RESUMO
Objetivo: investigar as repercussões emocionais vivenciadas pelos profissionais de enfermagem durante o enfrentamento da pandemia de COVID-19 em Manaus.
Método: estudo descritivo qualitativo. A coleta de dados ocorreu de junho de 2020 a fevereiro de 2021, na capital do estado do Amazonas, Brasil, por meio de entrevistas semiestruturadas com profissionais de enfermagem que atuaram na linha de frente, codificadas com o auxílio do programa ATLAS.ti 8.0 e analisadas segundo os preceitos da análise de Redes Temáticas.
Resultados: os 19 participantes foram enfermeiros (68%) e técnicos/auxiliares de enfermagem (32%). Da Rede Temática Impactos Emocionais emergiram quatro temas: mudanças inesperadas, tensões ampliadas, sofrimento emocional e estratégias de suporte psicossocial.
Conclusão: as experiencias vividas pelos profissionais devem ser subsídio para iniciativas que promovam e protejam a saúde desses profissionais, como também suas condições de trabalho para garantir a qualidade dos cuidados prestados.
DESCRITORES: Equipe de Enfermagem; COVID-19; Saúde Mental; Sofrimento Emocional; Atenção à Saúde
ABSTRACT
Objective: to investigate the emotional repercussions experienced by nursing professionals during the COVID-19 pandemic in Manaus.
Method: qualitative descriptive study. Data collection took place from June 2020 to February 2021, in the Amazonas state capital, Brazil, through semi-structured interviews with nursing professionals who worked on the front line, coded with the aid of the ATLAS.ti 8.0 program and analyzed according to the precepts of Thematic Network Analysis.
Results: the 19 participants were nurses (68%) and nursing technicians/assistants (32%). Four themes emerged from the Emotional Impacts Thematic Network: unexpected changes, increased tensions, emotional distress, and psychosocial support strategies.
Conclusion: the professionals’ experiences should be used as a basis for initiatives to promote and protect their health, as well as their working conditions, in order to guarantee the quality of the care they provide.
KEYWORDS: Nursing Team; COVID-19; Mental Health; Emotional Suffering; Health Care
RESUMEN
Objetivo: investigar las repercusiones emocionales que experimentaron los profesionales de enfermería durante la pandemia de COVID-19 en Manaos.
Método: estudio descriptivo cualitativo. La recolección de datos se realizó de junio de 2020 a febrero de 2021, en la capital del estado de Amazonas, Brasil, a través de entrevistas semiestructuradas con profesionales de enfermería que trabajaban en la primera línea, codificadas con ayuda del programa ATLAS.ti 8.0 y analizadas según los preceptos del análisis de Redes Temáticas.
Resultados: los 19 participantes eran enfermeros (68%) y técnicos/auxiliares de enfermería (32%). De la Red Temática Impactos Emocionales surgieron cuatro temas: cambios inesperados, mayor tensión, sufrimiento emocional y estrategias de apoyo psicosocial.
Conclusión: las experiencias de los profesionales deben contribuir a la creación de iniciativas que promuevan y protejan la salud y las condiciones de trabajo de dichos profesionales, para garantizar la calidad de la atención que brindan.
DESCRIPTORES: Equipo de Enfermería; COVID-19; Salud Mental; Sufrimiento Emocional; Atención para la Salud
HIGHLIGHTS
Perda e morte produziram impactos emocionais importantes.
Religiosidade e espiritualidade contribuíram para o enfrentamento.
É preciso fomentar estratégias contínuas de apoio profissional e planejamento laboral.
INTRODUÇÃO
A COVID-19 emergiu com a pandemia do novo coronavírus, nomeado Síndrome Respiratória Aguda Severa Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), cuja alta transmissibilidade e rápida disseminação resultou em altas taxas de morbidade e mortalidade, trazendo à sociedade inúmeros impactos, tanto econômicos, como à vida das pessoas e inclusive, nos sistemas de saúde ao redor do mundo1-2.
Da identificação do vírus na China em 2019, a sua chegada ao Brasil em 2020 e, dias depois, à Manaus, a gravidade e rapidez de sua expansão tornou esta cidade um dos mais graves epicentros da doença. Com o decorrer da pandemia, o estado do Amazonas sofreu com a crise de oxigênio, o que levou ao colapso do sistema de saúde, além do aumento do número de mortes3-5.
