QUALIDADE DE VIDA, FUNCIONALIDADE E AUTOESTIMA DE PESSOAS NO PÓS-ALTA POR CURA DE HANSENÍASE^*

RESUMO:

Objetivo:

avaliar a qualidade de vida, funcionalidade e autoestima de pessoas no pós-alta por cura de hanseníase. Métodos: estudo epidemiológico transversal, desenvolvido numa instituição de referência para hanseníase na Paraíba-Brasil, de maio a agosto de 2021. Utilizaram-se quatro instrumentos para caracterização sociodemográfica e clínica, avaliação da qualidade de vida, da funcionalidade e da autoestima. Os dados foram analisados pelos testes qui-quadrado de Pearson, exato de Fisher, Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.

Resultados:

participaram 131 pessoas, dos quais 86 (65,6%) eram do sexo masculino e 72 (55%) com 41 a 60 anos. Houve impacto negativo da qualidade de vida relacionada à saúde em não escolarizados e com baixa renda familiar. Limitação da funcionalidade em quem não pratica atividade física, afetado por neurite e com algum grau de incapacidade física. Contudo, elevada autoestima.

Conclusão:

torna-se imprescindível capacitar profissionais e organizar medidas assistenciais frente ao cuidado longitudinal e interdisciplinar nessa fase terapêutica.

DESCRITORES:
Qualidade de vida; Pessoas com deficiências; Autoimagem; Hanseníase; Alta do paciente.

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the quality of life, functionality, and self-concept of people after discharge from leprosy. Methods: This was a cross-sectional epidemiological study carried out in a reference institution for leprosy in Paraíba, Brazil, from May to August 2021. Four instruments were used for sociodemographic and clinical characterization, assessment of quality of life, functionality, and self-concept. The data was analyzed using Pearson’s chi-square, Fisher’s exact, Mann-Whitney, and Kruskal-Wallis tests.

Results:

131 people took part, of whom 86 (65.6%) were male and 72 (55%) were aged between 41 and 60. There was a negative impact on health-related quality of life among those with no schooling and low family income. Limitation of functionality in those who do not practice physical activity, are affected by neuritis, and have some degree of physical disability. However, high self-concept.

Conclusion:

It is essential to train professionals and organize assistance measures in the face of longitudinal and interdisciplinary care in this therapeutic phase.

DESCRIPTORS:
Quality of life; Disabled Persons; Self-Concept; Leprosy; Patient discharge.

RESUMEN:

Objetivo:

evaluar la calidad de vida, la funcionalidad y la autoestima de las personas después del alta de la lepra. Métodos: Se trató de un estudio epidemiológico transversal realizado en una institución de referencia para lepra en Paraíba, Brasil, de mayo a agosto de 2021. Se utilizaron cuatro instrumentos para caracterización sociodemográfica y clínica, evaluación de la calidad de vida, funcionalidad y autoestima. Los datos se analizaron mediante las pruebas chi-cuadrado de Pearson, exacta de Fisher, Mann-Whitney y Kruskal-Wallis.

Resultados:

Participaron 131 personas, de las cuales 86 (65,6%) eran hombres y 72 (55%) tenían entre 41 y 60 años. Se observó un impacto negativo en la calidad de vida relacionada con la salud entre las personas sin estudios y con bajos ingresos familiares. Limitación de la funcionalidad en los que no practican actividad física, afectados por neuritis y con algún grado de discapacidad física. Sin embargo, alta autoestima.

Conclusión:

Es fundamental formar a los profesionales y organizar medidas asistenciales de cara a la atención longitudinal e interdisciplinar en esta fase terapéutica.

DESCRIPTORES:
Calidad de Vida; Personas con Discapacidad; Autoimagen; Lepra; Alta del Paciente.

