VALIDAÇÃO DO CONTEÚDO DE UMA TECNOLOGIA CUIDATIVO-EDUCACIONAL PARA MULHERES QUE CONSOMEM SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS^*

RESUMO:

Objetivo:

construir e validar o conteúdo de uma Tecnologia Cuidativo-Educacional para mulheres que consomem substâncias psicoativas.

Método:

pesquisa metodológica conduzida no município de São Paulo, dezembro de 2022 a março de 2023, pelo mapeamento da literatura, elaboração dos temas geradores, escolha da ferramenta base com dinâmica de uso e validação de conteúdo quanto aos aspectos: reflexão, relevância, compreensão e adequação em duas rodadas. Participaram 15 especialistas com índice de concordância estabelecido de 80%.

Resultados:

48 cartas foram submetidas à validação. Na primeira rodada, sete cartas não atingiram o índice mínimo. Ao final da segunda rodada, 47 cartas em todas as suas categorias individuais tiveram concordância maior que o estabelecido.

Conclusão:

os especialistas apontaram a relevância, pertinência dos temas e o potencial para auxiliar os profissionais a intervir de forma mais assertiva ante as necessidades do público-alvo.

DESCRITORES:
Mulher; Substâncias Psicoativas; Educação em Saúde; Tecnologia Biomédica; Tecnologia Educacional.

ABSTRACT

Objective:

To build and validate the content of a Care-Educational Technology for women who consume psychoactive substances.

Method:

Methodological research conducted in the municipality of São Paulo, December 2022 to March 2023 by mapping the literature, drawing up the generating themes, choosing the base tool with dynamics of use, and validating the content in terms of aspects: reflection, relevance, understanding, and suitability in two rounds. Fifteen experts took part, with an agreement rate of 80%.

Results:

48 letters were submitted for validation. In the first round, seven cards failed to reach the minimum index. At the end of the second round, 47 cards in all their categories had more agreement than the established level.

Conclusion:

The experts pointed out the relevance and pertinence of the topics and their potential to help professionals intervene more assertively in the face of the target audience’s needs.

KEYWORDS:
Women; Psychotropic Drugs; Health Education; Biomedical Technology; Educational Technology.

RESUMEN

Objetivo:

construir y validar el contenido de una tecnología educativo-asistencial para mujeres consumidoras de sustancias psicoactivas.

Método:

investigación metodológica realizada en el municipio de São Paulo, de diciembre de 2022 a marzo de 2023, mediante el mapeo de la literatura, la elaboración de los temas generadores, la elección de la herramienta básica con dinámica de uso y la validación del contenido en cuanto a los aspectos: reflexión, pertinencia, comprensión e idoneidad en dos rondas. Participaron quince expertos, con una tasa de acuerdo del 80%.

Resultados:

Se presentaron 48 cartas para su validación. En la primera ronda, siete cartas no alcanzaron el índice mínimo. Al final de la segunda ronda, 47 cartas en todas sus categorías individuales tenían más acuerdo del establecido.

Conclusión:

los expertos señalaron la relevancia y pertinencia de los temas y su potencial para ayudar a los profesionales a intervenir de forma más asertiva ante las necesidades de los destinatarios.

DESCRIPTORES:
Mujeres; Sustancias psicoactivas; Educación para la salud; Tecnología biomédica; Tecnología educativa.

HIGHLIGHTS

1. Tecnologia Cuidativo-Educacional para mulheres que consomem substâncias psicoativas.

2. Tecnologia tem potencial para auxiliar no cuidado de mulheres.

3. Tecnologia capaz de ajudar os profissionais a produzir intervenções mais assertivas.

INTRODUÇÃO

Ao longo da história e ainda na atualidade, o consumo de substâncias psicoativas (SPA) ocorre predominantemente nos homens. Todavia, com a maior inserção das mulheres nos espaços sociais, a diferença nas taxas mundiais de consumo entre os sexos tem diminuído significativamente¹.

