Acessibilidade / Reportar erro

VIOLÊNCIA EM RELACIONAMENTOS HOMOAFETIVOS ENTRE ADOLESCENTES

RESUMO:

Objetivo:

descrever o perfil da violência em relacionamentos homoafetivos entre adolescentes no estado de Pernambuco-Brasil, notificados no período de 2017 a 2021.

Método:

a amostra foi composta por adolescentes de 10 a 19 anos (n=925), selecionados de acordo com a orientação sexual. Dados extraídos das fichas de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Efetuou-se a análise estatística descritiva e as proporções pelo qui-quadrado de Pearson.

Resultados:

vítimas com faixa etária entre 15-19 anos (61,8%), sexo masculino (93,9%), raça/cor parda (77,5%), até oito anos de estudo (51,7%) e residiam na zona urbana (77,2%). A maioria dos agressores era do sexo masculino, era namorado (a) e/ou cônjuge. Predominou as violências: sexual, física e psicológica.

Conclusão:

traçou-se o perfil da violência em relações homoafetivas apontando que o público masculino foi o mais propenso a sofrer e praticar a violência.

DESCRITORES:
Adolescente; Homossexualidade; Minorias sexuais e de gênero; Violência por parceiro íntimo.

ABSTRACT

Objective:

to describe the profile of violence in same-sex relationships among adolescents in the state of Pernambuco-Brazil, reported between 2017 and 2021.

Method:

The sample consisted of adolescents aged between 10 and 19 (n=925), selected according to their sexual orientation. Data extracted from the individual notification forms for interpersonal/self-inflicted violence in the Notifiable Diseases Information System. Descriptive statistics and Pearson’s chi-square analysis of proportions were carried out.

Results:

victims were aged 15-19 (61.8%), male (93.9%), brown (77.5%), had up to eight years of schooling (51.7%) and lived in urban areas (77.2%). Most of the aggressors were male, boyfriends, and/or spouses. Sexual, physical, and psychological violence predominated.

Conclusion:

a profile of violence in same-sex relationships was drawn up, showing that men were the most likely to suffer and practice violence.

KEYWORDS:
Adolescent; Homosexuality; Sexual and gender minorities; Intimate partner violence.

RESUMEN:

Objetivo:

describir el perfil de la violencia en las relaciones homosexuales entre adolescentes en el estado de Pernambuco-Brasil, reportado entre 2017 y 2021.

Método:

La muestra estaba formada por adolescentes de entre 10 y 19 años (n=925), seleccionados según su orientación sexual. Datos extraídos de los formularios de notificación individual de violencia interpersonal/autoinfligida en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria. Se analizaron las estadísticas descriptivas y se calcularon las proporciones mediante la prueba chi-cuadrado de Pearson.

Resultados:

las víctimas tenían entre 15 y 19 años (61,8%), eran hombres (93,9%), morenos (77,5%), tenían hasta ocho años de escolarización (51,7%) y vivían en zonas urbanas (77,2%). La mayoría de los agresores eran hombres, novios y/o cónyuges. Predominaba la violencia sexual, física y psicológica.

Conclusión:

se elaboró un perfil de la violencia en las relaciones homosexuales que mostraba que los hombres eran los más propensos a sufrir y practicar la violencia.

DESCRIPTORES:
Adolescentes; Homosexualidad; Minorías sexuales y de género; Violencia de pareja.

HIGHLIGHTS

1. Identificou-se a predominância de vítimas homossexuais do sexo masculino.

2. A violência ocorreu principalmente na residência da vítima (78,3%).

3. Cerca de 80% dos agressores eram namorados ou cônjuge.

4. Houve maior notificação da violência sexual (47,46%).

INTRODUÇÃO

A Violência por Parceiro Íntimo (VPI) constitui-se como uma violência interpessoal, conforme a classificação da OMS11 Krug ET, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editores. Relatório mundial sobre violência e saúde [Internet]. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002 [cited 2022 Oct. 17]. Available from: https://opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/relatorio-mundial-violencia-saude-1.pdf
https://opas.org.br/wp-content/uploads/2...
. A VPI é caracterizada por um comportamento que cause dano físico, sexual ou psicológico, por meio de atitudes agressivas, coerção sexual, abuso psicológico e condutas controladoras, cometidos durante ou após o término da relação22 Garcia LP, Silva GDM da. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct. 15]; 34(4). Available from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00062317
https://doi.org/10.1590/0102-311X0006231...
. A VPI se mostra relevante para as produções científicas, visto que é frequentemente praticada entre os adolescentes e jovens.

Embora os estudos sobre essa temática tenham aumentado consistentemente desde a década de 1970, a maior parte dos estudos apresenta um enfoque nos relacionamentos heterossexuais, invisibilizando os estudos da VPI entre os parceiros do mesmo sexo/gênero, principalmente entre adolescentes. Alguns artigos relatam que jovens pertencentes às minorias sexuais possuem maior risco para a vitimização por VPI33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
.