HIGHLIGHTS

1. Comprometimento da qualidade de vida relacionada à saúde.

2. Limitação da funcionalidade e elevada autoestima.

3. Propõe ações voltadas à prevenção de incapacidades e/ou deformidades.

4. Qualificar ações na perspectiva integral e longitudinal do cuidado.

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença crônica, infecciosa e transmissível que afeta a pele e os nervos periféricos. Quando não tratada, pode causar danos permanentes como incapacidades físicas, deformidades e exclusão social. Classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma doença tropical negligenciada, sua ocorrência está comumente associada às más condições socioeconômicas de uma população. O estigma e a discriminação vêm desempenhando um papel importante de exclusão social e omissão de direitos a essas pessoas. Nesse sentido, países endêmicos, a exemplo do Brasil, baseados nas propostas da Estratégia Global de Hanseníase 2021 - 2030 buscam atingir um mundo com zero hanseníase, zero incapacidade, estigma e discriminação¹-².

Autoridades sanitárias alertam para atrasos nas notificações, justificado pelo panorama da pandemia da covid-19 que assolou todo o mundo. Assim, refletindo fatores operacionais e não uma tendência epidemiológica, dados preliminares, divulgados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), evidenciaram, por meio do cenário nacional, um declínio no número de casos de hanseníase diagnosticados em 2022. Registraram apenas 14.962 casos novos em todo o país, destes, 5.490 já foram diagnosticados com algum grau de incapacidade física³.

A abordagem acerca do cenário epidemiológico se torna necessária para compreender a magnitude da doença e o impacto do seu agravo no estado de saúde e na qualidade de vida de pessoas afetadas pela hanseníase. Indicadores de saúde para essa população poderão subsidiar planejamento de estratégias em políticas públicas com propostas baseadas em metas para prevenção de incapacidades⁴.

O conceito de qualidade de vida abrange uma percepção subjetiva no contexto de vida, cultura, valores em relação aos objetivos, expectativas, padrões e preocupações dos indivíduos ou coletividade. Ao considerar o alto potencial incapacitante da hanseníase, estudos evidenciam fatores associados, com impacto significativo na qualidade de vida relacionada à saúde. Tais aspectos ampliam a procura por terapia reabilitadora em serviços especializados⁵-⁷.

Nessa perspectiva, estudos apontam uma baixa qualidade de vida de pessoas afetadas pela hanseníase no pós-alta por cura⁸-⁹, sobretudo no cenário nacional. No entanto, observa-se como lacuna do conhecimento a avaliação de aspectos da qualidade de vida relacionada à saúde, associadas às questões funcionais e de autopercepção nessa população.

Torna-se relevante propiciar aos profissionais de saúde, sobretudo aos enfermeiros, o planejamento de um cuidado integral e longitudinal, qualificado, humanizado e inovador, com foco na prevenção dos agravos decorrentes de tal condição. O presente estudo teve por objetivo avaliar a qualidade de vida, funcionalidade e autoestima de pessoas no pós-alta por cura de hanseníase.

MÉTODO

Trata-se de um estudo com delineamento epidemiológico transversal, desenvolvido conforme as recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). Realizado no ambulatório especializado em dermatologia do hospital referência no tratamento para hanseníase, localizado no município de João Pessoa, Paraíba. A coleta dos dados ocorreu durante o período de maio a agosto de 2021.

A amostra foi do tipo não probabilística e para seleção dos participantes, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser maior de 18 anos; ter diagnóstico de hanseníase e concluído o esquema de tratamento com a poliquimioterapia independente do tempo de conclusão e da classificação operacional Paucibacilar ou Multibacilar; e, como critérios de exclusão: ser portador de algum transtorno neurológico, cognitivo ou psiquiátrico que o impossibilitasse de responder com precisão os itens dos instrumentos.

As restrições impostas pela pandemia, o acesso dos usuários aos serviços de saúde, os critérios estabelecidos para seleção da amostra e o prazo previsto em cronograma para coleta de dados presenciais contribuíram para limitar a amostra em 131 participantes. O que pode caracterizar um possível viés de amostragem por não representar a totalidade populacional atendida naquele serviço.

