Open-access QUALIDADE DOS SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS: ASSOCIAÇÃO COM CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS E DE AUTOPERCEPÇÃO*

RESUMO

Objetivo:  associar variáveis sociodemográficas com a autopercepção de usuários da atenção primária à saúde.

Método:  estudo transversal, com 222 usuários dos serviços odontológicos de 15 unidades de atenção primária de município de médio porte do Rio Grande do Sul, Brasil. Foram utilizados questionários com perfil sociodemográfico, a autopercepção e o Primary Care Assessment Tool Brasil saúde bucal. Para comparações dos escores testes t-Student para grupos independentes e ANOVA (one way) - Post Hoc Sheffé.

Resultados:  usuários com menor renda familiar (p=0,016) menor escolaridade (p=0,027) e que precisavam fazer ou trocar a prótese dentária (p=0,020) obtiveram associação significativa no atributo utilização dos serviços. Quanto à acessibilidade, as variáveis dor de dente (p=0,021) e satisfação com a saúde bucal (p<0,001) apresentaram associações significativas. No atributo sistema de informação, quanto maior o número de consultas (p=0,012) melhor o escore.

Conclusão:  foram verificadas associações significativas das variáveis sociodemográficas e de autopercepção em saúde bucal com as médias dos escores.

DESCRITORES: Qualidade da Assistência à, Saúde; Serviços de Saúde Bucal; Atenção Primária à, Saúde; Percepção; Odontologia.

ABSTRACT

Objective:  To associate sociodemographic variables with the self-perception of primary health care users.

Method:  Cross-sectional study with 222 users of dental services from 15 primary care units in a medium-sized city in Rio Grande do Sul, Brazil. Questionnaires with sociodemographic profile, self-perception, and the Primary Care Assessment Tool Brasil oral health were used. For comparisons of t-Student test scores for independent groups and ANOVA (one way) - Post Hoc Sheffé.

Results:  Users with lower family income (p=0.016), lower education (p=0.027), and who needed to make or replace dental prostheses (p=0.020) showed a significant association in the attribute of service utilization. Regarding accessibility, the variables toothache (p=0.021) and satisfaction with oral health (p<0.001) showed significant associations. In the information system attribute, the higher the number of queries (p=0.012), the better the score.

Conclusion:  Significant associations were found between sociodemographic variables and self-perception of oral health with the mean scores.

KEYWORDS: Quality of Health Care; Dental Health Services; Primary Health Care; Perception; Dentistry.

RESUMEN

Objetivo:  asociar variables sociodemográficas con la autopercepción de los usuarios de la atención primaria de salud.

Método:  estudio transversal, con 222 usuarios de los servicios odontológicos de 15 unidades de atención primaria de un municipio de tamaño mediano de Rio Grande do Sul, Brasil. Se utilizaron cuestionarios con perfil sociodemográfico, la autopercepción y el Primary Care Assessment Tool Brasil salud bucal. Para comparaciones de las puntuaciones pruebas t-Student para grupos independientes y ANOVA (one way) - Post Hoc Sheffé.

Resultados:  usuarios con menor ingreso familiar (p=0,016) menor escolaridad (p=0,027) y que necesitaban hacer o cambiar la prótesis dental (p=0,020) obtuvieron asociación significativa en el atributo utilización de los servicios. En cuanto a la accesibilidad, las variables dolor de dientes (p=0,021) y satisfacción con la salud bucal (p<0,001) mostraron asociaciones significativas. En el atributo sistema de información, cuanto mayor es el número de consultas (p=0,012) mejor es la puntuación.

Conclusión:  se verificaron asociaciones significativas de las variables sociodemográficas y de autopercepción en salud bucal con los promedios de las puntuaciones.

DESCRIPTORES: Calidad de la Atención de Salud; Servicios de Salud Bucal; Atención Primaria de Salud; Percepción; Odontología.

HIGHLIGHTS

Usuários com menor renda, escolaridade e que necessitam de prótese dentária avaliaram melhor o componente utilização.

