Open-access DESAFIOS ENFRENTADOS PELO ENFERMEIRO NO ATENDIMENTO À PESSOA IDOSA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA

RESUMO

Objetivo:  descrever os desafios enfrentados por enfermeiros na detecção e atendimento à pessoa idosa vítima de violência doméstica.

Método:  estudo exploratório, qualitativo, realizado com 13 enfermeiros de 13 Unidades da Estratégia Saúde da Família de Boa Vista, Roraima, Brasil, com entrevista realizada entre março e julho de 2021, submetida à análise de conteúdo de Bardin.

Resultados:  dos entrevistados, 75% não encontraram dificuldades na detecção de idosos violentados. Os entrevistados encaminham os idosos ao Centro de Referência de Assistência Social ou aos órgãos competentes. A violência financeira é prevalente.

Conclusão:  a detecção do idoso violentado não depende somente do profissional, mas da contribuição das vítimas, da comunidade e dos órgãos competentes. Verificou-se que os participantes não possuíam um protocolo formalizado de violência contra a pessoa idosa, realizando apenas notificação e encaminhamento aos serviços competentes.

DESCRITORES: Enfermagem; Abuso de Idosos; Violência doméstica; Cuidados de Enfermagem; Atenção Primária.

ABSTRACT

Objective:  To describe the challenges faced by nurses in detecting and caring for elderly victims of domestic violence.

Method:  an exploratory, qualitative study carried out with 13 nurses from 13 Family Health Strategy Units in Boa Vista, Roraima, Brazil, with interviews conducted between March and July 2021, which were subjected to Bardin’s content analysis.

Results:  Of those interviewed, 75% found no difficulties in detecting elderly people who had been abused. The interviewees refer the elderly to the Social Assistance Reference Center or to the competent bodies. Financial violence is prevalent.

Conclusion:  Detecting elderly people who have been abused depends not only on the professional, but also on the contribution of the victims, the community and the competent bodies. It was found that the participants did not have a formalized protocol for violence against the elderly, but only reported it and referred them to the relevant services.

DESCRIPTORS: Nursing; Elder Abuse; Domestic Violence; Nursing Care; Primary Health Care.

RESUMEN

Objetivo:  Describir los retos a los que se enfrentan los enfermeros a la hora de detectar y atender a los ancianos víctimas de violencia doméstica.

Método:  estudio exploratorio, cualitativo, realizado con 13 enfermeros de 13 Unidades de Estrategia de Salud de la Familia de Boa Vista, Roraima, Brasil, con entrevistas realizadas entre marzo y julio de 2021, sometidas al análisis de contenido de Bardin.

Resultados:  de los entrevistados, el 75% no encuentra dificultades para detectar a las personas mayores víctimas de malos tratos. Los entrevistados remiten a los ancianos al Centro de Referencia de Asistencia Social o a los organismos competentes. La violencia financiera es frecuente.

Conclusión:  La detección de ancianos maltratados depende no sólo del profesional, sino también de la contribución de las víctimas, la comunidad y los organismos competentes. Se constató que los participantes no disponían de un protocolo formalizado para la violencia contra las personas mayores, sino que se limitaban a denunciarla y derivarlas a los servicios competentes.

DESCRIPTORES: Enfermería; Abuso de Ancianos; Violencia doméstica; Atención de Enfermería; Atención Primaria de Salud.

HIGHLIGHTS

  1. Enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família necessitam de capacitações e atualizações.

  2. Ao serem notificados aos órgãos responsáveis, os casos muitas vezes são abandonados.

  3. Faz-se importante discutir o caso com a equipe da Estratégia Saúde da Família.

HIGHLIGHTS

  1. Enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família necessitam de capacitações e atualizações.

  2. Ao serem notificados aos órgãos responsáveis, os casos muitas vezes são abandonados.

  3. Faz-se importante discutir o caso com a equipe da Estratégia Saúde da Família.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional tende a crescer no Brasil nas próximas décadas. Conforme projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acredita-se que, em 2043, um quarto da população (25,1%) deverá ter 60 anos ou mais de idade1. A população do estado de Roraima, de acordo com dados estimativos do IBGE do ano de 2019, chegou ao número de 576.568 habitantes e, desses, 38.591 eram idosos. Vale ressaltar que Boa Vista é o município de Roraima onde se concentra mais de 60% da população idosa do estado1. Além disso, as projeções demográficas do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) informaram que o número de idosos só vem aumentando no município, visto que, em 2010, os idosos representavam 5,1% da população de Boa vista, e, em 2018, 6,6%2.