Diante da heteronormatividade imposta pela sociedade, os indivíduos com identidade de gênero e/ou orientação sexual diferentes do cis heterossexual são invisibilizados devido à discriminação e aos julgamentos negativos44 Carvalho AA de, Barreto RCV. A invisibilidade das pessoas LGBTQIA+ nas bases de dados: novas possibilidades na Pesquisa Nacional de Saúde 2019? Cienc. saude colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 01]; 26(9). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.12002021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021269...
. A comunidade LGBTQIAPN+ é constituída por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero, Queers, Intersexo, Assexuais, pessoas Pansexuais, Não binárias e demais identidades e orientações44 Carvalho AA de, Barreto RCV. A invisibilidade das pessoas LGBTQIA+ nas bases de dados: novas possibilidades na Pesquisa Nacional de Saúde 2019? Cienc. saude colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 01]; 26(9). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.12002021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021269...
-55 Domene FM, Silva J de L da, Toma TS, Silva LALB da, Melo RC de, Silva A da, et al. Saúde da população LGBTQIA+: revisão de escopo rápida da produção científica brasileira. Cienc. saude colet. [Internet]. 2022 [cited 2022 Aug. 13]. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320222710.07122022
https://doi.org/10.1590/1413-81232022271...
. A sigla vem sofrendo modificações para representar as minorias sexuais, por meio da mobilização desse grupo, por meio dos debates realizados com o objetivo de abranger e retratar a maior diversidade possível 44 Carvalho AA de, Barreto RCV. A invisibilidade das pessoas LGBTQIA+ nas bases de dados: novas possibilidades na Pesquisa Nacional de Saúde 2019? Cienc. saude colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 01]; 26(9). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.12002021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021269...
.

Essa população é vítima de violência e exclusão social em diversos âmbitos da sociedade. À vista disso, o sistema de saúde brasileiro implantou, por meio da Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), com o intuito de proporcionar saúde integral, diminuir as desigualdades, eliminar a discriminação e o preconceito institucional, atendendo aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)55 Domene FM, Silva J de L da, Toma TS, Silva LALB da, Melo RC de, Silva A da, et al. Saúde da população LGBTQIA+: revisão de escopo rápida da produção científica brasileira. Cienc. saude colet. [Internet]. 2022 [cited 2022 Aug. 13]. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320222710.07122022
https://doi.org/10.1590/1413-81232022271...
-66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. [Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2022 Aug. 13]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
. Dessa forma, a inclusão de campos sobre a orientação sexual nos registros públicos possibilita uma maior visibilidade para a comunidade LGBTQIA+, contribuindo para a garantia de direitos, reconhecimento do nome social e o atendimento humanizado.

Discute-se que os adolescentes homossexuais, por consequência do preconceito, podem desenvolver uma homofobia internalizada, a qual se apresenta como um sentimento de vergonha, tendo a possibilidade de afetar a maneira como os casais desenvolvem os relacionamentos íntimos. Além disso, alguns estudos destacam que, se existir uma situação em que um parceiro revele sua identidade de gênero e/ou orientação sexual e o outro não, torna-se possível que esse cenário se configure como um fator desencadeante da violência. Ademais, a diferença de idade, os fatores financeiros e o status sorológico para o HIV, principalmente entre homens, são pontos críticos envolvidos na VPI homossexual77 Osório L, Sani A, Soeiro C. Violência na intimidade nos relacionamentos homossexuais gays e lésbicos. Psicol. Soc. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 32. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
.

No Brasil, a notificação da violência é obrigatória em todas as unidades de saúde, sendo realizada por meio do preenchimento de uma ficha, que poderá ser feita por qualquer profissional da saúde. Essa ação potencializa a assistência, o reconhecimento de fatores de riscos e a elaboração de estratégias de prevenção, proporcionando a inclusão de indivíduos em situação de violência em vertentes de cuidado88 Pinto IV, Andrade SS de A, Rodrigues LL, Santos MAS, Marinho MMA, Benício LA, et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Rev. bras. epidemiol. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 20]; 23(Suppl 1). Available from: https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972020000...
-99 Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Violência interpessoal/autoprovocada [Internet]. 2016 [cited 2022 Aug. 28]. Available from: http://portalsinan.saude.gov.br/violencia-interpessoal-autoprovocada
http://portalsinan.saude.gov.br/violenci...
.

Ao considerar que a VPI entre os adolescentes é um assunto com pouca visibilidade na sociedade, acredita-se que esse cenário seja agravado nos relacionamentos homoafetivos. Desse modo, este estudo pretende contribuir para a discussão da VPI e dar maior visibilidade à violência entre os adolescentes em relacionamentos homoafetivos, evidenciando a importância da notificação desse tipo de violência. Este estudo pretende descrever o perfil da violência em relacionamentos homoafetivos entre os adolescentes no estado de Pernambuco-Brasil, notificados no período de 2017 a 2021.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, transversal de base populacional. Utilizou-se a base de dados oficial do Ministério da Saúde do Brasil.

