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SUSTENTABILIDADE: UM NOVO PARADIGMA NA EDUCAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE

HIGHLIGHTS

1. Os ODS fornecem uma abordagem alternativa à medicina baseada em evidências.

2. A sustentabilidade no contexto do ensino superior em saúde exige uma mudança no paradigma.

3. Profissionais da saúde devem ser formados para atuar na saúde como sistema complexo.

Introduzido como um novo paradigma para a educação em saúde, a medicina baseada em evidência tem sido central na educação profissional por pelo menos três décadas. Assim sendo, o objetivo central na educação em saúde tem sido capacitar profissionais a adaptar e aplicar evidências científicas às necessidades específicas de cada paciente e cenário clínico.

No âmbito das práticas cotidianas em cuidados de saúde que inclui diagnósticos, medidas profiláticas e terapêuticas, é comum que influências socioculturais, perspectivas globais e interesses futuros sejam negligenciadas como base na tomada de decisões11 Sackett DL, Rosenberg WMC, Gray JAM, Haynes RB, Richardson WS. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t? BMJ [Internet] 1996 [cited 2022 June 23];312(7023):71. Available from: https://doi.org/10.1136/bmj.312.7023.71
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. No entanto, as complexas crises econômicas, sociais, climáticas e políticas que afetam o planeta como um todo desafiam a abordagem baseada em evidências, até então centrada no indivíduo isolado de seu contexto mais amplo.

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) fornecem uma abordagem alternativa à medicina baseada em evidências.

Destacam a importância de considerar não apenas as evidências pertinentes ao caso e às necessidades do paciente, mas também as implicações globais e futuras em cada decisão de saúde22 Berg H, Askheim C, Heggen KM, Sandset TJ, Engebretsen E. From evidence-based to sustainable healthcare: cochrane revisited. J Eval Clin Pract. [Internet] 2022 [cited 2022 June 23]; 28(5):741-4. Available from: https://doi.org/10.1111/jep.13698
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. Um exemplo prático que ilustra essa abordagem é observado nos desafios relacionados à resistência microbiana. Levando em consideração os ODS, a recomendação para o uso de um antibiótico transcende o simples argumento de eficácia comprovada no caso de um paciente específico. Quando perspectivas globais e futuras são levadas em consideração, o momento da prescrição de um antibiótico representa ao mesmo tempo a possível cura para o indivíduo em questão e um risco ambiental e para a saúde humana a longo prazo, se a prescrição for desnecessária.

Por tanto, se torna fundamental avaliar a disponibilidade de exames capazes de confirmar uma infecção bacteriana, garantindo que sejam acessíveis em termos de custo e distância para o paciente, além de oferecer resultados laboratoriais confiáveis. Além disso, o nível educacional do paciente, sua habilidade em reconhecer sinais de alerta em caso de agravamento e a viabilidade de retornar para reavaliação pesam na decisão. As expectativas do paciente e os padrões socioculturais relacionados ao uso de medicamentos também desempenham um papel significativo. Políticas públicas que regulam as prescrições também influenciam a tomada de decisão.

Apesar da complexidade dessas variáveis práticas, o ensino na área da saúde frequentemente se concentra nas evidências técnicas, deixando estudantes e profissionais com o desafio de equilibrar incertezas presentes e futuras. A cooperação entre as abordagens da medicina baseada em evidências e as perspectivas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pode efetivamente oferecer uma visão mais ampla e equilibrada para as tomadas de decisão em saúde, contemplando tanto as urgências das necessidades dos pacientes quanto os efeitos mais abrangentes nos âmbitos globais e futuros. O desafio enfrentado pela educação superior em saúde reside na implementação de um modelo de ensino capaz de transformar estudantes em profissionais habilitados a analisar criticamente e atuar em sistemas complexos, dinâmicos e diversificados.

Nesse sentido, a UNESCO promove um modelo pedagógico que abarca oito competências-chave para a educação dentro do paradigma da sustentabilidade33 Heggen KM, Vøllestad N, Engebretsen E. Fremtidens medisinere må rustes til å håndtere klimakrisen. Tidsskrift for den Norske Laegeforening [Internet] 2022 [cited 2022 June 20];142(5). Available from: https://doi.org/10.4045/tidsskr.21.0907
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-44 Unesco. Education for Sustainable Development and the SDGs: learning to Act, Learning to Achieve. Policy Brief, 2018.:

  1. Pensamento sistêmico: a capacidade de identificar conexões em sistemas complexos, nos quais a presença de incertezas é intrínseca.