A maior longevidade e o aumento do número de pessoas idosas refletem no seu cuidado, que podem se tornar vítimas de maus-tratos e sofrer violações de todos os tipos em seus direitos fundamentais3. A Equipe da Saúde da Família (eSF), principalmente os enfermeiros, por meio da visita domiciliar, está inserida no cenário ideal para a construção de estratégias e seguimento de políticas, visando à promoção do envelhecimento saudável e à garantia dos direitos humanos, uma vez que a senilidade da população torna mais visíveis problemáticas antes consideradas “silenciosas”, como o fenômeno da violência contra a pessoa idosa4.

A violência contra a pessoa idosa é definida como qualquer ato ou falta de ato, único ou repetido, proposital ou impensado, causando danos e sofrimento desnecessário e uma redução de qualidade de vida da pessoa idosa. A mesma pode ser praticada, dentro ou fora do ambiente doméstico, por algum membro da família ou ainda por pessoas que exerçam uma relação de poder sobre a pessoa idosa, como, por exemplo, cuidadores6.

Como as vítimas, em geral, estão em situação de vulnerabilidade, esse tipo de violência vem associado com relações de poder, acarretando adversidades tanto na esfera social quanto na psicológica e econômica. Logo, tal questão merece um tratamento especial, bem como a elaboração de mecanismos que permitam atenuá-la5.

Nesse contexto, nota-se a importância da Atenção Primária à Saúde, especialmente a Estratégia Saúde da Família (ESF), pois tem importante papel no reconhecimento da violência contra a pessoa idosa, pela aproximação dos profissionais de saúde ao domicílio da clientela. Além disso, a eSF tem responsabilidade ética e legal de identificar e relatar suspeitas de maus-tratos à pessoa idosa às autoridades competentes, o que facilita a investigação e a ação dos serviços de proteção 6. Os Artigos 19o e 57o da Lei no 10.741/03 mencionam claramente a responsabilidade que profissionais de saúde e instituições têm de comunicar os casos de abuso de que tiverem conhecimento. No caso do idoso, a denúncia deve ser registrada no Conselho do Idoso (municipal, estadual ou federal)7, Ministério Público e Delegacias de Polícia.

Para guiar este estudo, foi elaborada a seguinte questão norteadora: o enfermeiro da ESF encontra dificuldades na detecção e atendimento à pessoa idosa vítima de violência doméstica? Com base no exposto, esta pesquisa tem como objetivo descrever os desafios enfrentados por enfermeiros na detecção e atendimento à pessoa idosa vítima de violência doméstica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem qualitativa, realizado por meio de pesquisa de campo em 13 Unidades Básicas de Saúde do município de Boa Vista, Roraima, Brasil. A pesquisa exploratória tem o objetivo de proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses8. Atualmente, o município de Boa Vista conta com 34 Unidades Básicas de Saúde, 56 eSF e seis equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)9. As 13 Unidades Básicas de Saúde foram escolhidas de forma não probabilística, não aleatória, por conveniência de acesso, sem enfermeiros da ESF que contemplassem os critérios da pesquisa.

A população estudada incluiu enfermeiros da ESF do município de Boa Vista. Do universo de 61 enfermeiros pertencentes à ESF, 13 participaram da entrevista, considerando que estivessem atuando na ESF por no mínimo seis meses e realizando visitas domiciliares. O período de pandemia de COVID-19 indisponibilizou algumas unidades de saúde, que ficaram exclusivas para atender sintomáticos. Além disso, dificultou a participação de alguns enfermeiros que, por receio ou tempo, optaram por não participar da pesquisa, e outros não atenderam aos critérios de inclusão.

