Acessibilidade / Reportar erro

Explorando a Astronomia nos anos iniciais do Ensino Fundamental: um estudo das publicações do periódico Caderno Brasileiro de Ensino de Física

Exploring Astronomy in the early years of Elementary School: A study of publications in the Brazilian journal Caderno Brasileiro de Ensino de Física

Resumo:

Esse estudo teve como objetivo analisar produções científicas sobre o Ensino de Astronomia na Educação Básica, com enfoque nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Especificamente, examinou um período de quinze anos (2007 a 2021) das publicações da revista Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF), da UFSC. Foram analisados trabalhos publicados antes, durante e após a aprovação da BNCC e do Ano Internacional da Astronomia, em 2009. A metodologia usada foi a revisão bibliográfica sistemática. Identificou-se consenso sobre a relevância do Ensino de Astronomia, a necessidade de formação contínua de professores e a reavaliação da formação. Observou-se um grande impacto do Ano da Astronomia na quantidade de trabalhos publicados, enquanto a implementação da BNCC relaciona-se a um aumento mais modesto. Constatou-se pouca diversidade regional e de gênero nos trabalhos, apontando para um cenário multifacetado e abrangente, em um campo de pesquisa rico a ser explorado.

Palavras-chave:
Ensino de astronomia; Educação básica; Ensino fundamental; Formação docente

Abstract:

This study aimed to analyze the scientific literature on astronomy’s teaching in basic education, with a particular focus on the initial years of elementary school. Specifically, the review examined a fifteen-year period (2007-2021) of Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF) publications. The material published before, during, and after the approval of the BNCC and the International Year of Astronomy in 2009 was subjected to a systematic literature review with a sample of 44 articles. It was evident that there was a consensus regarding the importance of astronomy education, the need for continuous teacher training, and the reevaluation of teacher formation. The Year of Astronomy had a significant impact on the number of articles published, while the implementation of the BNCC was associated with a modest increase. Additionally, the works exhibit minimal regional or gender diversity, indicating a multifaceted and comprehensive scenario in a rich field of research with significant potential for further exploration.

Keywords:
Astronomy teaching; Basic education; Fundamental teaching; Teacher training

Introdução

Diante da vastidão do tempo e da imensidão do Universo, a Astronomia nasce como um elo entre a Terra e o infinito, nos permitindo explorar e compreender o cosmos, conectando-nos a uma enormidade de estrelas, planetas, galáxias e mistérios, como uma ponte infinita ligando o planeta à imensidão do espaço. Esta Ciência, além de ser a mais antiga, é de extrema importância para Humanidade, estando presente no cotidiano de todas as civilizações até transcender para os currículos educacionais. A despeito dessa importância, no currículo brasileiro, a Astronomia não se configura uma disciplina específica e sim um assunto transversal, de forma que é importante conhecer a estrutura educacional brasileira para entender os pontos em que esse conhecimento pode ser introduzido.

No que diz respeito ao ensino de Astronomia, as Bases Curriculares Brasileiras e outros documentos revelam uma trajetória complexa e evolutiva que abrange desde períodos pré-coloniais até os dias atuais. Conforme apontam os estudos de Silva (2021)SILVA, M, A. O ensino de astronomia no ensino fundamental. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Ciências da Natureza) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021., a existência de conhecimentos astronômicos entre os povos indígenas antecipa a trajetória educacional formal. Já durante o período colonial, os jesuítas desempenharam um papel fundamental no ensino da Astronomia, mas essa disciplina muitas vezes se confundia com a astrologia, o que era padrão na época. Durante o século XIX, destaca-se a existência de uma disciplina própria para o ensino de Astronomia, chamada Cosmografia, no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, que na época era um guia de parâmetros curriculares para o restante do país (Leite et al., 2014LEITE, C.; BRETONES, P. S.; LANGHI, R.; BISCH, S. M. Astronomia na educação básica: o ensino de astronomia no Brasil colonial, os programas do Colégio Pedro II, os parâmetros curriculares nacionais e a formação de professores. In: MATSUURA, O. T. (org.). Historia da astronomia no Brasil: 2013. Recife: Cepe, 2014. v. 1, p. 542-585.). A partir do século XX, reformas educacionais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1961, abriram caminho para a inclusão das ciências nas escolas, incluindo a Astronomia, embora frequentemente inseridas em outras disciplinas.

A análise das razões para a redução da Astronomia como disciplina autônoma aponta para fatores como mudanças nas metodologias de ensino, que enfatizavam a experiência direta, e a não inclusão de conteúdos astronômicos na formação inicial de professores. Atualmente, tais conteúdos aparecem diluídos em outras áreas de interesse dos programas educacionais, deixando de ser uma disciplina específica nos cursos de formação de professores (Tignanelli, 1998TIGNANELLI, H. L. Sobre o ensino da astronomia no ensino fundamental. In: WEISSMANN, H. (org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 57-89.). Na década de 1990, Silva (2021)SILVA, M, A. O ensino de astronomia no ensino fundamental. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Ciências da Natureza) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021. afirma que a Astronomia começou a conquistar mais destaque nos currículos escolares. O marco de 2006, com a promulgação da Lei 11.274 (Brasil, 2006BRASIL. Lei nº 11.274. de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 143, n. 27, p. 1-2, 7 fev. 2006. Disponível em: https://tinyurl.com/ykrus74h. Acesso em: 9 ago. 2024.
https://tinyurl.com/ykrus74h...
), estendeu a duração do Ensino Fundamental para nove anos, alterando significativamente a estrutura educacional e pavimentando o terreno para as mudanças que vieram a seguir.

