliar comportamentos suicidas na admissão e permanência na prisão.

INTRODUÇÃO

Os eventos suicidas são considerados emergências no ambiente prisional, requerendo intervenções imediatas1. Destarte, históricos de tentativas de suicídios podem estar associados a registros de suicídios2-3.

Os comportamentos suicidas incluem tentativa de suicídio efetiva, tentativa interrompida, tentativa abortada e atos preparatórios. Entende-se por tentativa de suicídio efetiva uma ação dirigida a si, não fatal, com danos potenciais à vida, portanto, uma ação com intenção de morte. A tentativa interrompida compreende uma ação dirigida a si, com intenção de morte, contudo, algo ou alguém interrompe antes da ocorrência. A tentativa abortada é iniciada com intenção de morte, com desistência antes da concretização. Os atos preparatórios compreendem a organização e preparação do método da tentativa de suicídio como reunir medicações, escrever carta, entre outros2-3.

O suicídio é uma das principais causas de morte no mundo, a quarta na faixa etária de 15 a 29 anos. No Brasil, nessa faixa etária, é a terceira causa de morte e, entre as mulheres privadas de liberdade, é 20 vezes maior do que entre as mulheres da população em geral. Na região sul do país, das 41 mortes de mulheres privadas de liberdade no primeiro semestre de 2020, duas ocorreram por suicídio4.

No mundo, aproximadamente 700.000 mulheres estão privadas de liberdade, ocupando o Brasil o quarto lugar5, compreendendo cerca de 45.259 desta população. No Paraná, esse número corresponde a 7.264 mulheres, 1.674 delas estão em regime fechado6.

Estudo conduzido na Etiópia com 288 pessoas privadas de liberdade mostrou que as mulheres tiveram 5,14 vezes chances a mais de apresentar comportamentos suicidas em relação aos homens. Esses dados podem dever-se aos aspectos biológicos da mulher, às questões socioculturais e ao modo de lidar com a privação da liberdade. Ainda, pessoas com fatores estressantes apresentaram 5,11 vezes chances a mais de comportamentos suicidas entre aquelas que não tiveram fatores estressantes7.

Desse modo, fatores estressantes em ambientes prisionais como diminuição das visitas, decisões judiciais referente ao crime cometido, rompimento de relacionamentos, separação de filhos, questões econômicas e desconhecimento da situação prisional podem potencializar problemas psicológicos como ansiedade, depressão, comportamento autoagressivo e heteroagressivo, e abuso de substâncias7.

Estudo com 186 mulheres privadas de liberdade em penitenciária na Paraíba mostrou que 66 tentaram suicídio antes da prisão e 35 no período prisional, sendo os sintomas depressão, agressão na prisão e infecção sexualmente transmissível os principais fatores relacionados às tentativas8. Outro fator foi a ideação suicida, compreendida pelos pensamentos de morte, com ou sem plano específico, que pode predizer a tentativa de suicídio7.

Estudo com 288 pessoas privadas de liberdade mostrou que um quarto da amostra apresentou ideação suicida e ideação suicida com planos seguidos de tentativas efetivas. Ideações suicidas com plano e intenção de agir são próximas de comportamentos suicidas de maior gravidade, como a tentativa efetiva7.

O ambiente prisional é considerado gerador de agravos à saúde física e mental pela superlotação, iluminação das celas, adaptação para o ambiente fechado, vestimenta, alimentação, mudança de rotina, pelas punições e pelo isolamento dentro das prisões. Estes fatores podem propiciar sofrimento psíquico, transtornos mentais ou aumento da gravidade destes transtornos5,7,9.

Considerando a escassez de publicações sobre comportamentos suicidas no sistema prisional10 e a nova política antimanicomial da justiça penal, objetivando fomentar pesquisas sobre saúde mental das pessoas em conflito com a lei, reforça-se a importância de pesquisas com mulheres privadas de liberdade para produção de conhecimento científico aos profissionais de saúde no cuidado a essas pessoas11. O objetivo deste estudo foi descrever as ocorrências e os fatores associados à tentativa de suicídio em mulheres privadas de liberdade em uma unidade prisional.

MÉTODO

Estudo transversal, em uma unidade prisional do Paraná - Brasil, com estrutura física englobando nove galerias e o Hospital Penitenciário, que atende homens e mulheres privados de liberdade para tratamento clínico e psiquiátrico. Lotado com 700 homens e 42 mulheres na época da coleta de dados.