Por inconsistência de dados fornecidos pela instituição, não foi possível realizar cálculo inicial para determinar tamanho amostral. Portanto, a seleção dos participantes foi obtida por conveniência, conforme ordem de chegada ao ambulatório para consulta especializada, segundo agendamento prévio do serviço. Após o pesquisador identificar os critérios de elegibilidade pertinentes à seleção, o participante era abordado mediante apresentação pessoal e convite para participar do estudo informando-os sobre os delineamentos da pesquisa.

Em decorrência das restrições sanitárias impostas pela pandemia da covid-19, a coleta de dados foi realizada unicamente pela pesquisadora principal, a qual ocorreu na sala de espera ambulatorial do serviço, em ambiente reservado. Inicialmente, foi realizado um teste-piloto com cinco participantes, o que propiciou ajustes no instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica. Após essa etapa, deu-se início às entrevistas com os participantes selecionados, por meio da aplicação de quatro instrumentos, com duração média de trinta minutos, sendo apenas um encontro suficiente com o participante para o preenchimento das informações; a consulta ao prontuário físico do paciente, como fonte secundária de informações, se deu após as entrevistas, quando necessário.

O primeiro instrumento, elaborado pela pesquisadora, foi composto por questões relacionadas às: caracterizações sociodemográficas (sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade, renda familiar, consumo de bebida alcoólica e/ou cigarros e prática de atividade física); e clínicas (classificação operacional tratada, tempo de alta do tratamento, presença de reação hansênica, neurite e lesão cutânea, grau de incapacidade física, sendo do tipo estruturado e composto por questões objetivas; os demais integraram escalas para avaliação da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS), funcionalidade e autoestima.

No que se refere à avaliação da QVRS dos participantes, foi utilizado o instrumento desenvolvido pela OMS, denominado Whoqol-bref (World Health Organization Quality of Life). A versão contém evidências psicométricas adequadas, é composta por 26 facetas, com respostas do tipo Likert, nas quais é possível descrever a percepção subjetiva de um indivíduo em relação à sua saúde física e psicológica, às relações sociais e ao ambiente em que vive e como se sentem nas últimas duas semanas. Na sintaxe do instrumento, não há recomendação de ponto de corte, no entanto, para esse estudo foi adotada a sugestão de ponte de corte ≥60 para melhor QVRS, baseada em estudo de coorte sobre qualidade de vida em idosos¹⁰-¹².

Para identificar a limitação da funcionalidade dessas pessoas, utilizou-se a Screening of Activity Limitation and Safety Awareness (SALSA), desenvolvida e validada por um grupo de colaboradores internacionais, incluindo brasileiros, com base na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. É recomendada pelo Ministério da Saúde, por demonstrar propriedade psicométrica adequada para utilização em pessoas afetadas pela hanseníase e no acompanhamento pós-alta. Conforme sua sintaxe, o escore varia de 0 a 80 e os graus de limitação são classificados em: sem limitação (até 24), leve limitação (25 a 39), moderada limitação (40 a 49), grave limitação (50 a 59) e extrema limitação (60 a 80). Logo, quanto maior o escore, maior a limitação da funcionalidade¹³. Durante a associação desses escores com variáveis sociodemográficas e clínicas, foi necessário categorizá-las para melhor interpretação.

Para verificar o nível de autoestima dos participantes foi utilizado o The Rosenberg Self-Esteem Scale (versão UNIFESP-EPM/Rosenberg), um instrumento genérico de domínio público com propriedades psicométricas adequadas (reprodutibilidade, validade e responsividade), traduzida, validada e adaptada transculturalmente ao contexto brasileiro por Dini, Quaresma e Ferreira (2004). Utilizado na prática clínica e na pesquisa científica, o instrumento contempla questões subjetivas relacionadas à autopercepção e autoavaliação pessoal quanto à sua capacidade, satisfação, utilidade, qualidade, fracasso e atitude. Composto por dez itens, suas respostas seguem uma escala do tipo Likert, com peso de zero a três e os resultados podem variar de 0 a 30. No constructo do instrumento, não há recomendação de ponto de corte, no entanto, para uma análise na perspectiva bidimensional da imagem positiva e negativa que o indivíduo possui de si, foi adotada a pontuação 15 como ponto de corte. Logo, valores ≤15 indicam uma elevada autoestima e >15, uma baixa autoestima14-15.

