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CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO TERRITÓRIO DO JARDIM APURÁ, SÃO PAULO (SP)

Socio-Environmental Conflicts and Development of Public Policies in the Territory of Jardim Apurá (SP, Brazil)

Conflictos socioambientales y desarrollo de políticas públicas en el territorio de Jardim Apurá (SP, Brasil)

RESUMO

O desenvolvimento de políticas públicas é fundamental e, atualmente, precisa ganhar contornos sustentáveis. O bairro Jardim Apurá é uma área caracterizada como Área de Proteção e Recuperação de Mananciais, localizada na periferia da zona sul do município de São Paulo (SP) e que abriga dois grandes equipamentos que impactam diretamente a vida cotidiana dos cidadãos que residem nesse território, um cenário que resulta numa complexidade de conflitos entre o direito ao meio ambiente sustentável e o direito à moradia. O objetivo principal deste estudo empírico é analisar as políticas públicas socioambientais no bairro durante a implementação do empreendimento Residencial Espanha e o início do processo de implantação do Parque dos Búfalos, no período de 2017 a 2021. Para isso, utilizou-se a participação observante para identificar os conflitos e as condições necessárias para minimização dos conflitos na comunidade estudada. Apresenta-se, como resultado, o histórico do processo de implantação do Parque dos Búfalos e da entrega dos apartamentos do Residencial Espanha, um mapa de conflitos socioambientais do território, o apontamento de algumas necessidades eminentes, como a intersetorialidade e uma participação social que permita uma gestão mais adequada e justa, além de sustentável, para a comunidade local.

Palavras-chave:
Parque dos Búfalos; Residencial Espanha; políticas públicas socioambientais; participação social; periferia urbana

ABSTRACT

The development of public policies is fundamental and, currently, they need to gain sustainable contours. The Jardim Apurá neighborhood is an area characterized as an Area for the Protection and Recovery of Water Sources, located on the outskirts of the southern zone of the city of São Paulo, it houses two large facilities that directly impact the daily life of citizens residing in this territory, a scenario that results in a complexity of conflicts between the right to a sustainable environment and the right to housing. The main objective of this empirical study is to analyze the socio-environmental public policies in the neighborhood during the implementation of the Residencial Espanha project and the beginning of the implementation process of the Parque dos Búfalos, from 2017 to 2021. to identify the conflicts and the necessary conditions for the minimization of the conflicts in the studied community. As a result, we present the history of the implementation process of Parque dos Búfalos and the delivery of the apartments of Residencial Espanha, a map of socio-environmental conflicts in the territory, pointing out some eminent needs, such as intersectoriality and a social participation that allows a more adequate and fair management, as well as sustainable for the local community.

Keywords:
Parque dos Búfalos; Residential Spain; social and environmental public policies; social participation; urban periphery

RESUMEN

El desarrollo de políticas públicas es fundamental y, en la actualidad, estas necesitan adquirir contornos sostenibles. El barrio Jardim Apurá es un área caracterizada como Área de Protección y Recuperación de Fuentes de Agua, ubicada en la periferia de la zona sur de la ciudad de São Paulo, alberga dos grandes equipamientos que impactan directamente en la vida cotidiana de los ciudadanos que residen en este territorio, escenario que resulta en una complejidad de conflictos entre el derecho a un medio ambiente sostenible y el derecho a la vivienda. El objetivo principal de este estudio empírico es analizar las políticas públicas socioambientales en el barrio durante la implementación del proyecto Residencial Espanha y el inicio del proceso de implementación del Parque dos Búfalos, de 2017 a 2021. Se utilizó la participación observante para identificar los conflictos y las condiciones necesarias para su minimización en la comunidad estudiada. Como resultado, presentamos el historial del proceso de implementación del Parque dos Búfalos y de la entrega de los apartamentos del Residencial Espanha, un mapa de los conflictos socioambientales del territorio, señalando algunas necesidades eminentes, como la intersectorialidad y una participación social que permita una gestión más adecuada y justa, así como sostenible para la comunidad local.

Palabras clave:
Parque dos Búfalos; Residencial España; políticas públicas socioambientales; participación social; periferia urbana

INTRODUÇÃO

A rápida expansão populacional das cidades promoveu mercantilização e capitalização crescentes, alterando sua dinâmica nos ambientes social e econômico, na estrutura e na configuração, proporcionando a segregação e exclusão de parcelas populacionais, formatando-se em diferentes níveis sociais e espaços geográficos (Santos, 2009Santos, C. D. (2009). A formação e produção do espaço urbano: discussões preliminares acerca da importância das cidades médias para o crescimento a rede urbana brasileira. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 5(1), 177-190. https://doi.org/10.54399/rbgdr.v5i1.188
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).

Pesquisas sobre cidades têm ganhado maior destaque ao longo dos anos, pois os espaços urbanos são, ao mesmo tempo, alvo de investimentos financeiros especulativos e mercantilização da vida e também o espaço central da vida cotidiana, onde os conflitos se dão e a resistência é travada em várias dimensões.

Martinez e Rodriguez (2020)Martinez, M. C. V. & Rodriguez, M. C. M. (2020). Rumo a um desenho de políticas públicas de dados abertos sobre o meio ambiente. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 25(82), 1-23. https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n82.80506
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apontam que as políticas públicas criadas com base em dados ambientais deveriam sempre ser implementadas após o uso, de modo interativo, de ferramentas políticas já existentes, para que se consiga sua readaptação ao contexto atual de acesso à informação e inovação da tecnologia, que abrange praticamente todas as dimensões: econômica, administrativa e social. Para os autores, as políticas ambientais precisam integrar em seu design os dados ambientais abertos como um elemento singular, impacto positivo real, bem como promover o desenvolvimento sustentável.

Na cidade de São Paulo (SP), o modelo de urbanização e a gestão das políticas públicas, principalmente habitacionais, têm enfrentado conflitos nas áreas de mananciais, por conta do déficit habitacional na oferta por moradia e preservação ambiental. Acontece que existem muitas pessoas morando em locais sensíveis ambientalmente (Ferreira & Lupo, 2019Ferreira, L. D., & Lupo, L. S. (2019). Os limites da política habitacional nas áreas de recuperação e proteção aos mananciais do município de São Paulo. In ENAPUR, 18., 2019, Natal. Anais... http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=1534
http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisad...
).

As margens da cidade concentram a maior parte da população, sobretudo de baixa renda, e localizam-se em áreas ambientalmente protegidas, resultando em um quadro caótico de destruição ambiental e perda da qualidade de vida humana.