Das 42 mulheres condenadas e/ou aguardando julgamento, 30 participaram deste estudo, cinco do teste piloto, uma se recusou mesmo depois de três abordagens e seis não foram abordadas por terem recebido alvará de soltura ou transferência para outras unidades prisionais.

Foram incluídas as mulheres com 18 anos e mais, condenadas ou aguardando julgamento; e excluídas aquelas com déficit cognitivo registrado em prontuário, com doenças infectocontagiosas, e aquelas que não estavam na unidade no período da coleta.

Os dados foram coletados de maio a agosto de 2022, pelos instrumentos Columbia- Suicide Severity Rating Scale (C-SSRS) de Posner2,, criado para avaliar a intensidade da ideação e o tipo de tentativa de suicídio na vida, e outro elaborado pelas autoras para coletar dados sociodemográficos, socioeconômicos, clínicos e farmacoterapêuticos e adicionais sobre características da ideação e dos comportamentos suicidas.

O C-SSRS foi submetido pelos autores à validação linguística para diferentes línguas e nacionalidades. Neste estudo, utilizou-se a versão do português do Brasil, disponibilizada e autorizada pelos autores. Fez-se uma capacitação on-line sobre a aplicação do instrumento, atrelada à concessão do uso pelos autores.

A variável dependente foi a tentativa de suicídio e as independentes foram as sociodemográficas (idade, raça, estado civil, filhos, escolaridade, ocupação e renda), as condições clínicas (tipo de condição clínica física, Covid-19, privação de liberdade antes da pandemia, condições de saúde mental, transtornos mentais, uso de tabaco, uso de álcool, uso de substâncias e tratamento para saúde mental), os aspectos legais (motivo de privação, tempo de privação, primeira privação, idade da primeira privação, número de privação, quantidade de pessoas na cela, curso no sistema prisional, atividade para redução da pena e histórico familiar de privação), e os comportamentos suicidas (ideação suicida, ideação suicida ativa com plano específico e intenção, pensamentos suicidas antes e durante a privação de liberdade, comportamentos suicidas, tentativas efetivas, tentativas interrompidas, tentativas abortadas, atos preparatórios, tentativas durante a privação, método, sob efeito de álcool nas tentativa, dano físico e histórico familiar de suicídio).

As mulheres foram convidadas a participar com a presença da policial penal, e, àquelas que concordaram, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram aplicadas por uma doutoranda, uma mestranda e uma enfermeira que integram o macroprojeto, na presença da policial penal, tendo as mulheres suas mãos algemadas.

Os dados foram codificados e inseridos em uma planilha de Excel®, com dupla digitação. Foram feitas análises descritivas com a utilização de frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas, e média, mediana e amplitude interquartil para as variáveis contínuas. Na etapa inferencial, foi calculada a Razão de Prevalências (RP) como medida de efeito com intervalo de confiança de 95% (IC95%) da variável dependente, “tentativa efetiva de suicídio (sim/não)”, em relação as independentes, com a Regressão de Poisson, e foi considerado significativo o valor de p < 0,05 com o teste de Wald. O software utilizado foi o Stata versão 12 (StataCorp, College Station, Estados Unidos).

O Comitê de Ética em Pesquisa-UFPR aprovou este estudo pelo parecer n.º 5.259.143. Foram respeitadas as medidas de prevenção ao Coronavírus do Departamento de Polícia Penal do Paraná.

RESULTADOS

Das 30 participantes, 15 (50%) tinham de 30 a 49 anos, 15 (50%) eram pardas, 18 (60%) solteiras, 26 (86,7%) tinham filhos, 15 (50%) cursaram ensino fundamental incompleto, 17 (56,7%) estavam desempregadas antes da prisão, e oito (53,3%) tinham renda inferior a um salário-mínimo.