A população do estudo foi composta por 925 adolescentes, vitimizados pela violência em relações homoafetivas, notificados no estado de Pernambuco-Brasil no período de 2017 a 2021. Foram incluídos os indivíduos com idade entre 10 e 19 anos, conforme classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e selecionados de acordo com a Orientação Sexual (homossexual e bissexual), considerando-se os casos em que o autor da agressão e a vítima apresentavam o mesmo sexo biológico e possuíam algum tipo de relacionamento afetivo. Foram excluídos os casos em que a informação sobre o vínculo/grau de parentesco entre o agressor e a vítima, bem como, o sexo do agressor, encontravam-se em branco ou ignorado.

Em decorrência da atualização na ficha de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada em 2014, na qual foram incluídos os quesitos de orientação sexual, tornou-se possível a investigação de dados recentes relacionados à adição desses novos campos à ficha de notificação88 Pinto IV, Andrade SS de A, Rodrigues LL, Santos MAS, Marinho MMA, Benício LA, et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Rev. bras. epidemiol. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 20]; 23(Suppl 1). Available from: https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972020000...
.

Dentre as 69 variáveis da ficha de notificação individual, foram analisadas: data de notificação, idade, sexo da vítima, gestante, raça/cor, escolaridade, município de residência, situação conjugal/estado civil, orientação sexual, deficiência/transtorno, município de ocorrência, zona de ocorrência, local de ocorrência, reincidência, tipo de violência, número de envolvidos, vínculo/grau de parentesco com a pessoa atendida, sexo do provável autor da violência, suspeita de uso de álcool e encaminhamento. Utilizou-se a base de dados do Sistema de Vigilância de Violência (VIVA), que é integrada ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), o qual foi disponibilizado pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco.

Algumas variáveis foram recategorizadas: Gestante (sim e não); Raça/cor (Branco, Preto, Parda, Amarela-Indígena); Escolaridade (Analfabeto, Ensino Fundamental I - até quatro anos de estudo; Ensino Fundamental II - até oito anos de estudo; Ensino Médio - até 11 anos de estudo; Educação Superior/Universitário); Deficiência ou transtorno (sim ou não) e Situação conjugal (solteiro e casado; sendo viúvo e separado são considerados como solteiro). Em relação às características do agressor, foi recategorizada o vínculo/grau de parentesco com a vítima: Cônjuge (C), Ex-cônjuge (EC), Namorado/a (N), Ex-namorado/a (EN). Foram avaliadas as informações do campo. Outros na tentativa de recuperar a informação do vínculo/grau de parentesco com a vítima. Foram analisados os tipos de violências mais prevalentes, portanto, as violências: Sexual (S), Física (F) e Psicológica (P).

Efetuou-se a análise estatística descritiva, utilizando frequências simples e relativa, ao passo que as proporções foram comparadas por meio do qui-quadrado de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5%. Os dados foram analisados por meio da aplicação do pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.

Esta pesquisa é parte do projeto maior “Projeto Violência Interpessoal e Autoprovocada Contra Adolescentes em Pernambuco”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer nº 5.181.078.

RESULTADOS

No período de 2017 a 2021, foram notificados 925 adolescentes homossexuais/bissexuais vítimas de VPI no estado de Pernambuco.

No ano de 2018 ocorreram 253 (27,4%) registros, apresentando uma redução de 103 (11,5%) em 2020, ano com menor número de casos notificados no período. Mais da metade dos adolescentes, 572 (61,8%), encontravam-se na faixa etária entre 15-19 anos. A maior parte das vítimas, 869 (94,%), era do sexo masculino, e raça/cor parda, 717 (77,5%), e estava cursando o Ensino Fundamental II, 408 (44,1%). Sobre a orientação sexual, 919 (90%) se declararam homossexuais e seis (0,65%), bissexuais. A maioria das vítimas era residente da zona urbana, 714 (77,2%). Em relação ao campo de deficiência, 17 (1,8%) apresentavam preenchimento como “sim”, enquanto 99 (10,7%) encontravam-se ignorados (Tabela 1).

Tabela 1
Características gerais dos jovens homossexuais vítimas de VPI-Brasil, 2017-2021. Recife (PE), Brasil, 2022.

Os aspectos da VPI sofrida em relação ao local de ocorrência, características e vínculo com o agressor. A análise revelou que 683 (73,8%) casos de VPI ocorreram na zona urbana e 724 (78,3%) na residência da vítima. Verificou-se que 498 (53,8%) casos eram reincidentes e em 754 (81,5%) casos, a violência foi praticada por um agressor. Sobre o vínculo com o agressor, as relações mais prevalentes eram de namorado 375 (40,5%) e cônjuge 372 (40,2%). O autor da violência era predominantemente do sexo masculino 869 (93,9%) e 495 (53,5%) não apresentava suspeita de uso de álcool (Tabela 2).

Tabela 2
Aspectos da VPI sofrida por jovens homossexuais em relação ao local de ocorrência, características e vínculo com agressor em Pernambuco-Brasil, 2017-2021. Recife (PE), Brasil, 2022.

De acordo com a tabela 3, a violência sexual foi a forma de violência mais notificada (n=439; 47,5%), seguida da física (n=402; 43,5%) e da psicológica (n=211; 22,8%), respectivamente.

