INFLUÊNCIA DA PRÁTICA ASSISTENCIAL EM ENFERMAGEM NO TRABALHO DOCENTE^*

RESUMO:

Objetivo:

compreender a influência da prática assistencial em enfermagem no trabalho docente.

Método:

pesquisa qualitativa descritiva e exploratória, com 12 docentes concursados, atuantes nos cursos de graduação e técnico em enfermagem em uma instituição pública de ensino, na região sul do Brasil. Os dados foram coletados de junho a dezembro de 2022 por meio da técnica de grupo focal e entrevistas individuais. Para tratamento dos dados, empregou-se a Análise de Conteúdo Temática de Bardin com o auxílio do software Atlas.ti.

Resultados:

emergiram duas categorias: experiência profissional na assistência e cuidar como parte do ensino. Considerações finais: o estudo destaca a relevância da prática assistencial na formação docente em enfermagem e alerta sobre os riscos de transferir o cuidado assistencial para a sala de aula, visando preservar o processo de trabalho do docente e a formação de profissionais na área.

DESCRITORES:
Prática Profissional; Educação em Enfermagem; Docentes de Enfermagem; Ensino Superior; Educação Profissionalizante.

ABSTRACT

Objective:

To understand the impact of nursing care practices on the efficacy of teaching work.

Method:

A qualitative, descriptive, and exploratory study with 12 professors working in undergraduate and technical nursing courses at a public teaching institution in southern Brazil. Data was collected from June to December 2022 using the focus group technique and individual interviews. Bardin’s Thematic Content Analysis was used to process the data using Atlas.ti software.

Results:

Two categories emerged: professional experience in care and care as part of teaching. Final considerations: The study highlights the relevance of care practice in nursing teacher training and warns of the risks of transferring care to the classroom to preserve the teacher’s work process and the training of professionals in the area.

KEYWORDS:
Professional Practice; Education, Nursing; Faculty, Nursing; Universities; Higher Education; Education, Professional.

RESUMEN

Objetivo:

comprender la influencia de la práctica asistencial de enfermería en la labor docente.

Método:

estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio con 12 profesores que trabajan en carreras de enfermería de graduación y tecnicaturas en una institución pública de enseñanza en la región sur de Brasil. Los datos se recopilaron de junio a diciembre de 2022 mediante la técnica de grupos de discusión y entrevistas individuales. Se utilizó el Análisis Temático de Contenido de Bardin para procesar los datos, utilizando el software Atlas.ti.

Resultados:

surgieron dos categorías: la experiencia profesional en la asistencia y el cuidado como parte de la enseñanza. Consideraciones finales: el estudio destaca la relevancia de la práctica asistencial en la formación docente de enfermería y advierte de los riesgos de trasladar los cuidados asistenciales al aula, con el fin de preservar el proceso de trabajo docente y la formación de los profesionales del área.

DESCRIPTORES:
Práctica profesional; Educación en enfermería; Profesores de enfermería; Educación superior; Formación profesional.

HIGHLIGHTS

1. Enfermeiros docentes atuantes no curso técnico e graduação simultaneamente.

2. Associação da prática assistencial na construção do trabalho docente.

3. Sala de aula como ambiente similar do cuidado assistencial.

INTRODUÇÃO

A prática assistencial constitui elemento essencial na consolidação da identidade do docente de enfermagem. A imersão diária na profissão, aliada à sólida formação pedagógica, reverbera na execução prática e fortalece as competências técnicas. No entanto, para ingressar no ensino público superior, são necessários pré-requisitos fundamentais, tais como a obtenção de pós-graduação em níveis de mestrado e doutorado. Isso difere do ensino técnico, no qual a experiência na assistência é considerada suficiente¹.

Ao longo do processo formativo em enfermagem, os discentes são introduzidos em múltiplas perspectivas do cuidado, sendo uma delas a visão docente embasada em suas experiências assistenciais. Durante a graduação, a abordagem do cuidar é concebida de maneira sistêmica, baseada em raciocínio clínico e científico². Na educação técnica em enfermagem, o cuidado é aplicado de maneira prática, visando contribuir para a prestação direta de assistência ao paciente³.