Da amostra, nove (30%) participantes tinham condição de saúde física, 11 (36,6%) tiveram Covid-19, 14 (46,7%) tinham condição de saúde mental, 21 (70%) usavam tabaco, 22 (73,3%) álcool, 17 (56,7%) outras substâncias psicoativas (SPA), e 10 (33,4%) estavam em tratamento de saúde mental (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização das condições de saúde das mulheres privadas de liberdade. Pinhais, PR, Brasil, 2022

Para 15 (50%) participantes, o homicídio foi motivo da privação de liberdade; 18 (60%) estavam reclusas há menos de um ano; 16 (53,3%) estavam privadas de liberdade pela primeira vez; 14 (46,7%) tinham a primeira privação de 18 a 30 e de 31 a 55 anos; 16 (53,3%) estiveram aprisionadas uma vez; 20 (66,7%) permaneciam na cela com, no máximo, três mulheres; para redução da pena, três (10%) realizavam cursos ofertados pela instituição e parcerias, e sete (23,3%) realizavam atividades de manutenção na instituição; e 11 (36,7%) tinham histórico familiar de prisão (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização dos aspectos legais das mulheres privadas de liberdade. Pinhais, PR, Brasil, 2022

Da amostra, 19 (63,3%) apresentaram ideação suicida na vida: 14 (46,7%) ideação suicida ativa com plano específico e intenção de morte, considerada de maior gravidade; 16 (53,3%) pensamentos suicidas antes da privação de liberdade; e 12 (40%) pensamentos suicidas na privação.

Na vida, 16 (53,3%) mulheres empreenderam comportamentos suicidas: 14 (46,7%) tentativas efetivas; oito (26,7%) tentativas interrompidas; sete (23,3%) tentativas abortadas; 10 (33,3%) atos preparatórios; quatro (13,3%) tentativas na privação; oito (26,7%) usaram medicamentos como método; quatro (13,3) estavam sob efeito de álcool em alguma tentativa; 14 (46,7%) tiveram dano físico; e oito (26,7) tinham histórico familiar de suicídio (Tabela 3).

Tabela 3
Caracterização dos comportamentos suicidas das mulheres privadas de liberdade. Pinhais, PR, Brasil, 2022

A tentativa efetiva de suicídio apresentou associação significativa com: pensamentos suicidas antes da privação de liberdade com RP de 11,3 (1,48 - 86,95) ao p = 0,019, e pessoas que apresentavam pensamentos durante a privação de liberdade com RP de 3,75 (1,18 - 11,95) ao p< 0,003 (Tabela 4).

Tabela 4
Análise univariada da Razão de Prevalências (RP) das mulheres privadas de liberdade associada à tentativa efetiva de suicídio (TS). Pinhais, PR, Brasil, 2022

DISCUSSÃO

Diversos fatores podem contribuir para a ocorrência de tentativas de suicídios no ambiente prisional, incluindo aspectos demográficos, socioeconômicos, clínicos e legais7-9. O maior número de mulheres neste estudo tinha entre 30 e 49 anos, idade considerada vulnerável para comportamentos suicidas, segundo o último boletim brasileiro de lesões autoprovocadas e de suicídios12. A região sul apresenta a maior taxa de suicídio na idade de 20 a 59 anos no país, 12,9 mortes por 100 mil habitantes12. Considera-se essa faixa etária um período de idade reprodutiva, podendo gerar consequências posteriores no âmbito social e econômico como a diminuição dessa população7,12.

Neste estudo, predominou a cor parda, confirmando os dados do Levantamento Nacional de Políticas Penais, em que, no Brasil, predomina a cor parda em mulheres privadas de liberdade com 50,51%6. O estado civil de solteira predominou neste estudo, corroborando com a literatura em que solteiras apresentam propensão a comportamentos suicidas e quadros depressivos13-14.

O ensino fundamental incompleto predominou neste estudo. Estudo com 152 mulheres privadas de liberdade em uma penitenciária de São Paulo mostrou que 60% das mulheres cursaram até a quarta série; 20,6%, o ensino médio; e 1,3% eram analfabetas15.

A maior parte deste estudo estava desempregada e tinha baixa renda. A baixa escolaridade é um padrão de vulnerabilidade nesta população, podendo interferir na formação profissional e no vínculo empregatício15.

As alterações endócrinas e metabólicas da tireoide e dislipidemias foram as principais condições clínicas encontradas neste estudo, semelhante ao estudo nacional sobre condições crônicas clínicas não transmissíveis com pessoas privadas de liberdade16.