Realizaram-se as entrevistas até ser identificada uma saturação nas respostas transcritas no programa escolhido: WPS Office (Writer, Presentation, and Spreadsheets). A transcrição das respostas não foi compartilhada com os participantes do estudo, uma vez que a gravação ficou clara, sem gerar dúvidas aos pesquisadores.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de março e julho de 2021. A ferramenta utilizada foi uma entrevista semiestruturada, com sete questões abertas e roteiro prévio aplicado. A entrevista foi realizada por uma das autoras, previamente treinada, formanda em enfermagem, em uma sala reservada nas unidades de saúde de cada participante, com duração média de 30 minutos. Todas as entrevistas foram gravadas em um smartphone, com o consentimento do participante. Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, a pesquisadora se identificou pessoalmente, apresentou o projeto e convidou o profissional de enfermagem para participar da pesquisa. A pesquisadora responsável pelas entrevistas não tinha amizade nem conhecia os entrevistados.

Para guiar a entrevista, foi elaborada a questão norteadora: o enfermeiro da ESF encontra dificuldades na detecção e atendimento à pessoa idosa vítima de violência doméstica? As demais perguntas realizadas foram: o que você considera como um caso de violência contra o idoso? Você se considera um(a) profissional habilitado(a) para detectar idosos vítimas de violência doméstica? Você encontra dificuldades na detecção de violência contra o idoso? Se sim, quais? Você segue algum protocolo de atendimento quando se depara com um caso de violência contra o idoso durante a visita domiciliar? Qual(is) estratégia(s) é(são) utilizada(s) no enfrentamento da violência contra pessoa idosa? Encontra dificuldades no atendimento ao idoso vítima de violência doméstica durante a visita domiciliar? Se sim, quais? Quais os principais indicadores(sinais) de violência analisados pelo(a) Sr.(a) durante a visita domiciliar ao idoso?

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin, que foi realizada em três etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados - inferência e interpretação10. Após, os dados coletados foram inseridos no programa WPS Office para análise textual. Dois dos autores trabalharam na análise de conteúdo após a transcrição, inserindo a codificação dos dados e observando a repetição de palavras e assuntos das respostas.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Roraima, sob Parecer nº 4.534.096, e encaminhado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Cabe ressaltar que a solicitação de anuência para realizar esta pesquisa foi aceita pela Secretaria de Saúde do Município de Boa Vista, Roraims. De modo a preservar a identidade dos pesquisados, os enfermeiros foram enumerados e identificados pelo termo entrevistado.

RESULTADOS

Participaram do estudo 13 enfermeiros da ESF, sendo 10 (77%) do sexo feminino e três (23%) do sexo masculino. Os oito (61.5%) entrevistados estavam na data da entrevista entre a faixa etária de 30 a 39 anos, enquanto três (23,1%) tinham entre 40 e 49, um (7,7%), entre 50 e 59 anos, e um (7,7%), entre 60 e 69 anos.

A partir da análise de conteúdo (Bardin) das entrevistas realizadas, foram construídas as seguintes categorias: Desafios e dificuldades utilizadas pelos enfermeiros na detecção de idosos vítimas de violência doméstica; Protocolo de atendimento ao idoso vítima de violência doméstica na perspectiva de enfermeiros da ESF; e Principais indicadores de violência analisados pelos enfermeiros durante a visita domiciliar.

A detecção de casos de violência contra pessoa idosa não é considerada uma dificuldade enquanto perspectiva profissional para nove dos participantes, visto que as visitas domiciliares realizadas pelos enfermeiros e pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) facilitam a detecção e investigação precoce do caso suspeito.

Pois é, tem paciente que a gente sente aquele certo medo, mas não é difícil detectar, porque a unidade de saúde faz acompanhamento. Temos os ACS, que são fundamentais para gente, ajuda demais nosso trabalho na rua. Então, é mais fácil detectar com ajuda deles, porque eles são mais presentes [...]. (Enf.6)

[...] temos que ter um olhar holístico, estar em um dia que você olhe tudo em volta, a casa, a aparência, a pessoa que cuida desse idoso, como essa pessoa cuida desse idoso e como se refere a ele [...] só precisa que você tenha um pouquinho de sensibilidade em realmente conhecer o ambiente que você está indo, porque, de primeira vez, é impossível. (Enf.1)