Desde 2014, o país conta com o Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o plano nacional de educação e dá outras providências. Diário Oficial da União: ed. extra, ano 151, n. 120A, p. 1-7, 26 jun. 2014. Disponível em: https://tinyurl.com/mrx2f355. Acesso em: 9 ago. 2024.
https://tinyurl.com/mrx2f355...
), cujo objetivo é determinar diretrizes, metas e estratégias para a política educacional. Em 2017, como uma das estratégias estabelecidas pelo PNE, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.) nasceu como uma iniciativa do Governo Federal de melhorar a Educação Básica, que compreende a Educação Infantil, Educação Fundamental e o Ensino Médio. Dentro da BNCC são definidas as diretrizes curriculares da Educação Básica ministradas no Brasil, organizando-se por temas e áreas do conhecimento. A BNCC representa um avanço significativo ao incluir a Astronomia como componente fundamental nos anos iniciais do Ensino Fundamental, refletindo um esforço para melhorar o acesso dos alunos a conhecimentos astronômicos, integrando temas como estações do ano, ciclo diurno e noturno, componentes do sistema solar e noções de tempo. No entanto, há espaço para aprimoramentos.

Conforme aponta a BNCC (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.), na área de Ciências da Natureza o ensino de Astronomia se faz presente em todas as séries dos anos inicias do Ensino Fundamental, na unidade temática Terra e Universo, onde propõe trabalhar com os alunos o estudo do Tempo, do Sol e suas particularidades; as Fases da Lua; o estudo da Terra e seus fenômenos cíclicos, como: movimento de rotação da Terra, as estações do ano, a observação do céu noturno e diurno, as marés, entre outros; aponta também o estudo dos calendários; das constelações e mapas celestes, conforme esquematizado no quadro 1.

Quadro 1
Objetos de conhecimento do eixo Terra e Universo a cada ano do fundamental

Contudo, embora o ensino de Astronomia esteja presente nos anos iniciais do Ensino Fundamental nos documentos oficiais brasileiros que falam sobre a Educação Básica, Ghirardello e Langhi (2018)GHIRARDELLO, D; LANGHI, R. Ensino de astronomia na educação infantil: breves considerações teóricas sobre sua prática e pesquisa. In: V SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM ASTRONOMIA, 5., 2018, Londrina. Atas [...]. Londrina: SNEA, 2018. Disponível em: https://tinyurl.com/4a9za35h. Acesso em: 12 ago. 2024.
https://tinyurl.com/4a9za35h...
apontam que ele se encontra em um estado delicado por conta da baixa presença de temas de Astronomia na grade curricular da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que mesmo com apoio teórico a ele já nos anos iniciais, tende-se a apresentar discussões sobre Astronomia apenas nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio (Padilha, 2007PADILHA, P. R. Educar em todos os cantos: reflexões e canções por uma educação intertranscultural. São Paulo: Cortez, 2007.).

A Astronomia é um assunto que desperta interesse e curiosidade de indivíduos de todas as idades e isto não se torna diferente no período da infância. É consenso que as crianças por natureza são curiosas, questionam e buscam respostas para tudo o que observam a todo momento e, segundo o estudo de Curval e Peixoto (2015)CURVAL, A.; PEIXOTO, A. Olhar para o céu: a criança e a astronomia. Interações, Santarém, Portugal, v. 11, n. 39, p. 653-666, 2015. DOI: https://doi.org/10.25755/int.8766.
https://doi.org/10.25755/int.8766...
, embora a Astronomia possa parecer incompreensível para as crianças, ela se refere a vários fenômenos cotidianos que elas observam ao passar do tempo. Kallery (2011)KALLERY, M. Astronomical concepts and events awareness for young children. International Journal of Science Education, Abingdon, UK, v. 33, n. 1, p. 341-369, 2011. DOI: https://doi.org/10.1080/09500690903469082.
https://doi.org/10.1080/0950069090346908...
destacou que as crianças são atraídas pelo céu e pelo espaço desde pequenas, pois são assuntos que despertam sua imaginação e atenção. Nesse sentido, Peroza e Resende (2011)PEROZA, J.; RESENDE, M. A. A dialética da curiosidade: pressupostos para uma praxiologia do conhecimento em Paulo Freire. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 10., Curitiba, 2011. Anais [...]. Curitiba: PUCPR, 2011. complementam dizendo que na visão freiriana a curiosidade epistemológica está relacionada não apenas à capacidade de aprender, mas à capacidade de aprender de maneira crítica, reflexiva e contextualizada.