A pandemia da Covid-19 resultou em consequências físicas e mentais, e milhões de pessoas foram a óbito no mundo17. Estudos mostraram o aumento das tentativas de suicídio durante a pandemia dentro e fora do sistema prisional18-19. Conquanto a maior frequência das mulheres que participaram deste estudo não estavam privadas de liberdade no início da pandemia, as consequências da pandemia poderão mostrar-se a curto e longo prazo na saúde física e mental da pessoa18-19.

Entre as condições mentais, neste estudo, a maior frequência foi a depressão. Um estudo mostrou que o maior índice de suicídio e tentativa de suicídio se relacionou aos transtornos mentais14,20, e participantes que tinham depressão eram cinco vezes mais suscetíveis a comportamentos suicidas do que os não deprimidos20.

A maioria da amostra deste estudo usava SPA ilícitas, álcool e tabaco. O uso abusivo destas substâncias tem relação com comportamentos suicidas, conforme a literatura19-21. Algumas penitenciárias permitem o uso do tabaco; porém, evidências relacionam o aumento deste uso com o tempo de privação, gerando consequências físicas e mentais, como problemas respiratórios, cardíacos e aumento do uso de outras substâncias22.

Neste estudo, a maioria da amostra fazia tratamento de saúde mental na prisão. Compreende-se que pessoas que já estavam em tratamento podem apresentar histórico de sofrimento psíquico, além de consequências adquiridas em razão de problemas relacionados ao uso de álcool e demais substâncias20-21.

O homicídio foi o motivo mais frequente da privação de liberdade diferentemente de outros estudos com mulheres em que a predominância das privações foi por tráfico de drogas13,15.

O tempo de privação foi menor que um ano na maior parcela da amostra. Estudo conduzido em uma penitenciária na França mostrou uma taxa de suicídio 6,4 vezes maior durante a primeira semana do que no tempo restante de privação, em que 11,9% foram a óbito na primeira semana e 8,5% no primeiro mês da privação20, principalmente no início da privação, a dificuldade de se adaptar, o rompimento de vínculos familiares e o sentimento de humilhação podem ser fatores de risco23.

A existência de mais pessoas em uma cela pode ser um fator de proteção9 e, neste estudo, a quantidade de pessoas na cela era de até três. Estar com mais pessoas na cela pode inibir ou impedir a execução do comportamento suicida; porém, a superlotação e as condições insalubres podem ser fatores negativos para a saúde mental e física da pessoa20.

Neste estudo, pequena parcela de mulheres desenvolvia atividade laboral ou educacional para redução do tempo de reclusão. Estudo conduzido em uma penitenciária em Minas Gerais mostrou a propensão de ideação suicida em pessoas que realizavam atividades para remissão de pena. Ressalta-se que aspectos estressantes como revistas rigorosas, rotinas de horário de trabalho no ambiente prisional, poucas vagas para atividade, cobrança pela perda da remissão por falta média e grave podem gerar sentimentos de preocupação e desmotivação10.

O histórico familiar de privação de liberdade neste estudo foi inferior ao encontrado em um estudo com 152 mães encarceradas no interior de São Paulo, que mostrou 68,4% desse histórico, elas foram separadas dos pais/cuidadores quando criança pelo fato de estarem privados15.

Neste estudo, o número de pessoas que apresentaram ideação de maior gravidade foi equivalente ao de tentativas efetivas. Estudo com pessoas privadas de liberdade na Etiópia mostrou que 36 (12,5%) dos participantes tiveram ideação suicida e 22 (7,6%) apresentaram planejamento para a tentativa de suicídio. Os pensamentos antes da prisão podem estar relacionados ao histórico familiar e a transtornos mentais7.

Neste estudo, foi observada associação das tentativas efetivas de suicídio com pensamentos suicidas antes e durante a privação. Apresentar pensamentos suicidas com plano específico e intenção de perpetrar a tentativa pode ser preditor para outros comportamentos suicidas20,24.

A maioria da amostra apresentou comportamentos suicidas, incluindo tentativa efetiva, interrompida, abortada e atos preparatórios. Tanto a ideação quanto as tentativas interrompidas e abortadas podem predizer tentativas efetivas de suicídio na população em geral. Em estudo com 137 pessoas que estavam em tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas, que utilizou o instrumento C-SSRS, 27 pessoas tiveram tentativa interrompida e tentativa efetiva24. No entanto, na população privada de liberdade não é usual estudos avaliarem esses preditores com a tentativa de suicídio10.