Tabela 3
Características dos adolescentes homossexuais vítimas de violência perpetrada por parceiro íntimo de acordo com o tipo de violência e notificada em Pernambuco-Brasil, 2017-2021. Recife (PE), Brasil, 2022.

Em relação às vítimas de violência sexual, chama-se a atenção a maior prevalência na faixa etária de 10-14 anos, 262 (74,6%), e estar gestantes, 310 (76%). Em relação à escolaridade, 42 (60%) dos que tinham EFI e 236 (58,9%) do EFII foram as principais vítimas desse tipo de violência. O estudo destaca que 258 (73,7%) vítimas eram reincidentes desse tipo de violência.

Referente à violência física, o estudo apontou diferenças estatísticas em relação à faixa etária de 15 a 19 anos, 379 (94,3%), vítimas do sexo masculino, 366 (91%), com maior nível de escolaridade, Ensino Fundamental II ,136 (51,5%). A maioria dos adolescentes residia na zona urbana, 338 (86,4%) e a violência ocorreu predominantemente nessa área, 324 (85,9%).

No que diz respeito à violência psicológica, o estudo encontrou diferenças significativas entre as vítimas de 15 a 19 anos, 194 (91,9%), autodeclarados pardos, 141 (67,5%), com escolaridade de Ensino Fundamental II, correspondendo a 74 (43,8%) das notificações de violência física quando comparada às demais formas de violências.

Conforme tabela 4, os serviços mais acionados foram a Rede de Saúde, 410 (42,4%), Conselho Tutelar, 165 (17,1%), e outras delegacias, 105 (10,9%).

Tabela 4
Encaminhamentos dos casos de VPI sofridos por jovens homossexuais em Pernambuco-Brasil, 2017-2021. Recife (PE), Brasil, 2022.

DISCUSSÃO

A VPI pode ocorrer em qualquer momento do desenvolvimento humano, no entanto, observa-se que esse contexto em relação aos adolescentes torna-se mais preocupante. Esse fato deriva-se da adolescência e corresponde ao período de construção da identidade nos relacionamentos interpessoais, proporcionando uma maior probabilidade da perpetuação das atitudes violentas na fase adulta1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
.

Alguns estudos revelam que os casos de VPI crescem durante a adolescência, apresentando maiores taxas de ocorrência no público LGBTQIA+, entre os 15 e 17 anos, o que pode estar associado à heteronormatividade e à homofobia na sociedade, direcionando os jovens de minorias sexuais a postergar o início da vida afetiva-sexual33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
. É uma circunstância em concordância com o atual estudo. A VPI pode ser experimentada de maneiras diferentes, estando os jovens socialmente marginalizados mais expostos a vivenciá-la, seja praticando ou sendo vítima da violência1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
.

O sexo masculino mostrou-se mais vitimizado, em concordância com um estudo que apontou os homens latinos e havaianos de orientação sexual Gay, Bissexual e Queer (GBQ) como os mais propensos de vivenciarem a VPI. Além disso, os homens gays estão em maior risco de sofrerem agressão física no relacionamento íntimo em comparação às mulheres1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
-1111 Flix RL, Nava N, Rodriguez R. Disparities in Adolescent Dating Violence and Associated Internalizing and Externalizing Mental Health Symptoms by Gender, Race/Ethnicity, and Sexual Orientation. J. Interpers. Violence [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 19]; 37. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260521997944
https://doi.org/10.1177/0886260521997944...
.

Além da homofobia internalizada e do padrão do comportamento heteronormativos, outros fatores relacionados à VPI entre o homossexual incluem a faixa etária dos envolvidos, condição econômica e sorologia positiva para HIV77 Osório L, Sani A, Soeiro C. Violência na intimidade nos relacionamentos homossexuais gays e lésbicos. Psicol. Soc. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 32. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
,1212 Ogunbajo A, Oginni OA, Iwuagwu S, Williams R, Biello K, Mimiaga MJ. Experiencing Intimate Partner Violence (IPV) Is Associated with Psychosocial Health Problems Among Gay, Bisexual, and Other Men Who Have Sex with Men (GBMSM) in Nigeria, Africa. J. Interpers. Violence. [Internet]. 2020 [cited 2022 Aug. 28]; 37. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260520966677
https://doi.org/10.1177/0886260520966677...
. No entanto, outras pesquisas identificaram que jovens LGBTQIA+ femininos são mais vitimizados pela violência física do que os masculinos33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
.

A maioria se autodeclara de raça/cor parda, dado compatível com as características da população do estado de Pernambuco, conforme o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1313 Neto AM, Vergolino JRO. Pernambuco 2000-2013: sociedade, economia e governo. [Internet]. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2014 [cited 2022 Aug. 29]. Available from: Pernambuco 2000-2013 [PDF] [2l015cv15p10] (vdoc.pub). Em consonância com os resultados desta pesquisa, vários autores concluíram que as pessoas LGBT declaradas como não brancos possuem maior possibilidade de experimentarem a VPI, em decorrência da associação de vários status minoritários33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
.