Os profissionais da equipe de enfermagem, incluindo enfermeiros, técnicos e auxiliares, passaram a atuar na linha de frente no enfrentamento da COVID-19 em todos os níveis de atenção à saúde, desde a execução das medidas de vigilância até o cuidado direto ao paciente. Dado o alto grau de transmissibilidade do vírus, esses profissionais estiveram expostos ao risco e sujeitos a situações adversas. O cansaço físico e mental, o desgaste psicológico, o medo de adquirir e transmitir o vírus, o estresse e, ainda, a necessidade de lidar com a morte de pacientes e de outros profissionais e/ou colegas de trabalho, estiveram presentes no dia a dia da equipe de enfermagem, deixando-a vulnerável e sujeita a altas cargas de trabalho, estresse, ansiedade e sofrimento emocional, além do reduzido acesso a sistemas de apoio6-10.
Ademais, foi necessário assimilar as mudanças repentinas e abruptas na sistematização da assistência, no ambiente de trabalho e na rotina, o que consequentemente alterou o bem-estar e desempenho desses profissionais, por vezes tendo que lidar com a precarização e sobrecarga do trabalho11-12.
Desta maneira, compreender as condições sociais e estruturais que facilitam ou dificultam o trabalho da enfermagem e estudar o impacto da COVID-19 na saúde mental dos trabalhadores de enfermagem, em um dos principais epicentros da pandemia no Brasil e no mundo, é importante na preparação do profissional e dos sistemas de saúde para futuras crises. Esse conhecimento permite uma descrição da crise no sistema e das experiências dos trabalhadores de enfermagem na pandemia, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias de apoio e proteção da saúde dos trabalhadores em períodos de crise sanitária, bem como, melhorar as condições de trabalho, visando aprimorar a qualidade dos serviços e dos cuidados prestados aos usuários.
O objetivo do estudo foi investigar as repercussões emocionais vivenciadas pelos profissionais de enfermagem durante o enfrentamento da pandemia de COVID-19 em Manaus, Amazonas.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa do tipo estudo de caso único incorporado, que integra uma macro pesquisa intitulada “Trabalho e gestão em saúde na pandemia de COVID-19 em Manaus: experiências de trabalhadores e usuários”.
O estudo foi desenvolvido na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, Brasil, junto à Rede de Atenção à Saúde (RAS), reorganizada para o enfrentamento da pandemia de COVID-19, em todos os níveis de atenção à saúde. Foram selecionados os serviços identificados como ponto de acesso para o atendimento prioritário de pacientes suspeitos de infecção pelo novo Coronavírus, entre eles: quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS), um Serviço de Pronto Atendimento (SPA), uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), três Hospitais e dois Hospitais de Campanha.
Os integrantes do estudo foram 19 profissionais de enfermagem, sendo 13 enfermeiros e seis técnicos de enfermagem que atuaram na linha de frente no combate à pandemia de COVID-19, tendo como critério de inclusão: atuar no referido serviço por no mínimo um mês e apresentar condições físicas e psíquicas de participação, avaliadas subjetivamente pelo pesquisador. Os contatos dos profissionais, incluindo e-mails e telefones, foram obtidos por meio dos gestores da unidade, identificados como pontos de acesso ao atendimento novo Coronavírus. Apenas uma participante que foi contactada decidiu não se envolver, sem oferecer razões para sua recusa. O número de participantes foi definido por saturação de dados e saturação temática indutiva, havida quando novos dados repetem o já expresso em dados anteriores e não há emergência de novos códigos ou temas, respectivamente13.
A coleta dos dados foi realizada de junho de 2020 a fevereiro de 2021, por meio de entrevistas semiestruturadas, previamente agendadas por via de contato telefônico e conduzidas pelo pesquisador principal ou colaborador devidamente capacitado, no local de trabalho dos participantes, em espaço reservado e com duração média de 45 minutos.
O roteiro incluía questões sobre o perfil socioprofissional dos participantes, bem como perguntas abertas sobre suas experiências no trabalho durante a resposta à pandemia de COVID-19. Isso englobava aspectos como a organização do trabalho, estratégias adotadas e vivências relacionadas a normas e desafios tanto individuais quanto da equipe. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas com o auxílio da ferramenta Google Docs, respeitando a autenticidade dos dados.
Para a análise dos dados, o acervo de entrevistas foi importado para o software Atlas.ti 8.0 (Qualitative Research and Solutions) para gerenciamento dos dados e apoiado na análise de Redes Temáticas14. Trata-se de um processo indutivo de composição de redes, por codificação de trechos, agrupamentos e formação de temas de organização, com a segunda fase de codificação para identificar padrões nos códigos iniciais e formação de temas relevantes em redes de aprofundamento. No geral, a análise revelou 155 temas básicos, os quais foram categorizados em 11 temas organizacionais com base em suas semelhanças qualitativas. A fusão destes temas organizacionais resultou na identificação de quatro temas globais, que foram a base para a formação da Rede Temática denominada Impactos Emocionais.