Não, eu, pelo menos, conheço, tenho 20 anos na estratégia. Então, você chega no ambiente onde o idoso está dormindo, as condições que ele está, a maneira que as pessoas se dirigem a ele e até o local que ele come, tudo é indício de que ali existe algum tipo de violência, algum tipo de agressão, se existe alguma coisa. (Enf.8)

Apesar de nove dos participantes relatarem não ter dificuldades na detecção de idosos vítimas de violência doméstica, destacam também alguns desafios a serem superados. O tempo insuficiente para as visitas, a falta de informação e de resolutividade dos casos pelos órgãos competentes, a falta de apoio familiar, a não convivência e a proteção que o idoso tem com a família são razões que dificultam no processo de detecção da violência.

Às vezes, sim, na questão da informação, porque tem os dois lados da informação, a gente pega a informação do idoso... às vezes, tem aquele idoso que tenta proteger seus próprios familiares. Às vezes, ele tá só, às vezes, tá faltando isso, tá faltando aquilo. Quando a gente vai visitar e acaba que ele (idoso) mesmo diz que não, que está tudo bem e que não é verdade, tentando proteger a situação que ele está sofrendo. (Enf.2)

A dificuldade da violência é porque a gente não convive com o idoso, muitas vezes a gente tá ali, mas só como uma visita, e muitas vezes ele está com um familiar por perto e dificilmente ele vai falar. Os casos que a gente já descobriu foi que algum vizinho detectou ou alguém avisou. (Enf.4)

Sim, porque, quando a família percebe que a gente está perguntando muito, eles fazem com que a gente não consiga mais ter acesso a esse idoso. O que eu acho mais difícil de detectar e de fazer com que isso se concretize é do próprio idoso, porque ele tenta proteger a família, e quer justificar alguma coisa [...]. (Enf.10)

Quanto ao atendimento, três dos enfermeiros informaram que encontram dificuldades durante o atendimento ao idoso vítima de violência doméstica. Essas dificuldades envolvem questões relacionadas à ausência da família na residência, idosos sem discernimento, áreas cobertas que são perigosas, falta de receptividade da família com a equipe de saúde durante a visita domiciliar e receio da vítima com as consequências de uma denúncia.

Aquela parte do Cauamé é meio perigosa, tem ponto de drogas, albergados, ex-presidiários, a gente tem fuga. Então, isso faz com que você também não possa estar invadindo muito, porque a gente não sabe o que pode botar para gente, então, acho que a maior dificuldade é essa. (Enf.3)

Não, mas a gente tem dificuldade, por exemplo, tem idosos que a gente vai na residência e o cuidador não está, e a gente não consegue adentrar na residência. (Enf.4)

Não, a dificuldade é quando eles são mais idosos e já envolve diagnóstico de outras doenças e, às vezes, eles acabam falando a verdade, no meio de .... não dizendo coisa com coisa, entendeu? Então, você não consegue absorver o que realmente é verdade e o que não é verdade. (Enf.5)

Os entrevistados destacam a importância da visita domiciliar para detecção da violência doméstica, pois, por meio dela, pode ser realizada a consulta de enfermagem, a qual permite conhecer e avaliar o paciente, bem como observar o meio em que reside. Relatam ainda que é o ACS o principal personagem na detecção de casos suspeitos, porque suas visitas ocorrem com mais frequência que a dos enfermeiros, que normalmente obedece a um dia específico.

Na maioria das vezes, é a visita domiciliar pelos ACS. São eles que têm o contato maior com esses pacientes, ou na consulta médica, que você vai fazer um exame físico, a visita domiciliar é importante por isso. Os ACS são mais presentes que nós enfermeiros, a gente tem uma data para ir fazer a visita [...]. (Enf.3)

[...] nós temos as visitas... você vai fazer a consulta da enfermagem, que nossos ACS... “oh, enfermeira eu percebi que aconteceu alguma coisa com o paciente, o Sr. Francisco”, então, vou lá. A gente não vai assustar a família, a gente vai, verifica o paciente, conversa, fazemos perguntas, e aí que a gente vai tomar todas as providências para a gente ajudar o paciente [...]. (Enf.6)

O protocolo utilizado por grande parte dos profissionais entrevistados é o preenchimento da ficha de notificação de violência, em seguida a documentação do caso em um relatório e, por fim, o encaminhamento para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Outra conduta apontada foi o acionamento de órgãos competentes para resolver a situação.

