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Redes informais nas organizações: a co-gestão do conhecimento

Informal networks in organizations: the knowledge shared management

Resumos

As redes informais nas organizações constituem estruturas auto-organizantes que, respondendo em grande parte pela capacidade de as organizações lidarem com os problemas imprevistos, configuram-se como instrumentos importantes ao enfrentamento dos desafios associados à sociedade da informação. Este trabalho aborda as redes informais sob a perspectiva do processamento humano da informação e do conhecimento que efetuam e dos suportes eletrônicos de comunicação que ampliam sua utilização dentro das organizações.

Redes informais; Gestão do conhecimento; Comunicação eletrônica


The informal networks in the organizations constitute self-organizing structures which largely answer for the capacity of the organizations to work with unexpected problems. They represent an important tool in addressing the information society challenges. This paper focuses on the informal networks under the perspective of human processing of information and knowledge and the electronic communication infrastructures that enlarge these networks effectiveness inside the organizations.

Informal networks; Knowledge management; Electronic communication


Redes informais nas organizações: a co-gestão do conhecimento* * Resumo de dois capítulos da monografia apresentada para obtenção do título de Especialista em Inteligência Competitiva, realizado em convênio com INT/UFRJ/IBICT, apresentada em 20 de abril/1999, tendo como orientadora Lena Vânia Ribeiro Pinheiro - PhD/UFRJ.

Tonia Marta Barbosa Macedo

Resumo

As redes informais nas organizações constituem estruturas auto-organizantes que, respondendo em grande parte pela capacidade de as organizações lidarem com os problemas imprevistos, configuram-se como instrumentos importantes ao enfrentamento dos desafios associados à sociedade da informação. Este trabalho aborda as redes informais sob a perspectiva do processamento humano da informação e do conhecimento que efetuam e dos suportes eletrônicos de comunicação que ampliam sua utilização dentro das organizações.

Palavras-chave

Redes informais; Gestão do conhecimento; Comunicação eletrônica.

REDES INFORMAIS NAS ORGANIZAÇÕES: A CO-GESTÃO DO CONHECIMENTO

Paralelamente à evolução dos sistemas administrativos e do deslocamento dos modelos excessivamente hierárquicos em direção à maior flexibilidade e descentralização administrativa, os fluxos de informação nas organizações, ainda que sob a vigência da verticalização inerente às estruturas formais, orientaram-se naturalmente no sentido de maior atendimento às necessidades de informação dos seus usuários, atravessando aquelas estruturas e iluminando as questões que dizem respeito às relações entre a organização formal e suas dinâmicas informais de comunicação.

Revendo a literatura relativa ao papel das redes humanas no processamento da informação, Grosser1 constatou que a sobrevivência de organizações que operam em ambientes complexos e turbulentos depende de canais de comunicação suplementares ou alternativos, sustentando que, no caso dos profissionais de informação, a efetividade ótima no uso dos recursos informacionais disponíveis passa (1) pelo reconhecimento da existência das redes humanas e (2) pelo aprendizado de como trabalhar com essas redes no planejamento e provimento dos recursos de informação.

O objetivo deste trabalho é discutir alguns aspectos que dizem respeito à gestão da informação no âmbito das redes informais, indicando a sua importância, não apenas para os profissionais de informação, mas para a organização, de um modo geral, a despeito de suas estruturas formais, tendo em vista os desafios de incerteza e imprevisibilidade colocados pela sociedade da informação.

Confrontadas com a organização formal – muito eficiente em lidar com os problemas previstos – a organização informal, por sua natureza altamente adaptativa, é capaz de responder melhor do que aquela aos problemas inesperados (Krackhardt & Hanson2), o que indica a necessidade de uma visão integradora de suas operacionalidades.