O bairro Jardim Apurá é o objeto desta pesquisa. Trata-se de um bairro caracterizado como Área de Proteção e Recuperação de Mananciais (APRM), de uma área periférica da zona sul da cidade de São Paulo caracterizada pela sua alta vulnerabilidade social (Prefeitura de São Paulo, 2014Prefeitura de São Paulo (2014). Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a política de desenvolvimento urbano e o plano diretor estratégico do município de São Paulo e revoga a Lei nº 13.430/2002. https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE-Suplemento-DOC/PDE_SUPLEMENTO-DOC.pdf
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). Segundo os relatórios emitidos pela Prefeitura de São Paulo, a localidade abriga dois grandes equipamentos que impactam diretamente a vida cotidiana das pessoas que residem nesse território há mais de 50 anos: o Parque dos Búfalos, resultado da luta dos movimentos sociais a favor da preservação e proteção da área para a qualidade de vida; e o Residencial Espanha, local de moradia de interesse social provindo do Programa Minha Casa Minha Vida.

Portanto, como recorte da realidade que acontece nos mananciais da grande metrópole brasileira, o bairro Jardim Apurá representa a situação de carência nos acessos a moradia, educação, saúde, lazer, cultura, esporte e, também, áreas verdes típicos de outras regiões periféricas da Região Metropolitana de São Paulo.

Furis (2017)Furis, V. C. S. (2017). Conflito entre os direitos à moradia e ao meio ambiente: estudo de caso do “parque dos búfalos” - Jardim Apurá/SP (Monografia de Especialização em Direito Ambiental, Universidade Federal do Paraná). https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/54159/R%20-%20E%20-%20VERA%20CRISTINA%20SOARES%20FURIS.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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realizou um estudo sobre o conflito entre os direitos à moradia e ao meio ambiente no Parque dos Búfalos, Jardim Apurá (SP). Constatou o embate entre os moradores e seus movimentos sociais representativos, que desejam a conservação integral dessa área verde e de seus recursos hídricos.

Esse cenário dá abertura para conflitos socioambientais, principalmente entre as políticas públicas habitacionais e ambientais. A falta de gestão pública e de planejamento urbano gerou uma complexidade de problemas, tanto à baixa qualidade de vida das pessoas que ali residiam e das novas famílias quanto para a qualidade ambiental.

A Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) foi criada em 1993 e é o órgão responsável por todas as questões ambientais no município de São Paulo. Ela atua juntamente com as diretrizes impostas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), assim como o Ministério do Meio Ambiente, na promoção da qualidade ambiental de toda a população da cidade.

Em 1997, instituiu-se a Política Municipal de Meio Ambiente, dando maior suporte no município de São Paulo para as diretrizes de educação ambiental, porém ela foi regulamentada somente em 2017. Em 2009, foi realizada a reestruturação da SVMA, com a criação dos departamentos para tratar da territorialização das questões ambientais por intermédio da educação ambiental. O Departamento de Gestão Descentralizada (DGD) é a entidade responsável, nesse momento, pela implementação das políticas públicas de fiscalização ambiental, biodiversidade e educação ambiental nos 32 territórios da cidade. Além da estruturação do DGD, houve também a do Departamento de Educação Ambiental e da Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz (UMAPAZ), entidade responsável pela implementação da Política Municipal de Educação Ambiental. Em 2019, houve a reorganização da SVMA pelo Decreto nº 58.625 (Prefeitura de São Paulo, 2019aPrefeitura de São Paulo (2019a). Decreto nº 58.625, de 8 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre a reorganização da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, bem como altera a denominação e a lotação dos cargos de provimento em comissão que específica. Prefeitura de São Paulo. http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-58625-de-8-de-fevereiro-de-2019
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
), que determinou a extinção do DGD e de outros departamentos e divisões, desestruturando a descentralização do poder na SVMA. Ao mesmo tempo, por meio do Decreto nº 59.020, criou-se a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (Prefeitura de São Paulo, 2019bPrefeitura de São Paulo (2019b). Decreto nº 59.020, de 21 de outubro de 2019. Cria a Comissão Municipal para o Desenvolvimento Sustentável - Agenda 2030, nos termos da Lei nº 16.817, de 2 de fevereiro de 2018. Prefeitura de São Paulo. https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/decreto/2019/5902/59020/decreto-n-59020-2019-cria-a-comissao-municipal-para-o-desenvolvimento-sustentavel-agenda-2030-nos-termos-da-lei-n-16817-de-2-de-fevereiro-de-2018
https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao...
).

A distribuição das áreas verdes na cidade de São Paulo não é feita de forma homogênea, e isso se deve ao fato de a urbanização ter se dado de maneira desordenada a partir da década de 1970, quando ocorreu uma grande expansão da especulação imobiliária. Apesar de a Organização Mundial da Saúde recomendar que o perímetro mínimo de área verde por habitante seja de 12 m2, a Subprefeitura de Cidade Ademar, onde se situa o Parque dos Búfalos, fica em último lugar no ranking das subprefeituras de São Paulo, com apenas 0,77 m2 por habitante, o que reforça a necessidade da resistência pela preservação das áreas verdes na região.

O objetivo do presente estudo foi sistematizar as políticas públicas socioambientais no bairro Jardim Apurá durante a implementação do empreendimento Residencial Espanha e o início do processo de implantação do Parque dos Búfalos (ainda em andamento), no período de 2017 a 2021.

O presente estudo teve como objetivos específicos:

  • contar a história socioambiental do bairro Jardim Apurá;

  • identificar conflitos de uso entre Parque dos Búfalos e Residencial Espanha e o bairro;

  • destacar as necessidades da comunidade local.

As perguntas principais do estudo foram:

  • como se deu a implementação das políticas públicas, principalmente ambientais e habitacionais, no bairro Jardim Apurá, durante a implantação do Parque dos Búfalos e a ocupação do Residencial Espanha?;

  • quais são os conflitos eminentes e as necessidades locais para melhoramento da qualidade ambiental e humana?

METODOLOGIA

Este estudo de caso teve a intenção de mostrar a realidade dos paulistanos que vivem à margem do centro da cidade desassistidos pelo Estado. Utilizou a análise das políticas públicas implementadas, especialmente as socioambientais, a fim de responder às perguntas principais desta investigação. O estudo de caso é uma metodologia que permite realizar pesquisas aplicadas a casos reais existentes e compreender melhor os problemas sociais inerentes aos territórios e como as políticas públicas interferem nos processos locais. Segundo Rocha (2004Rocha, D. A. B. F. (2004). Formação e monitoramento de juristas leigos: a experiência de uma ONG com educação popular na região sisaleira da Bahia (Dissertação, Mestrado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador)., p. 54):

O Estudo de Caso - enquanto método de investigação qualitativa - tem sua aplicação quando o pesquisador busca uma compreensão extensiva e com mais objetividade e validade conceitual, do que propriamente estatística, acerca da visão de mundo de setores populares. Interessa ainda as perspectivas que apontem para um projeto de civilização identificado com a história desses grupos, mas também fruto de sonhos e utopias.

Deve-se utilizar o estudo de caso quando

as perguntas da pesquisa forem do tipo “como” e “por que”; e o pesquisador tiver pouco controle sobre aquilo que acontece ou que pode acontecer; ou quando o foco do interesse for um fenômeno contemporâneo que esteja ocorrendo numa situação de vida real (Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Bookman., p. 62).