Sim, tu detecta, aí tu tem uma ficha de notificação que tu preenche, mas ela é ficha geral de violência, ela não é direcionada para o idoso, não, aí preenche e comunica o médico, se precisar de algum tipo de atendimento; comunica o CRAS, se tiver essa necessidade de ele ter um amparo [...]. (Enf.7)

Sim, tem que fazer a notificação de violência. A gente faz um relatório e envia pro CRAS e CREAS, para que eles tomem conhecimento. (Enf.11)

Três enfermeiros relataram não ter ou desconhecer um protocolo diante desses casos.

Que eu conheça? Não. (Enf.1)

É... não é um protocolo, porque acho que não tem um protocolo. A gente segue a consulta normal, mas existem as notificações... protocolo não, é interno, por exemplo, se eu detecto, eu vou fazer uma abordagem de uma maneira que aquela família não fuja de mim [...]. (Enf.5)

Não, não temos protocolos assim, é apoio. Às vezes, a gente chama o psicólogo, nós não temos assistente social, a gente vai, pede ajuda do médico para não ficar só com a nossa visão, e isso acho que é muito ruim. (Enf.10)

Dentro desSa categoria, os enfermeiros relataram sobre os diferentes tipos de violência, como também alguns indicadores de violência que analisam durante a visita. Os enfermeiros identificam a violência física utilizando os seguintes indicadores: lesões inexplicáveis; cuidados inadequados ou padrões precários de higiene; e desnutrição sem causa relacionada à doença.

[...] violência física, perceber, porque, todas as vezes, o idoso tem algum roxo, hematoma, cicatriz, ferida, corte e ferimento. Tem que ficar atento [...]. (Enf.1)

[...] “o que foi isso? Por que que tá roxinho?”, “Por que tá machucadinho aqui?”. A gente vai indagando, vai conversando para gente ter noção se aquilo é uma violência física ou se foi mesmo um machucado [...]. (Enf.3)

Muitas vezes, a falta de higiene, às vezes, a magreza, estar mal vestido. A gente já verifica que aquele idoso não está sendo bem cuidado. (Enf.9)

A violência financeira se apresenta por meio de indicadores financeiros, como retiradas atípicas de dinheiro do idoso, falta de conforto quando ele poderia arcar com esse tipo de despesa, mudança de testamento ou de títulos de propriedade para os familiares.

Às vezes, a pessoa tem uma certa aposentadoria, uma posse, a casa, por exemplo, percebemos que tem intriga entre os próprios filhos por conta da herança [...]. (Enf.2)

[...] o que a gente mais presencia é a violência financeira. Geralmente, o cartão dele não fica no poder dele, alguém que toma conta, a família vive daquele dinheiro e, às vezes, ele não tem autonomia de falar “não, eu preciso comprar isso com meu dinheiro, porque não tem”; eles sabem que têm que manter a família, e isso a gente percebe muito mais aqui. (Enf.10)

O abuso psicológico é identificado a partir dos indicadores comportamentais e emocionais, como medo, tristeza, fuga de contato físico, de olhar ou verbal com a pessoa que cuida do idoso.

[...] se for uma violência psicológica/emocional, é ver a pessoa triste e chorosa. (Enf.1)

[...] como já te disse, mas, muitas vezes, o idoso não quer falar, ele tem medo. Quando a gente percebe que esse idoso tem esse medo, acredito que seja um indicador de violência, porque ele não vai ter medo se nada estiver acontecendo, não vai ter medo de falar, contar o que está acontecendo, aí já é um indicador. (Enf.4)

[...] chega alguém da família ou alguma outra pessoa, e aí ele fica choroso, ele não encara a pessoa, não quer falar com a pessoa, tem medo, isso tu percebe que o idoso, em uma certa idade, ele fica igual uma criança. (Enf.7)

DISCUSSÃO

A partir da análise das entrevistas, verificou-se que a visita domiciliar para os entrevistados é uma ferramenta facilitadora no processo de detecção de violência contra pessoa idosa, considerada uma das principais estratégias no âmbito da ESF, sendo citados os ACS como personagens principais, pelo fato de a violência, na maioria dos casos, ser reconhecida por meio deles.