Parte da literatura gerencial da última década – e a ênfase nas questões relativas ao aprendizado organizacional evidencia isto – está focada justamente na interconecção entre as estruturas formais e informais, entre as redes formais e informais (Grosser1), com alguns estudos chegando a apresentar tipologias de redes informais nas organizações. Krackhardt & Hanson 2, por exemplo, distinguem redes de confiança (trust networks) – nas quais são compartilhadas informações politicamente delicadas; redes de trabalho ou consulta (advice networks) – que envolvem o uso da estrutura informal para o contato com indivíduos que possuem informações técnicas que facilitam o cumprimento de objetivos de trabalho e redes de comunicação – relativas aos indivíduos que trocam com regularidade informações de trabalho. McClure apud Grosser1, distingue redes sociais – para assuntos não relacionados ao trabalho; redes de autoridade – para comunicações relativas à autoridade e responsabilidade entre membros da organização e redes de experts – para informações técnicas.

Em consonância com a própria tendência da abordagem gerencial em relação às estruturas formais/informais e adotando um enfoque de rede não limitado à determinada conformação social objetivada, as redes informais são tomadas aqui como as redes de relações que os indivíduos formam dentro das organizações para o cumprimento de suas tarefas mais rapidamente (Krackhardt & Hanson2), ou seja, como desdobramentos agenciados pela mobilização humana nas organizações, sem, no entanto, implicarem delimitações muito restritivas de funções e objetivos.

Independentemente de sua dinâmica, no entanto, redes humanas são centrais para a disseminação de informações nas organizações. Estudos sobre decisões gerenciais indicam que a maioria de suas informações vem do contato humano direto (Leonard3), mostrando que este ainda é o meio mais rápido e eficiente de se procurar e acessar informações – superando os problemas comuns de overload e agregando-lhes valor, mediante o compartilhamento dos conteúdos e contextos dos conhecimentos necessários à decisão.

A crescente disponibilização de interfaces mais amigáveis para acesso a informações, como os browsers para "navegação" e instrumentos de busca na Internet, por exemplo, mostrando a tendência a uma aproximação cada vez maior entre a computação e a linguagem natural, se, por um lado, redimensiona a relação face a face pelo peso das variáveis tecnológicas, por outro, confirma a importância das mídias "ricas" de comunicação e, portanto, das relações informais que os sujeitos estabelecem entre si – ainda que, em alguns casos, mediadas por suportes tecnológicos apropriados.

Mas, se as redes informais já existem nas organizações, conjugando variados interesses e formatos e se são crescentemente objeto de interesse da literatura gerencial, pode-se dar início ao estudo de alguns de seus aspectos por meio das redes de comunicação interpessoal que os cientistas formam no curso do desenvolvimento de seus trabalhos.

Ainda que as redes informais nas organizações, de um modo geral, não tenham as mesmas especificidades – a menos talvez, quando for o caso, de suas áreas de pesquisa e desenvolvimento – como o objeto desse trabalho são redes informais alguns paralelos podem ser feitos, na medida em que as redes informais genéricas não deixam de contemplar relações interpessoais para trocas de informação e conhecimento, da mesma forma que aquelas da ciência e tecnologia. Além do que, é razoável supor que conceitos e princípios estabelecidos na comunicação em C&T podem fundamentar discussões em outros segmentos.

Comunicação na ciência e tecnologia

Uma série de estudos sobre a comunicação na ciência foi realizada principalmente entre as décadas de 70 e 80, quando vários trabalhos foram publicados sobre a transferência da informação em organizações de pesquisa e desenvolvimento e o uso de canais formais e informais (Vieira4).