Estima-se que, globalmente, 46 milhões de mulheres tenham transtornos relacionados ao consumo de álcool. No cenário interno, dados do Programa Nacional de Saúde de 2019 mostram que 17% das mulheres adultas entrevistadas consumiram bebida alcoólica uma ou mais vezes na semana². Também apresentam maior prevalência no consumo de qualquer medicamento de forma não prescrita e, juntamente, no consumo de álcool e, pelo menos, um medicamento não prescrito³.

Além disso, na prevalência de dependência de alguma substância (exceto álcool e tabaco), pesquisa mundial mostra que não houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos³. Dados recentes mostram que o consumo abusivo do álcool apresenta tendência de aumento apenas nas mulheres, assim como nas internações atribuíveis ao seu consumo⁴.

Embora mulheres usuárias de SPA apresentem implicações particulares, tais como: altos níveis de violência sexual, violência doméstica, prostituição, abuso infantil, depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático, diferenças resultantes de influências sociais e culturais afetam a forma de consumo, fazendo com que os serviços e intervenções sigam, muitas vezes, sem perceber a presença feminina e suas necessidades específicas⁵.

Por outro lado, os profissionais de saúde também não têm conseguido atentar e colocam barreiras para o início e a continuidade do tratamento, com a reprodução de preconceitos, estigmas, e falta de acolhimento das demandas de gênero⁵. Esses aspectos ocasionam uma realidade em âmbito mundial, onde, apesar de um em cada três usuários de SPA serem mulheres, apenas um em cada seis usuários em tratamento são do sexo feminino⁶.

As necessidades dessas mulheres transcendem a dimensão biológica e demandam a compreensão do processo saúde-doença, por meio de uma perspectiva de gênero, que amplie a visão para seus aspectos psicológicos, sociais e culturais. Por isso, o cuidado oferecido a elas deve ser repensado para que se torne de fato integral, acolhedor e efetivo.

O desenvolvimento de novas formas de tecnologia, sendo elas recursos materiais, saberes estruturados ou relações interpessoais, podem proporcionar cuidados em saúde mais adequados. As Tecnologias Cuidativo-Educacionais (TEC), apesar de um conceito ainda em desenvolvimento, têm como características a criatividade, que vai além dos limites das práticas instrumentais, a união dos aspectos científicos e filosóficos alicerçados na práxis dos profissionais de saúde e na centralidade nos aspectos sociais⁷.

Para que uma ação em saúde não finalize em si mesma, mas tenha consciência do que a constituiu e a justifique, é necessário um processo de agir-refletir-agir, algo que as TEC alicerçadas na práxis proporcionam, quando une o cuidar e o educar com o fim de empoderar o indivíduo em seu próprio cuidado⁷.

No desenvolvimento de uma TEC, a validação do conteúdo surge como uma das etapas essenciais para avaliar a representatividade de um tema e análise da ausência de elementos necessários⁸. O presente estudo apresenta parte do processo de produção de uma TEC para melhorar o cuidado conduzido pelos profissionais de saúde ante as mulheres que consomem SPA.

Como resultado esperado, pretende-se que a TEC seja uma forma de intervenção que auxilie e potencialize as mulheres no percurso de transformações e empoderamento de si. Assim, objetivou-se construir e validar o conteúdo de uma Tecnologia Cuidativo-Educacional para mulheres que consomem substâncias psicoativas.