Conforme Guimarães (2009)GUIMARÃES, S. E. R. Motivação intrínseca, extrínseca e uso de recompensas em sala de aula. In: BORUCHOVITCH, E.; BZUNECK, J. A. (org.). A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 37-57., a curiosidade, interesse, atenção, prazer e alegria podem caracterizar a participação de uma criança em situações de aprendizagem. Esse fato é perceptível quando se depara com situações como as descritas nos estudos dos pesquisadores Rosa, Darroz e Della Santa (2018)ROSA, C. T. W.; DARROZ, L. M.; DELLA SANTA, J. Astronomia na educação infantil: análise de uma proposta didático-metodológica voltada à alfabetização científica. Ensino e Tecnologia em Revista, Londrina, v. 2, n. 2, p. 127-147, 2018. DOI: https://doi.org/10.3895/etr.v2n2.7585.
https://doi.org/10.3895/etr.v2n2.7585...
. Nela, os autores relataram que após diversas discussões e atividades realizadas com crianças sobre Astronomia, foi possível ressignificar os conhecimentos que os alunos tinham sobre o assunto, e explorá-los.

De acordo com Amaral (2019)AMARAL, S. F. Alfabetização e a educação científica em astronomia para alunos dos anos iniciais do fundamental I. 2019. Dissertação (Mestrado em Astronomia na Educação Básica) – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019., a criança, desde cedo, está interagindo com histórias, músicas e desenhos que fazem referência aos assuntos trabalhados dentro da Astronomia e acabam, por fim, sendo atraídas e despertadas pela curiosidades a respeito. Esse interesse nos tópicos mais comuns relativos ao estudo dos astros possibilita a sua iniciação em ciência e deve ser explorado nos anos iniciais de sua vida escolar pois, desta forma, torna-se possível desenvolver o raciocínio lógico sobre os fenômenos naturais, de forma a construir bases que sustentarão o pensamento da criança nas próximas etapas escolares.

Além disso, conforme apontam os estudos de Amorim et al. (2024)AMORIM, V; BELLI, G; IZIDORO, E; VIEIRA, R. Divulgação científica em astronomia para crianças no contexto pandêmico: uma proposta de disciplina eletiva para a licenciatura em pedagogia. Cadernos de Astronomia, Vitoria, ES, v. 5, p. 187-198, 2024. DOI: https://doi.org/10.47456/Cad.Astro.v5n1.43628.
https://doi.org/10.47456/Cad.Astro.v5n1....
, o ensino de Astronomia nessa faixa etária torna-se importante pois é um processo que promove diálogos e aproximações entre a cultura científica e a cultura experiencial dos indivíduos. Entende-se que nos primeiros anos do Ensino Fundamental as primeiras hipóteses e explicações científicas dos alunos sobre o mundo em que vivem são construídas. E, neste sentido, a BNCC (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.) relata que:

Não basta que os conhecimentos científicos sejam apresentados aos alunos. É preciso oferecer oportunidades para que eles, de fato, envolvem-se em processos de aprendizagem nos quais possam vivenciar momentos de investigação que lhes possibilitem exercitar e ampliar sua curiosidade, aperfeiçoar sua capacidade de observação, de raciocínio lógico e de criação, desenvolver posturas mais colaborativas e sistematizar suas primeiras explicações sobre o mundo natural e tecnológico, e sobre seu corpo, sua saúde e seu bem-estar, tendo como referência os conhecimentos, as linguagens e os procedimentos próprios das Ciências da Natureza (Brasil, 2018, p. 329BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.).

Conforme apontam os estudos de Amaral (2019)AMARAL, S. F. Alfabetização e a educação científica em astronomia para alunos dos anos iniciais do fundamental I. 2019. Dissertação (Mestrado em Astronomia na Educação Básica) – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019., o objetivo do ensino de Astronomia nos anos iniciais do Fundamental é estimular os alunos a desenvolver habilidades e a sua capacidade criativa, ampliando a percepção e suas competências ao explorar as noções prévias das crianças para que elas se motivem e aprendam uma ciência fundamental. Sendo assim, as crianças abandonam seus pseudoconhecimentos adquiridos numa educação não-escolar e os transformam através do contato com o ensino de Astronomia em conhecimentos científicos. Dessa forma habilita-se a conquista de novos saberes nos mais diversos modelos de atividades e desperta-se, ainda cedo, o desejo e o prazer pela pesquisa, planejando o futuro na grande aventura de desvendar os mistérios do Universo.

Nesse sentido, Spektor-Levy, Baruch e Mevarech (2013)SPEKTOR-LEVY, O.; BARUCH, Y. K.; MEVARECH, Z. Science and scientific curiosity in pre-school: The teacher’s point of view. International Journal of Science Education, Abingdon, UK, v. 35, n. 13, p. 2226-2253, 2013. defendem o ensino de Ciências e Astronomia como uma maneira de incentivar a curiosidade e o perfil questionador das crianças e Eshach (2006)ESHACH, H. Science literacy in primary schools and pre-schools. New York: Springer, 2006. argumenta que o ensino de Astronomia na Educação Básica prepara os estudantes para compreender melhor os conceitos científicos quando estes lhe forem apresentados mais tarde na sua Educação, com uma linguagem mais formal.