Usuários com dor dentária e insatisfeitos com a sua saúde bucal, avaliaram pior a acessibilidade ao serviço.

Existe associação das variáveis sociodemográficas e de autopercepção em saúde bucal com médias dos escores.

INTRODUÇÃO

A odontologia, inserida nos serviços públicos de saúde, historicamente representou um modelo curativista centrado nos principais agravos de saúde bucal. O processo de reorientação do cuidado odontológico, pautado nos princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS), resultou na Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), construída em 2004, e conhecida com o título de Brasil Sorridente1-2.

Contudo, mesmo com a presença das Equipes de Saúde Bucal (ESBs) na Atenção Primária à Saúde (APS), as diversas demandas atendidas pela Odontologia nem sempre representam a real necessidade da população. A qualidade dos serviços precisa considerar os contextos estruturais de trabalho e as questões socioeconômicas dos usuários que utilizam esses serviços. Além disso, a autopercepção em saúde bucal (ASB) também configura importante indicador que influencia o uso dos serviços de saúde e o grau de satisfação dos usuários3-5.

O instrumento Primary Care Assessment Tool (PCATool) propõe avaliação da qualidade dos serviços de saúde a partir da identificação da presença e extensão de atributos da APS. Os atributos essenciais são: acesso de primeiro contato (utilização e acessibilidade), longitudinalidade, integralidade (serviços disponíveis e serviços prestados) e coordenação (integração de cuidados e sistemas de informações). Já os atributos derivados são: orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural. A presença desses atributos e seus componentes representa maior satisfação dos usuários e melhores indicadores que impactam positivamente o estado de saúde das pessoas6-7.

O Ministério da Saúde recomenda o uso do Primary Care Assessment Tool (PCATool) para avaliação e monitoramento da qualidade da APS, no entanto, há a necessidade de mais estudos que verifiquem a qualidade da saúde bucal no Brasil8. Além disso, na literatura há uma escassez de estudos que evidenciem possíveis fatores sociodemográficos e de autopercepção que influenciem na avaliação dos atributos por parte dos usuários dos serviços odontológicos da APS9-12.

Nesse sentido, identifica-se uma lacuna do conhecimento, requerendo novos estudos que verifiquem as variáveis sociodemográficas e de autopercepção em saúde que possam exercer influência na avaliação e identificação da presença e extensão dos atributos da APS, justificando a realização deste estudo. Resultados poderão identificar potencialidades e fragilidades, além de auxiliar nos processos de gestão e gerenciamento em saúde, no sentido de aprimorar os serviços odontológicos. Assim, estudo tem por objetivo associar variáveis sociodemográficas com a autopercepção de usuários da atenção primária à saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, realizado conforme preconiza a ferramenta STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology). O estudo foi desenvolvido em um município de médio porte do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, com população de 83.764 habitantes que conta com 15 unidades de saúde da APS que possuem Equipe de Saúde Bucal (ESB). A população de estudo consistiu em usuários dos serviços odontológicos das unidades de saúde com e ESBs. Critérios de inclusão: usuários que residiam na área de abrangência há pelo menos um ano, com idade superior a 18 anos e tivessem comparecido ao menos a uma consulta com dentista da unidade no último ano. Foram excluídos aqueles que apresentavam limitações cognitivas que impossibilitaram a compreensão da pesquisa e dos itens do questionário.

O número de participantes do estudo foi calculado a partir do número total de cadastrados nas unidades de saúde com ESBs, totalizando o quantitativo mínimo de 222 usuários. Para isso, utilizou-se por base de cálculo um poder amostral de 80% (1-β= 0,20), um nível de significância de 5% (α=0,05) e uma margem de erro máxima de 12,5%. A amostra foi calculada por unidade de saúde, garantindo uma distribuição proporcional de participantes.