Uma forma de enriquecer o processo de ensino-aprendizagem é fomentar reflexões a respeito da prática assistencial, considerando as dinâmicas da assistência em saúde. No ambiente acadêmico, dá-se início a discussões sobre a profissão de enfermagem, demandando técnicas pedagógicas, compreensão das particularidades da turma e estratégias para aprimorar a aprendizagem⁴.

Assim, torna-se imprescindível abordar a problemática do ensino relacionado ao cuidado. Uma das abordagens existentes para instruir sobre o cuidar consiste em proporcionar aos estudantes a experiência de serem cuidados, fomentando, por conseguinte, reflexões sobre seu impacto na prática profissional⁵. Outro aspecto relevante é a interconexão entre o ato de ensinar, o cuidado e a prática de cuidar².

Isso levanta a questão da possível influência da prática assistencial no ensino de enfermagem, abrangendo distintos níveis educacionais na área. Mattia⁶aponta a interferência no processo de aprendizado quando o docente carece de experiência no contexto do cuidado, contrastando com os efeitos positivos advindos da incorporação dessa vivência tanto no ambiente de sala de aula quanto nos estágios práticos.

É conhecido o espectro variado de formação na área de enfermagem e as particularidades inerentes a cada vertente profissional, bem como os obstáculos no processo educativo do cuidado. Todavia, ao considerar docentes atuantes concomitantemente em múltiplos níveis de formação, cujo início de carreira se deu no campo da assistência, emerge a reflexão sobre o papel da experiência prática na enfermagem e seus desdobramentos no exercício docente. Portanto, esse estudo foi guiado pela questão norteadora: qual é o impacto da experiência da prática assistencial em enfermagem sobre o trabalho docente? E tem como objetivo compreender a influência da prática assistencial em enfermagem no trabalho docente.

MÉTODO

Estudo qualitativo descritivo exploratório. Realizado com 12 enfermeiros docentes de um curso de Enfermagem de instituição pública, com ensino de nível técnico (1995) e graduação (2019), na região Sul do Brasil. Este estudo seguiu as recomendações do ConsolidatedCriteria for ReportingQualitativeResearch(COREQ).

A coleta de dados foi realizada de junho a dezembro de 2022 com as técnicas de Grupo Focal (GF) e entrevistas audiogravadas. Para atender aos requisitos de confiabilidade, foram utilizadas várias fontes de evidências criando um banco de dados e mantendo encadeamento das evidências.

Os critérios de inclusão foram: professoras concursadas, atuantes nos cursos de bacharelado e técnico de enfermagem, com dedicação exclusiva e mais de um ano de atuação na instituição. Excluíram-se quatro professoras em licença para capacitação, sete professores da cultura geral e dois afastados por questões de saúde.

O convite para participar da pesquisa foi realizado mediante envio de e-mails institucionais, fornecidos pela coordenadora de área. Os GFs foram iniciados com a explicação do objetivo da pesquisa via e-mail, momento também em que foi reiterada a manutenção do anonimato dos participantes. Todas as docentes responderam afirmativamente à solicitação e assinaram os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e Autorização para Gravação de Voz.

Os GFs foram conduzidos pelo pesquisador principal com o auxílio de uma pesquisadora observadora não participante. Foram realizados dois grupos, de tamanhos similares quanto ao tempo de instituição e características das áreas. Utilizou-se para a coleta de dados um roteiro semi-estruturado composto de perguntas desenvolvidas pelo pesquisador. As reuniões dos GFs tiveram duração, em média, de uma hora e trinta minutos.

Na primeira reunião, foram abordados temas relativos à experiência profissional dos docentes. Na segunda, discutiu-se o desenvolvimento do ensino de enfermagem simultaneamente nos níveis técnico e de graduação.

Na segunda etapa da pesquisa, realizaram-se entrevistas individuais com todos os participantes. As falas, representadas por meio de depoimentos, foram transcritas integralmente. Após a condução dos Grupos Focais (GFs), essas transcrições foram devolvidas aos participantes. O propósito foi identificar eventuais inconsistências nos relatos ou esclarecer pontos que tenham gerado dificuldades de compreensão.