Segundo Rocha (2004Rocha, D. A. B. F. (2004). Formação e monitoramento de juristas leigos: a experiência de uma ONG com educação popular na região sisaleira da Bahia (Dissertação, Mestrado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador)., p. 33), os estudos de caso “também são valorizados pela sua capacidade heurística, isto é, por jogarem luz sobre os fenômenos estudados, de modo que o leitor possa descobrir novos sentidos, expandir suas experiências ou confirmar o que já sabia”. Ainda segundo a autora, espera-se também que eles “revelem pistas para aprofundamento ou para futuros estudos” (Rocha, 2004Rocha, D. A. B. F. (2004). Formação e monitoramento de juristas leigos: a experiência de uma ONG com educação popular na região sisaleira da Bahia (Dissertação, Mestrado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador)., p. 34).

Os métodos para coleta de dados deste estudo de caso foram a observação participante e o estudo de caso do bairro Jardim Apurá (objeto de pesquisa). Para Queiroz et al. (2007Queiroz, D. T., Vall, J., Souza, A. M. A. & Vieira, N. F. C. (2007). Observação participante na pesquisa qualitativa: conceitos e aplicações na área da saúde. Rev. Enferm UERJ. 15(2), 276-283. https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-475662
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
, p. 278):

A observação participante é uma das técnicas muito utilizada pelos pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa e consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação.

Esse método deu-se pela atuação técnica de uma das autoras da pesquisa na gestão pública da SVMA no início do processo de implantação do Parque dos Búfalos (ainda em andamento) e na construção do empreendimento de interesse social Residencial Espanha, no período de 2017 a 2021.

Para análise das políticas públicas, foi utilizada a sequência metodológica sugerida por Thiel (2014)Thiel, S. V. (2014). Research methods in public administration and public management: an introduction. 2ª ed. Routledge Master in Public Management, 23 p.. A autora argumenta que a pesquisa em políticas públicas “tende a acompanhar as mudanças e desenvolvimentos que ocorrem no setor público, sendo essas tendências geralmente definem a agenda da pesquisa” (Thiel, 2014Thiel, S. V. (2014). Research methods in public administration and public management: an introduction. 2ª ed. Routledge Master in Public Management, 23 p., p. 5), e sua avaliação “faz parte do ciclo da política: avalia-se se a implementação de uma política levou aos objetivos inicialmente especificados” (Thiel, 2014Thiel, S. V. (2014). Research methods in public administration and public management: an introduction. 2ª ed. Routledge Master in Public Management, 23 p., p. 8).

A gestão pública, o planejamento urbano elitizado e a participação social deficitária e insuficiente foram as principais causas na construção, implementação e análise de políticas públicas para um cenário excludente e degradado. Para Secchi (2020)Secchi, L. (2020). Análise de políticas públicas: diagnóstico de problemas, recomendação de soluções. Cengage Learning, 475 p., pode-se fazer o estudo por meio da análise do problema público (problem analysis) ou da análise das soluções (solution analysis) do problema público diagnosticado, mediante uma abordagem racionalista ou argumentativa. Neste estudo, optou-se por utilizar a análise de soluções pela abordagem argumentativa.

Por conta disso, a análise das políticas públicas socioambientais, construídas e implementadas no período da pesquisa, foi feita no sentido de:

  • ser contada com base na história socioambiental do bairro;

  • identificar-se os conflitos;

  • buscar-se evidências das necessidades da comunidade local;

  • dar-se ênfase à implementação das políticas públicas no bairro.

Observação participante

A experiência adquirida por uma das autoras do presente estudo como ex-funcionária da SVMA caracteriza o método observação participante. Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa que utiliza um estudo de caso para confirmar os processos de construção das políticas públicas habitacionais e ambientais em áreas de proteção ambiental.

A observação participante ocorreu entre setembro de 2017 e fevereiro de 2021. Nesse período, foram recolhidos dados e informações via observação dos trabalhos regulares da equipe de Coordenação de Educação Ambiental (CEA) do DGD, que, após a reestruturação da SVMA, teve continuidade com o trabalho da Divisão de Difusão de Projetos em Educação Ambiental (DDPEA) da UMAPAZ, todos ligados à SVMA.

Nessa hierarquia administrativa, as principais demandas de trabalho para a área de estudo, o bairro Jardim Apurá, foram planejar, construir e realizar o Projeto de Implantação Participativa do Parque Jardim Apurá - Búfalos.

Com a proposta, realizada pelo gabinete da SVMA, os Departamentos de Projetos e Obras de Parques e de Educação Ambiental foram convidados a iniciar a parceria e executar um projeto que proporcionasse a participação das pessoas na construção do projeto arquitetônico Parque dos Búfalos.

A equipe multidisciplinar de trabalho interdepartamental, formada por arquitetos, cientistas ambientais, geógrafos, sociólogos e mestres filósofos, compunha a linha de frente, com o objetivo de cumprir a meta estabelecida na construção participativa do parque, que fazia parte do Plano de Metas de 2017 a 2021 (não foi cumprido) e que, portanto, atualmente faz parte do novo Programa de Metas 2021 a 2024, cuja Meta 62 é “implantar oito novos parques municipais” (Prefeitura de São Paulo, 2021Prefeitura de São Paulo (2021). Programa de Metas 2021-2024. Prefeitura de São Paulo. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/governo/planejamento/programa_de_metas_20212024
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
).

Uma das autoras deste estudo, além de ter trabalhado no projeto de implantação do parque, atuou como representante oficial da SVMA no Conselho Regional de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz da Subprefeitura de Cidade Ademar e no Conselho Gestor de Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) das cinco áreas do Espanha, período no qual pôde realizar a sistematização de dados do presente estudo.

Para realizar a observação participante, foi solicitada autorização de coleta de dados no banco de dados internos de uso técnico das Secretarias de Habitação e do Verde e Meio Ambiente. A autorização foi dada pela chefia imediata de cada divisão envolvida diretamente no bairro: Assistência Social, Implantação e Obras e Educação Ambiental. Já a participação em reuniões, eventos e canais de participação tem caráter público. Portanto, os registros de atas e relatos puderam ser encontrados no Diário Oficial e no site oficial da cidade.

Para a validação da investigação pela comunidade acadêmica, o projeto de pesquisa foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo em 2019, com o número 3.828.056 e parecer final número 1.142/2019.

As observações deram-se in loco, durante trabalho de campo, em reuniões técnicas intersetoriais periódicas (com elaboração de atas e listas de presença pela rede intersecretarial e ambiental); em encontros técnicos e com a população; na participação em fóruns diversos (conselhos gestores); na formação de técnicos e da população; e por meio de registros fotográficos, além de outras atividades com relação direta ou indireta ao Parque dos Búfalos e sob responsabilidade da SVMA, promovidas antes e ao longo do cenário pandêmico de Covid-19. Os dados obtidos foram analisados conforme a metodologia proposta por Secchi (2020)Secchi, L. (2020). Análise de políticas públicas: diagnóstico de problemas, recomendação de soluções. Cengage Learning, 475 p..