Dos cadastrados das unidades, foram sorteados 4.874 usuários e verificados os critérios de inclusão no prontuário eletrônico. Destes, 386 atendiam ao critério de ter tido ao menos uma consulta odontológica no período de um ano. Posteriormente, foi realizada a tentativa de contato telefônico ou presencial por meio de visita domiciliar, para apresentação da pesquisa e agendamento de coleta na unidade de saúde ou domicílio. Foram realizadas até três tentativas de contato com cada participante, em dias e horários diferentes. Dos pacientes identificados que acessaram os serviços odontológicos, 45 usuários se recusaram a participar, 42 não foram localizados e 70 usuários agendaram a coleta mas não compareceram. Também houve sete pacientes que não preencheram outros critérios da pesquisa, sendo excluídos.

A coleta de dados realizou-se entre fevereiro e julho de 2022. Para perfil sociodemográfico e de autopercepção em SB, foi utilizado um questionário estruturado elaborado pelos pesquisadores. Os atributos da APS foram avaliados utilizando o instrumento validado, PCATool Brasil SB versão para pacientes adultos13.

O (PCATool) objetiva avaliar a qualidade dos serviços de saúde por meio da presença e extensão de quatro atributos essenciais (acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado) e três derivados (orientação familiar, comunitária e competência cultural)13.

No que se refere ao acesso, consideram-se elementos relacionados à acessibilidade e utilização do serviço; o atributo longitudinalidade refere-se à atenção continuada ao longo do tempo; a integralidade remete à disponibilidade e prestação dos serviços na APS com ênfase na visão global do sujeito; e, por fim, a coordenação da atenção, que refere ao sistema de informações e integração do cuidado realizado nos serviços de saúde, tendo a Atenção Primária como ordenadora da rede. Dentre os atributos derivados a “orientação familiar” busca identificar fatores familiares que influenciam na saúde; a “orientação comunitária”, está relacionada com as necessidades da comunidade; e a “competência cultural” com o conhecimento de questões culturais específicas7.

O PCATool SB Brasil, versão validada para pacientes adultos, contempla 86 itens, distribuídos em 10 componentes, sendo eles: Afiliação, Acesso Primeiro Contato - Utilização, Acesso Primeiro Contato - Acessibilidade, Longitudinalidade, Coordenação - Integração de Cuidados, Coordenação- Sistema de Informações, Integralidade - Serviços Disponíveis, Integralidade - Serviços Prestados, Orientação Familiar e Orientação Comunitária6.

Os escores são obtidos pela soma dos valores das respostas dividida pela quantidade total de itens do respectivo componente e transformados em valores com variação de 0 a 10, sendo que escores maiores que 6,6 são considerados satisfatórios, indicando a presença do atributo mensurado6.

Utilizou-se a estatística descritiva para análise das variáveis, envolvendo as distribuições absoluta e relativa, bem como as estimativas para média e desvio padrão, complementadas pelo Intervalo de Confiança de 95% (IC 95%). Foi utilizado o teste de Kolmogorov Smirnov para verificar a normalidade da distribuição dos dados. Nas comparações dos escores dos atributos com as variáveis foram empregados os testes t-Student para grupos independentes, bem como a ANOVA (One Way) - Post Hoc Sheffé. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p≤0,05. O tratamento estatístico foi realizado com o auxílio do programa Statistical Package for Social Sciences versão 25.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA, 2018) para Windows.

Esta pesquisa foi aprovada sob parecer consubstanciado número 5.156.499 de 9 de dezembro de 2021, do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil.

RESULTADOS

Participaram do estudo 222 usuários. A idade dos participantes variou de 18 a 81 anos, com média de 48,4 (±15,1) anos. Quanto à caracterização sociodemográfica, prevaleceu o sexo feminino (71,2%), a cor branca/amarela (65,5%), o estado civil casado/vive em união (60%) e com filhos (85,6%).