Um período de aproximadamente dois anos entre a formulação de uma idéia e sua publicação/difusão associa a informação formal (publicada em periódicos científicos ou disponível em banco de dados) ao passado e, em parte, ao presente, e a informal, ao futuro – ainda que passível de validação (Dou5). Necessitando-se reduzir esse tempo para disseminação de uma idéia por meio da publicação dos resultados das pesquisas, existem os canais semiformais – relatórios técnicos, manuscritos ou originais (preprints), trabalhos a serem apresentados em reuniões científicas (prepapers), que não se submetem às regras rígidas da publicação científica e contribuem ainda para assegurar a autoria da publicação do corpo científico e reforçar o seu aspecto cooperativo (Pinheiro et al. apud Vieira4)

Tendo em vista, no entanto, a satisfação das necessidades de informação dos próprios cientistas, os canais informais representam um papel da maior importância, pela troca de idéias (Katz apud Vieira4) e pelos feedbacks imediatos com os pares (Bernal apud Vieira4). Dessa forma, as redes informais que os cientistas estabelecem entre si é parte essencial do conhecimento científico. O produto final – o trabalho publicado – é não só o resultado da série de agenciamentos e traduções que ocorrem no âmbito de seus laboratórios, como mostram os estudos de Callon6 na área da antropologia da ciência, mas também da série de informações e conhecimentos que são trocados informalmente no âmbito das redes de suporte que as várias comunidades científicas consolidam ao longo do tempo.

Os "colégios invisíveis" identificados nos anos 60 por Price7, constituindo-se em comunidades informais de cientistas que, comunicando-se e reunindo-se periodicamente para a troca de experiências e informações, passaram a desempenhar papel fundamental para a publicação formal e disseminação dos avanços no campo do conhecimento científico, contrastados com os canais mais formais de comunicação acadêmica, apresentam a particular vantagem da atualidade da informação, da oportunidade de feedbacks e do compartilhamento dos estágios formativos do desenvolvimento de uma idéia e sua transmissão interdisciplinar (Cronin apud Gresham12).

A comunicação interpessoal faz parte, portanto, do trabalho dos cientistas no desenvolvimento de suas atividades. Apesar da disponibilidade de dados e da facilidade de acesso às informações que os diversos desenvolvimentos tecnólogicos ensejam, a interação pessoal – seja ela face a face ou mediada pelo computador (guardadas as suas singularidades) – ocupa um papel destacado na dinamização e intensificação dos fluxos de informação necessárias às suas pesquisas. A consulta direta aos pares para compartilhamento de dúvidas, ciência de trabalhos de fronteira e redução de equivocabilidades torna-se inerente ao trabalho com conhecimento.

À medida que crescentemente esse trabalho ultrapassa as fronteiras dos laboratórios e invade, pelo menos enquanto discurso, o terreno das organizações de um modo geral, o modo pelo qual os trabalhadores do conhecimento por excelência – os cientistas – equacionam seus problemas informacionais deve servir paradigmaticamente para ensejar paralelos e analogias que possam ser de alguma utilidade para outros contextos nos quais o conhecimento tenha papel de destaque.

Gatekeepers tecnológicos

Estudando a comunicação informal em laboratórios de pesquisa científica e tecnológica, nos anos 60, Allen8 identificou os gatekeepers tecnológicos – indivíduos que, pelo grau de exposição a fontes de informação externas à sua organização, pelo seu conhecimento e ligações profissionais e pessoais fora de sua comunidade próxima de trabalho, representam papel informacional vital dentro do seu grupo, tanto como fontes de informação – pela capacidade de entendimento e tradução das informações obtidas pela leitura de jornais científicos em termos de sua importância para os profissionais com os quais mantêm contato, quanto como "consultores internos" – pela capacidade de discussão técnica e expertise.

Estudo sobre as características do papel dos gatekeepers na comunidade científica de organizações governamentais de pesquisa e desenvolvimento mostrou que o gatekeeper é um indivíduo presente em variados tipos de organizações, como um excelente receptor e transmissor de informação, um extensor e amplificador da pesquisa de informação para todos aqueles com quem faz intercâmbio. Sua grande rede de contatos profissionais permite-lhe abrir mais portas e a sensibilizar maior número de fontes potenciais de informação (Holland apud Vieira4).