  2. Competência antecipatória: a habilidade de contemplar diferentes cenários futuros - possíveis, prováveis e desejáveis - e conceber visões prospectivas.

  3. Competência normativa: a aptidão para negociar valores e administrar conflitos de interesse.

  4. Competência estratégica: a habilidade de conceber e desenvolver estratégias inovadoras.

  5. Colaboração: a capacidade de respeitar e colaborar com outros, apesar das divergências.

  6. Pensamento crítico: a aptidão para questionar normas, conceitos e práticas estabelecidas.

  7. Autoconhecimento: a consciência de seu próprio papel no contexto e a capacidade de avaliar suas próprias ações.

  8. Resolução integrada de problemas: a habilidade de desenvolver soluções viáveis para desafios complexos.

A incorporação desse modelo pedagógico nas universidades demanda um entendimento de saúde sustentável que vai além das práticas convencionais de separação adequada de resíduos, reciclagem e uso consciente de recursos nas instituições de ensino em saúde. A sustentabilidade no contexto do ensino superior em saúde exige uma mudança no paradigma que transcende o conceito tradicional de saúde focado na relação entre paciente, profissional e evidências. Em vez disso, propõe-se uma visão de saúde como um sistema dinâmico no qual pacientes e profissionais não apenas participam, mas também influenciam o sistema, gerando implicações tanto no presente quanto no futuro. A formação de profissionais habilitados a operar dentro desse sistema requer revisões curriculares e adoção de ferramentas pedagógicas que estimulem o engajamento com questões complexas e soluções de natureza incerta ao invés de evitá-las. Isso deve ocorrer em conjunto com uma maior colaboração interdisciplinar.

Problemas complexos com retornos incertos são melhor abordados em parceria com diversas áreas, estendendo-se para além das disciplinas estritamente ligadas à saúde, como tecnologia, ciências humanas e sociais. Essa colaboração encontra seu foco em projetos voltados para a resolução de desafios comunitários. Dessa forma, o ensino em saúde em prol da sustentabilidade busca instaurar uma mudança profunda e holística no paradigma no qual profissionais da saúde são formados, preparando-os para atuar na saúde como sistema complexo, e assim contribuindo positivamente para gerações presentes e futuras.

  • *
    Artigo extraído da dissertação do mestrado: “Práticas do cuidado ao adolescente com obesidade na Atenção Primária à Saúde”, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil, 2022.
  • COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

    Steuernagel CR. Sustainability: a new paradigm in healthcare education. Cogitare Enferm. [Internet]. 2024 [cited “insert year, month and day”]; 29. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/ce.v29i0.92908.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Sackett DL, Rosenberg WMC, Gray JAM, Haynes RB, Richardson WS. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t? BMJ [Internet] 1996 [cited 2022 June 23];312(7023):71. Available from: https://doi.org/10.1136/bmj.312.7023.71
    » https://doi.org/10.1136/bmj.312.7023.71
  • 2
    Berg H, Askheim C, Heggen KM, Sandset TJ, Engebretsen E. From evidence-based to sustainable healthcare: cochrane revisited. J Eval Clin Pract. [Internet] 2022 [cited 2022 June 23]; 28(5):741-4. Available from: https://doi.org/10.1111/jep.13698
    » https://doi.org/10.1111/jep.13698
  • 3
    Heggen KM, Vøllestad N, Engebretsen E. Fremtidens medisinere må rustes til å håndtere klimakrisen. Tidsskrift for den Norske Laegeforening [Internet] 2022 [cited 2022 June 20];142(5). Available from: https://doi.org/10.4045/tidsskr.21.0907
    » https://doi.org/10.4045/tidsskr.21.0907
  • 4
    Unesco. Education for Sustainable Development and the SDGs: learning to Act, Learning to Achieve. Policy Brief, 2018.
Editora associada: Dra. Luciana Kalinke

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2023
  • Aceito
    10 Nov 2023
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