As tentativas de suicídio fora da prisão encontradas neste estudo se assemelham com a literatura10,15,20. Estudos brasileiros mostraram que mais de 30% das mulheres privadas de liberdade apresentaram tentativa de suicídio fora da prisão15 e outro estudo identificou que as tentativas fora da prisão foram maiores do que no ambiente prisional8.

Neste estudo, quatro pessoas cometeram tentativas dentro da prisão. Estudo internacional com população privada de liberdade mostrou que 24,6% tentaram suicídio na prisão20. Na literatura nacional, 36,1% das mulheres tentaram suicídio neste ambiente15. Das quatro tentativas de suicídio na prisão, três foram pela primeira vez. A literatura aponta alguns aspectos que podem estar relacionados, como as lembranças do crime, a rejeição familiar, a perda do vínculo social e o novo ambiente em que está inserido23.

A intoxicação exógena por medicamentos foi o principal método utilizado pelas participantes durante a vida, semelhante ao estudo nacional24. Estudos trazem que no ambiente prisional os principais métodos foram enforcamento, seguido de envenenamento, podendo dever-se aos recursos disponíveis dentro das celas7,20,23.

Neste estudo, quatro pessoas relataram estar sob efeito do álcool durante as tentativas de suicídio. Considera-se que o efeito de uma substância como o álcool no organismo pode gerar alterações comportamentais e potencializar comportamentos suicidas de forma impulsiva24.

Para as participantes que tentaram suicídio neste estudo, os métodos utilizados acarretaram danos físicos e tinham possibilidade de letalidade. A literatura traz que homens apresentam maior letalidade por suicídio; em contrapartida, as mulheres apresentam maior frequência de tentativas. A letalidade masculina pode estar associada a um nível maior de força e de acessibilidade aos meios de tentativas mais letais10.

A preparação de tentativas de suicídio teve ocorrência neste estudo. Evidências científicas internacionais mostram essas ações na prisão, que incluem reunir objetos que serão utilizados durante a tentativa, esperar o horário de troca de plantão da polícia penal ou esperar estar sozinho na cela20-21.

O histórico de tentativa de suicídio na família ultrapassou 20% neste estudo; porém, em estudo internacional com 235 pessoas privadas de liberdade com comportamentos suicidas 7,0% apresentaram histórico familiar de comportamentos suicidas20.

Neste estudo, os principais fatores associados às tentativas de suicídio foram pensamentos suicidas antes e durante a privação. No entanto, outros estudos com a população privada de liberdade apresentaram diversos fatores associados às tentativas de suicídios no sistema prisional, principalmente o histórico clínico mental, socioeconômico e familiar.

O tamanho amostral limitou as possibilidades de análise inferencial, e por se tratar de um corte transversal pode ter havido viés de memória dos participantes. Contudo, houve vantagens considerando a escassez de estudos sobre essa temática em unidades prisionais devido às restrições de acesso a esse local, haja vista ser considerada unidade de segurança máxima.

Outra limitação é a necessidade de acompanhamento policial durante as entrevistas, o que pode influenciar na correta e completa informação fornecida pelas participantes; e a interdição do setor de saúde local durante o período de coleta de dados, que interrompeu novas admissões na unidade.

CONCLUSÃO

Neste estudo, a tentativa de suicídio foi associada aos pensamentos suicidas antes e durante a privação de liberdade. Portanto, conhecer esses fatores, identificá-los e traçar estratégias como o devido acompanhamento terapêutico com antecedência pode prevenir a ocorrência de comportamentos suicidas.

Este estudo traz contribuições na diminuição da lacuna na produção científica de ideação e comportamentos suicidas, exclusivamente em mulheres privadas de liberdade no Brasil. Por caracterizar singularmente a população pesquisada, estigmatizada e em constante crescimento, descrever esse ambiente, compreender o perfil desta população e os fatores associados à tentativa de suicídio contribui para o planejamento de futuras ações de intervenção, a promoção e a prevenção do suicídio a mulheres privadas de liberdade.

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    Artigo extraído do projeto de dissertação do mestrado: “Ideação e comportamentos suicidas em mulheres privadas de liberdade em uma unidade prisional do Estado do Paraná”. Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Curitiba, PR, Brasil, 2023.

Editado por

  • Editora associada:
    Dra. Luciana Kalinke

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2023
  • Aceito
    08 Out 2023
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