Contudo, embora expostos os benefícios do estudo desta ciência na infância e a interação entre as crianças e a Astronomia, uma vez que diversas pesquisas apontam que ela está presente no cotidiano e que seu estudo deve ser visto como algo benéfico que, além de ajudar a compreender o mundo, agrega e facilita toda a jornada escolar, ainda existem diversas problemáticas que cercam o ensino de Astronomia para as crianças. Uma delas é a já citada ausência na formação inicial dos professores que atuam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I. Outra, é a ideia de que as crianças ainda não têm capacidade de compreender conceitos sobre Astronomia.

Conforme Langhi (2009)LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2009., apesar das mudanças recentes na educação, a formação de professores de Ciências ainda reflete aspectos dos anos 1970, com os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental graduados geralmente em Pedagogia, muitas vezes sem uma formação sólida em conceitos fundamentais de Astronomia.

Sendo assim, é necessário buscar soluções que alterem essa realidade, uma vez que, conforme apontado por Fumagalli (1998)FUMAGALLI, L. O ensino de ciências naturais no nível fundamental de educação formal: argumentos a seu favor. In: WEISSMANN, H (org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p. 31-56., as crianças não só têm condições de discutir Ciências desde pequenas, como têm o direito de fazê-lo e, segundo Barbosa-Lima (2010)BARBOSA-LIMA, M. C. Conversando com Lara sobre a terra e a terra. Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia, São Paulo, n. 10, p. 23-35, 2010. Disponível em: https://www.relea.ufscar.br/index.php/relea/article/view/150. Acesso em: 13 ago. 2024.
https://www.relea.ufscar.br/index.php/re...
, é de extrema importância que o professor introduza temas de Astronomia nesta etapa de escolarização porque sem o ensino sistematizado da ciência a criança desenvolve concepções alternativas sobre os fenômenos naturais a sua volta, o que pode dificultar o trabalho docente nas futuras etapas escolares.

De acordo com Ubinski, Becker e Strieder (2011)UBINSKI, J.; BECKER, W.; STRIEDER, D. O ensino de astronomia na concepção de estudantes de pedagogia. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA, 7., Maringá, 2011. Anais [...]. Disponível em: https://tinyurl.com/yunsae76. Acesso em 2 ago. 2024.
https://tinyurl.com/yunsae76...
, é necessário cultivar a curiosidade e a vontade da criança para descobrir o mundo ao seu redor e cultivar o gosto pela ciência. Os autores reforçam que essa situação se perpetua ao longo dos anos e contribui para o afastamento dos estudantes do ensino das disciplinas científicas, como a Física, por exemplo.

Repensar a forma como as Ciências têm sido abordadas na Educação Básica, principalmente nas etapas iniciais da escolarização, surge como fundamental para a sua efetivação no contexto escolar. Além disso, é necessário ofertar aos professores estratégias e metodologias que abordam a temática, oportunizando opções concretas de ações para inserir conhecimentos de Ciências, principalmente de Física e Astronomia, às crianças (Ubinski; Becker; Strieder; 2011UBINSKI, J.; BECKER, W.; STRIEDER, D. O ensino de astronomia na concepção de estudantes de pedagogia. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA, 7., Maringá, 2011. Anais [...]. Disponível em: https://tinyurl.com/yunsae76. Acesso em 2 ago. 2024.
https://tinyurl.com/yunsae76...
).

A partir dessa situação, observou-se a necessidade de explorar este tema e debater sua importância porque a Astronomia, além de ser um instrumento essencial, acompanha o indivíduo em todas as etapas da escolarização, podendo aparecer em disciplinas como: Ciências Naturais, Biologia, História, Geografia, Física, entre outras, e apresenta um grande impacto na sociedade.

Metodologia

A construção deste trabalho teve como base principal o método de revisão bibliográfica sistemática, um instrumento que visa reunir produção bibliográfica de determinado tema, em quantidade significativa, de forma a proporcionar uma análise estatística (Sandroni; Carneiro, 2016SANDRONI, L. T.; CARNEIRO, M. J. T. Conservação da biodiversidade nas ciências sociais brasileiras: uma revisão sistemática de 1990 a 2010. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 21-44, 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC130181V1932016.
https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC130...
).

Foram analisadas produções acadêmicas, especificamente artigos científicos, publicados na revista Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF), pertencentes ao Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dada a significativa contribuição deste periódico em publicações relacionadas às experiências didático-pedagógicas na área. O tema central explorado foi o ensino de Astronomia para crianças, em especial, na Educação Básica, com enfoque nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e o período definido foi de quinze anos (2007 a 2022).

A escolha pela revista CBEF como fonte de dados justifica-se tanto pela sua relevância no contexto acadêmico, sendo um periódico quadrimestral revisado por pares direcionado, principalmente, para os cursos de Licenciatura em Física, amplamente utilizado em pós-graduações em Ensino de Ciências/Física e em cursos de aperfeiçoamento para professores do Nível Médio, quanto pela quantidade significativa de material relevante para o escopo da pesquisa encontrado no periódico.