A existência dos gatekeepers, no entanto, não está restrita à proximidade física dos laboratórios de ciência e tecnologia. Foi observado que, nos "colégios invisíveis", compostos por cientistas geograficamente dispersos, há indivíduos que atuam também como os gatekeepers estudados por Allen, ou seja, apesar de geograficamente dispersos, os especialistas chaves dentro de uma rede internacional de um colégio invisível desempenham o mesmo tipo de papel que os gatekeepers tecnológicos dos laboratórios (Grosser1).

Não se limitando, portanto, ao seu espaço físico, mesmo que a proximidade seja um fator de coesão importante no estabelecimento de suas redes informais, a importância dos gatekeepers se estende ao conjunto das configurações de trocas de informações necessárias ao trabalho com o conhecimento, que ultrapassam as condicionantes geográficas e crescentemente são impactadas pelas tecnologias de informação disponíveis.

O provimento de informações técnicas para uma organização de pesquisa e tecnologia passa, portanto, por determinados indivíduos, que, mais do que simples "nós" das redes de comunicação, configuram um recurso estratégico para a cooperação técnico-científica entre os pesquisadores, contribuindo com o desenvolvimento de suas áreas de conhecimento.

Gatekeepers nas organizações

Apesar de grande parte dos estudos clássicos sobre a comunicação informal estar voltada para as comunidades científicas e tecnológicas, que lidam intensivamente com a construção do conhecimento – conquanto mais recentemente, como se disse anteriormente, o assunto estar sendo objeto de crescente interesse pela literatura gerencial –, algumas generalizações foram feitas, por exemplo, por Tushman & Scanlan apud Grosser1, que aplicaram o conceito de gatekeeper tecnológico de Allen a outras organizações, estudando o papel dos indivíduos boundary spanning na transferência de informação e importação de informações estratégicas para as organizações.

O próprio Allen8 constatou que as características dos gatekeepers não são particulares de um determinado tipo de instituição, mas fazem parte de uma classe muito mais geral de fenômeno, destacando que sempre existirão pessoas que, por várias razões, tendem a se tornar mais familiarizadas com as fontes de informação fora de sua comunidade imediata, tanto lendo mais extensivamente que a maioria quanto desenvolvendo mais contatos pessoais fora da organização à qual pertencem.

Estudando o papel desses indivíduos que, nas organizações de um modo geral, e não apenas nas comunidades científicas, são naturalmente capazes de adquirir, processar e utilizar informações, McClure apud Grosser1 constatou que, apesar de receberem variadas denominações – "especialistas de informação", "consultores internos", "experts", "gatekeepers tecnológicos" –, eles têm em comum, entre outras coisas, o fato de saberem onde obter informações – tanto de fontes informais quanto formais e semiformais e serem capazes de filtrá-las para transmitir apenas o que é relevante de fora da organização para dentro do grupo com o qual interagem – desempenhando uma espécie de alerta corrente.

Assim, da mesma forma que os gatekeepers tecnológicos, nas comunidades científicas e tecnológicas, há indivíduos dentro das organizações que desenvolvem uma rede de contatos internos e externos às suas estruturas e contribuem para o trabalho dos outros indivíduos que fazem parte do seu círculo de contatos pessoais. Devido às suas características de competência técnica e elemento de ligação, eles constituem fontes importantes de informação e novas idéias, ocupando um papel de destaque na rede informal.

Fazendo uma analogia com os "colégios invisíveis" das comunidades científicas, é possível pensar que as organizações – independentemente de sua distribuição geográfica ou configuração formal – são constituídas também por "redes invisíveis", onde gatekeepers – não exclusivamente tecnológicos – desempenham papel de destaque no processamento humano da informação e nos fluxos de informação organizacionais.