Em relação aos preceitos éticos, foram obtidas as permissões das Secretarias de Estado e Municipal de Saúde, além da aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade do Estado do Amazonas - CEP/UEA sob o parecer n° 4.085.240. A representação de sua identidade por meio de códigos - “ENF” (Enfermeiro) e “TE” (Técnico de Enfermagem), seguido do número de ordem da entrevista.
RESULTADOS
O estudo contou com a participação de 19 profissionais de enfermagem, sendo 13 (68%) enfermeiros e seis (32%) técnicos/auxiliares de enfermagem, predominantemente do sexo feminino, sendo 15 (79%) enfermeiras e técnicas/auxiliares de enfermagem, com nove (47%) profissionais na faixa etária de 40 anos, sendo sete (40%) atuantes em serviços hospitalares e seis (32%) com tempo de atuação profissional de um a três anos. As características socioprofissionais encontram- se na Figura 1.
Diagrama das características socioprofissionais de profissionais de enfermagem da Rede de Atenção à Saúde ao enfrentamento da COVID-19. Manaus, AM, Brasil, 2021.
A partir da análise das entrevistas, emergiram quatro temas que destacam as perspectivas dos profissionais de enfermagem sobre Impactos Emocionais durante a pandemia da COVID-19: 1. Mudanças inesperadas, 2. Tensões ampliadas, 3. Sofrimento emocional e 4. Estratégias de suporte psicossocial. Os temas e subtemas são apresentados na Figura 2. A sequência de apresentação dos temas segue a lógica do processo experiencial e não a ordem de magnitude. As categorias se entrelaçam, implicando-se mutuamente nas experiências vividas e sistematizadas no processo analítico.
Os primeiros dois temas, “Mudanças inesperadas” e “Tensões ampliadas”, evidenciam o processo que resultou no “Sofrimento emocional” e o quarto tema aborda o suporte recebido ou desejado para lidar com esse sofrimento.
Durante o enfrentamento à pandemia, os profissionais lidaram com mudanças inesperadas, com a definição de novas rotinas sem um conhecimento seguro sobre o que estavam enfrentando, associado a uma sobrecarga de trabalho sem precedentes. A sobrecarga física pela realização de muitas horas extras, pouco descanso e folgas, associou-se à exposição à doença ao trabalho no limite de suas condições. Foi vivido o conflito quando o compromisso de manter-se trabalhando e ajudando os colegas significava enfrentar o medo da morte.
Afetou totalmente porque nós mudamos a rotina, mudamos a dinâmica, os métodos de trabalho dentro da unidade para tentar adequar para receber os pacientes com covid, a unidade mudou toda sua característica, nós tínhamos pacientes de todos os tipos de atendimento e virou só covid. (ENF 2)
Quem trabalhava 12 horas passou a trabalhar 15, domingo a domingo [...]agora que trabalhamos até sábado meio-dia, mas a gente fica até nove da noite e já chega saturado em casa, já um pouco estressado e pela manhã ter que voltar de novo, cansa muito. (ENF 8)
Vim trabalhar com medo, com pavor, em carga de trabalho excessiva. Eu trabalhava muito mais do que 12 horas, eu tinha hora para entrar na sala rosa, mas eu não tinha hora para sair. Emendava um plantão atrás do outro, porque o colega que acabava tinha que ajudar a gente... Então, não podia ir embora, eu tinha que ficar para ajudar o colega, porque tinha muitos pacientes, então, não tinha hora para sair. (ENF 15)
As tensões foram ampliadas ao presenciarem uma situação fora do controle, acirrando o medo da própria morte ou de infectar pessoas próximas. O sentimento de impotência tomou conta desses trabalhadores que percebiam os serviços de saúde saturados, sem condições de atendimento adequado. A gravidade da situação provocou manifestações físicas, como a perda do sono.