A maioria dos participantes havia realizado de duas a três consultas no último ano (41,9% - n=93) e não tinha sentido dor de dente nesse período (52,7%). Quanto à autopercepção em saúde bucal, 81,5% consideravam estar precisando de tratamento odontológico e 57,2% percebiam não estar precisando de reabilitação por prótese dentária. Além disso, houve uma prevalência de satisfação com a sua saúde bucal (56,3%) e com a capacidade de mastigação (61,3%); e insatisfação com a sua estética bucal (54,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização de usuários assistidos pela ESB da APS. Ijuí, RS, Brasil, 2022

Na Tabela 2 observa-se a relação dos componentes referentes ao atributo acesso de primeiro contato com variáveis sociodemográficas e de autopercepção em saúde bucal. O componente utilização apresentou associação estatisticamente significativa com as variáveis renda (p=0,016), escolaridade (p=0,027) e autopercepção de necessidade de prótese (p=0,020). Verificaram-se médias superiores na avaliação de usuários com renda até um salário mínimo (9,68±0,74), com ensino fundamental incompleto (9,58±;0,97) e com autopercepção de necessidade de prótese (9,43±; 1,13).

Tabela 2
Média, desvio padrão e IC95% (µ) para os escores dos componentes do atributo acesso de primeiro contato em comparação a renda, instrução, necessidade de prótese, percepção de dor e satisfação com a saúde bucal. Ijuí, RS, Brasil, 2022

Em relação ao componente acessibilidade, as variáveis “dor de dente” e “satisfação com a SB” apresentaram associações significativas nas avaliações dos usuários, com p=0,021 e p<0,001 respectivamente. Observou-se uma avaliação pior dos usuários que tiveram dor dentária no último ano (4,94±1,71) e que se consideravam insatisfeitos com a sua saúde bucal (4,76±1,69) (Tabela 2).

As médias do componente sistema de informações apresentaram valores crescentes de acordo com o número de consultas, evidenciando-se que, quanto maior o número de consultas, maior foi o escore final (p=0,012). A maior média ocorreu entre os usuários que fizeram mais de cinco consultas no mesmo período (7,18±) (Tabela 3).

Tabela 3
Média, desvio padrão e IC95% (µ) para os escores dos componentes acessibilidade e sistema de informação; em comparação a dor, saúde bucal e número de consultas. Ijuí, RS, Brasil, 2022

Percebe-se, na Tabela 3, que a variável “Número de residentes no domicílio” apresentou associação significativa como o componente Serviços Disponíveis, sendo que, quanto mais pessoas residentes, maior foi a média final (p=0,027). Já, no componente serviços prestados, a média foi significantemente menor (p=0,006) dentre os idosos (3,72). Ainda, o atributo derivado orientação familiar teve médias com diferença estatística (0,013) quando relacionado com a variável “dor de dente”, com pior avaliação entre participantes que relataram ter tido dor dentária no último ano (4,96) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Resultados apontam que os escores obtidos foram influenciados por variáveis sociodemográficas e de autopercepção em saúde bucal, fato observado nos atributos acesso de primeiro contato (Acessibilidade e Utilização), coordenação do cuidado (Sistema de Informações), integralidade (serviços disponíveis e serviços prestados) e orientação familiar. Em outro estudo, realizado com 407 usuários, observou-se que, entre as variáveis sociodemográficas, a variável renda esteve associada com os escores encontrados11.

O PCATool SB Brasil divide o atributo Acesso de Primeiro Contato em dois componentes com questões específicas: utilização e acessibilidade6. Na análise do componente utilização, foi possível identificar que pessoas com menor renda familiar (0,016), menor escolaridade (p=0,027) e que precisavam fazer ou trocar a prótese dentária (0,020) tiveram uma média de utilização dos serviços significantemente maior.

Existe relação direta entre as variáveis renda e escolaridade, uma vez que indivíduos com maior nível de escolaridade tendem a apresentar maiores salários. Nesse contexto, o SUS frequentemente representa a principal ou única forma de acesso das pessoas de baixa renda aos serviços de saúde, favorecendo uma utilização maior da APS por esse público14-15.

No entanto, vale ressaltar que, mesmo dentre os usuários com maiores renda e escolaridade, a média de avaliação do componente utilização esteve satisfatória. Observa-se, no cenário econômico atual, uma crescente utilização dos serviços públicos, fato explicado pela dificuldade dos usuários de terem condições financeiras de manter um serviço privado. Dessa forma, aumenta o desafio de garantir um cuidado integral e acesso universal para toda a população, principalmente, em um momento pandêmico mundial pela Covid 19 associado ao subfinanciamento do SUS16-17.