Apesar de a idéia dos "colégios invisíveis" estar associada, no caso da ciência, a uma elite de cientistas (Price7), não se deve entender essas redes informais nas organizações por esse mesmo viés. Em que pese a possibilidade de sua ocorrência, principalmente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, as referências àquelas configurações científicas e aos gatekeepers foram feitas no sentido de iluminar a existência de uma dinâmica informal nas organizações que já responde por parte das respostas que a organização apresenta ao lidar com os desafios de suas necessidades de informação de forma auto-organizante, em termos da gestão de conhecimento que efetuam.

Alguns autores acreditam que as organizações podem aumentar a efetividade das redes informais mediante seu mapeamento, apontando a continuidade dos estudos sobre o papel dos gatekeepers por esse viés (Krackhardt e Hanson2), segundo o qual um de seus benefícios poderia ser a identificação de gaps comunicacionais onde relacionamentos fortes deveriam ser desejáveis, permitindo o incentivo a que essas interações ocorram – o que, se não assegura, em um primeiro momento, a formação das relações necessárias, aumenta a possibilidade de sua ocorrência pela contínua exposição a elas, o que incrementaria a performance organizacional.

Em que pese essa visão de mapeamento poder implicar questões éticas, a referência a essa linha de pensamento foi citada não por uma concordância imediata com ela, mas pela evidência da importância que estudos sobre redes informais vêm merecendo.

Suportes eletrônicos para redes informais

Se até agora as redes informais foram pensadas essencialmente como redes humanas, é necessário, a partir desse ponto, ampliar o seu entendimento para comportar a utilização de ferramentas de tecnologia de informação como agentes eletrônicos interativos por meio dos quais informações e conhecimentos podem ser compartilhados e armazenados, independentemente da proximidade dos atores humanos envolvidos.

Tomando por base o aspecto da materialidade heterogênea da Teoria do Ator-Rede (Law9) e compreendendo as tecnologias de informação como parte das tecnologias intelectuais que participam do processo cognitivo, os processos intelectuais não dizem respeito apenas a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos, mas colocam em jogo uma série de objetos técnicos complexos que, operando interativamente com os elementos humanos, respondem pela inserção da informática no conjunto das formas de conhecimento disponíveis (Lévy10).

Nesse sentido, a comunicação eletrônica, como um subconjunto das tecnologias de informação, não se restringe a ser uma simples reprodutora de mensagens no âmbito das redes informais, mas um verdadeiro "actante" (ver essa noção em Callon6) do processo de construção e disseminação de conhecimentos. Atravessando estruturas e hierarquias, a comunicação eletrônica por computador estabelece não apenas novas relações de tempo e espaço, mas novos padrões sociais que, por sua vez, criam outras formas de produção e circulação de saberes.

Correio eletrônico e conferências eletrônicas

A sigla CSCW (Computer Supported Cooperative Work) ou "Trabalho Cooperativo Auxiliado por Computador" é um campo de estudo interdisciplinar que, no âmbito da tecnologia da informação, abriga conceitos e produtos relativos ao que é comumente conhecido como groupware – grupo de ferramentas que permite que as pessoas se comuniquem, coordenem e colaborem no trabalho. De uma maneira geral, estas ferramentas compreendem sistemas síncronos – que exigem que os usuários estejam conectados on-line (ferramentas de bate-papo, vídeo-conferências, conferências de dados) – e sistemas assíncronos, que permitem que as informações sejam compartilhadas e acessadas não necessariamente ao mesmo tempo (correio eletrônico, conferências e discussões eletrônicas, bancos de informações e ferramentas de workflow) (Hills11).

Apesar da diversidade dessas ferramentas e de suas características particulares, o correio eletrônico e as conferências eletrônicas, pela sua utilização e disseminação, têm sido objeto de muitos estudos com a finalidade de avaliar o seu papel nas comunidades científicas e organizações.