O medo sempre presente, aquela preocupação, não de eu pegar, mas de passar para outras pessoas, que são idosos, que têm diabetes, pressão alta. Era mais preocupante ainda, vendo os colegas adoecerem e você tendo que segurar a barra enquanto o número de profissionais diminuía. (TE 3)
A gente ver o sofrimento de uma pessoa e não ter aquela estrutura, aquele suporte para dar, para tentar aliviar aquele sofrimento- é muito complicado. (TE 5)
A carga psicológica foi muito difícil, muito difícil porque toda hora você está com aquela atenção, o medo de se contaminar, o medo de tocar, às vezes até de falar com as pessoas. [...] o maior medo de todos os profissionais de saúde era levar para casa, porque você tem filho, tem marido, eu não queria nem dormir junto. (ENF 4)
A gente passa as madrugadas pensando em números ... eu já nem posso mensurar quantas madrugadas eu acordei pelas duas, três horas da manhã e já não conseguia mais dormir pensado em quantos pacientes que clamavam por ajuda. (ENF 15)
Mesmo após a crise mais aguda ter passado, alguns trabalhadores ainda não conseguiam descrever com clareza seus sentimentos, sentiam a situação ainda presente, um sofrimento que promovia dor, mas mantinham a compreensão de seu papel e da importância de continuarem na luta para ajudar outras pessoas.
Não consigo te descrever um sentimento, porque ainda está muito recente tudo isso, eu perdi amigos, eu perdi pessoas próximas de mim e eu quase perdi meus pais. É muito dolorido ter que lidar com tudo isso, mas você tem que ter força para tentar ajudar a salvar uma vida. (ENF 8)
As mudanças no trabalho ampliaram as tensões e levaram ao sofrimento emocional, descrito por eles como tensão, ansiedade e estresse. O desconhecido, a falta de estrutura, a sobrecarga e o não saber o que os aguardava na próxima jornada de trabalho, promoviam crises de ansiedade e choros frequentes. Reconheciam que a mudança exigia deles uma transformação, mas essa era permeada por muito sofrimento e difícil de ser enfrentada.
Desenvolvi crise de ansiedade, porque você fica naquela tensão o tempo todo, você saia e quando desparamentava, ficava: será que eu fui contaminado? Será que estou levando contaminação para casa? (ENF 15)
Eu fiquei um pouco ansiosa sem saber o que viria a enfrentar no dia a dia [...] mas eu fiquei tranquila logo depois. Após 10 semanas a ansiedade dobrou, o estresse mexeu com meu trabalho, mas eu consegui levar [...]eu passei a perceber essa mesma ansiedade nos usuários quando eles procuravam a UBS [...]com medo da doença. (TE 9)
Chegava no plantão pela manhã muito abalada emocionalmente, cada um chorando, todo mundo triste porque a gente escutava que um amigo havia morrido, tinha notícias de uma pessoa próxima que tinha morrido e as pessoas que a gente cuidava no plantão anterior também. (ENF 12)
No que diz respeito ao tema de estratégias de suporte psicossocial, a percepção da sobrecarga emocional que os levou ao sofrimento indicou a necessidade de terem um suporte para lidar com a instabilidade emocional. Foi iniciativa dos próprios trabalhadores, que na maioria das situações não sabiam com clareza onde a buscar, pois até desconheciam a existência de suporte na instituição. Utilizaram então, apoio profissional do psicólogo, de colegas e amigos e apoio na espiritualidade como forma de encontrar certa estabilidade emocional para poder continuar trabalhando, pois sabiam que não havia quem os substituísse.
E eu não queria vir, sabe aí eu comecei a conversar com uma psicóloga lá no outro trabalho ... fiz um trabalho com ela, ela conversava muito comigo: você não é assim, você gosta do que você faz, você ajuda as pessoas, então você tem que conseguir. Isso me ajudou muito. (ENF 4)
(...) foi muito pesado, mas momento algum a gente teve apoio psicológico de qualquer outra instituição. Eu acho que a parte emocional ainda está pesando para gente, né... E, a gente ainda não teve esse apoio emocional de ninguém, ninguém chega aqui para nos ajudar. (TE 7)
Muitos profissionais que foram afetados psicologicamente tiveram acompanhamento de alguns psicólogos; ligavam para a gente do ministério, ligavam psicólogos, faziam entrevistas para ver como a gente estava, saúde mental e de espírito. (ENF 8)
Eu procurei a unidade, psicólogos, mas, nesses dias eles não estavam atendendo, eu acho que era final de semana, aí eu procurei uma colega de trabalho. Eu meio que desabafei e ela tentou me confortar falando de Deus. Lembrei do lado religioso e eu me apeguei em Deus nesse dia, e até hoje eu venho me apegando cada vez mais, porque eu não tinha onde me segurar, eu não tinha um apoio. (ENF 13)
DISCUSSÃO
O exercício da profissão de enfermagem se baseia no contato direto e contínuo ao lado do paciente, o que torna esses profissionais mais propensos a vivenciar situações estressoras na ocorrência de grandes problemas de saúde pública, como no caso da pandemia de COVID-1915. É indiscutível a essencialidade do trabalho da enfermagem nos serviços de saúde, constituindo um contingente significativo no SUS, sensível aos impactos laborais imediatos em contextos pandêmicos, em decorrências dos ajustes em tempo real ocorrido nos serviços para responder às necessidades do território16.