O menor nível de escolaridade e possuir deficiência também configuram vulnerabilidades para VPI. Os adolescentes com menor nível de escolaridade apresentam menos preparo para identificar e combater os comportamentos violentos no relacionamento. Além disso, os adolescentes com deficiência se tornam um alvo mais vulnerável devido às características como alta dependência de terceiros, dificuldade de comunicação, socialização e defesa1414 Cavalcante LV, Silva LMP da, Vieira SCM. Violência contra adolescentes com deficiência: caracterização dos casos no estado de Pernambuco. Braz. J. Dev [Internet]. 2020 [cited 2022 Out. 29]; 6(8):63095-112. Available from: https://doi.org/10.34117/bjdv6n8-661
https://doi.org/10.34117/bjdv6n8-661...
.

A maioria dos casos de VPI ocorreu na residência. O ambiente doméstico concentra grande parte das violências contra a população LGBTQIA+, na qual o lar perde seu papel de unidade acolhedora e protetora, agravando as consequências da VPI e ampliando a homofobia social88 Pinto IV, Andrade SS de A, Rodrigues LL, Santos MAS, Marinho MMA, Benício LA, et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Rev. bras. epidemiol. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 20]; 23(Suppl 1). Available from: https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972020000...
.

Ademais, os achados evidenciaram a recorrência das agressões, corroborando com outras pesquisas que apontaram um significativo número de jovens que sofreram ou praticaram VPI mais de uma vez77 Osório L, Sani A, Soeiro C. Violência na intimidade nos relacionamentos homossexuais gays e lésbicos. Psicol. Soc. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 32. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
,1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
. Ciúmes e possessividade podem ser interpretados como naturais pelos adolescentes, isentando o agressor de responder pelos seus atos1515 Campeiz AB, Carlos DM, Campeiz AF, Silva JL da, Freitas LA, Ferriani M das GC. A violência na relação de intimidade sob a ótica de adolescentes: perspectivas do Paradigma da Complexidade. Rev. Esc. Enferm. USP. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 01]; 54. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018029003575
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201802...
. A errônea concepção de que os relacionamentos homoafetivos são pautados na igualdade e equivalência de poder colabora para a formação de uma justificativa, por parte dos agressores, para a violência praticada1616 Braga IF, Natarelli TRP, Farias MS, Silva MAI. Violência contra adolescentes e jovens homossexuais e os impactos na saúde: revisão integrativa da literatura. RBSH [Internet]. 2018 [cited 2022 Aug. 18]; 29(1):110-21. Available from: https://doi.org/10.35919/rbsh.v29i1.48
https://doi.org/10.35919/rbsh.v29i1.48...
-1717 Ferrari W, Nascimento MAF do, Nogueira C, Rodrigues L. Violências nas trajetórias afetivo-sexuais de jovens gays: “novas” configurações e “velhos” desafios. Cienc. saude colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 11]; 26(7). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07252021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
.

A maioria dos agressores mantinha um relacionamento afetivo com a vítima no momento da agressão, o que pode estar associado ao contato mais próximo e continuado, além da presença de outros fatores, como a homofobia internalizada e a teoria do estresse minoritário. Como consequência, a violência pode apresentar-se por meio da tentativa de solucionar alguns obstáculos na relação77 Osório L, Sani A, Soeiro C. Violência na intimidade nos relacionamentos homossexuais gays e lésbicos. Psicol. Soc. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 32. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
,1818 Souza DC de, Honorato EJS. Violência nas relações homossexuais - uma bio-necropolítica?. Revista Espaço Acadêmico. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 05]. Available from: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/54450/751375151178
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
. A revelação da identidade de gênero e orientação sexual apenas por um parceiro pode potencializar a ocorrência da VPI77 Osório L, Sani A, Soeiro C. Violência na intimidade nos relacionamentos homossexuais gays e lésbicos. Psicol. Soc. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 32. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
. Os grupos marginalizados e discriminados, segundo a Teoria do Estresse Minoritário, exprimem maior vulnerabilidade para a VPI1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
.

O público dominante na perpetração da VPI é o masculino. Esse fato pode ser uma consequência da “masculinidade tóxica”, termo contemporâneo que confere aos indivíduos do sexo masculino uma posição de dominação e poder. Assim, os homens com comportamentos agressivos podem atingir mais facilmente as pessoas vulneráveis e os integrantes de grupos minoritários1111 Flix RL, Nava N, Rodriguez R. Disparities in Adolescent Dating Violence and Associated Internalizing and Externalizing Mental Health Symptoms by Gender, Race/Ethnicity, and Sexual Orientation. J. Interpers. Violence [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 19]; 37. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260521997944
https://doi.org/10.1177/0886260521997944...
.

Outro fator que representa um risco para VPI entre os jovens é o uso de álcool, o qual pode ser um potencializador dos comportamentos violentos por parte do agressor33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
. Vários autores apontaram que os grupos de minorias sexuais estão mais propensos a fazer uso abusivo de bebida alcoólica em relação aos heterossexuais. Isso reforça que os indivíduos LGBTQIA + devem ser considerados como uma população prioritária nos serviços de saúde, a fim de prevenir o uso do álcool1919 Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, Lacerda ALT, Júnior AR, Bonadio AN, et al. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019 [cited 2022 Nov. 01]. Available from: https://books.google.com.br/books?id=Zq1wDwAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false
https://books.google.com.br/books?id=Zq1...
.