Os dados coletados foram tabulados e sistematizados em planilha eletrônica do Excell^® por meio de dupla digitação, submetidos à análise estatística descritiva quantitativa onde foi possível fazer a caracterização da amostra quanto às variáveis. Para fins de resultados, consideraram-se apenas as variáveis que apresentaram associações significativas.

As distribuições dos dados utilizados na pesquisa foram analisadas através do programa Software Statistical Package for the Social Science (SPSS) for Windows, versão 21.0. Para associação estatística, foram utilizados os testes: não paramétricos qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher, para determinar se duas variáveis categóricas estão associadas entre si; o Mann-Whitney, para verificar se há uma comparação estatisticamente significativa quando não há homogeneidade das variâncias; e Kruskal-Wallis na comparação de três ou mais variáveis categóricas; considerando um nível de significância de 5%¹⁶.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Lauro Wanderley, vinculado à Universidade Federal da Paraíba, sob parecer n.º 4.663.032, no ano de 2021.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída por 131 participantes, caracterizados predominantemente por 86 pessoas (65,6%) do sexo masculino, 72 (55%) com idade entre 41 e 60 anos, 67 (51,1%) casados ou em união estável e 74 (56,5%) com ensino fundamental. Um total de 52 (39,7%) pessoas recebia aposentadoria ou benefício por incapacidade (auxílio-doença) e 89 (67,9%) contavam apenas com um salário-mínimo mensal. A maioria dos participantes, 102 (77,9%), negou consumo de bebidas alcoólicas e/ou uso de cigarros e 87 (66,4%) não praticava atividade física.

Quanto ao perfil clínico, houve predominância da forma multibacilar com 125 (95,4%) dos casos e dois terços dos entrevistados, 89 (67,9%) apresentavam até cinco anos de alta medicamentosa do esquema PQT. Até o momento da entrevista, 97 (74%) apresentaram reação hansênica e 103 (78,6%) desenvolveram algum tipo de grau de incapacidade física. A neurite acometia 84 dos entrevistados (64,1%), e 95 (72,5%) não apresentavam nenhum tipo de lesão cutânea.

Pertinente à avaliação da percepção subjetiva dos participantes em relação à QVRS, segundo média dos escores obtidos, evidenciou-se comprometimento significativo nos domínios físico, como o mais afetado, seguido do ambiental e psicológico. Enquanto no domínio social não houve comprometimento.

Observou-se associação significativa entre QVRS e algumas variáveis sociodemográficas, sobretudo, no domínio físico com sexo, nível de escolaridade e renda familiar, evidenciando maior comprometimento em: homens, pessoas não escolarizadas e com renda familiar entre 1 e 3 salários-mínimos, uma vez que os valores de p foram menores do que o nível de significância de 5%. Os domínios psicológico e social não apresentaram significância estatística com as variáveis supracitadas, conforme dados dispostos na Tabela 1.