MÉTODO

Desenho do Estudo

O estudo metodológico é alicerçado em três processos: construção, validação e aplicação. O primeiro conduzido a partir da literatura ou em informações adquiridas com o público-alvo⁷. No presente estudo, trabalhou-se com as duas primeiras fases, desenvolvidas em quatro tempos: 1.º -mapeamento da literatura; 2.^o -elaboração dos temas geradores; 3.º -escolha da ferramenta base da TEC e dinâmica de uso, e 4.º -validação de conteúdo: 1.º -revisão de escopo segundo a metodologia do JBI, em 16 fontes informacionais, sobre circunstâncias e contextos do consumo de substâncias psicoativas por mulheres (artigo submetido-em análise); 2.^o -elaboração dos temas geradores, com base na análise e categorização dos achados da Revisão de escopo; 3.º -formulação da ferramenta base do jogo e da dinâmica de uso a partir das heurísticas de usabilidade; 4.º -validação de conteúdo com especialistas na área de gênero, saúde mental e uso de substâncias psicoativas.

População, Critérios de Seleção e Amostra

Para determinar o número de especialistas, utilizou-se o cálculo desenvolvido por Lopes et al.⁹, que considera nível de confiança, proporção de adequação e erro amostral. Para definir a proporção de adequação, considerou-se a recomendação de no mínimo 70% ou 80%¹⁰. Buscando maior aperfeiçoamento do conteúdo validado, trabalhou-se com a proporção 80%, nível de confiança 95% e erro amostral 25%, o que no cálculo corresponde ao resultado de 10 especialistas.

A amostra inicial do estudo foi constituída por 28 especialistas. A busca na Plataforma Lattes considerou o recomendado pela literatura¹¹ de no mínimo dois dos seguintes critérios: experiência clínico-assistencial com o público-alvo há pelo menos 3 anos; ter trabalhos publicados em revistas e/ou eventos sobre o tema e sobre construção e validação de tecnologia educacional na área temática; especialista (lato e/ou stricto sensu) no tema; ser membro de Sociedade Científica na área temática. Os especialistas indicados tiveram seus Lattes conferidos e, quando preenchiam os critérios, receberam um convite via endereço eletrônico.

Coleta de Dados

A validação foi realizada de dezembro de 2022 a março de 2023. Foram enviados convites, termo de consentimento e link do formulário às especialistas. Como critério para seleção da ferramenta base (cartas com afirmativas), considerou-se que essa modalidade tem potencial de proporcionar discussão e reflexão, individual e/ou coletiva, nas mulheres e de facilitar o processo de cuidar-educar e educar-cuidar⁷.

O formulário enviado continha uma seção para cada afirmativa e sua respectiva justificativa no caderno de instruções. Para cada seção, estipularam-se quatro categorias de avaliação: 1-Proporciona reflexão sobre o tema: para avaliar se a discussão apresentada em torno do tema consegue gerar reflexão às mulheres participantes; 2-Tema relevante: para avaliar a importância do tema frente à realidade das mulheres participantes; 3-Informações compreensíveis: para avaliar se como as informações foram apresentadas consegue ser compreendida pelas participantes; e 4-Frase da carta adequada: para avaliar se a frase afirmativa de cada carta está adequada ao objetivo reflexivo de cada tema.

Adotou-se uma escala do tipo Likert¹² que possibilitou às especialistas aprofundarem na temática (frases-cartas com afirmativas), opinar em relação às categorias de avaliação, garantindo graus de opinião escalonados que fizeram diferença na melhoria das frases. Foi proposta em cinco níveis: 1-discordo totalmente; 2-discordo; 3-sem opinião; 4-concordo; 5-concordo totalmente. Para que as respondentes não se sentissem pressionadas ou forçadas em relação aos lados negativos, ou positivos da escala, manteve-se um ponto médio neutro, “sem opinião” e a classificação ímpar¹². Foram inseridos campos para comentários e sugestões. A afirmativa foi considerada adequada quando os itens 4 ou 5 foram selecionados¹².

Análise e Tratamento dos Dados

O cálculo de concordância foi feito por meio do somatório dos itens marcados “concordo” ou “concordo totalmente” em cada seção e dividido pelo total de respostas. Com a concordância estabelecida de 80%, o valor mínimo para validação de cada item foi 0,8. O conteúdo não validado passou por análise e aprimoramento com base nas sugestões dos especialistas, seguindo para a próxima rodada¹⁰.