Na Atenção Básica, a possibilidade de detectar a existência de violência é reforçada pela visita domiciliar, prática que concede ao profissional a análise do ambiente e da realidade da residência do usuário11. O estudo sobre a atuação do enfermeiro perante a violência doméstica sofrida pelas pessoas idosas indica que, para os profissionais, ir à casa dos clientes é o principal meio de conhecimento sobre os maus-tratos praticados contra uma pessoa idosa 12.

Além de revelar idosos violentados fisicamente, a visita possibilita o reconhecimento de outro tipo de violência: a negligência. O Estatuto do Idoso coloca no Art 4o que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. O abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência de amparo ou assistência pelos responsáveis em cumprir seus deveres de prestar cuidado a uma pessoa idosa. Por isso, a importância da realização de visitas pelo enfermeiro juntamente com o ACS, levando em conta o preparo, o olhar crítico e o auxílio que ele oferece, que pode contribuir acerca da detecção e condução de tais situações.

A visita domiciliar também está entre as principais estratégias citadas pelos entrevistados. Em estudo similar13, 42% dos profissionais da ESF mencionaram como importante estratégia de detecção da violência contra pessoas idosas. Embora essa conduta seja a ferramenta de trabalho da equipe, é o ACS que realiza visita com maior frequência e, por essa razão, é o elemento fundamental na detecção dos casos de violência contra idosos nos domicílios, devido ao fato de estar mais próximo à realidade dos moradores da área adstrita11.

Em relação aos desafios enfrentados na detecção de violência contra o idoso, a pesquisa deixou evidente o quanto os enfermeiros se veem despreparados para abordar uma pessoa idosa vítima de violência doméstica, o que pode refletir no aumento de casos de agressão de maneira silenciosa, assim como de intervenções tardias.

Diante de uma suspeita de violência, o profissional de saúde precisa garantir condições adequadas para que a vítima possa: discutir acerca da situação vivenciada e com devido sigilo; mostrar sensibilidade e respeito; realizar perguntas necessárias e sem julgamento; adotar atitudes positivas e de proteção; encorajar a tomar as próprias decisões; e atuar de forma conjunta à equipe. São ações que facilitam o manejo inicial dos casos que são detectados14.

O tempo insuficiente para realização das visitas é uma das dificuldades citadas pelos enfermeiros, por conta da sobrecarga de trabalho e da grande demanda de atendimentos na unidade de saúde. Estudo realizado em São Paulo, a respeito da frequência de realização das visitas domiciliares pelos profissionais da ESF, indicou que 22% dos entrevistados não realizam visitas e 38% referem que só realizam a visita quando é solicitado15. Isso mostra que os enfermeiros estão perdendo gradativamente o espaço no cuidado domiciliar, sendo essa uma de suas atividades que permite um olhar profissional no processo da detecção de casos de violência no domicílio.

Outra dificuldade determinada pelos participantes foi a proteção que o idoso tem com a família que o violenta. Os idosos preferem sofrer em silêncio do que ser motivo de ruptura da boa convivência familiar, pois temem mais a solidão e desprezo do que os abusos sofridos16.

Devido ao envolvimento de uma estrutura familiar, e por não contar com o apoio da vítima, tornam-se complexas as intervenções diante dessas situações, sendo a omissão a única escolha para o enfermeiro sem preparo para o manejo desses casos11. Incentivar a população idosa e a sociedade em geral a comunicar aos órgãos competentes os casos de abuso, além de fornecer apoio e proteção às vítimas, é conduta que ajudaria na diminuição de casos de violência e na punição dos agressores11.

A falta de resolutividade dos casos pelos órgãos competentes e a ausência de informações e de apoio familiar também são impasses para os enfermeiros que buscam solucionar os casos de violência cometidos na microárea na qual são responsáveis. Essa informação corrobora com a pesquisa “Violência intrafamiliar e as estratégias de atuação da equipe de Saúde da Família”, realizada em 2014, que destaca a falta de apoio e resolutividade de órgãos competentes como dificuldades para o desenvolvimento de estratégias no enfrentamento da violência intrafamiliar 17.