Tabela 1
Associação entre qualidade de vida relacionada à saúde e variáveis sociodemográficas e clínicas de pessoas pós-alta por cura de hanseníase (n=131), João Pessoa, PB, Brasil, 2021

Variáveis	Domínio 1 Físico		Domínio 2 Psicológico		Domínio 3 Social		Domínio 4 Ambiental
	média	p-valor	média	p-valor	média	p-valor	média	p-valor
Sexo
Feminino	0,49	0,028‡	0,76	0,477†	1,13	0,134‡	0,76	0,999‡
Masculino	0,73		0,86		1,45		0,78
Nível de Escolaridade
Não escolarizado	1,00	0,035‡	1,06	0,115‡	1,76	0,405‡	0,94	0,148‡
Ens. Fundamental	0,61		0,80		1,28		0,69
Ens. Médio	0,41		0,78		1,03		0,86
Ens. Superior	0,50		0,75		1,25		0,75
Renda familiar
Até 1 SM*	0,58	0,043‡	0,81	0,977‡	1,30	0,808‡	0,74	0,735‡
Entre 1 e 3 SM*	0,83		0,86		1,47		0,83
Acima de 3 SM*	0,50		0,83		1,17		0,83

• ^*
  Salário mínimo vigente em 2021 (R$1.100,00);
• ^†
  p-valor obtido por meio do teste qui-quadrado de Pearson;
• ^‡
  p-valor obtido por meio do teste exato de Fisher.
Fonte: Os autores (2021).

Ao abordar questões acerca da limitação da funcionalidade relacionadas às atividades de vida diária entre os pesquisados, observou-se que expressiva maioria 113 (86,3%) apresentou algum tipo de limitação, classificadas como: 41 (31,4%) leve limitação; 29 (22,1%) moderada limitação; 27 (20,6%) severa limitação e 16 (12,2%) muito severa limitação.

De acordo com dados amostrais, durante a associação da funcionalidade com as variáveis sociodemográficas e clínicas, evidenciaram-se: participantes com limitação funcional de leve a moderado, sobretudo, homens com idade entre 41 e 60 anos, renda familiar de até 1 salário-mínimo, que não praticam nenhum tipo de atividade física, afetados pela neurite e com algum grau de incapacidade física, conforme disposto na Tabela 2.

Tabela 2
Associação entre funcionalidade e variáveis sociodemográficas e clínicas de pessoas pós-alta por cura de hanseníase (n=131), João Pessoa, PB, Brasil, 2021

Variáveis	Escores categorizados - SALSA						p-valor
	Sem limitação		Leve/Moderado		Severo/Muito severo
	n	%	n	%	n	%
Sexo							0,021†
Feminino	1	5,6	27	38,6	17	39,5
Masculino	17	94,4	43	61,4	26	60,5
Faixa etária							0,002‡
De 18 a 40 anos	11	61,1	24	34,3	6	14,0
De 41 a 60 anos	4	22,2	36	51,4	32	74,4
61 anos ou mais	3	16,7	10	14,3	5	11,6
Renda familiar							0,028‡
Até 1 SM*	9	10,1	44	49,4	36	40,4
Entre 1 e SM*	7	19,4	22	61,1	7	19,4
Acima de 3 SM*	2	33,3	4	66,7	-	-
Prática de atividade física							0,014‡
Caminhar	4	12,9	19	61,3	8	25,8
Pedalar	-	-	4	50,0	4	50,0
Outros	4	80,0	0	0	1	20,0
Nenhuma atividade	10	11,5	47	54,0	30	34,5
Neurite							0,008†
Não	7	43,8	22	34,9	4	10,5
Sim	9	56,3	41	65,1	34	89,5
GIF**							0,001†
Não	6	33,3	16	23,5	-	-
Sim	12	66,7	52	76,5	41	100

• ^*
  Salário mínimo vigente em 2021 (R$ 1.100,00);
• ^**
  Grau de Incapacidade Física;
• ^†
  p-valor obtido por meio do teste qui-quadrado de Pearson;
• ^‡
  p-valor obtido por meio do teste exato de Fisher.
Fonte: Os autores (2021).

Quanto à verificação do nível de autoestima, observou-se uma maioria expressiva de 111 (84,7%) participantes com elevada autoestima.