Com relação às etapas executadas: 1-mapeamento da literatura (fase 1 - março/2022, atualização-junho/2023); 2-elaboração dos temas geradores (2.^o semestre/2021); 3-escolha da ferramenta base da TEC e dinâmica de uso (2022); e 4-validação de conteúdo (1.º semestre/2023).

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma Universidade Pública (parecer 5.056.053) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do município onde foi realizado (parecer 5.138.204).

RESULTADOS

Da amostra (n=28) inicial, oito não responderam ao convite, configurando uma taxa de resposta de 71%. Das (n= 20) que aceitaram, 16 participaram da rodada I, com apenas uma perda na II. Quanto à caracterização, todas são do sexo feminino, sendo enfermeiras (10), psicólogas (quatro) e psiquiatra (um), com formação acadêmica máxima de pós-doutorado (sete), doutorado (cinco), especialização latu-sensu (dois) e mestrado (um). Com relação ao tempo de atuação profissional, cinco com mais de 20 anos, cinco com mais de 10 anos e cinco com menos de 10 anos, demonstrando uma trajetória e consequente expertise prática com o público-alvo do estudo.

Observa-se uma heterogeneidade de formação, a amostra é constituída por especialistas em dependência química (11), saúde mental (cinco), saúde coletiva (dois), sexualidade (um), transtornos alimentares (um), psicanálise (um) e em neuropsicologia (um), pontos que conferem amplitude de visão e opinião em termos de área atuação clínica. O tempo médio de resposta dos formulários que as especialistas levaram para responder às duas rodadas foi 18,2 dias, no prazo estipulado no convite, celeridade que demonstra interesse e compromisso com o estudo.

Quatros tempos do percurso metodológico na construção de TEC:

Etapa 1 - Mapeamento da Literatura

Fundamentada na revisão de escopo, a análise mostrou que as mulheres usuárias de SPA, as quais, frequentemente, apresentam: baixa escolaridade e renda; desemprego; trabalho sexual; situação de rua; altas taxas de crimes; comportamentos sexuais de risco; infecções sexualmente transmissíveis; questões biomédicas (déficit cognitivo, desnutrição, degradação física) relatos de abuso (sexual, físico ou emocional na idade adulta e na infância); transtornos psiquiátricos (depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos alimentares); sentimento de culpa e vergonha; comportamento violento; relatos de aborto; e uso na gravidez, são mães solo e separadas dos filhos.

Etapa 2 - Elaboração dos temas geradores

Já estando com os achados da revisão de escopo, procedeu-se à construção dos temas geradores, tomando por base os contextos sociais, culturais, econômicos, psicológicos e biológicos, relativos ao consumo de substâncias psicoativas por mulheres.

Etapa 3 - Escolha da ferramenta base da TEC e dinâmica de uso

Considerando o caminho que possibilita o debate de todos os temas e não exige limite de tempo nas discussões, priorizando as heurísticas de jogabilidade e usabilidade em todo o processo de criação, optou-se pelo uso de cartas como ferramenta base. Visando atingir tanto a reflexão quanto a educação e informação, as cartas foram formuladas em dois tipos: reflexivas (formuladas com frases afirmativas, onde as jogadoras podem debater se concordam ou não) e educativas (contêm perguntas para as jogadoras dizerem o quanto sabem sobre o assunto e possam receber informações úteis).

Para auxiliar os debates das cartas, julgou-se que cada uma deve conter uma resposta que sirva de referência à moderadora do jogo. Foi criado um Caderno de Instruções com uma sessão para expor as justificativas e comentários sobre cada frase. Cada carta reflexiva obteve um breve texto para o apoio no jogo, sem requerer julgamento sobre respostas certas ou erradas, já que se trata de vivências e percepções das jogadoras. As cartas educativas, por se tratar de temas mais complexos, receberam textos maiores que possibilitam a correta orientação e solução de dúvidas. Definiu-se que as respostas no caderno não são obrigatórias à moderadora e não é necessário serem lidas pelas jogadoras. Os textos também foram formulados a partir da etapa 1. Inicialmente, a TEC foi criada com 48 cartas (43 reflexivas e cinco educativas).