Este estudo mostrou uma associação positiva entre o componente “utilização” e a “necessidade de prótese”, ou seja, usuários que percebiam estar necessitando trocar ou fazer uma reabilitação por prótese dentária tiveram média de utilização do serviço de saúde significativamente maior. Isso pode ser explicado através do protocolo municipal de Saúde Bucal, que tem por orientação a necessidade do encaminhamento para o serviço de prótese via atenção básica e com tratamento concluído.

A perda de dentes é problema de saúde pública, devido à alta prevalência e aos danos estéticos, fonéticos e diminuição de capacidade mastigatória. No Brasil, cerca de 15,4% dos idosos de 65 a 74 anos de idade são totalmente edêntulos, necessitando de prótese total em ambos os arcos dentários, e 17,9% são edêntulos totais em ao menos um arco dentário18-19.

Dentre as ações previstas na PNSB está a previsão da reabilitação por prótese no SUS, através dos Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias - LRPDs20. O município investigado neste estudo possui um LRPD, no entanto, o tempo de espera para o acesso a esse serviço é de aproximadamente nove meses. É relevante que se busquem estratégias de aumento na cobertura desse serviço para que os usuários consigam a reabilitação protética com mais brevidade.

A “acessibilidade” se refere aos fatores que facilitam ou dificultam a utilização dos serviços de saúde pelas pessoas21. Dados deste estudo demonstram associação significativa desse componente com variáveis relacionadas com a autopercepção de saúde bucal, evidenciando escores menores dentre os usuários que relataram ter tido dor no período (p=0,021) e os que se sentiam insatisfeitos com a sua saúde bucal (p<0,001). As médias baixas desse componente indicam o desafio de ultrapassar as barreiras de acesso na realidade dos serviços públicos.

A autopercepção em saúde bucal é um fator que influência diretamente na procura dos usuários pelos serviços de saúde. Tanto a presença da dor dentária quanto a insatisfação com a saúde bucal são condições que se apresentam como fatores subjetivos que motivam as pessoas a buscar o atendimento odontológico. Garantir o acesso de forma regular, adotando estratégias de prevenção e monitoramento dos agravos bucais, resultam em melhor percepção de saúde dos usuários22-24.

Na prática, observa-se que pequena parcela da população faz visitas odontológicas regulares, o que contrasta com a alta prevalência de cáries e necessidades de tratamento, além de não favorecer métodos preventivos em saúde bucal. Vale ressaltar que é comum os usuários associarem a procura pelo atendimento com a presença de sintomas, buscando intervenção imediata com objetivo de alívio da dor. Por isso, é fundamental que o dentista consiga motivar seus pacientes a fazerem um acompanhamento longitudinal, estimulando-os a aderir ao tratamento odontológico integral e preventivo24-26.

O município do estudo possui um Protocolo de Saúde Bucal próprio, tendo por base, em sua construção, o Guia de Orientações para Atenção Odontológica no Contexto da Covid-19, que considera a dor dentária como atendimento prioritário previsto em qualquer cenário pandêmico27. Contudo, no momento não há horário estendido e atendimentos em finais de semana, sendo um dificultador de acesso, principalmente, para os casos de urgência. Assim sendo, torna-se evidente a necessidade de ampliação da oferta de serviços odontológicos e da construção de uma rede de cuidado principalmente nos casos de dor dentária.

Percebe-se, no atributo “orientação familiar”, uma avaliação significativamente pior entre os indivíduos que apresentaram dor no período (p=0,013). Tavares et al.28 constatou que indivíduos que tiveram dor de dente nos últimos seis meses eram indivíduos com maiores condições de risco familiar, abordando a necessidade do dentista conhecer o território para identificar os usuários mais vulneráveis e que necessitem de acesso aos serviços com prioridade, antes de se tornarem caso agudo que demande um atendimento de urgência.