Para a organização e construção do banco de dados, os documentos de texto foram inseridos no software ATLAS.ti 22 (QualitativeResearchandSolutions). A partir dessa inclusão, foi criada uma unidade hermenêutica (HU) denominada ‘Insegurança Docente’ e cada documento recebeu um código gerado pelo software chamado ‘PrimaryDocuments’ (PDs).

Com a inserção do material no software, foram realizadas leituras detalhadas e organizadas por similaridade, por meio dos códigos emergentes identificados durante a análise. O processo seguiu a metodologia da Análise de Conteúdo de Bardin, compreendendo suas três fases: 1. Pré-análise, 2. Exploração do material e 3. Resultados e interpretação dos dados.

A fase de pré-análise deste estudo compreendeu uma leitura minuciosa do material extraído das transcrições dos áudios dos Grupos Focais (GFs) e das entrevistas. Durante a exploração desse corpus, foi realizada uma análise mais aprofundada visando à categorização dos dados, a partir da construção de elementos constitutivos que culminaram na formação de categorias iniciais. Estas, por sua vez, foram posteriormente reorganizadas seguindo critérios e semelhanças predefinidos. Nessa etapa, as categorias primárias foram minuciosamente revisadas para agrupar similaridades, estruturar os dados e eliminar redundâncias, resultando na formação de categorias intermediárias. Na fase de interpretação, os dados foram integrados para compor duas categorias principais: “experiência profissional na assistência” e “cuidar como parte do ensino”.

A presente pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Paraná, sob o número 5.426.053. Antes da realização das gravações de áudio, foram obtidas autorizações e coletadas assinaturas nos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos participantes.

Para assegurar o anonimato dos envolvidos, adotou-se a codificação por meio de letras (D para docente de enfermagem, G para grupo focal, E para entrevista) seguidas de números ordinais (DG1, DG2, DG12… DE1, DE2, DE12). Tal procedimento foi utilizado para referenciar os sujeitos e os momentos específicos das falas mencionadas.’

RESULTADOS

Os participantes eram servidores públicos com dedicação exclusiva no âmbito do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), sendo 11 mulheres e um homem. Todos atuavam no curso de graduação e técnico de enfermagem, em disciplinas variadas. Quanto ao nível de formação educacional, a composição neste estudo abrangeu: graduação em enfermagem, especialização em enfermagem e saúde, uma participante foi enfermeira residente, quatro mestres e oito doutores. Todos exerceram a função de enfermeiros na assistência antes de ingressarem na docência, e, antes do concurso, seis deles atuavam simultaneamente na assistência e na docência. O tempo de serviço na docência varia entre dez e 20 anos, enquanto na assistência varia entre cinco e 15 anos.

A categoria “experiência profissional na assistência” foi identificada como um elemento que confere segurança ao processo de ensino, conforme destacado pelos docentes de enfermagem. Apontou-se a experiência como um recurso relevante tanto para a preparação de aulas quanto para as atividades práticas e os estágios. A prática assistencial no cuidar foi mencionada como uma parte integrante do processo de ensino, contribuindo para o aprendizado dos alunos. Isso se alinha à compreensão do papel do enfermeiro e do técnico de enfermagem, como evidenciado no trecho a seguir.

Primeiramente tem de ter muita experiência profissional assistencial para saber a função e competência do técnico e do enfermeiro. E assim, pela minha experiência profissional, consigo fornecer ao técnico o conteúdo necessário. (DG5)

As docentes expressaram confiança ao retornar aos campos de prática e estágios devido à sua experiência como enfermeiras assistenciais. Elas destacam que a experiência na assistência, o contato com pacientes e equipes de enfermagem se convertem em exemplos concretos, enriquecendo as discussões de conteúdo ao longo do ensino em sala de aula e nos estágios.