Houve concordância na maioria dos conteúdos das cartas. Em sete (14,5%) houve menos de 80% de concordância total na média das quatro categorias utilizadas (proporciona reflexão sobre o tema; tema relevante; informações compreensíveis; frase da carta adequada). Na análise individual de cada categoria houve concordância menor que 80% em algumas cartas, sendo 18 cartas (37,5%) na categoria “frase da carta adequada”; sete cartas (14,5%) nas “informações compreensíveis”; duas cartas (4,1%) na “proporciona reflexão sobre o tema” e uma carta (2%) na relativa ao “tema relevante” (Tabela 1).

Tabela 1
Grau de concordância entre rodada I (n=16) e rodada II (n=15). São Paulo, SP, Brasil, 2023

Carta	I	II
1. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas correm mais risco de adquirir IST.	89,1%	96,6%
2. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas têm maior risco de gravidez indesejada.	90,6%	98,3%
3. Experiências de violência física, psicológica e sexual na infância e adolescência levam ao sofrimento mental que percorre até a vida adulta.	89,1%	93,3%
4. Boa parte da violência sofrida por mulheres é causada pela parceria íntima/amorosa.	89,1%	95%
5. O(a) parceiro(a) pode fazer sexo com a parceira mesmo que ela não queira 13.	87,5%	95%
6. Mulheres em situação de rua sofrem mais violências.	87,5%	91,6%
7. Mulheres precisam de um homem para se sentirem seguras	81,3%	86,6%
8. Mulheres só se sentem amadas quando mantêm uma relação amorosa.	78,1%	86,6%
9. Homens não querem ser parecidos com mulheres. Para eles, ser mulher é algo ruim.	67,2%	86,6%
10. Mulheres vítimas de violência têm mais dificuldade no tratamento para uso de álcool ou outras drogas.	85,9%	93,3%
11. O uso de álcool ou outras drogas pode levar a brigas e discussões entre o casal, vindo por parte de homens ou de mulheres.	89,1%	98,3%
12. Mulheres podem explorar sua sexualidade, tendo direito ao prazer com ou sem parceiro(a).	93,8%	95%
13. A maioria das mulheres usuárias de álcool ou outras drogas é mãe solo (criou os filhos sem a presença do pai).	85,9%	100%
14. Pela falta de vivências boas com as próprias mães, as mulheres frequentemente sentem que falham na vivência da maternidade.	82,8%	100%
15. Nossas mães e avós também vivenciaram violências, sofrimentos e traumas.	81,3%	88,3%
16. A falta de ajuda no cuidado doméstico e com os filhos pode levar ao sofrimento mental da mulher.	81,3%	100%
17. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas têm o bem-estar dos filhos como principal motivador para o tratamento.	89,1%	93,3%
18. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas têm mais chances de perder a guarda dos filhos(as).	95,3%	96,6%
19. Mulheres são obrigadas a gestar e criar seus filhos mesmo que não queiram.	79,7%	88,3%
20. Para algumas mulheres a maternidade é algo ruim.	90,6%	96,6%
21. Mulheres têm o dever de cuidar dos outros, mas são pouco cuidadas de volta.	92,2%	93,3%
22. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas têm pouco apoio dos amigos e familiares no tratamento.	95,3%	96,6%
23. Álcool/ drogas podem ser apresentados às mulheres na infância e adolescência pelos familiares e amigos.	81,3%	100%
24. Os serviços de tratamento para usuários de álcool ou outras drogas não costumam ser adequados às mulheres.	93,8%	100%
25. Muitas mulheres usuárias de álcool ou outras drogas tiveram pais que também eram usuários.	81,3%	100%
26. Em comparação aos homens, as mulheres têm menos renda financeira e menos empregos.	87,5%	100%
27. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas frequentemente utilizam sexo para conseguir dinheiro e substância.	87,5%	98,3%
28. Mulheres negras tem menor renda financeira e emprego que mulheres brancas e homens negros.	85,9%	100%
29. Mulheres negras são mais fortes e sentem menos dor que as mulheres brancas.	81,3%	93,3%
30. Mulheres pobres estão expostas a mais violências e sofrimentos.	89,1%	98,3%
31. Mulheres apresentam mais sintomas depressivos e ansiosos que os homens.	92,2%	100%
32. O sofrimento da vida das mulheres leva à recaída do uso de álcool ou outras drogas.	89,1%	91,6%
33. Mulheres têm dificuldade de gostar do próprio corpo.	79,7%	93,3%
34. Mulheres que sofreram violências têm mais sofrimento mental.	89,1%	91,6%
35. Mulheres que usam álcool ou outras drogas têm mais sofrimento mental que as mulheres que não usam.	76,6%	91,6%
36. Mulheres sentem culpa por não conseguirem ser a mulher que a sociedade espera que elas sejam.	89,1%	91,6%
37. A mulher usuária de álcool ou outras drogas não consegue cuidar de seus filhos(as).	82,8%	86,6%
38. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas são mais julgadas pela sociedade.	92,2%	100%
Carta excluída - Mulheres são rivais umas das outras.	64,1%	-
Carta excluída - Mulheres usuárias de álcool e drogas têm dificuldade em controlar a agressividade.	64,1%	-
39. Mulheres usuárias de álcool ou outras drogas se sentem, em geral, julgadas e malcuidadas nos serviços de saúde em geral.	89,1%	100%
40. Mulheres apoiam outras mulheres no tratamento para o uso de álcool ou outras drogas.	81,3%	93,3%
41. Relacionamentos amorosos influenciam o uso de álcool ou outras drogas.	87,5%	100%
42. Carta nova - Mulheres grávidas e amamentando podem usar álcool ou outras drogas.	-	95%
43. O que é a Lei Maria da Penha?14	96,9%	100%
44. O que é Sororidade?15	92,2%	100%
45. O que é planejamento familiar?16	98,4%	100%
46. O que são IST?17	96,9%	100%
47. O que é Racismo?18	90,6%	100%