O conhecimento a respeito do protocolo de atendimento a vítimas violentadas é imprescindível para a condução dos casos. Embora a maioria dos participantes relate o seguimento de um protocolo de atendimento, é notório que não é formal e preconizado, visto que os relatos dos participantes informam apenas condutas de notificação e encaminhamento aos serviços competentes.

São necessárias condutas e ações que incluam uma forma diferenciada de abordagem com a vítima, oportunizando a escuta de forma transparente e demonstrando confiança, bem como: cuidados de enfermagem a partir da avaliação física e psicológica; discussão do caso com a eSF a respeito das destinações das ocorrências; notificação e encaminhamento para o órgão responsável14,18.

Os depoimentos mostram ser notório que, ao serem notificados e destinados aos órgãos responsáveis, os casos são esquecidos e abandonados. Isso se deve à ausência de retorno do serviço para o qual foram encaminhados, dificultando o cuidado contínuo desses usuários na Atenção Básica17, 19-20.

Em relação aos indicadores de violência analisados durante as visitas domiciliares, os principais descritos pelos profissionais são de violência física, apesar de mencionarem a violência financeira pela qual os idosos são comumente acometidos, o que seria incluído no indicador de violência patrimonial, além da violência psicológica. De acordo com o Mapa Cultural Violação de Direitos dos Idosos de 2016, no município de Boa Vista, as violências financeira, psicológica e física são as que mais se destacam, entre as quais a de ordem financeira é a mais violada e a de maior ocorrência21.

Observa-se que, para os profissionais, a violência física é de fácil detecção, por ser perceptível, entretanto, quando se referem às formas opressoras, que não deixam marcas físicas, como a violência financeira, que teve indicadores citados por menos da metade dos participantes, aumenta ainda mais a sua complexidade. Considerando que, para identificar tais violências, é necessária uma aproximação com a vítima, para estabelecer uma comunicação que possibilite o entendimento da real situação, é imprescindível a realização das visitas domiciliares.

A pesquisa apresentou algumas limitações, como o número insuficiente da amostra para obtenção de resultados mais precisos, devido à indisponibilidade dos profissionais para participação da pesquisa e à pandemia de COVID-19, que dificultou o acesso a algumas unidades básicas. Possivelmente, pesquisas futuras deverão incluir o público de idosos na amostragem, para que os resultados possam ser analisados de perspectivas diferentes, do profissional e da vítima de agressão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização desta pesquisa permitiu compreender que os enfermeiros que atuam na ESF necessitam de capacitações e atualizações para detecção e atendimento a pessoas idosas vítimas de violência doméstica.

Verificou-se que os profissionais entrevistados se avaliam com preparo acerca da detecção de violência contra o idoso, todavia com alguns desafios apontados. O tempo insuficiente para as visitas, a falta de informação e de resolutividade dos casos pelos órgãos competentes, a falta de apoio familiar, a não convivência e a proteção que o idoso tem com a família são razões que dificultam o processo de detecção da violência contra pessoa idosa.

Constatou-se, ainda, que a detecção não depende somente da capacidade e da aptidão do profissional em identificar tais agressões, mas da contribuição das vítimas envolvidas e da comunidade.

Verificou-se que os participantes, em sua maioria, seguiam um protocolo não formalizado de violência contra a pessoa idosa, que tinha apenas o objetivo de notificar e encaminhar aos serviços competentes, não incluindo o atendimento e nem a avaliação do indivíduo violentado.

Os indicadores servem de auxílio e orientação para os profissionais identificarem a possibilidade de maus-tratos ao idoso. Lesões inexplicáveis, padrões precários de higiene, retiradas de dinheiro atípicas da vítima, mudança de testamento, medo e tristeza foram indicadores comumente mencionados pelos profissionais, apesar de que boa parte deles, ao serem questionados, referiu-se aos diferentes tipos de violência, sendo perceptível o desconhecimento acerca dos indicadores.

REFERÊNCIAS

  • Editora associada: Dra. Susanne Betiolli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2022
  • Aceito
    19 Jul 2023
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