Trago exemplos vividos [na assistência] e principalmente [para] não cometer erros, seja no técnico ou na graduação. (DG6)

Alguns dos docentes, durante o tempo na assistência, trabalhavam no curso técnico. Com isso, as docentes percebem na prática assistencialista a possibilidade de desenvolver a capacidade de liderança e trabalho em equipe, nas atividades desempenhadas em sala de aula, afirmado pela fala a seguir.

Os professores têm chegado [para dar aula] sem experiência da prática assistencial. E não tiveram o contato com o funcionário, não lidaram com a equipe técnica. Quando temos essa bagagem assistencialista [...] têm a ideia de como lidar com funcionário e ser líder da equipe. [...] Aprende-se a trabalhar em equipe e nossa equipe é a sala de aula. (DE 8)

Nessa transferência do cuidar assistencial, à sala de aula passa-se a ter o discente como um modelo de paciente, carregando as características assistencialistas. Podemos perceber esse movimento pela fala seguinte.

É como se o aluno fosse meu usuário, sem prestar assistência em saúde, mas vou tentar ensiná-lo os conteúdos da disciplina para o crescimento e fazê-lo tornar-se um excelente profissional. (DE 2)

O “cuidar como parte do ensino” demonstra a estruturação da sala de aula como um espaço de equipe, estabelecendo uma relação entre o docente e o discente. Dessa maneira, os docentes consideram os discentes como integrantes de sua equipe, atuando colaborativamente no cuidado e na assistência conjunta. Isso permite transcender os aspectos pedagógicos da sala de aula para abordar necessidades pessoais e de interação, promovendo o desenvolvimento de habilidades de gerenciamento, resolução de conflitos e aprimoramento da capacidade de escuta e acolhimento. Os docentes atribuem essa característica à natureza do curso de enfermagem, o qual se concentra no cuidado e na promoção do bem-estar por meio do trabalho, como evidenciado nos depoimentos a seguir:

Trazemos nosso lado assistencial ao aluno, procuramos não só dar a aula, fazemos assistência em sala de aula e isso traz uma sobrecarga ao professor. (DG 4)

Já ser enfermeiro tem dessa coisa, do cuidar, então a gente pega esse aluno e bota no peito [...] A nossa profissão é do cuidado. Passamos a vida falando aos alunos da enfermagem ser a profissão do cuidado e não vamos cuidar do colega ou do aluno? (DG 3)

Os participantes da pesquisa expressaram preocupação e empenho em garantir a permanência dos discentes no curso. Assumindo um papel acolhedor, mostram-se receptivos para ouvir e oferecer suporte na resolução de determinados problemas enfrentados pelos discentes. Além disso, buscam orientá-los para os setores institucionais que possam auxiliá-los na resolução de questões pessoais. No entanto, alertaram para a possibilidade de esse mecanismo gerar sobrecarga aos docentes, o que, em alguns casos, pode levar ao adoecimento.

Isso é ótimo [de acolher o aluno] e ao mesmo tempo preocupante porque acaba sendo um fator de adoecimento a nós professores. (DE 2)

A problemática relacionada ao acolhimento é antiga, segundo as falas dos participantes. O desejo de resolver os problemas dos discentes era visto como um atributo do ser acolhedor, ao gerar um vínculo entre o discente e o docente acolhedor. Cria-se um vínculo com o discente, principalmente no curso técnico. E essa natureza cuidadora está intrínseca na formação do ser enfermeiro.

Penso ser da formação pedagógica do enfermeiro, está enraizado no ser professor. A formação do enfermeiro é pedagógica. [...] Tem de pensar no outro. (DE 9)

Essa postura protetora em relação aos discentes foi identificada durante outras atividades institucionais dos docentes, ao comparar o comportamento dos docentes de enfermagem com os de outros cursos da instituição. Nas reuniões entre as coordenações de cursos, por exemplo, ressalta-se a relevância desse elemento do cuidado, notável no contexto do curso de enfermagem.

Transferimos a assistência ao aluno. Estou como coordenadora na graduação, e agora em cargo de gestão, em contato com outros cursos, esse cuidado é nosso. Gerenciamos, conduzimos o curso de uma maneira diferente. (DG 5)

É crucial buscar compreender o discente e suas dificuldades, especialmente, aquelas ligadas ao processo de aprendizagem. Os docentes de enfermagem destacam essa preocupação entre seus pares, às vezes, demandando a criação de estratégias, como grupos de apoio, para compreender as dificuldades enfrentadas pelos discentes.