Fonte: Os autores (2023).

Todas as cartas receberam sugestões dos especialistas, mas apenas aquelas com itens com concordância inferior a 80% obrigatoriamente foram modificadas. Dentre as mais relevantes destacam-se: 1- inclusão de relacionamentos homoafetivos; 2- retirada de termos como “nunca” ou “sempre” (deixar a discussão mais aberta); 3- dados por escrito sem uso de tabelas e gráficos; 4- citar a possibilidade de relação direta de alguns fatos e 5-justificativa dos dados epidemiológicos. Cartas com itens com mais de 80% receberam pequenas alterações em torno de mudanças de palavras. Duas cartas, que obtiveram concordância menor, receberam indicação de exclusão. Adicionou-se ao material a carta “Mulheres grávidas e amamentando podem usar álcool ou outras drogas”, considerando o papel do álcool nos prejuízos para o feto e o risco na gravidez.

Rodada II

Foram obtidas respostas de 15 especialistas. Nas 47 cartas e em todas as suas categorias individuais, houve concordância maior que 80%, ficando, na média total, seis cartas (12,5%) abaixo de 90%, 24 cartas (50%) entre 90% e 100% e 17 cartas (35,4%) com 100% de concordância (Tabela 1). Não houve sugestões de ajustes, apenas apontamentos como “Os temas mais relevantes foram abordados de forma suficiente, são muito importantes” e “Que o jogo seja uma ferramenta para uso nos serviços de saúde e outros espaços em que mulheres sejam cuidadas”.