No que se refere à associação entre o nível de autoestima e as variáveis sociodemográficas e clínicas, constatou-se, após aplicação dos testes, que houve associação significativa entre as variáveis independentes: sexo, consumo de bebida alcoólica e/ou cigarros, renda familiar e presença de neurite nos participantes. Logo, homens que não consomem nenhum tipo de bebida alcoólica e/ou cigarros, com baixa renda familiar, mesmo na condição de afetados pela neurite, apresentam elevada autoestima, conforme disposto na Tabela 3.

Tabela 3
Associação entre autoestima e variáveis sociodemográficas e clínicas de pessoas pós-alta por cura de hanseníase (n=131), João Pessoa, PB, Brasil, 2021

Variáveis	Escores The Rosenberg Self-Esteem Scale (versão UNIFESP-EPM/Rosenberg)				p-valor
	Elevada autoestima		Baixa autoestima
	n	%	n	%
Sexo					0,003†
Feminino	32	28,8	13	65,0
Masculino	79	71,2	7	35,0
Consumo de bebida alcoólica/ cigarros					0,030‡
Etilismo	11	9,9	3	15,0
Tabagismo	6	5,4	5	25,0
Ambas	4	3,6	-	-
Nenhuma	90	81,1	12	60,0
Renda familiar					0,017‡
Até 1 SM*	70	78,3	19	21,3
Entre 1 e SM*	35	97,2	1	2,8
Acima de 3 SM*	6	100	-	-
Neurite					0,038‡
Não	32	32,0	1	5,9
Sim	68	68,0	16	94,1

• ^*
  Salário mínimo vigente em 2021 (R$1.100,00);
• ^†
  p-valor obtido por meio do teste qui-quadrado de Pearson;
• ^‡
  p-valor obtido por meio do teste exato de Fisher.
Fonte: Os autores (2021).

Quando comparados os escores da QVRS e da escala de funcionalidade, segundo variáveis categorizadas, observou-se diferença significativa nos domínios físico, psicológico e ambiental. Assim, para esses domínios, observa-se uma relação diretamente proporcional entre o comprometimento da QVRS e limitações da funcionalidade.

Ao comparar escores da QVRS e níveis de autoestima, observou-se diferença significativa em todos os domínios. Destarte, constatou-se que pessoas com elevada autoestima apresentam melhor percepção da QVRS em todos os domínios investigados, segundo descrito na Tabela 4.

Tabela 4
Comparação entre qualidade de vida relacionada à saúde, funcionalidade e autoestima de pessoas pós-alta por cura de hanseníase (n=131), João Pessoa, PB, Brasil, 2021

Whoqol-bref	Domínio 1 Físico (média)	Domínio 2 Psicológico (média)	Domínio 3 Social (média)	Domínio 4 Ambiental (média)
SALSA
Sem limitação	13,71	13,96	15,11	13,88
Leve/moderada limitação*	12,35	12,93	14,32	12,62
Severa/muito severa limitação*	11,50	12,18	13,58	11,80
p-valor	<0,001†	0,004†	0,120†	0,001†
AUTOESTIMA
Elevada autoestima	12,53	13,17	14,51	12,81
Baixa autoestima	10,77	10,90	12,40	10,92
p-valor	<0,001‡	<0,001‡	0,001‡	<0,001‡

• ^*
  Variáveis categorizadas do instrumento SALSA;
• ^†
  Teste de Kruskal Wallis;
• ^‡
  Teste Mann-Whitney
Fonte: Os autores (2021).

DISCUSSÃO

O perfil sociodemográfico encontrado no estudo corrobora os achados em outras pesquisas, com predomínio de: participantes do sexo masculino, com faixa etária de 41 a 60 anos, correspondente a uma população economicamente ativa, casados ou em união estável e baixa escolaridade, fator que pode interferir diretamente na adesão terapêutica e prática de autocuidado⁸-⁹,¹⁷.

Torna-se notório que as limitações físicas condicionadas à hanseníase impedem que as pessoas frequentemente busquem condições laborais que demandem muito esforço, movimentos precisos, delicados e que necessitem desenvolver habilidades de repetição. Com isso, tais restrições têm levado cada vez mais pessoas em busca da concessão de benefícios assistenciais como estratégia de sobrevivência em contextos familiares de baixa renda⁹.