Nós da enfermagem ficamos tentando compreender, faz-se reunião para discutir sobre um aluno. (DE 10)

DISCUSSÃO

Os docentes utilizam a prática assistencial como suporte para a docência. Devido às suas atividades profissionais na assistência, como enfermeiros, conseguem compreender as responsabilidades técnicas. Isso possibilita a redução dos desafios ao ensinar em dois níveis simultaneamente, além de permitir o desenvolvimento de qualidade nos campos de prática e estágio por meio da experiência profissional.

A primeira categoria destaca a viabilidade de promover segurança no ensino e nos estágios por meio da interação entre os profissionais de saúde, a prestação direta de cuidados ao paciente e o papel de liderança na equipe. No entanto, é crucial ressaltar e refletir sobre a importância, ao longo da formação do profissional de enfermagem, do desenvolvimento de habilidades pedagógicas para lecionar em diferentes contextos de saúde e lidar com os diversos obstáculos que surgem na supervisão clínica prática⁷.

As discussões em sala de aula são fundamentadas nas experiências profissionais prévias. Isso estimula os discentes a fazerem perguntas e esclarecerem dúvidas, permitindo que os docentes compartilhem suas experiências na assistência, oferecendo insights reais e contribuindo para a redução de erros. Nesse sentido, a literatura indica o uso da simulação realística. Esse método no processo de ensino-aprendizagem contribui para a formação ao refletir a prática e os erros na assistência, proporcionando aos discentes uma experiência próxima da realidade⁸-⁹, além de ser um método que traz autoconfiança e satisfação ao discente¹⁰. Ressalta-se a importância da prática clínica na criação dos espaços de simulação visando à redução de erros assistenciais¹¹-¹².

No entanto, para empregar estratégias pedagógicas mais ativas, é necessário investir na formação dos docentes. Percebe-se na literatura¹³-¹⁴ debate referente à ausência de preparo pedagógico e de estratégias educacionais na formação do docente do curso técnico de enfermagem, especialmente após a mercantilização da educação privada no ensino profissionalizante, influenciada pelo modelo econômico vigente¹⁵-¹⁶. No entanto, o cenário identificado entre os docentes pesquisados aponta uma realidade divergente no que tange ao estímulo para a busca deformação continuada, enfatizando a importância do ensino público e a relevância inerente a esse tipo de desenvolvimento educacional.

O processo de formação e capacitação viabiliza a reflexão sobre a prática docente, considerando a compreensão do papel do ensino na atuação como enfermeiro assistencial. Na pesquisa, os docentes estabelecem um paralelo entre a educação no serviço assistencial e o trabalho em sala de aula. Sabe-se da importância da educação permanente e continuada nos serviços de saúde e como ferramenta importante no processo de trabalho do enfermeiro¹⁷-¹⁸ e do técnico de enfermagem¹⁹. Isso destaca a relevância de implementar métodos pedagógicos reflexivos e práticos tanto na formação de nível médio quanto superior, com o intuito de habilitar os profissionais a se engajarem na prática educativa em saúde, possibilitando sua capacitação já durante o processo formativo.

Na segunda categoria, observa-se a transição do cuidado assistencial para o âmbito educacional, onde os discentes são reconhecidos como integrantes da equipe de saúde. Esta mudança demanda uma reflexão cuidadosa sobre a abordagem pedagógica adotada, considerando especialmente o aumento das responsabilidades e a potencial sobrecarga no trabalho docente.

Paralelamente, ao tratar a sala de aula como um ambiente análogo ao de cuidados de saúde e os discentes como uma equipe de enfermagem, os docentes, valendo-se de suas experiências como enfermeiros assistenciais, ressaltam sua habilidade em gerenciar desafios, tanto pedagógicos quanto sociais. Esta analogia sublinha a capacidade de os educadores integrarem suas competências assistenciais no ambiente educativo, promovendo uma gestão única das dinâmicas de sala de aula.