DISCUSSÃO

O uso da escala de mensuração bidimensional de cinco níveis possibilitou maior amplitude no grau de concordância ou discordância de cada item. Ao adotar o valor de 80% para o mínimo de concordância, aumentaram-se as exigências para a constituição de uma TEC capaz de mostrar o panorama “ser uma mulher que consome SPA”, tanto para os profissionais como para as próprias mulheres. O percentual escolhido atendeu o parâmetro mais utilizado pelo referencial de literatura para Estudos de Tecnologias Cuidativo- Educacional adotado no presente estudo¹⁰.

Com base na escolha das especialistas na temática gênero e consumo de SPA, constituiu-se um perfil multidisciplinar. Considera-se que a perspectiva de diferentes áreas do conhecimento e a busca da concordância entre as áreas favoreceu a oferta de um conteúdo que atenda às equipes multiprofissionais na condução do cuidado, em especial na área da saúde mental, que predominantemente trabalha a partir da intersecção de distintos campos de conhecimento.

O fenômeno das adições e mulheres é um tema complexo, e, nessa perspectiva, exigiu o entrelaçamento de especialistas com diferentes formações e titulações, posto que o tema engloba variáveis sobre como elas travam a relação com as SPA, em termos motivacionais para: início e manutenção do consumo; busca de tratamento; processo de adoecimento e consequências (físicas e psíquicas); experiências de sofrimento (tipificações de violências); socioculturais (estigmas, estereótipos e desvalidação); jurídico-legais (poder de gestar, maternar e decisões sobre seu corpo); necessidades de tratamento; vulnerabilidades (social e econômica); visão de mundo (doméstico e público); fragilidade nas relações familiares e equipe de saúde.

As etapas de revisão de literatura e formação dos temas-geradores apresentaram com eficácia a grande densidade e complexidade do assunto, considerando que a maioria das sugestões girou apenas em torno da escrita, com solicitação de exclusão de apenas duas cartas e comentários positivos sobre seleção dos temas abordados.

Destaca-se que, embora questionado no formulário de coleta, não houve críticas por parte das especialistas quanto à dinâmica do jogo. Quanto ao conteúdo, é relevante acrescentar que uma das principais críticas foi em relação à falta de diversidade sexual nas cartas e textos de resposta, que colocava a heterossexualidade como norma e invisibiliza outras sexualidades, que foi prontamente considerada. A literatura aponta que, ao lidar com as pessoas, deve-se considerar a diversidade sexual, uma vez que a heterossexualidade compulsória não abrange apenas o campo sexual, mas também político, social e mobilizador de mudanças coletivas¹⁹. Normalizá-la coloca que as mulheres estão inevitavelmente restritas ao controle masculino.

Por conseguinte, muitas das cartas criadas vão ao encontro do tema diversidade sexual, pois, de modo geral, os controles sobre as mulheres aparecem diversas vezes como nas expressões de: negação do desejo sexual feminino, violências sexuais, uso do corpo feminino como moeda de troca, controle neonatal, exploração laboral e baixa remuneração¹⁹. Portanto, pressupor que as mulheres são sempre heterossexuais leva a um entrave não apenas no campo feminista como também no potencial de reflexão do cuidado. No que tange às sugestões para mudança de palavras, retirada de tabelas e justificativa dos dados epidemiológicos, valeu-se da premissa que: a boa interpretação das cartas e um bom aprendizado dos textos de resposta melhoraria a usabilidade do produto na ponta, um dos critérios considerados no processo de criação de jogos²⁰.

Ao analisar as sugestões e comentários das especialistas, um ponto importante que merece atenção no âmbito da construção de TEC tem a ver com o uso de linguagem acadêmica nos textos. A partir das críticas à forma de expressão dos conteúdos das cartas, algumas com linguagem mais técnica, pretende-se que sejam adequadas durante a validação semântica com o público-alvo. Uma vez que para a aprendizagem ser significativa é preciso que os conhecimentos passados signifiquem algo ao aprendiz, com a mensagem sendo compreendida. Com base nos significados, ocorre a transformação e conhecimento do mundo²¹.