Os descritores utilizados na pesquisa foram: Ensino de Astronomia, Educação Básica, Ensino Fundamental, Formação de professores. A inclusão da Educação Básica é um ponto delicado que deve ser explicitado de forma clara. Apesar do foco da pesquisa ser o ensino de Astronomia nos anos iniciais, ao limitar o descritor ao Ensino Fundamental, a busca retornava muito poucos resultados. No entanto, muitos trabalhos versavam sobre todas as etapas da Educação Básica – o que inclui os anos iniciais do Ensino Fundamental –, apenas não continham o termo Ensino Fundamental como um de seus descritores, por não ser o foco do trabalho específico. Assim, optamos por manter os dois descritores, criando dessa forma uma amostra abrangente.

Nossa busca resultou em 107 artigos, todos apresentando o Ensino de Astronomia em pelo menos um dos outros descritores. Eles foram então redefinidos até compor a amostra final de 44 artigos. Aqueles que versavam diretamente sobre o Ensino de Astronomia nos anos iniciais do Fundamental foram imediatamente colocados na amostra. Dos restantes, foram selecionados aqueles que de alguma forma trabalharam conteúdos ou metodologias que fazem parte do currículo dessa faixa de ensino.

Também foram incluídos na amostra final artigos que abordassem questões relacionadas à formação e experiência docentes no ensino de Astronomia na Educação Básica. Isso se justifica pela importância de compreender os desafios e as práticas pedagógicas dos professores nesse contexto específico, o que poderia fornecer contribuições significativas para a pesquisa em análise. Portanto, a seleção dos 44 artigos foi realizada com o intuito de garantir que os dados obtidos estivessem alinhados com o objetivo e o escopo da pesquisa.

Após essa seleção inicial da literatura, foi desenvolvida uma ficha de tabelamento. Essa ferramenta possibilitou a organização sistemática e a análise minuciosa dos 44 artigos selecionados. As categorias estabelecidas na ficha, que englobam aspectos bibliográficos, dados institucionais e conteúdo dos artigos, propiciaram uma abordagem mais aprofundada da, facilitando a análise dos dados e viabilizando a identificação de informações relevantes. Dessa forma, a pesquisa conseguiu reunir dados importantes por conta da contribuição dessas informações, alinhando-se com o propósito geral estabelecido.

No que se refere ao período, foi limitado a quinze anos, de forma a compreender trabalhos publicados antes, durante e após a aprovação da BNCC, incluindo o ano Internacional da Astronomia, em 2009, de forma que fosse possível averiguar se esses acontecimentos tiveram algum impacto na produção acadêmica sobre o tema.

Para análise das publicações utilizou-se uma ficha de tabelamento estruturada entre os seguintes tópicos: publicação, ano, título, instituição, metodologia, link, nível e público-alvo. Esses campos foram preenchidos com as informações específicas de cada artigo, após as leituras realizadas. Em especial, o campo denominado nível visava entender o tipo de pesquisa que estava sendo feita: ou seja, se se tratava de relato de experiência, revisão, revisão sistemática, exploratória, descritiva ou aplicada. Essas categorias auxiliam na compreensão qualitativa do universo da produção acadêmica sobre o tópico que está sendo investigado.

A elaboração da ficha de tabelamento representou um passo importante na metodologia da pesquisa, preparando os dados para a etapa de análise. A disposição ordenada das informações permitiu uma visualização clara e estruturada dos aspectos-chave de cada artigo, além de viabilizar o acesso rápido e eficiente aos dados relevantes sempre que necessário. Com essa abordagem, vislumbrou-se um processo de análise mais sistemático e objetivo, contribuindo para a identificação de padrões, tendências e insights que emergem das produções científicas relacionadas ao ensino de Astronomia na Educação Básica (Bardin, 2009BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.). Os resultados obtidos a partir do estudo desta amostra são apresentados na seção a seguir.

Análise

A pesquisa se propôs a analisar artigos sobre o ensino de Astronomia na Educação Básica ao longo dos últimos quinze anos na revista Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF), tendo como propósito investigar o panorama dessa disciplina, principalmente com relação ao Ensino Fundamental I, no contexto educacional brasileiro. Essa análise qualitativa visou trazer os estudos e reflexões sobre a discussão em torno da presença da Astronomia no currículo escolar e na formação dos futuros pedagogos, destacando desafios, lacunas e perspectivas.

Os dados contidos na amostra selecionada proporcionaram reflexões, algumas para além do objetivo proposto como, por exemplo, as discrepâncias de gênero e localidade entre os autores. Estas e as demais análises foram destacadas.

Uma observação inicial que emergiu dos dados considerados foi a notável concentração de trabalhos oriundos do sul-sudeste e centro-oeste do Brasil como demonstra o gráfico 1. Essa concentração sinaliza tanto a escassez de debates sobre a temática em outras partes do país quanto a necessidade de uma abordagem mais abrangente e diversificada, envolvendo a inclusão da Astronomia como conteúdo transversal. A pouca representatividade de outras regiões exige uma reflexão sobre a difusão desse conhecimento no âmbito nacional. No entanto, ressalta-se que ela é representativa da distribuição dos centros de pesquisa no país.