A violência sexual foi mais prevalente em jovens de 10 a 14 anos, do sexo masculino, em menor nível de escolaridade, residentes da zona rural. E, a maioria das vítimas já havia sofrido alguma forma de violência sexual.

Entre as características das vítimas de violência física destaca-se o sexo feminino, possuir Ensino Médio ou Superior. Alguns autores apontaram que as minorias sexuais femininas estão consistentemente em maior risco de vitimização física de VPI do que as minorias sexuais masculinas na adolescência33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
. Nesse sentido, uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos, em 2019, revelou que 9,3% das mulheres e 7,0% dos homens pesquisados sofreram VPI física nos últimos 12 meses1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
.

Em relação à escolaridade, as vítimas de violência física e psicológica apresentaram mais anos de estudo. Esse dado coincide com a idade das vítimas que, nos casos de violência física predominou a faixa etária de 15 a 19 anos, enquanto na violência sexual, predominaram as vítimas de 10 a 14 anos.

A violência física e a psicológica foram mais prevalentes em jovens de 15 a 19 anos. Corrobora com este estudo, um realizado no Canadá, que revelou que a violência física é perpetrada, principalmente, por adolescentes com idades entre os 16 e 17. Sobre a violência psicológica, alguns estudos apontaram que aumenta continuamente até o final da adolescência, por volta dos 19 anos, período em que os jovens estão cursando o Ensino Superior1010 Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
. Dentre os comportamentos característicos, destacam-se a ofensa e a ridicularização do parceiro, tentativa de causar ciúmes, ameaçar terminar o relacionamento e questionar a rotina do parceiro2020 Danilow M do A, Lourenço RG. Visibilidade da violência entre parceiros íntimos adolescentes e jovens: uma revisão integrativa. Rev. Eletr. Enferm. [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct. 22]; 24. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v24.66326
https://doi.org/10.5216/ree.v24.66326...
.

Adolescentes que vivenciam a violência familiar ou presenciam a VPI entre os membros da família expõem maior probabilidade de vitimização e perpetração de agressões na relação íntima. Devido à dificuldade de desenvolver mecanismos essenciais para a resolução de problemas e manutenção de relacionamentos saudáveis2121 Martin-Storey A, Pollitt AM, Baams L. Profiles and predictors of dating violence Among sexual and gender minority adolescents. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Sept. 30]; 68(6):1155-61. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.034
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
.

Residir na zona urbana apresentou uma diferença estatística apenas para a violência física. A população urbana do estado de Pernambuco é hoje maior que a população rural, assim como na maioria do país. Cerca de 80% dos habitantes do estado moram em zonas urbanas1313 Neto AM, Vergolino JRO. Pernambuco 2000-2013: sociedade, economia e governo. [Internet]. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2014 [cited 2022 Aug. 29]. Available from: Pernambuco 2000-2013 [PDF] [2l015cv15p10] (vdoc.pub).

Houve uma maior prevalência de violência entre os jovens solteiros, com destaque para a violência sexual e psicológica. Compreende-se que esse status propicia experimentar diferentes parceiros sexuais, o que poderia aumentar as chances de encontrar um agressor durante os encontros. Dessa forma, estar solteiro possibilita uma maior exposição da vítima à violência e potencializa o risco de agressão corporal, de sexo desprotegido e de não consentido33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
.

A VPI pode ocasionar além das lesões corporais, impactos nas áreas da educação. Como prejuízo no desempenho acadêmico, interação social e na saúde mental33 Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
https://doi.org/10.1177/0886260516646093...
. Dentre outras consequências, incluem o isolamento, o comportamento sexual de risco e a ideação suicida, os dois últimos apresentam maiores índices de acometimento para os adolescentes não brancos e LGBTQIA+1111 Flix RL, Nava N, Rodriguez R. Disparities in Adolescent Dating Violence and Associated Internalizing and Externalizing Mental Health Symptoms by Gender, Race/Ethnicity, and Sexual Orientation. J. Interpers. Violence [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 19]; 37. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260521997944
https://doi.org/10.1177/0886260521997944...
.

Alguns estudos relatam que os adolescentes que não possuem um acompanhamento efetivo apresentam piores desfechos, além de maior risco para VPI2020 Danilow M do A, Lourenço RG. Visibilidade da violência entre parceiros íntimos adolescentes e jovens: uma revisão integrativa. Rev. Eletr. Enferm. [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct. 22]; 24. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v24.66326
https://doi.org/10.5216/ree.v24.66326...
. Nesse sentido, é fundamental a articulação de diversos atores, incluindo os serviços de assistência social, saúde, educação, defesa e proteção, de modo que exista uma rede bem estruturada, que atenda às necessidades de cada caso2222 Broseguini GB, Iglesias A. Revisão integrativa sobre redes de cuidados aos adolescentes em situação de violência sexual. Cienc. saude colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 27]; 25(12). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.19282018
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
.