O correio eletrônico (ou tecnologia de e-mail, como ficou conhecido após sua integração com a rede Internet) foi uma das primeiras ferramentas de groupware, tendo substituído, em várias organizações, memorandos e correspondências internas, mediante padronizações formais eletrônicas diversas. Intercambiando mensagens internas e externas às organizações, por meio de gateways, o correio é um dos serviços mais disseminados de comunicação eletrônica por computador, suportando, inclusive, o desenvolvimento e funcionalidade de vários outros serviços.

As conferências eletrônicas são conhecidas por vários nomes. E-conferências, conferências por computador, fóruns eletrônicos, listas de discussão, grupos de discussão, grupos de interesses são algumas denominações (Gresham12). Neste caso, as mensagens são transmitidas para os endereços eletrônicos de todos os participantes inscritos em uma determinada conferência, ou são disponibilizadas em endereços específicos para serem acessadas quando da conveniência dos assinantes.

Estudando empiricamente o papel da comunicação eletrônica, Bishop13 pesquisou os impactos do uso de conferências eletrônicas no trabalho de engenheiros aeroespaciais, em vários estados americanos, tendo destacado, de acordo com as respostas recebidas, os seguintes aspectos:

• permitem que idéias e problemas sejam expressos de acordo com as necessidades;

• permitem resolver rapidamente problemas;

• distribuem a expertise disponível a todos os empregados;

• habilitam-se a responder rapidamente às mudanças;

• fazem sentir maior senso de comprometimento e espírito de equipe.

Abordando a questão pelo uso acadêmico, Gresham12 chama a atenção para a utilização da computação mediada por computador pelas comunidades acadêmicas e seu impacto nas redes informais que estas comunidades constituem, como os já citados "colégios invisíveis", sugerindo que a tecnologia da informação pode transformá-los em cyberspace colleges, nos quais a utilização de ferramentas de computador ampliam a `inteligência coletiva' acadêmica, contribuindo para a pesquisa colaborativa mais efetiva, expandindo e redimensionando o papel do elemento humano na pesquisa por meio das redes de comunicação acadêmica.

Tanto no âmbito das ciências quanto nas organizações, de um modo geral, a base textual das conferências por computador desafia a habilidade cognitiva reflexiva e analítica associadas à expressão de idéias sob forma escrita, aumentando a colaboração intelectual e afirmando-se como uma ferramenta de aprendizagem ativa ideal, além de permitir a superação de barreiras de comunicacionais (Harasin apud Gresham12).

É importante destacar, no entanto, que correios e conferências eletrônicas não podem ser pensados como substitutos de outros meios de comunicação informal. Dependendo da complexidade do assunto tratado, da proximidade geográfica e do quanto se necessita do feedback, a interação face a face e o telefone podem ser preferidos ou complementarem a sua utilização.

Talvez valha a pena abrir um parênteses para comentar que essa possibilidade de uma mídia oferecer feedback associa-se, em parte, ao que alguns autores chamam de riqueza da mídia (media richness), perspectiva que assume implicitamente que uma mídia possui inerentemente características que a tornam mais ou menos efetiva (Wiesenfeld et al.14), como a capacidade de suportar múltiplos cues (similar à presença social) e auxiliar os participantes a se entenderem por meio de feedbacks, variedade de linguagens, foco pessoal, emoções e sentimentos, ao contrário de uma mídia mais pobre (media lean), que se assenta sobre regras, formulários e procedimentos (Daft, Lengel e Trevino apud Garton15).

Uma visão mais recente, no entanto, expande esse conceito, sugerindo que, adicionalmente às propriedades intrínsecas da mídia, o contexto social deve ser considerado para determinar o seu verdadeiro impacto sobre os indivíduos. Dessa forma, apesar da interação face a face ser mais apropriada em condições de tarefas mais complexas e pouco estruturadas, desde que determinadas normas de utilização sejam estabelecidas, mídias menos ricas podem incorporar mais significado do que se estivessem sendo utilizadas em contextos menos específicos (Markus apud Wiesenfeld et al.14). Dessa forma, o e-mail, por exemplo, pode ser rico em função da extensão com que emissores e receptores de mensagens compartilham seus contextos organizacionais.