Gráfico 1
Distribuição de artigos por região

Outro aspecto saliente é a predominância de autores do sexo masculino nas produções científicas sobre o ensino de Astronomia, conforme evidente no gráfico 2. Dos 91 autores, apenas 24 % (22 autores) são mulheres. Quando se considera que a proporção de profissionais da área de Astronomia do sexo feminino ao longo das últimas décadas estabilizou-se em torno de 35% (Viegas, 2014VIEGAS, S. M. M. A astronomia brasileira no feminino. In: MATSUURA, O. T. (org). Historia da astronomia no Brasil: volume II. Recife: Cepe, 2014. v. 2, p. 34-39.), fica evidente que há uma discrepância de gênero. Esse dado suscita questionamentos sobre as razões para essa baixa representatividade, ainda mais quando se observa que os cursos de Pedagogia são majoritariamente frequentados por mulheres, que posteriormente se tornam profissionais da Educação Básica, principalmente no Ensino Fundamental I. A baixa presença feminina nesse cenário demonstra um descompasso entre o gênero predominante nos cursos de formação e na autoria das pesquisas, sinalizando a necessidade de incentivos para a participação das mulheres na produção acadêmica.

Gráfico 2
Distribuição de autores por gênero

Foi possível analisar, também, a produção sob o ponto de vista temporal. Observou-se que, ao longo da maior parte do período escolhido para a análise, a produção se restringiu a menos de cinco trabalhos por ano como mostrado no gráfico 3 indicando que, mesmo em uma revista que se destaca pelo maior número de produções sobre a temática de Ensino de Astronomia, há uma lacuna de diálogo com os anos iniciais da Educação Básica a ser preenchida. A única exceção foi o ano de 2010, que registrou um pico de nove produções. É provável que esse aumento da produção esteja relacionado ao Ano Internacional da Astronomia, celebrado em 2009. O mesmo não pode ser dito sobre a inclusão da Astronomia no currículo a partir de 2018, que não está associada a um aumento significativo no número de produções.

Gráfico 3
Número de publicações em 15 anos

Nos resultados apresentados no gráfico 4, destaca-se a composição dos tipos de pesquisas identificados na amostra. Verifica-se que quase metade delas se divide entre Revisão Sistemática ou Revisão Sistemática Exploratória sendo, também, frequentes aquelas puramente teóricas. De fato, as de natureza Aplicada representam apenas 5% do total. Diante desse quadro, é possível notar que existe uma concentração considerável de pesquisas dedicadas à Revisão Sistemática de literatura e Descrição e Exploração como enfoque metodológico quando se trata de ensino de Astronomia no CBEF. Vale ressaltar que, apesar da pouca variedade do tipo de pesquisa, observou-se uma diversidade de abordagens, ressaltando as oportunidades oferecidas pela área, que ainda está no início e merece ser mais explorada.

Gráfico 4
Níveis das pesquisas

Outro dado interessante observado nos trabalhos foi a constatação unânime que o ensino de Astronomia é benéfico para a Educação Básica, encontrada em diferentes formas, em todos os artigos analisados. Esse consenso é respaldado por documentos nacionais já abordados neste texto, como o PNE de 2014 e a BNCC de 2017. A inclusão de conteúdos astronômicos na BNCC acontece desde os anos iniciais de escolarização, confirmando o potencial interdisciplinar e motivador que a Astronomia proporciona aos estudantes. Essa abordagem contribui para a formação integral dos alunos, ao conectar conhecimentos científicos a questões cotidianas e à compreensão do Universo.

Apesar das vantagens incontestáveis, a ausência do ensino de Astronomia na Educação Básica tem inúmeras causas. Entre as barreiras identificadas, estão a falta de domínio do conteúdo por parte dos professores, carência de material didático e recursos para aulas práticas e lúdicas e escassez de discussões aprofundadas sobre o assunto. Essa lacuna aponta para a urgência de investimentos na formação docente e na disponibilização de recursos que possibilitem uma abordagem didática mais eficaz, favorecendo a compreensão e o interesse dos estudantes no aprendizado de Astronomia, desde os primeiros anos da Educação Básica. Além disso, torna-se fundamental um olhar criterioso sobre os currículos dos cursos de Formação de Professores, destacando-se a importância da inclusão desses conteúdos desde a formação inicial.

As conclusões extraídas das pesquisas apontam para a necessidade de divulgar a Astronomia e promover a formação contínua de professores. Essa formação deve abordar aspectos conceituais e metodológicos, passando a qualificar os educadores para a leitura de conteúdos astronômicos, de maneira acessível e envolvente. Além disso, investir na criação de materiais didáticos e lúdicos apropriados a cada faixa etária é crucial para atrair a atenção dos alunos e tornar o aprendizado mais significativo.

Um tópico complementar recorrente nas pesquisas foi a preparação de professores e professoras polivalentes, que muitas vezes não se sentem particularmente capacitados(as) para abordar o tema da Astronomia em sala de aula. Esse problema já vem sendo discutido na literatura (Langhi, 2009LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2009.) e seu frequente apontamento nos trabalhos analisados reacendeu o alerta sobre a relevância da formação de professores desde a graduação em Pedagogia até o desenvolvimento profissional ao longo da carreira. Reforçamos, assim, a necessidade de um olhar crítico sobre a estrutura curricular dos cursos de Pedagogia como uma pauta relevante para viabilizar a capacitação necessária para abordar conteúdos científicos complexos.