O atributo “coordenação do cuidado” é subdivido em dois itens no instrumento de pesquisa utilizado: integração de cuidados e sistema de informações6. Neste estudo, os escores do componente sistema de informações apresentaram um comportamento crescente de acordo com o número de consultas, ficando acima do ponto do corte no grupo de pessoas com mais de cinco consultas no período de um ano7,18.

O município da pesquisa conta com um Sistema de Saúde próprio, que comporta todas as informações de cadastro dos usuários e atendimentos realizados, além do prontuário eletrônico compartilhado com todos os serviços oferecidos pela rede de cuidado. Usuários com acesso regular conhecem melhor os processos de trabalho e se beneficiam de outros atributos, resultando em melhor percepção de qualidade do serviço4. Fato observado na avaliação desse componente.

Outro fator importante a ser considerado quanto ao conhecimento dos sistemas de informações é o Letramento em Saúde (LS), que diz respeito à capacidade do indivíduo em acessar e compreender as informações de saúde. Usuários mais letrados em saúde têm mais condições cognitivas para saber onde buscar e compreender o significado das informações, resultando em uma maior capacidade de avaliação dos atributos29.

Para avaliar o atributo “integralidade”, temos os componentes serviços disponíveis e serviços prestados6. Os escores referentes ao item serviços disponíveis estiveram associados com a variável “número de residentes no domicílio” (p=0,027), e a média só esteve baixa quando o usuário entrevistado residia sozinho (6,48).

A comunicação da equipe de saúde com os usuários e seus familiares favorece maior divulgação e, consequentemente, melhor conhecimento da população quanto aos serviços oferecidos na APS30. Experiências compartilhadas entre os familiares podem ter colaborado para os resultados encontrados.

Em contrapartida, as avaliações do componente serviços prestados estiveram abaixo do ponto de corte em todos os subgrupos, com avaliação pior dos indivíduos idosos (p=0,006). A avaliação significativamente menor dentre os idosos pode refletir uma dificuldade na transmissão ou ausência das orientações em saúde durante a consulta odontológica.

Como limitações do estudo pode-se destacar a dificuldade de comparações com outras realidades devido à escassez de trabalhos com essa temática, além do viés de gratidão que pode influenciar as avaliações dos serviços de saúde devido ao medo de perder o direito para acessar o serviço ou percepção dos serviços públicos como favor e não como direito. Assim, faz-se necessário que outras realidades sejam pesquisadas. Vale ressaltar que os dados apresentados não são passíveis de generalização, uma vez que dizem respeito aos serviços de um município com uma população específica, culturalmente diversificada.

CONCLUSÃO

É possível evidenciar associações significativas com as variáveis sociodemográficas: renda, escolaridade e número de residentes no domicílio. Em relação à autopercepção em saúde bucal, apresentaram associações a necessidade de prótese, o número de consultas na unidade e ter dor de dente. Estas variáveis influenciaram nas médias dos escores atribuídos por usuários na avaliação dos serviços de Saúde Bucal.

O estudo contribui para evidenciar características que estão associadas com a percepção dos usuários na avaliação dos serviços odontológicos da APS, fornecendo subsídios para a reflexão e atuação em fatores que podem qualificar o cuidado em saúde bucal. Considerando a importância da Saúde Bucal na qualidade de vida, os serviços odontológicos da APS precisam de uma organização dos processos de trabalho que tenha condições de atuar de forma resolutiva, considerando a diversidade sociodemográfica e as questões subjetivas de autopercepção.

  • COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:
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  • *
    Artigo extraído da dissertação do mestrado: “QUALIDADE DOS SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE”, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, RS, Brasil, 2023.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento a Secretaria Municipal de Saúde, que autorizou a realização do estudo. Apoio financeiro - Bolsa Produtividade processo 306866/2021-6 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

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Editado por

  • Editora associada:
    Dra. Cremilde Radovanovic

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2023
  • Aceito
    08 Jun 2024
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