Quanto à forma clínica tratada da hanseníase, predominou a classificação operacional multibacilar, com até 5 anos de alta por cura e algum tipo de reação hansênica até o momento da pesquisa. A maioria apresentou algum grau de incapacidade física e evidências de presença de acometimento neural, corroborando dados de estudos desenvolvidos anteriormente no contexto nacional⁸-¹⁷.

No entanto, estudos nacionais e internacionais alertam para a relevância e contribuição de grupos de autocuidado no conhecimento acerca da doença e suas possíveis consequências. Ao prevenir o surgimento ou agravamento de incapacidades, proporciona um melhor gerenciamento do cuidado integral, reduz custos com a saúde, favorece a interação social no combate ao estigma, permitindo a inserção em tempo viável aos programas de reabilitação quando necessário¹⁸-¹⁹.

Estudos desenvolvidos em países hiperendêmicos, a exemplo de Brasil e Índia, analisaram escores dos domínios da QVRS e verificou-se o domínio físico como o mais afetado, seguido do ambiental e psicológico²⁰-²². Essas condições, associadas à baixa percepção que o indivíduo tem de si, comprometem aspectos da qualidade de vida e consequentemente a realização de atividades básicas às mais complexas. No Brasil, ainda não há um instrumento específico e válido para a hanseníase que avalie a qualidade de vida relacionada à saúde dessas pessoas, logo, observa-se a necessidade de uma ferramenta capaz de permear as peculiaridades do impacto nessa população.

Por conseguinte, as variáveis sociodemográficas que demonstraram maior significância quando associadas ao comprometimento da QVRS, sobretudo aos aspectos do domínio físico, evidenciam que: indivíduo em situação de vulnerabilidade social, com baixa escolaridade e em situação de pobreza apresenta mais chance de desenvolver incapacidades físicas no contexto da hanseníase devido à baixa adesão e participação nas ações educativas de promoção à saúde²³-²⁴.

No que se refere à funcionalidade relacionada às atividades de vida diária, a maioria dos participantes apresentou algum tipo de limitação, corroborando estudo que associa essas limitações à presença de incapacidade e/ou deformidade em decorrência do processo fisiopatológico da hanseníase²⁵.

Durante associação dos escores da escala SALSA com variáveis sociodemográficas e clínicas foi possível evidenciar: significância estatística da limitação funcional, de leve a moderado entre homens em idade produtiva, com baixa renda familiar, que não praticam atividade física, afetados pela neurite hansênica e com algum tipo de grau de incapacidade física. Estudo recente desenvolvido no nordeste brasileiro verificou indicadores semelhantes para essa população, que inserida no contexto familiar em situação de vulnerabilidade financeira e social, pode ter sua produtividade e rendimento diretamente afetados, levando-os a depender de auxílios governamentais⁹. A presença de algum tipo de grau de incapacidade física, consequentemente, impede a prática regular de atividade física que poderia proporcionar hábitos de vida saudáveis.

Ao denotar nível elevado da autoestima entre os participantes, contrariando estudo anterior⁷, tal resultado pode ter sofrido influência de alguns aspectos, dentre eles, a utilização de um instrumento genérico que possa ter limitado os resultados e não ser suficiente para emergir as particularidades nessas circunstâncias. E, ao analisar a associação da autoestima com dados sociodemográficos e clínicos, constatou-se maior significância para a elevada autoestima em homens, que não consomem bebida alcoólica e/ou cigarros, com baixa renda familiar e acometidos por neurite. Considerando esse contexto, estudo vincula resultados com desfechos positivos à relevância do conhecimento e da prática do autocuidado como papel fundamental para minimizar riscos à saúde e melhorar níveis de autoestima e combate ao estigma social nessa clientela⁸,²⁶.