Este enfoque se alinha com os achados de uma pesquisa²⁰, onde os docentes incorporam elementos de assistência à dinâmica da sala de aula, como atenção ao cansaço, alimentação e incentivo a hábitos saudáveis entre os alunos. Tal convergência destaca a importância da intervenção dos docentes não apenas na instrução acadêmica, mas também na promoção da saúde durante o processo educativo. Assim, fica evidente que a abordagem dos docentes vai além do ensino tradicional, abrangendo o bem-estar físico e mental dos alunos, um aspecto crucial para um desenvolvimento holístico e integral durante a formação²⁰.

Nesse contexto, ressalta-se o relevante papel desempenhado pelo docente na formação em enfermagem, em diferentes níveis, como um incentivador de perspectivas que vão além da mera construção do conhecimento disciplinar. Atua como um agente influenciador na disseminação da prática do cuidado em enfermagem, pautada pela humanidade e pelo respeito. Através dessas iniciativas de promoção do bem-estar, busca-se estabelecer um ambiente na sala de aula favorável ao ensino, fomentando a reflexão sobre a inovação e a adaptação de técnicas e cuidados direcionados ao paciente²⁰-²¹.

Diante da concepção da sala de aula como uma equipe de trabalho de enfermagem, percebe-se a utilização de resolução de problemas vivenciados pelo docente, na prática, aplicada ao ambiente de ensino. A pesquisa evidencia o uso dessa abordagem de resolução de problemas em sala de aula, indo além das questões pedagógicas, como fator gerador de sobrecarga e, potencialmente, provocador de impactos na saúde do docente.

Considerando a realidade do ensino público que se baseia nos pilares de ensino, pesquisa e extensão, questiona-se a possibilidade do acúmulo excessivo de carga emocional enfrentado pelos professores ao tentarem lidar com as dificuldades dos alunos, incluindo questões pessoais.

Adicionalmente, nota-se o acúmulo de carga e angústia resultantes das tentativas de solucionar desafios utilizando estratégias provenientes da experiência assistencial somadas à falta de engajamento dos discentes nos estudos, o que pode agravar a aflição experimentada pelo docente. Um estudo com docentes do curso técnico de enfermagem²² evidenciou sofrimento moral experimentado pelos docentes devido às atitudes dos discentes em sala de aula, incluindo comportamentos como falta de comprometimento com a profissão e com o processo de ensino-aprendizagem.

E, essas ações influenciadas pela prática assistencial de cuidado refletida ao discente, levam-nos a questionar e a refletir sobre o modelo educacional em enfermagem; sobre como essa relação entre docente e discente de modelo assistencial, apontada por este estudo, pode ser prejudicial e gerar uma sobrecarga maternalista que ultrapassa a dinâmica entre docente e discente, afetando também o compromisso educacional.

Esse sentimento maternalista dos docentes em relação aos discentes evidencia a característica neoliberal da educação atual. Os docentes tendem a assumir o papel do Estado na garantia da permanência dos discentes no curso, reflexo da individualização da educação. Nesse contexto, o discente precisa desenvolver estratégias para se manter na escola²³.

Não é intenção do presente estudo esgotar as discussões nem oferecer soluções para a dificuldade de permanência dos discentes na instituição, no entanto, é pertinente questionar o obstáculo e a responsabilização exclusiva do docente pela ausência de políticas públicas que promovam a permanência escolar.

Autor²⁴ analisou a evasão nos cursos técnicos de uma instituição pública e evidenciou uma realidade semelhante em todo o país, bem como a falta de estratégias para lidar com essa situação. Isso reflete, ainda, a crença generalizada de que a educação pública é um ambiente associado ao fracasso, contribuindo para o estigma em relação ao serviço público de ensino.

A transferência do cuidado prestado na assistência para a sala de aula fica evidenciada neste estudo como um ponto de sobrecarga e adoecimento para os docentes. Uma pesquisa internacional aborda a relevância da liderança dos docentes na saúde mental dos estudantes, mostrando como isso influencia positivamente o desempenho acadêmico. No entanto, ressalta a falta de apoio institucional à saúde dos docentes de enfermagem²⁵.