RESULTADOS E DISCUSSÃO

História socioambiental do bairro Jardim Apurá

A história do Distrito Cidade Ademar não é diferente da história das demais periferias do país. O primeiro resultado desta pesquisa é contar essa história para a compreensão dos processos e dos conflitos e para a identificação de necessidades impulsionadas como consequência.

A Subprefeitura de Cidade Ademar conta com duas divisões administrativas: Cidade Ademar e Pedreira. O bairro Jardim Apurá encontra-se na Pedreira. A Figura 1 mostra a localização da área de estudo com relação à cidade de São Paulo. Observa-se que possui características ambientais de área de recarga e abastecimento do reservatório Billings, por isso é denominada Área de Proteção e Recuperação de Manancial Billings (APRM-Billings) (Prefeitura de São Paulo, 2014Prefeitura de São Paulo (2014). Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a política de desenvolvimento urbano e o plano diretor estratégico do município de São Paulo e revoga a Lei nº 13.430/2002. https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE-Suplemento-DOC/PDE_SUPLEMENTO-DOC.pdf
https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.b...
).

Figura 1
Localização do bairro Jardim Apurá, distrito de Cidade Ademar/Pedreira, município de São Paulo, São Paulo, Brasil. A seta vermelha indica o local de estudo.

Antes da urbanização acentuada e desordenada, por volta de 1930, Cidade Ademar era um enorme descampado, ponto de parada de carros de boi que vinham de São Bernardo do Campo (SP) para São Paulo. No bairro, eram comuns, até 1950, fazendas, sítios e chácaras de criação de animais, pescadores e ribeirinhos que viviam à beira da represa Billings (Ponciano, 2004Ponciano, L. (2004). São Paulo: 450 bairros, 450 anos. São Paulo: Editora SENAC São Paulo.).

A instalação dos operários e comerciantes nessa área impulsionou a sua urbanização, entre 1950 e 1960, e acentuou a industrialização nas margens da ferrovia, próxima à Santo Amaro, principalmente com a instalação da Usina de Piratininga, o que fragilizou as fazendas, que foram loteadas e vendidas para esses operários e comerciantes (Camargo, 2016Camargo, V. C. (2016). O processo de urbanização da cidade de São Paulo e o movimento popular de arte em São Miguel Paulista. Em Tempos de Histórias, (28), 76-97. https://doi.org/10.26512/emtempos.v0i28.14755
https://doi.org/10.26512/emtempos.v0i28....
).

Em 1970, o distrito deixou de ser rural e passou a ser considerado urbano, o que resultou no intenso desmatamento, comprometendo a qualidade ambiental da represa Billings (Governo do Estado de São Paulo, 2010Governo do Estado de São Paulo (2010). Secretaria do Estado do Meio Ambiente. Billings. Secretaria do Estado do Meio Ambiente (Cadernos de Educação Ambiental, Edição Especial Mananciais). http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/publicacoes/2016/12/mananciais-billings-edicao-especial-2011.pdf
http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/publi...
).

Sobretudo as partes leste e sul do município foram ocupadas por populações que em sua maioria se encontravam em situação de vulnerabilidade social, porque não existia infraestrutura socioambiental para viver com qualidade nessas áreas (Santoro et al., 2008Santoro, P. F., Ferrada, L. N., & Whately, M. (eds.) (2008). Mananciais: diagnóstico e políticas habitacionais. Instituto Socioambiental, 129 p. https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/N4L00008.pdf
https://acervo.socioambiental.org/sites/...
).

A formação de lotes caracterizou a área nessa época. Por isso, tornou-se necessária a implementação da Lei dos Mananciais, em 1976. A providência, porém, não inibiu a ocupação desse espaço por moradias (Santoro et al., 2008Santoro, P. F., Ferrada, L. N., & Whately, M. (eds.) (2008). Mananciais: diagnóstico e políticas habitacionais. Instituto Socioambiental, 129 p. https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/N4L00008.pdf
https://acervo.socioambiental.org/sites/...
), principalmente tratando-se de grandes empresas imobiliárias, que se aproveitaram da especulação imobiliária.

Hoje em dia, observam-se um cenário de ocupação desordenada e densa e a falta de vegetação, o que compromete a capacidade de produção de água do manancial e, por consequência, o abastecimento público (Arruda, 2015Arruda, B. (2015). Biologuices na Consultoria Ambiental. Bloguices. http://biologuices.blogspot.com/2015/07/a-importancia-das-nascentes-do-bacia-da-billings.html
http://biologuices.blogspot.com/2015/07/...
).

As habitações são precárias, não têm saneamento ambiental, ou seja, rede de abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto nem gerenciamento de resíduos sólidos. Além disso, estão localizadas principalmente em área de encostas, o que configura alto risco para a vida e a saúde humana (Ferreira & Lupo, 2019Ferreira, L. D., & Lupo, L. S. (2019). Os limites da política habitacional nas áreas de recuperação e proteção aos mananciais do município de São Paulo. In ENAPUR, 18., 2019, Natal. Anais... http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=1534
http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisad...
).

Com base em relatos de moradores antigos do bairro, cerca de 50 anos de habitação, o bairro Jardim Apurá possuía características de roça, pesca, grandes fazendas, chácaras, sítios de criação de animais e agricultura urbana, em comunhão com inúmeras nascentes de água potável, significativa parcela de mata Atlântica e o reservatório Billings.

A inserção das pessoas no local resultou na descaracterização rural do bairro, que se tornou, assim, uma área urbana. O bairro e adjacências foram dominados por moradias, o solo foi parcelado com a construção de moradias precárias, provocando sobretudo a degradação ambiental e a diminuição da qualidade de vida. A consequência desse processo foi a crescente demanda por atendimento público (Ferreira & Lupo, 2019Ferreira, L. D., & Lupo, L. S. (2019). Os limites da política habitacional nas áreas de recuperação e proteção aos mananciais do município de São Paulo. In ENAPUR, 18., 2019, Natal. Anais... http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=1534
http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisad...
).

O processo de criação do Parque Municipal Jardim Apurá-Búfalos

Em meio ao espaço que se urbanizava de modo não planejado, uma parcela fragmentada de área verde com aproximadamente 900 mil m2 foi preservada. Os registros apontam que essa área possuía propriedade privada para a criação de búfalos e arrendamento para abrigo de outros animais, como gado e cavalos (Movimento Parque dos Búfalos, 2021Movimento Parque dos Búfalos (2021). Histórico do movimento. http://www.parquedosbufalos.com/movimento-em-defesa-do-parque-dos-bufalos
http://www.parquedosbufalos.com/moviment...
).

Como parte dos resultados obtidos, foi construída uma linha do tempo do uso e da ocupação do solo do parque (Figura 2), com base nas informações oferecidas pela Divisão de Implantação e Obras.

Figura 2
Linha do tempo: uso e ocupação do solo do bairro Jardim Apurá.