Um achado significativo é a identificação das incertezas e atitudes desafiadoras por parte dos alunos de Pedagogia em relação ao ensino de Física no Ensino Fundamental. Isso indica a importância de compensar a forma como os conteúdos de Ciências são desenvolvidos para esses futuros educadores, respeitando suas demandas e necessidades específicas. Essa abordagem contribuirá para formar professores mais seguros e preparados para lecionar disciplinas científicas.

No entanto, é válido ressaltar que o presente esforço de pesquisa e reflexão não busca apresentar uma solução definitiva para a carência de conteúdos de Física na formação de pedagogos. Em vez disso, busca-se lançar um olhar crítico e propositivo sobre a situação, apontando para a possibilidade de melhorias por meio do aprimoramento do ensino da Astronomia para os estudantes de Pedagogia. Ao incorporar a Astronomia como parte integrante da formação desses futuros educadores, espera-se que muitos dos obstáculos enfrentados sejam mitigados.

Dado o exposto, considera-se que as Bases Curriculares têm desempenhado um papel importante na inclusão do ensino de Astronomia em toda a Educação Básica, particularmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A BNCC (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.) reconhece o interesse natural das crianças por fenômenos celestes e sugere abordagens que envolvam pesquisa, observação e reflexão sobre esses fenômenos. Já o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI) (Brasil, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília, DF: Secretaria da Educação Fundamental, 1998.) ressalta que a curiosidade infantil pode ser estimulada por meio de observações do céu, ressaltando a importância de cuidados na observação direta e a possibilidade de visitas a observatórios e planetários para enriquecer o aprendizado. No entanto, esse impacto ainda não influenciou o aumento de pesquisas na área, principalmente nos anos iniciais.

Pesquisadores como Ghirardello e Langhi (2018)GHIRARDELLO, D; LANGHI, R. Ensino de astronomia na educação infantil: breves considerações teóricas sobre sua prática e pesquisa. In: V SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM ASTRONOMIA, 5., 2018, Londrina. Atas [...]. Londrina: SNEA, 2018. Disponível em: https://tinyurl.com/4a9za35h. Acesso em: 12 ago. 2024.
https://tinyurl.com/4a9za35h...
observaram um aumento nas pesquisas sobre o ensino de Astronomia após a implementação da BNCC, o que não foi observado na nossa amostra. Para eles, isso marcou um passo crucial em direção a uma abordagem mais estruturada e unificada do ensino, indicando um futuro onde a Astronomia pode ter um papel mais proeminente na educação brasileira. Os achados também apontam para a influência das bases curriculares brasileiras no crescimento do ensino de Astronomia, particularmente nos anos iniciais, em que a BNCC reforça a importância de despertar o interesse das crianças pelos fenômenos naturais e promover o desenvolvimento do pensamento espacial desde cedo.

Em resumo, a relação entre o ensino de Astronomia e as Bases Curriculares Brasileiras é evidente e impactante, mas pode ser aprimorada e mais diversa. A evolução histórica das políticas educacionais reflete uma trajetória de reconhecimento da importância da Astronomia na formação dos estudantes, com as bases curriculares desempenhando um papel crucial ao incentivar a inclusão e aprofundamento do ensino desse tema desde as etapas iniciais da Educação Básica.

Concluindo, a análise das pesquisas do CBEF realizadas nos últimos 15 anos revela um cenário complexo e multifacetado em relação ao ensino de Astronomia na Educação Básica brasileira. As concentrações regionais, as disparidades de gênero, os benefícios comprovados e os desafios identificados são aspectos fundamentais a serem considerados na promoção de uma educação mais abrangente e eficaz. A formação de professores, a criação de recursos didáticos e a valorização da Astronomia como ferramenta interdisciplinar emergem como pilares para aprimorar o ensino de Ciências e formar cidadãos mais críticos e engajados com o conhecimento.

Considerações finais

A condução de uma revisão sistemática de estudos, por sua natureza dinâmica, não se encerra em si mesma, visto que o conhecimento evolui e se aprimora de maneira contínua. Contudo, tal abordagem nos concede a capacidade de obter uma perspectiva sobre o estado atual do saber relativo a um tópico específico.

Este trabalho se propôs a continuar analisando a produção acadêmica em ensino de Astronomia ao longo dos últimos anos. A literatura destaca a relevância da década de 1990 como um ponto de virada para o tema, quando a Astronomia passou a receber destaque na série curricular. O marco de 2006, com a ampliação da duração do Ensino Fundamental, e a criação do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014, foram etapas importantes para o cenário educacional brasileiro, estabelecendo bases para a construção da BNCC, implementada em 2017.

A revisão bibliográfica aponta que em 2007 havia uma escassez de pesquisas acadêmicas voltadas ao ensino de Astronomia nos anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil, que se perpetua ao longo dos anos com poucas exceções, sendo notável apenas o ano de 2010, relacionado ao evento do Ano Internacional da Astronomia, em 2009. Essa constatação mostra o impacto de eventos de grande porte em promover temáticas específicas, ainda que as pesquisas relacionadas especificamente a esse aumento não fossem direcionadas necessariamente para a formação de professores ou melhoria de técnicas de ensino, fatores que foram apontados como muito relevantes em outros trabalhos. Contudo, a partir da década de 2010, especialmente após 2014, com a implementação do PNE e a formulação da BNCC, nota-se uma mudança em relação à discussão desse tema.