Com isso, ao levar à sala de aula a visão de equipe de saúde, pode proporcionar à relação entre docente-discente uma característica similar aos campos de atividade prática. E isso pode gerar um nível de estresse, insegurança e, principalmente, interferir no processo de ensino-aprendizagem²⁶.

Percebe-se na pesquisa a dedicação ao discente como característica dos cursos de enfermagem transferida à sala de aula através das práticas didático-pedagógicas e atitudes da coordenação, por ser uma profissão do cuidar. Um estudo realizado com discentes de enfermagem na Noruega constatou a construção da compreensão do cuidar, enquanto ciência, através do processo de ensino-aprendizagem na formação⁵.

A prática do cuidado e da reflexão crítica na formação em enfermagem se inicia em sala de aula por meio da atuação e envolvimento ativo do corpo docente. O estímulo oferecido aos estudantes em relação ao conhecimento das teorias de enfermagem começa com a importância atribuída pelo docente. O ensino do cuidado emerge inicialmente nos projetos pedagógicos dos cursos, abordando modelos, conceitos e práticas, além de considerar como os estudantes se sentem cuidados e como isso influencia como percebem o ato de cuidar²⁷-²⁹.

A enfermagem, por meio da sistematização do cuidado, busca estratégias e métodos para aplicar essa atividade à profissão. No entanto, é crucial analisar, enquanto docentes, como construir o ensino do cuidado sem estar diretamente cuidando? Além disso, considerando a complexidade do processo de ensino-aprendizagem, como podemos avaliar o ensino do cuidado? Os valores e o primeiro contato dos estudantes com a prática do cuidar são mediados pelo docente, ressaltando, assim, a importância, a responsabilidade e a elaboração pedagógica do docente na área da enfermagem².

A compreensão dos docentes desta pesquisa considera relevantes as características individuais dos discentes, importância da participação nas aulas, preocupação com o crescimento intelectual e técnico, e relações interpessoais e esse ponto foi encontrado em consonância com outro estudo similar³⁰.

No entanto, destaca-se a particularidade da conjuntura desta pesquisa por envolver os mesmos docentes de enfermagem nos dois níveis. Assim, observa-se nos estudos internacionais abordados nesta discussão uma característica compartilhada por docentes de graduação em enfermagem em contextos culturais e acadêmicos distintos, os quais, apesar das diferenças, convergem com os resultados encontrados neste estudo.

Como limitação deste estudo é a escassez de literatura que permita a discussão e comparação com outras realidades, que apresentem peculiaridades semelhantes ao caso estudado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O corrente estudo aponta a importância da vivência assistencial da enfermeira na construção das atividades pedagógicas de ensino. E isto está atrelado à construção docente e possibilita trabalhar em cima de uma realidade de assistência prática voltada à construção do saber profissional discente e suas necessidades enquanto profissionais.

Todavia, percebem-se os riscos de adoecimento aos docentes de enfermagem por levar o assistencialismo à sala de aula, tentando compensar as faltas de políticas institucionais de permanência discente, atendendo e absorvendo as demandas pessoais no intuito de resolver para ocasionar a permanência no curso.

Este estudo apresenta implicações de grande relevância para a enfermagem, ao discutir a importância da prática assistencial no trabalho docente. Igualmente, salientam-se os perigos de replicar as práticas de cuidado assistencial na sala de aula, considerando as diferenças de contexto e responsabilidades. Tal precaução visa proteger o docente e preservar seu processo de trabalho, de significativa importância social, sobretudo no que tange à formação de profissionais de excelência na área da enfermagem.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa 1D de produtividade de um dos autores, com o projeto n.º 308685/2019-9. E ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) pela bolsa de doutorado (cod.001).

• *
  Artigo extraído da tese de doutorado: “Processo de trabalho docente no ensino dos cursos técnico e de graduação em enfermagem: um estudo de caso”, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil, 2023.

• COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

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Editora associada: Dra. Luciana Kalinke

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  21 Ago 2023
• Aceito
  22 Jan 2024