O processo de implantação da área verde sobrevivente em parque só foi possível pela manifestação da sociedade organizada, tendo como liderança o Movimento Parque dos Búfalos. Mesmo que fragmentado e inacabado, o movimento popular estimulou um movimento interno da SVMA para iniciar a construção do parque (Torres, 2015Torres, B. (2015). A luta pelo Parque dos Búfalos. Namu. https://namu.com.br/portal/sustentabilidade/cidades/a-luta-pelo-parque-dos-bufalos
https://namu.com.br/portal/sustentabilid...
). Este processo começou em outubro de 2017. Os resultados dessa intervenção foram o perfil de uso do parque, o mapa base do parque e a relação direta com os agentes sociais local, além dos moradores. Todavia, o parque ainda não foi implantado.

Ao longo de três anos, o parque passou por muitos processos e etapas de construção, os quais contribuíram para a perda da sua qualidade ambiental, muito por conta da demora no andamento do processo e da falta de recursos. Os repasses de verba, as questões burocráticas como editais de chamamento e de licenciamento e a realização do projeto atrasaram a entrega.

O processo de implantação participativa do parque teve êxito em seu planejamento. Apesar dos entraves nos trâmites e processos necessários para a construção, foi possível concluir os processos de diagnóstico e de acolhimento das informações e demandas mediante oficinas temáticas com a população, o que resultou em subsídios para que a equipe de arquitetos pudesse construir um parque que atendesse à necessidade local.

Quanto à atuação da gestão pública nesse processo, vale ressaltar que houve troca de gestores diversas vezes durante a administração de 2017 a 2020. Primeiramente, houve a troca do secretário da SVMA em menos de um ano de administração, em 2017. Depois disso, a secretaria ficou sem secretário por alguns meses, e, quando da nomeação de um novo secretário, realizou-se a reestruturação da SVMA pelo Decreto nº 58.625, de 2019 (Prefeitura de São Paulo, 2019aPrefeitura de São Paulo (2019a). Decreto nº 58.625, de 8 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre a reorganização da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, bem como altera a denominação e a lotação dos cargos de provimento em comissão que específica. Prefeitura de São Paulo. http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-58625-de-8-de-fevereiro-de-2019
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
).

A desestruturação do órgão municipal ambiental (SVMA) foi marcada pela falta de quadro técnico no manejo das políticas ambientais municipais. Com isso, a participação social no âmbito ambiental foi ficando cada vez mais enfraquecida. A falta de governança na continuidade das ações já implementadas delineou esse período.

A queda do poder deliberativo dos conselhos gestores é um exemplo do enfraquecimento da população. Pelo Decreto nº 57.785, de 2017 (Prefeitura de São Paulo, 2017Prefeitura de São Paulo (2017). Decreto nº 57.785 de 14 de julho de 2017. Dispõe sobre o Conselho Gestor da Cidade de São Paulo e sobre os Conselhos de Gestão das Secretarias Municipais. Prefeitura de São Paulo. https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-57785-de-14-de-julho-de-2017//consolidado
https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/...
), o município determina que os conselhos gestores de todas as áreas em nível municipal sejam apenas consultivos, não mais deliberativos às questões de políticas públicas na cidade de São Paulo.

Isso é curioso e contraditório, já que a prefeitura determinou a Agenda 2030 como diretriz para as políticas públicas no município. Como premissa, a Agenda 2030 prevê a participação social nos processos políticos como principal meio de atuação para a implementação do desenvolvimento sustentável na cidade, conforme a Lei nº 16.817 (Prefeitura de São Paulo, 2018aPrefeitura de São Paulo (2018a). Lei nº 16.817, de 2 de fevereiro de 2018. Adota a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) como diretriz de políticas públicas em âmbito municipal, institui o Programa de sua implementação, autoriza a criação da Comissão Municipal para o Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030) e dá outras providências. Prefeitura de São Paulo. https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-16817-de-2-de-fevereiro-de-2018
https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/...
).

O desmoronamento das políticas públicas socioambientais só piorou depois que o país teve de enfrentar uma pandemia de Covid-19, fazendo-se necessário o fortalecimento do Sistema Único de Saúde e de todas as políticas que dão suporte para essa ferramenta de saúde pública, que atingiu os níveis mais precários de atendimento público. Urge, nesse cenário, o melhoramento ambiental de regiões vulneráveis. Nesse cenário, vale ressaltar que até houve tentativa de construção do Conselho Gestor do parque, por meio de trabalho remoto desenvolvido pela SVMA. Porém, mais uma vez, houve troca de gestão, em 2021, que exonerou profissionais envolvidos. Com isso, o processo foi descontinuado.

A inserção do Residencial Espanha no território

As informações obtidas permitiram o resgate da história da construção de um megaempreendimento de habitações nessa área de manancial, muito sensível quanto à sua biodiversidade e que é utilizada como recurso essencial para a manutenção da vida na cidade.

Mesmo com questionamentos sobre os males que podem causar construções de grande porte nas áreas de mananciais, a construção do Residencial Espanha iniciou-se em 2013, com financiamento do Fundo de Arrendamento Residencial, por meio da Caixa Econômica Federal, na segunda fase do Programa Minha Casa Minha Vida (Estadão Conteúdo, 2016Estadão Conteúdo (2016). MPE questiona residencial no parque dos búfalos. IstoÉ. https://istoe.com.br/mpe-questiona-residencial-no-parque-dos-bufalos
https://istoe.com.br/mpe-questiona-resid...
).

O empreendimento possui área de aproximadamente 300 mil m2, com o loteamento de 193 edifícios com 20 unidades habitacionais cada um, comportando 14 condomínios. Ao todo, são 3.860 unidades habitacionais e cerca de 20 mil habitantes (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.).

O projeto que planejou a construção desse empreendimento reservou áreas destinadas a abrigar um sistema viário, sendo necessariamente adaptado pela demanda crescente de habitantes. Nos dias atuais, há grande fluxo de carros, ônibus, ciclistas, carrinhos de mão e pedestres (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.). O projeto previu também um sistema de saneamento necessário para dar conta da demanda de 20 mil habitantes. No mesmo projeto, parte da área foi destinada à implantação do Parque dos Búfalos (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.).

Em mais uma parte do terreno, com cerca de 38 mil m2, foi prevista uma área institucional com equipamentos públicos para construção e administração do poder público. Essa área foi destinada para a implantação de uma escola municipal de educação infantil, uma escola municipal de ensino fundamental e um Centro de Referência de Assistência Social (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.).

Ao todo, 84 lotes, cerca de 14 mil m2 de área, foram liberados como de uso misto, ou seja, podem funcionar com comércio variado, com a justificativa de que, além do interesse social (ZEIS 1 - os espaços têm como principal característica a presença de favelas, loteamentos irregulares e empreendimentos de habitação de interesse social, onde o poder público tem interesse em manter a população e promover a regularização fundiária e urbanística, a recuperação ambiental e a produção de habitação de interesse social), isso geraria empregos e renda (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.).