Essa perspectiva mais relativista no tocante à "riqueza" das mídias talvez explique o fato de a comunicação informal eletrônica ocupar crescente importância para as comunidades científico-tecnológicas e organizações, seja pela possibilidade do armazenamento e acumulação de conteúdos informacionais – caso exemplar das informações formais –, seja pela oportunidade do compartilhamento dos contextos de conhecimentos e idéias – caso exemplar das interações face a face.

Nos últimos anos, um conjunto de ferramentas tecnológicas baseadas nesses princípios foi desenvolvido e colocado no mercado, algumas a partir das experiências das próprias companhias desenvolvedores, em suas tentativas de criar internamente mecanismos para apreender o conhecimento disperso dentro da organização, mobilizando atividades de monitoramento e facilitando seus processos de inovação (Ruggles16).

Apesar de todas as facilidades destas ferramentas em relação à constituição de "bases de conhecimento" e sua visibilidade eletrônica, é necessário reforçar o entendimento de que sua simples existência não altera o fato de que estas bases têm uma natureza essencialmente diferente das bases de dados ou de informações.

Bases de conhecimento e sua gestão compreendem aspectos muito mais complexos do que bases de dados ou informações, porque devem ser capazes de armazenar não apenas idéias, mas os elementos contextuais como suas inter-relações, história, uso passado. O conhecimento requer contexto e entendimento para ser aplicado apropriadamente (Ruggles16).

Nesse sentido, a simples disponibilização destas ferramentas por uma organização não cria o ambiente no qual o conhecimento possa se transferir em toda a sua complexidade. Para isso, é necessário que elas façam parte do conjunto das relações "híbridas" que incluem as redes de relacionamentos ou redes informais que constituem os ambientes onde essa transferência se dá naturalmente. A utilização pelas redes informais destas e de outras ferramentas como instrumento de trabalho – que pode ser até mesmo o simples correio eletrônico ou e-mail – é o que lhes pode dar a verdadeira efetividade.

A disponibilização, por si mesma, de uma ferramenta específica, por mais alinhada que esteja com o estado da arte da tecnologia da informação, não é suficiente para resolver e endereçar todas as questões relacionadas ao processamento das informações nas organizações.

Apenas quando as tecnologias apropriadas são utilizadas em conjunto com práticas efetivas – e isto envolve não apenas a capacidade de criar, mas de observar práticas já existentes –, a organização pode fazer com que seus profissionais, individual e coletivamente, tirem o melhor proveito de seus conhecimentos, configurando não a fragmentação comumente utilizada de sujeitos que utilizam tecnologias ou de tecnologias que "adaptam" sujeitos, mas conjuntos sujeitos-tecnologias que fazem parte da rede de relações cujos efeitos podem ser ou não positivos para os próprios profissionais e organizações.

Redes informais, comunicação eletrônica, decisões

Nas organizações, os processos decisórios foram por muitos anos pensados como resultantes apenas de processos formais e deliberados com ênfase em problemas, soluções e suas necessidades de informações associadas – como o do planejamento estratégico, por exemplo – configurando o que ficou conhecido como modelo racional de tomada de decisão.

Os trabalhos mais recentes, no entanto, tentam explicar as decisões e estratégias adotadas pelas organizações como efeitos que se relacionam às questões políticas e processuais das tomadas de decisão, que levam em conta a própria natureza do trabalho gerencial e as subjetividades dos atores envolvidos (Leonard3). Mintzberg apud Leonard3 desenvolve o conceito de estratégia emergente, não planejada deliberadamente e freqüentemente resultante de processos de decisão ad hoc ou incrementais que ocorrem em resposta a forças internas e/ou externas.