No tocante à comparação entre a qualidade de vida relacionada à saúde e à funcionalidade, verificou-se que participantes sem nenhuma limitação da funcionalidade apresentam melhor percepção da QVRS, especialmente, nos domínios físico, psicológico e ambiental. Segundo esse achado, desfechos da literatura científica destacam como principais aspectos: a importância de políticas públicas voltadas à hanseníase, facilidade de acesso aos serviços de saúde, efetividade na prática assistencial voltada para o diagnóstico/tratamento e incentivo ao autocuidado, com significativas ações sociais de prevenção de incapacidades física funcional, que possa sensibilizar e envolver familiares e toda a comunidade²⁵,²⁷-²⁸. Considerando o protagonismo da assistência de enfermagem nesse contexto, desde a atenção básica ao serviço de referência, a longitudinalidade do cuidado abrange intervenções que abrangem: facilitar o acesso aos serviços de saúde, promover ações de educação em saúde com foco na prevenção da infecção, manejo do tratamento, cura e possíveis implicações em decorrência desse agravo em saúde pública.

Ainda, ao comparar QVRS e os níveis de autoestima, foi possível verificar relação de reciprocidade positiva, ou seja, pessoas com elevada autoestima apresentaram melhor percepção da qualidade de vida em todos os domínios investigados. Coerente a esse desfecho, o estudo valoriza a importância dessa harmonia e ressalta a relevância do vínculo terapêutico estabelecido entre os profissionais e pacientes através dos grupos de autocuidado, considerado uma ferramenta de enfrentamento à doença, proporcionando uma melhora física e psicossocial dos participantes²⁴.

Consideram-se como limitações deste estudo a seleção dos participantes por conveniência mediante impacto decorrente das restrições sanitárias impostas pela covid-19, uma vez que a amostra alcançada durante o período de coleta de dados pode não refletir a ampla realidade da população em questão. A ausência de instrumentos específicos validados para investigar o impacto da QVRS na autoestima da população estudada, pode ter influência nos resultados encontrados. Dessa forma, recomendam-se novos estudos no intuito de aprimorar uma avaliação apuradamente, considerando-se as particularidades das pessoas afetadas pela hanseníase e seus agravos.

CONCLUSÃO

Os dados apresentados nesse estudo evidenciam comprometimentos da qualidade de vida relacionada à saúde e limitação da funcionalidade nas atividades de vida diária de pessoas no pós-alta por cura de hanseníase. Contudo, verificou-se elevada autoestima dentre os participantes mesmo diante de condições adversas relacionadas às sequelas do tratamento. Quando comparados os domínios da QVRS, funcionalidade e autoestima, o estudo constatou que pessoas sem nenhuma limitação da funcionalidade apresentam melhor percepção da qualidade de vida, sobretudo nos domínios físico, psicológico e ambiental. E, com elevada autoestima, apresentaram melhor QVRS em todos os domínios investigados.

Ante o exposto, percebe-se comprometimento e limitação em alguns aspectos durante o período pós-alta da poliquimioterapia na hanseníase, sobretudo relacionadas às questões de ordem física funcional. Logo, torna-se imprescindível um cuidado longitudinal e um trabalho interdisciplinar das equipes nessa fase terapêutica. Ao enfermeiro cabe participar ativamente no acompanhamento dessa população ante a condição crônica ocasionada pela vulnerabilidade clínica e social da doença. Recomenda-se capacitar profissionais envolvidos na perspectiva de elaborar e conduzir uma linha de cuidados voltada para essa clientela, organizar medidas assistenciais para reinserir essas pessoas à comunidade de modo a combater o estigma mediante ações educativas, prevenção de danos, incapacidades e deformidades.

• *
  Artigo extraído da dissertação do mestrado: “Qualidade de vida relacionada à saúde, autoestima e funcionalidade de pessoas em pós-alta de hanseníase”, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil, 2022.

• COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

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Editora associada: Dra. Luciana Kalinke

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  05 Ago 2023
• Aceito
  14 Fev 2024