Como infraestrutura urbana, foram previstas ruas e vielas que ocuparam 30 mil m2 de área, porém a maioria não possui logradouro nem poste de energia.

Os documentos principais realizados pela empreiteira e disponibilizados para os técnicos da SVMA foram: Programa Básico Ambiental, Relatório Ambiental Preliminar e Termo de Compromisso e Recuperação Ambiental (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.). Esses estudos prévios são de reconhecimento da área e deveriam garantir a transparência do processo de construção para controle e fiscalização mínima do poder público e da população.

Com relação ao trabalho prestado pela empreiteira, desde o início das obras ele tem recebido críticas e denúncias sobre o processo de construção. Houve denúncias sobre trabalho escravo na construção, sobre aterramento de nascentes e sobre despejo de esgoto na represa. Mesmo assim, as obras continuaram (Folha de S.Paulo, 2017Folha de S.Paulo (2017). Sumiço de nascente pode embargar megacondomínio. Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/04/1873104-sumico-de-nascente-pode-embargar-megacondominio-ao-lado-da-billings.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/paywall/lo...
).

A construção do empreendimento teve como objetivo reassentar famílias removidas pelo objeto de obras de urbanização do Programa de Aceleração de Crescimento dos Mananciais (PAC Mananciais), que se deu pela Fase 2 do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC 2) e pela Fase 3 do Programa dos Mananciais, ambos da Prefeitura de São Paulo.

O cadastro e a seleção de demandas prioritárias provêm das diretrizes da Portaria MCidades nº 595, de dezembro de 2013, e da Lei Estadual nº 13.579, de julho de 2009 (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.), ou seja, para atendimento e cadastramento das famílias do local a serem beneficiadas por essas legislações.

A concretização das obras foi possível pela obtenção de recursos no Fundo de Arrendamento Residencial vinculado à Caixa Econômica Federal, isso na Fase 2 do Programa Minha Casa Minha Vida do governo federal.

O governo federal cancelou o contrato do PAC Mananciais em janeiro de 2017, o que prejudicou as obras de urbanização e as remoções. Por consequência, não foi possível atender à demanda que seria destinada ao Residencial Espanha (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.).

Com isso, na tentativa de minimizar o problema de atendimento dessas famílias, a Secretaria de Habitação detectou quatro grupos de identificação de demandas, que vão desde famílias inseridas no Programa de Auxílio-Aluguel até famílias que serão removidas de áreas de obras de naturezas distintas.

Por fim, os critérios de seleção para o reassentamento das famílias seguiram de acordo com o Relatório de Diagnóstico de Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos e Urbanos, elaborado pela Secretaria de Habitação (Prefeitura de São Paulo, 2018bPrefeitura de São Paulo (2018b). Secretaria Municipal de Habitação. Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos urbanos (RDD). Prefeitura Regional de Cidade Ademar/Distrito Pedreira, Programa Minha Casa Minha Vida.).

Para acompanhar todo esse processo de pré-ocupação, seria necessária a formação de um conselho gestor. A Portaria SEHAB nº 38, publicada somente em 27 de maio de 2020 (Prefeitura de São Paulo, 2020Prefeitura de São Paulo (2020). Secretaria Municipal de Habitação. Portaria SEHAB nº 38, de 27 de maio de 2020. Constitui Conselho Gestor para elaborar, aprovar e implementar o Plano de Urbanização das áreas definidas como Zona Especial de Interesse Social - ZEIS 1 denominadas Fumaça, Fundão, Guaicuri, Pilão e Santa Amélia, localizadas nesta Capital, pertencentes à Prefeitura Regional de Cidade Ademar. https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-38-de-27-de-maio-de-2020
https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/...
) constitui o Conselho Gestor das áreas definidas como ZEIS 1, denominadas Fumaça, Fundão, Guaicuri, Pilão e Santa Amélia, com os objetivos de elaborar, aprovar e implementar o plano de urbanização dessas áreas. Porém o conselho não existe, ainda, na prática. A participação social ocorreria em todo o processo de pré e pós-ocupação, acompanhando o processo de mudança das famílias, e não houve explicações administrativas à população para a não implementação do conselho.

A entrega final dos apartamentos e a inauguração do Residencial Espanha se deram em fevereiro de 2020, contudo essa entrega já havia se iniciado em 2018, como resultado da efetivação da política pública habitacional, mas com grandes problemas institucionais de atendimento básico, infraestrutura urbana, parque e área institucional.

Identificação dos conflitos socioambientais

Os conflitos foram identificados pelo bairro, empreendimento e Parque dos Búfalos (Quadro 1). Foi realizado um mapa de conflitos configurando cada eixo (bairro, empreendimento e parque), de acordo com o trabalho intersecretarial de parceria entre a Secretaria de Habitação e a Prefeitura de São Paulo.

Quadro 1
Mapa de conflitos socioambientais do território de Jardim Apurá.

O trabalho de rede contou com uma iniciativa da Secretaria de Habitação por meio do trabalho social pré e pós-ocupação, no começo de 2018, a fim de promover a participação social no melhoramento das condições de vida, dos direitos sociais e da sustentabilidade no gerenciamento dos empreendimentos habitacionais. No caso do Residencial Espanha, também foi adicionado o eixo ambiental, por se tratar de APRM-Billings.

O primeiro conflito detectado refere-se à questão da moradia. Ao longo desses anos, foi crescente a demanda da Secretaria de Habitação de negociação com a população das áreas escolhidas para o reassentamento. Muitas famílias recusam-se a morar no Espanha porque o apartamento não comporta toda a família, o qual contém apenas dois quartos, sala, cozinha e banheiro.

Outro conflito relativo à moradia foi o fato de algumas famílias não terem tido seus documentos aceitos no cadastramento da Caixa Econômica Federal, o que fez com que elas não fossem contempladas com novas moradias, pois o sistema indica que elas não possuem pré-requisitos. Isso gerou muito transtorno, pois há casos de famílias que viviam em meio a escombros, sem água nem energia elétrica, enquanto a situação não era averiguada, como no caso de quem mora na Favela da Fumaça, por exemplo.

Segundo observações feitas principalmente pela equipe do atendimento social, as construções apresentaram alguns problemas construtivos, como mau acabamento de paredes, piso, instalações de encanamento, janelas e grades soltas, número de apartamentos trocados, interruptores, taludes encharcados, processos erosivos e afloramento das nascentes.

Uma demanda identificada em 2018 foi a falta de iluminação das ruas projetadas e vielas. O Departamento de Iluminação Pública tem escritório em cada subprefeitura e é responsável por toda a iluminação pública de São Paulo.

Até meados de 2019, esses problemas não haviam sido resolvidos, e a solução imediata foi manter os portões das vielas fechados. Essa solução não se mostrou muito eficaz, já que os cadeados e as grades foram estourados para permitir a passagem.