A despeito da quantidade e diversidade de conteúdo para transformar em cartas, o tema consumo de SPA na gestação não foi apresentado na primeira rodada de avaliação. Porém, surgiu com frequência no campo de sugestões contido no formulário, sendo prontamente incorporado, uma vez que as SPA (lícitas e/ou ilícitas) conseguem afetar o desenvolvimento do feto, causar aborto e prejuízo na amamentação²², e receberam alta concordância. Mesmo com os malefícios, as mulheres enfrentam dificuldades em manter a abstinência nessas fases de suas vidas, além de diminuir a busca por tratamento devido ao estigma dos profissionais de saúde e de outras mulheres²²-²³.

Por fim, destaca-se que uma parte considerável dos conteúdos das cartas é de caráter mais subjetivo. Apesar de os aspectos biológicos se projetarem mais, há uma variedade de teorias e abordagens da filosofia, ciências sociais, psicologia, entre outros, que levaram as especialistas a terem diferentes percepções sobre um mesmo tópico e influenciaram a concordância total dos conteúdos avaliados²⁴.

Tem-se como uma das limitações deste estudo o fato de os conteúdos terem sido constituídos apenas com base na revisão de literatura, ou seja, sem a participação do público-alvo.

CONCLUSÃO

A construção e validação do conteúdo da TEC foram consideradas válidas e adequadas à condução da próxima etapa do estudo, a prototipação do jogo. As especialistas apontaram que os temas são relevantes e pertinentes, e apresentam potencial e sensibilidade para auxiliar os profissionais a intervir de forma mais assertiva ante as necessidades das mulheres.

Este estudo é importante, uma vez que subsidiará uma tecnologia para cuidado de mulheres que consomem substâncias psicoativas, para evitar ações em saúde realizadas sem consciência e questionamentos do que as constitui, considerando aspectos psicológicos, sociais, culturais e biológicos.

Prospecta-se que o conteúdo que subsidiará a TEC fornecerá às mulheres possibilidades de receber um cuidado mais direcionado como alternativa ao tratamento padrão, que geralmente tende a não abordar temas marginalizados em função da abstinência/redução do consumo, além de provocar reflexões e desenvolvimento de um pensamento crítico, destacando-as como protagonistas de seu processo existencial e social.

AGRADECIMENTOS

O presente estudo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Brasil (CAPES)-Código de Financiamento 001. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) concessão de bolsista, chamada 25/2020.

• *
  Artigo extraído da dissertação do mestrado: “CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE CONTEÚDO DE UMA TECNOLOGIA CUIDATIVO-EDUCACIONAL PARA MULHERES EM TRATAMENTO DEVIDO AO CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS”, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, 2023.

• COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

  Fernandes MC, Nóbrega M do PS de S. Content validation of a care-educational technology for women psychoactive consumers. Cogitare Enferm. [Internet]. 2024 [cited “insert year, month and day”]; 29. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/ce.v29i0.94447.

REFERÊNCIAS

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  World Health Organization (WHO). World Drug Report 2021. United Nations publication [Internet]. 2021 [cited 2023 Nov. 19]. Available from: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/wdr-2021_booklet-2.html
  » https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/wdr-2021_booklet-2.html
• ²
  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [cited 2023 Nov. 16]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101748
  » https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101748
• ³
  Fundação Oswaldo Cruz. III Levantamento Nacional sobre o consumo de drogas pela população brasileira.. [Internet]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ICICT; 2017. 528 p. [cited 2023 Out. 22]. Available from: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34614
  » https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34614
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Editora associada: Dra. Luciana Kalinke

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  27 Set 2023
• Aceito
  19 Dez 2023