Este estudo aponta a Rede de Saúde e o Conselho Tutelar como mais encaminhados. O acionamento da rede intrasetorial (para serviços de saúde) se deve à necessidade de tratamento de lesões decorrentes da violência física sofrida pelas vítimas, além de serem estabelecimentos mais facilmente conhecidos pela população em geral11 Krug ET, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editores. Relatório mundial sobre violência e saúde [Internet]. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002 [cited 2022 Oct. 17]. Available from: https://opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/relatorio-mundial-violencia-saude-1.pdf
https://opas.org.br/wp-content/uploads/2...
. Por se tratar de um evento de notificação compulsória, o caso deve ser comunicado ao Conselho Tutelar e/ou às autoridades competentes, conforme o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA)2323 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [cited 2022 Oct. 04]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
.

Além da violência ser um agravo sabidamente subnotificado, este estudo destaca, ainda, o mau preenchimento de algumas variáveis, como a escolaridade, a raça/cor e local de ocorrência da violência. Os prováveis fatores contributivos para essa realidade são o preconceito, a dificuldade dos profissionais de saúde em identificar os sinais sugestivos de VPI, preenchimento inadequado da ficha de notificação, receio em denunciar e medo da divulgação da sexualidade ao prestar queixa da violência vivenciada99 Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Violência interpessoal/autoprovocada [Internet]. 2016 [cited 2022 Aug. 28]. Available from: http://portalsinan.saude.gov.br/violencia-interpessoal-autoprovocada
http://portalsinan.saude.gov.br/violenci...
.

Muitas informações encontravam-se ignoradas, e se pode inferir que não chegam ao sistema de informação ou a realização da notificação não é valorizada pelos profissionais, levando-se à descontinuidade da assistência.

Os profissionais de saúde devem estar capacitados para identificar e fornecer cuidados, reduzindo a subnotificação da violência nessa população específica, criar locais de acolhimento, para onde as vítimas possam ser encaminhadas e receber orientação jurídica, protetiva e assistência à saúde2222 Broseguini GB, Iglesias A. Revisão integrativa sobre redes de cuidados aos adolescentes em situação de violência sexual. Cienc. saude colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 27]; 25(12). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.19282018
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
. A exemplo do que existe, no Brasil, para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica.

Como limitação deste estudo, encontrou-se uma carência de estudos nacionais relacionados à VPI homossexual entre os adolescentes. Isso dificulta relacionar os achados com a realidade brasileira, visto que a maioria dos trabalhos utilizados são internacionais e refletem as características da VPI referentes às diversidades culturais e sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O público masculino foi o mais propenso a sofrer e praticar a violência em relações homoafetivas, evidenciando a violência sexual como a mais notificada e a faixa etária de 15 a 19 anos a mais vitimizada.

O estudo vislumbra novas pesquisas sobre o tema, incluindo a ocorrência da violência sexual contra as gestantes homossexuais. Portanto, mais pesquisas sobre VPI entre os jovens em grupos minoritários sexuais e de gênero são importantes para promover as intervenções e as mudanças culturais apropriadas para beneficiar a saúde mental e o bem-estar. Além disso, este estudo aponta a necessidade de maior investimento na rede de proteção, mediante a formulação de políticas públicas de segurança a esses grupos.

No âmbito da saúde, o estudo evidencia a importância da qualificação profissional na detecção e na notificação da VPI, contribuindo para a apreensão fidedigna e, consequentemente, o combate desse problema social.

  • COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

    Silva LMP da, Silva GW da, Silva MS da, Cardoso MD, Santos TMB dos, Beserra MA. Violence in same-sex relationships among adolescents. Cogitare Enferm. [Internet]. 2024 [cited “insert year, month and day”]; 29. Available from: https://doi.org/10.1590/ce.v29i0.95229.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Krug ET, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editores. Relatório mundial sobre violência e saúde [Internet]. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002 [cited 2022 Oct. 17]. Available from: https://opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/relatorio-mundial-violencia-saude-1.pdf
    » https://opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/relatorio-mundial-violencia-saude-1.pdf
  • 2
    Garcia LP, Silva GDM da. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct. 15]; 34(4). Available from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00062317
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00062317
  • 3
    Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal study of IPV victimization among sexual minority youth. J. Interpers. Violence [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct. 01]; 34:912-45. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260516646093
    » https://doi.org/10.1177/0886260516646093
  • 4
    Carvalho AA de, Barreto RCV. A invisibilidade das pessoas LGBTQIA+ nas bases de dados: novas possibilidades na Pesquisa Nacional de Saúde 2019? Cienc. saude colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 01]; 26(9). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.12002021
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.12002021
  • 5
    Domene FM, Silva J de L da, Toma TS, Silva LALB da, Melo RC de, Silva A da, et al. Saúde da população LGBTQIA+: revisão de escopo rápida da produção científica brasileira. Cienc. saude colet. [Internet]. 2022 [cited 2022 Aug. 13]. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320222710.07122022
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320222710.07122022
  • 6
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. [Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2022 Aug. 13]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
  • 7
    Osório L, Sani A, Soeiro C. Violência na intimidade nos relacionamentos homossexuais gays e lésbicos. Psicol. Soc. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 32. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
    » https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32170358
  • 8
    Pinto IV, Andrade SS de A, Rodrigues LL, Santos MAS, Marinho MMA, Benício LA, et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Rev. bras. epidemiol. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 20]; 23(Suppl 1). Available from: https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1
    » https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1
  • 9
    Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Violência interpessoal/autoprovocada [Internet]. 2016 [cited 2022 Aug. 28]. Available from: http://portalsinan.saude.gov.br/violencia-interpessoal-autoprovocada
    » http://portalsinan.saude.gov.br/violencia-interpessoal-autoprovocada
  • 10
    Exner-Cortens D, Baker E, Craig W. The national prevalence of adolescent dating violence in Canada. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug. 25]; 69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
    » https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.032
  • 11
    Flix RL, Nava N, Rodriguez R. Disparities in Adolescent Dating Violence and Associated Internalizing and Externalizing Mental Health Symptoms by Gender, Race/Ethnicity, and Sexual Orientation. J. Interpers. Violence [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 19]; 37. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260521997944
    » https://doi.org/10.1177/0886260521997944
  • 12
    Ogunbajo A, Oginni OA, Iwuagwu S, Williams R, Biello K, Mimiaga MJ. Experiencing Intimate Partner Violence (IPV) Is Associated with Psychosocial Health Problems Among Gay, Bisexual, and Other Men Who Have Sex with Men (GBMSM) in Nigeria, Africa. J. Interpers. Violence. [Internet]. 2020 [cited 2022 Aug. 28]; 37. Available from: https://doi.org/10.1177/0886260520966677
    » https://doi.org/10.1177/0886260520966677
  • 13
    Neto AM, Vergolino JRO. Pernambuco 2000-2013: sociedade, economia e governo. [Internet]. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2014 [cited 2022 Aug. 29]. Available from: Pernambuco 2000-2013 [PDF] [2l015cv15p10] (vdoc.pub)
  • 14
    Cavalcante LV, Silva LMP da, Vieira SCM. Violência contra adolescentes com deficiência: caracterização dos casos no estado de Pernambuco. Braz. J. Dev [Internet]. 2020 [cited 2022 Out. 29]; 6(8):63095-112. Available from: https://doi.org/10.34117/bjdv6n8-661
    » https://doi.org/10.34117/bjdv6n8-661
  • 15
    Campeiz AB, Carlos DM, Campeiz AF, Silva JL da, Freitas LA, Ferriani M das GC. A violência na relação de intimidade sob a ótica de adolescentes: perspectivas do Paradigma da Complexidade. Rev. Esc. Enferm. USP. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 01]; 54. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018029003575
    » https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018029003575
  • 16
    Braga IF, Natarelli TRP, Farias MS, Silva MAI. Violência contra adolescentes e jovens homossexuais e os impactos na saúde: revisão integrativa da literatura. RBSH [Internet]. 2018 [cited 2022 Aug. 18]; 29(1):110-21. Available from: https://doi.org/10.35919/rbsh.v29i1.48
    » https://doi.org/10.35919/rbsh.v29i1.48
  • 17
    Ferrari W, Nascimento MAF do, Nogueira C, Rodrigues L. Violências nas trajetórias afetivo-sexuais de jovens gays: “novas” configurações e “velhos” desafios. Cienc. saude colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct. 11]; 26(7). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07252021
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07252021
  • 18
    Souza DC de, Honorato EJS. Violência nas relações homossexuais - uma bio-necropolítica?. Revista Espaço Acadêmico. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 05]. Available from: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/54450/751375151178
    » https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/54450/751375151178
  • 19
    Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, Lacerda ALT, Júnior AR, Bonadio AN, et al. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019 [cited 2022 Nov. 01]. Available from: https://books.google.com.br/books?id=Zq1wDwAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false
    » https://books.google.com.br/books?id=Zq1wDwAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false
  • 20
    Danilow M do A, Lourenço RG. Visibilidade da violência entre parceiros íntimos adolescentes e jovens: uma revisão integrativa. Rev. Eletr. Enferm. [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct. 22]; 24. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v24.66326
    » https://doi.org/10.5216/ree.v24.66326
  • 21
    Martin-Storey A, Pollitt AM, Baams L. Profiles and predictors of dating violence Among sexual and gender minority adolescents. J Adolesc Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Sept. 30]; 68(6):1155-61. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.034
    » https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.034
  • 22
    Broseguini GB, Iglesias A. Revisão integrativa sobre redes de cuidados aos adolescentes em situação de violência sexual. Cienc. saude colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 27]; 25(12). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.19282018
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.19282018
  • 23
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [cited 2022 Oct. 04]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf
Editora associada: Dra. Claudia Palombo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2023
  • Aceito
    10 Nov 2023
Universidade Federal do Paraná Av. Prefeito Lothário Meissner, 632, Cep: 80210-170, Brasil - Paraná / Curitiba, Tel: +55 (41) 3361-3755 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: cogitare@ufpr.br