A mobilidade e o transporte também se configuram como conflitos identificados. Houve demanda pela instalação de novos pontos de ônibus e ampliação da frota, sinalização vertical e horizontal, além da construção de um terminal de transferência, previsto para a Estrada do Alvarenga, além da construção de ciclovias ou ciclofaixa. O que se conseguiu resolver foram os pontos de ônibus e o aumento da frota, porém o trânsito, que já era lastimável, piorou após a chegada dos novos moradores.

O estacionamento de veículos contém apenas 10% de vagas necessárias, ou seja, não há vagas suficientes para todas as pessoas. Essa regra está imposta no Programa Minha Casa Minha Vida, ou seja, os conjuntos habitacionais não têm obrigação de oferecer estacionamento para os moradores. Com isso, os carros ficam estacionados do lado de fora dos condomínios, na Rua David Perez, única via que conecta os bairros.

O terminal de transferência, em processo de construção, e as ciclofaixas, previstas no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Prefeitura de São Paulo, 2014Prefeitura de São Paulo (2014). Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a política de desenvolvimento urbano e o plano diretor estratégico do município de São Paulo e revoga a Lei nº 13.430/2002. https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE-Suplemento-DOC/PDE_SUPLEMENTO-DOC.pdf
https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.b...
), ainda não haviam sido implementados. O pedido à Secretaria Municipal de Transportes fora realizado pelos moradores, mas eles ainda não tinham obtido resposta.

Outra demanda levada à subprefeitura e que prevalece até os dias atuais é relacionada às lixeiras nas vias públicas (ruas e vielas), com procura de alternativa para dentro dos condomínios, já que o projeto da construtora, aprovado pela Cetesb, não contempla essas lixeiras.

Desde o início, foi levantada a dificuldade de realizar a coleta seletiva pelos moradores, uma vez que os abrigos de resíduos do condomínio eram insuficientes em tamanho para armazenar a quantidade de resíduos gerada diariamente. Houve parceria com a concessionária, no entanto o problema ainda persistia, pois os contêineres eram muito grandes e os condôminos tinham dificuldade de locomoção, fazendo com que todo o resíduo ficasse fora do condomínio para que a coleta fosse realizada, não sobrando espaço para a passagem de pedestres na calçada.

Ainda sobre a questão do gerenciamento dos resíduos, na região foram identificados catadores de resíduo reciclável que demandam a disponibilização de um local adequado para armazenamento desse resíduo, mas não existem galpões disponíveis para essa finalidade. A Secretaria do Estado de Meio Ambiente tentou mediar esse conflito, porém muitos lotes não são regularizados. A área institucional, com aproximadamente 38 mil m2, é alvo de questionamentos sobre como foi feita a escolha dos equipamentos, os quais ainda não saíram da planta nem estavam previstos até o fim do presente estudo.

Segundo relatos de diretores responsáveis em reuniões, o documento (ofício) que inquere sobre se haveria a necessidade de equipamentos públicos na área não havia saído do gabinete da gestão de muitas secretarias municipais, apesar de algumas terem respondido que não era preciso novos equipamentos na região. Isso aconteceu nas áreas da saúde e da educação. Assim, não houve a previsão de um novo posto de saúde nem da construção de uma escola que atendesse ao ensino médio.

O imprevisto de não ter sido considerada a implantação de uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS) implicou na sobrecarga de atendimentos na única UBS existente no Jardim Apurá, com uma equipe de saúde da família que precisa dar atendimento para 15 mil pessoas, o limite do bairro. Com a chegada de mais 15 mil moradores, provavelmente haverá a extrapolação da capacidade de atendimento. Além do mais, Cidade Ademar é um dos distritos que não aderiram ao Programa Ambientes Verdes e Saudáveis.

Como soluções alternativas para o atendimento das famílias, a equipe da UBS Parque Doroteia, a mais próxima do empreendimento, foi ampliada, com novos médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde, entre outros profissionais que comportam a Estratégia Saúde da Família.

Já em relação à procura de local para a construção de UBS, a solução é mais complexa. Para isso, carece de regulamentação fundiária e documentação que aprove a sua construção. Por se tratar de área de manancial, o terreno enfrenta muita burocracia para obter essa regularização.

Quanto à situação escolar das crianças, com o início da mudança das famílias, no fim de 2018, muitas delas não estavam conseguindo matricular-se nas escolas da região, e outras não puderam sair das unidades escolares, por conta do risco de perderem o ano letivo, já que faltava apenas um bimestre para se encerrarem as atividades escolares. Muitas crianças ficaram na casa dos avós e parentes, pois o transporte era difícil e longe para outras escolas. Muitas delas estudavam em Diadema (SP), e não era possível o sistema de transporte municipal realizar o serviço intermunicipal.

Como o bairro não tinha equipamentos suficientes para suprir a necessidade da nova população inserida, foi autorizada a construção dos 84 lotes comerciais mistos, mas isso também gerou novos conflitos. O primeiro deles resulta do entendimento para esse tipo de uso, que conflita com a legislação que regulamenta a APRM, a qual proíbe a construção de certos empreendimentos.

Todavia, o delineamento do solo como ZEIS 1 dá abertura para a construção de lotes mistos, e foi dessa forma que eles foram comercializados. Isso significa que neles pode ser implantado qualquer tipo de comércio - oficinas, depósitos, cabeleireiros, farmácias, supermercados etc.

O outro conflito identificado refere-se às construções, que estavam sendo realizadas sem alvará, uma vez que esse documento demanda um processo lento e burocrático que precisa de autorização tanto da subprefeitura quanto da Cetesb, por se tratar de área de manancial.

O processo para obter-se o alvará de construção precisaria, primeiramente, do nome dos logradouros, mas o processo de denominação destes ainda estava parado na Secretaria Municipal de Transportes. Para minimizar os conflitos, os técnicos da Cetesb e da subprefeitura que trabalham diretamente com os alvarás foram convidados para uma reunião técnica a fim de alinhar os procedimentos, regras e normas sobre o tipo de construção, planta do imóvel, entre outras questões.

O alinhamento dessa parte burocrática entre os órgãos poderia destravar o processo de obtenção de alvará. As equipes comprometeram-se a realizar uma cartilha como guia para disponibilizar aos proprietários. Com isso, os proprietários dos lotes comerciais foram convidados a uma reunião de diálogo e apresentação dessas regras e diretrizes, no fim de 2018. Seus relatos apontavam que eles não podiam mais esperar os trâmites burocráticos, porque tinham de iniciar a construção do negócio adquirido. Além disso, não obtinham respostas sobre o andamento da solicitação do alvará de construção.

Esse encontro gerou muita surpresa da parte dos proprietários, pois eles não tinham obtido acesso às regras de uso, construtivas nem procedimentos de licença no momento da compra. Isso quer dizer que a empreiteira (EMCCAMP) não os orientou.

Em um momento, um proprietário manifestou-se e disse que planejava construir um prédio de quatro andares para alugar escritórios, porém foi surpreendido: a construção não era possível pelas condições de uso do solo, conflitando com as diretrizes de APRM e a permeabilidade.