A existência de estratégias não intencionais, que refletem a coexistência de modelos não racionais de decisão, ressalta a importância das decisões individuais e grupais – tanto no nível dos decisores quanto em todos os outros níveis. De acordo com o que os pesquisadores têm notado, há um crescente envolvimento de vários membros da organização nas questões estratégicas, o que torna relevante as diferenças de estilos cognitivos de indivíduos e grupos para o processamento de informações, em termos de sua avaliação e utilização nos contextos organizacionais.

Não entrando, nos aspectos relacionados ao problema da cognição, mas apenas situando a questão em termos de que tanto a inteligência quanto a própria cognição são o resultado de redes interativas complexas de atores humanos e não-humanos, onde tanto o "eu" (e pode-se dizer os decisores) quanto os grupos humanos (e pode-se dizer os grupos informais dentro das organizações) são parte, juntamente com todo o aparato de métodos e tecnologias intelectuais, do todo pensante (Lévy10), pode-se destacar a relevância dos modelos mentais e cognitivos para a tomada de decisões e, portanto, para as estratégias organizacionais. Nesse sentido, as redes informais, paralelamente às estruturas formais, fazem parte do conjunto de instrumentos utilizados, por todos dentro da organização, ao longo das microestruturas decisórias, para debate, esclarecimento de questões e feedbacks.

A utilização de mídias ricas por estas redes – como e-mails e conferências, por exemplo – é fundamental para permitir não apenas a disponibilização de dados e informações sob a forma estrita de conteúdos, mas dos contextos de formação dos sentidos que fazem parte dos processos cognitivos, podendo fornecer um ambiente adequado a um compartilhamento de idéias, experiências e informações mais próximo das formas pelas quais as decisões são tomadas, ao mesmo tempo em que permitem a criação de bases de conhecimento que podem ser úteis à organização, de uma maneira geral.

Não se tratando de propor a replicação de redes pessoais, até porque elas incorporam relações de confiança, mas acreditando que parte do processamento de informações nas organizações se dá no nível das várias redes informais, onde o conhecimento e expertise estão dispersos e freqüentemente guardados em indivíduos e grupos, o reconhecimento da existência desses "clusters" de saber e o estabelecimento de ambientes eletrônicos adequados para o seu armazenamento, como, por exemplo, conferências eletrônicas, pode efetivamente contribuir para o aprendizado organizacional, ultrapassando as barreiras organizacionais, evitando "reinvenções de roda" e incrementando processos de inovação, além de – naturalmente – otimizar os processos de tomada de decisão pela introdução do espaço "rico" da heurística cognitiva distribuída.

12. GRESHAM, J.L. From Invisible College to Cyberspace College: Computer Conferencing and the Transformation of Informal Scholarly Communication Networks. Interpersonal Computing and Technology, v.2, n.4, p.37-52, Oct 1994. (Disponível em http://www.lib.ncsu.edu/stacks/i/ipct/ipct-v2n04-gresham-from.txt . Consultado 02/02/1999)

Informal networks in organizations: the knowledge shared management

Abstract

The informal networks in the organizations constitute self-organizing structures which largely answer for the capacity of the organizations to work with unexpected problems. They represent an important tool in addressing the information society challenges. This paper focuses on the informal networks under the perspective of human processing of information and knowledge and the electronic communication infrastructures that enlarge these networks effectiveness inside the organizations.

Keywords

Informal networks; Knowledge management; Electronic communication.

Tonia Marta Barbosa Macedo

Engenheira Química, com especialização

em Inteligência Competitiva, pelo

INT/UFRJ/IBICT, Petrobrás.

e-mail: toniamarta@ep.petrobras.com.br

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  • *
    Resumo de dois capítulos da monografia apresentada para obtenção do título de Especialista em Inteligência Competitiva, realizado em convênio com INT/UFRJ/IBICT, apresentada em 20 de abril/1999, tendo como orientadora Lena Vânia Ribeiro Pinheiro - PhD/UFRJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 1999
    • Data do Fascículo
      Jan 1999
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