Muitos estudos abordam a precarização de vínculo e condições de trabalho inadequadas vivenciadas constantemente pela equipe de enfermagem, situação intensificada durante a pandemia de COVID-19, como evidenciado pelos relatos desta pesquisa16-17.
Mudanças inesperadas foram sentidas devido à necessidade de reorganizar o trabalho, com novas rotinas, protocolos e fluxogramas, ou até reestruturar as unidades de saúde. Isso evidenciou o protagonismo do enfermeiro na gestão de diversos processos de readequação, treinamentos e construção de Procedimento Operacional Padrão (POP), como revelam estudos que analisaram os impactos na vida, saúde e trabalho dos profissionais de enfermagem durante a pandemia18-19.
Para suprir a demanda de profissionais que precisaram ser afastados houve aumento da carga de trabalho e tarefas excessivas, intensificando os aspectos negativos da pandemia e os impactos emocionais20. A sobrecarga afetou tanto o desempenho profissional, devido à exaustão, como o âmbito pessoal e familiar, por conta do tempo abdicado da convivência da família e da necessidade de se manter afastado como forma de proteção a uma possível infecção21-22.
Permeando o subtema de tensões ampliadas, muito presente foi o relato de medo: medo de morrer, medo de contrair/transmitir a doença e medo do desconhecido e invisível - o que foi relatado tanto em enfermeiros como em trabalhadores da saúde de modo geral23-24.
Não obstante, o sentimento de impotência e a necessidade de lidar com a morte de pacientes, colegas de profissão e familiares, passaram a fazer parte do dia a dia desses profissionais, conforme relatado como alguns dos ingredientes a gerar quadros de sofrimento emocional por esses profissionais25.
O estresse, a ansiedade e a insônia foram relatados pelos profissionais da linha de frente, como indícios de sofrimento emocional. Estes sintomas se alinham à sobrecarga laboral e são explicados pela preocupação com os pacientes, consigo mesmos e sua família, em um clima de extrema insegurança26-27.
As estratégias de suporte psicossocial se pautaram no apoio psicológico, na religiosidade e espiritualidade. O atendimento psicológico ocorria de maneira presencial ou por telefone e desempenhou um papel importante no processo de lidar, aceitar e entender as experiências vivenciadas durante o enfrentamento da pandemia. Por isso, destacou-se a importância do apoio e acolhimento em face das frustrações, perdas e mudanças28-29.
Os enfrentamentos fortalecidos pela religiosidade e espiritualidade, vinculados ou não ao apoio psicológico profissional, mostraram-se práticas continuadas ou iniciadas durante a pandemia, favorecendo a estabilidade mental e emocional e de a superação dos momentos de crise. Assim, foi corroborado que a religiosidade e a espiritualidade contribuíram na melhoria da qualidade de vida, no enfrentamento da situação e na atenuação dos níveis de esgotamento emocional, físico e mental29-30.
Em contrapartida, outros profissionais relataram não receber quaisquer apoios durante a atuação na linha de frente na pandemia, o que interferiu no processo de enfrentamento e no desenvolvimento e intensificação dos impactos emocionais e mentais27,29.
A limitação deste estudo reside na sua condução exclusivamente durante a primeira onda da pandemia da COVID-19, que pode não refletir uma visão abrangente e contínua sobre o impacto e o sofrimento emocional ao longo do tempo experienciado pelos profissionais de enfermagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia de COVID-19 teve um impacto severo na vida, saúde e trabalho dos profissionais de enfermagem, expondo-os a situações estressoras, ansiedade, insônia e sofrimento emocional. Mudanças inesperadas na rotina de trabalho, aumento da carga de trabalho, medo do contágio e da morte, impotência diante da doença e sofrimento com perdas, marcaram a vida pessoal e profissional desses trabalhadores. Para lidar com esses desafios, muitos buscaram apoio em serviços psicológicos, na religiosidade e espiritualidade.
Dessa forma, os resultados obtidos durante a pesquisa podem fomentar a construção de estratégias efetivas e contínuas de apoio para a atuação profissional e de planejamento para a organização laboral adequada e resiliente no âmbito das equipes, serviços e sistemas, como condições essenciais para o enfrentamento em cenário de emergência de saúde pública.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos o apoio financeiro e técnico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
15 Set 2023 -
Aceito
09 Jun 2024