Por outro lado, esse encontro promoveu a integração dos órgãos e proprietários, a fim de acelerar o processo e iniciar a construção conjunta. Muitos donos ainda não tinham finalidade de uso para o terreno e, com isso, tinham planos de pesquisa de mercado e construção coletiva, porém todo esse processo caiu por terra, assim como outras demandas pendentes que tinham relação direta com a Suprefeitura de Cidade Ademar, o que foi causado pela troca de subprefeito no fim de 2019. A relação com os proprietários não foi continuada por não haver diálogo conciso com a rede intersecretarial e os gestores após a troca de gestão.

As demais questões, como a nomeação dos logradouros, não se resolveram na Secretaria Municipal de Transportes. Enquanto isso, as construções ocorreram sem fiscalização. Também, era insuficiente a quantidade de funcionários para acompanhamento, apoio e fiscalização do processo, o que resultou na piora da situação.

Há relatos em fotos, vídeos, redes sociais, materiais jornalísticos e televisivos sobre a situação atual do bairro. Mais recentemente, em 2021, foi produzido o documentário Margens, (Fernandes & Fernandes, 2022Fernandes, T. & Fernandes, F. (dir.), (2022). Margens. Documentário da Toco Filmes. https://fb.watch/fZB1R9xASc
https://fb.watch/fZB1R9xASc...
), que conta a realidade dos moradores do bairro Jardim Apurá após a demolição das moradias desocupadas. Provavelmente, as famílias iriam morar no Residencial Espanha, evidenciando as condições precárias de moradia e vida cotidiana dessas pessoas que vivem à margem da represa Billings.

Nos escombros e mau cheiro, a noite parece ser a pior hora para os moradores, pois não há luz, além do medo exposto pelo alto índice de violência, principalmente das mulheres trabalhadoras e chefes de família que chegam à noite do trabalho e não conseguem enxergar o caminho para casa.

Necessidades da comunidade local

Desde o início da implantação do empreendimento, a população moradora do bairro reivindicou e exigiu a participação nos processos decisivos da área, porém na prática a situação relatada parece ser contrária e arbitrária, dependendo principalmente de interesses ligados à gestão política partidária.

Dentro dos condomínios poderia haver a tentativa de se obter uma administração interna que fosse burocrática o mínimo possível, por meio do planejamento ambiental participativo das condições de moradia.

Para esses encontros, foi aberto um edital de contratação de oficineiros pela UMAPAZ/SVMA. A proposta era realizar um curso de planejamento ambiental participativo para conselhos ambientais das regiões extremas da cidade de São Paulo, de forma a capacitar os conselheiros e lideranças locais na perspectiva de melhorar a qualidade ambiental.

No Residencial Espanha o curso foi realizado com os conselheiros ambientais instituídos pelo regimento condominial, por orientação da Secretaria de Habitação. Com isso, foi possível obter minimamente um diálogo com a população e entender as expectativas e a realidade.

As principais necessidades levantadas foram infraestrutura urbana, equipamentos públicos, saneamento ambiental, comércio e Parque dos Búfalos, conforme a seguir:

  • Infraestrutura urbana:

    • - Realizar um planejamento urbano que traga infraestrutura urbana para a inclusão das pessoas moradoras no local. Portanto, proporcionar iluminação e sinalização, lixeiras, pavimentação de ruas e calçadas, abastecimento de água e esgoto, gerenciamento dos resíduos, principalmente tratando-se da melhoria da qualidade ambiental local;

      • - Melhorar a mobilidade urbana, diminuindo o trânsito na Avenida Estrada do Alvarenga. Procurar alternativas de transporte não automobilístico, construir ciclovias e ciclofaixas, calçadas e pontos de ônibus acessíveis, sinalização de trânsito.

  • Saneamento ambiental:

    • - Construir um sistema de saneamento ambiental que considere a qualidade da água e a biodiversidade da área verde, oferecer subsídios e condições de trabalho para os catadores locais e também para os pescadores.

  • Comércio:

    • - Subsidiar o funcionamento adequado do comércio local, considerando os comerciantes informais e o uso sustentável da área verde local.

  • Equipamentos públicos:

    • - Promover equipamentos públicos que subsidiem as necessidades básicas de acesso e atendimento à população, como a construção de postos de saúde, escolas de todas as modalidades de ensino, centro de assistência social e demais equipamentos que propiciem o desenvolvimento sociocultural, como museus e bibliotecas.

  • Parque dos Búfalos:

    • - Construir efetivamente o parque, levando-se em conta a sua função social.

Todavia, pode-se refletir que a falta de intersetorialidade causou muitos problemas socioambientais e enfraqueceu os processos de construção coletiva para minimização de tais questões. Além de tudo, os conflitos entre as políticas públicas desestabilizaram o entendimento e o interesse das pessoas quanto à credibilidade que têm sobre o poder público.

CONCLUSÃO

O presente estudo sistematizou o processo de implementação do empreendimento Residencial Espanha e o início do processo de implantação do Parque dos Búfalos. Foi possível acompanhar todos os processos de desarticulação, de setorização, de falta de participação, de padronização inadequada de produtos. O conflito central foi diagnosticado como uma disputa que afetou a formação e implementação das duas políticas públicas, a habitacional e a ambiental, que aqui se contrapõem pelo acesso à terra urbana de uma região periférica da cidade capitalista de São Paulo.

O uso do espaço urbano aqui determina uma série de processos pelos quais essas duas políticas públicas, em vez de se complementarem, o que seria desejável, acabam não sendo trabalhadas de forma sistêmica, por conta dos limites da atuação pública e de suas contradições, característico em nosso país. Em decorrência dessa falta de planejamento integrado, São Paulo avançou no seu processo de expansão, equivocadamente, para dentro das Áreas de Proteção Permanente.

A disputa pelo espaço urbano e a omissão total de poder público em formular boas políticas urbanas de habitação e mecanismos de regulação de acesso à terra, de modo a prover áreas de moradia de interesse social para população de baixa renda, provocaram esse processo de expansão periférica desigual e segregada para dentro das áreas protegidas ambientalmente.

Foi possível concluir que a falta de planejamento e de gestão urbana, juntamente com a ausência de participação plena da sociedade civil nos processos decisórios de implementação de políticas públicas, pode causar inúmeros e complexos conflitos socioambientais, prejudicando a qualidade de vida da biodiversidade local.

As mudanças de governo e descontinuidade das ações resultam na falta de assistência à população, que se sente desamparada e desassistida pelo poder público, contudo a intersetorialidade e a participação social podem ser caminhos a serem trilhados para a resolução de conflitos socioambientais e atendimento das necessidades locais, tendo garantidas, nesse caso, a real implantação do Parque dos Búfalos e a melhoria das condições de vida dos moradores.

  • Avaliado pelo sistema double blind review

REFERÊNCIAS

Editado por

Editor Adjunto: Felipe Gonçalves Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2022
  • Aceito
    09 Jan 2023
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