A BNCC emerge como um elemento nesse processo, incentivando o ensino de Astronomia em todas as etapas da Educação Básica. Especificamente nos anos iniciais do Ensino Fundamental a BNCC reconhece o interesse natural das crianças por fenômenos celestes, promovendo abordagens que envolvam pesquisa, observação e reflexão.

Em suma, a pesquisa conclui que as propostas têm desempenhado um papel fundamental no incentivo, desenvolvimento e consolidação do ensino de Astronomia no país, especialmente nos anos iniciais da Educação Básica. O foco nas propostas reflete um movimento em direção a uma abordagem mais estruturada, unificada e integrada do ensino de Astronomia, contribuindo para o enriquecimento da educação científica das crianças desde uma idade precoce.

No decorrer da investigação constatou-se, também, que o ensino de Astronomia é considerado um estímulo significativo para fomentar o desenvolvimento das habilidades de crianças na idade pré-escolar e nos anos iniciais da Educação Básica. Nesse contexto, uma reavaliação das metodologias de ensino das Ciências na Educação Básica, sobretudo nas etapas primordiais da jornada educacional, se apresenta como uma necessidade premente para efetivar tal disciplina no âmbito escolar.

Os pesquisadores ressaltam, em concordância com a literatura prévia, que uma das principais barreiras que comprometem os potenciais benefícios do ensino de Astronomia para crianças reside na falta de preparação dos profissionais dessa área para ministrar a disciplina de Ciências como um todo. Diante disso, não apenas a formação dos professores, em geral, precisa ser reorganizada, como também é crucial oferecer estratégias e metodologias aos docentes em exercício, que abordem eficazmente essa temática e proponham abordagens práticas para incorporar conhecimentos científicos, sobretudo de Física e Astronomia, no contexto das aulas com as crianças (Ubinski; Becker; Strieder, 2011UBINSKI, J.; BECKER, W.; STRIEDER, D. O ensino de astronomia na concepção de estudantes de pedagogia. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA, 7., Maringá, 2011. Anais [...]. Disponível em: https://tinyurl.com/yunsae76. Acesso em 2 ago. 2024.
https://tinyurl.com/yunsae76...
).

No tocante à responsabilidade atribuída aos educadores oriundos dos cursos de Pedagogia para o ensino de Astronomia nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a pesquisa enfatiza a urgência de reavaliar a formação inicial desses professores. A conscientização das lacunas formativas, somada à busca pela melhoria pessoal e à reformulação curricular dos cursos apresenta-se como uma estratégia necessária para superar as barreiras existentes e promover um ensino de qualidade em Astronomia. Embora a pesquisa não pretenda oferecer uma solução definitiva, ela aponta para uma direção promissora ao investir no ensino da Astronomia aos futuros educadores, como forma de enfrentar os desafios atuais e garantir uma educação mais completa e enriquecedora.

Paralelamente, destaca-se a pouca diversidade regional e de gênero na produção acadêmica sobre a temática, um ponto a ser considerado por políticas de incentivo aos estudos direcionados nessa área.

A revisão das últimas produções científicas demonstra um cenário complexo e desafiador no que diz respeito ao ensino de Astronomia na Educação Básica brasileira. A concentração regional, a disparidade de gênero, o consenso sobre os benefícios do ensino de Astronomia e os obstáculos identificados são elementos específicos e essenciais para direcionar a promoção de uma educação científica eficaz e inclusiva. A formação de professores, a criação de recursos didáticos inovadores e o reconhecimento da Astronomia como uma ferramenta interdisciplinar emergem como pilares cruciais para aprimorar o ensino de Ciências em todas as etapas, em especial nos anos iniciais da Educação Básica, a fim de formar indivíduos críticos e comprometidos com o conhecimento.

Agradecimentos

As autoras agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a realização desta pesquisa, na forma de bolsa de Iniciação Científica concedida pelo Edital PROPe Unesp N.º 04/2022.

Referências

  • AMARAL, S. F. Alfabetização e a educação científica em astronomia para alunos dos anos iniciais do fundamental I 2019. Dissertação (Mestrado em Astronomia na Educação Básica) – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
  • AMORIM, V; BELLI, G; IZIDORO, E; VIEIRA, R. Divulgação científica em astronomia para crianças no contexto pandêmico: uma proposta de disciplina eletiva para a licenciatura em pedagogia. Cadernos de Astronomia, Vitoria, ES, v. 5, p. 187-198, 2024. DOI: https://doi.org/10.47456/Cad.Astro.v5n1.43628
    » https://doi.org/10.47456/Cad.Astro.v5n1.43628
  • BARBOSA-LIMA, M. C. Conversando com Lara sobre a terra e a terra. Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia, São Paulo, n. 10, p. 23-35, 2010. Disponível em: https://www.relea.ufscar.br/index.php/relea/article/view/150 Acesso em: 13 ago. 2024.
    » https://www.relea.ufscar.br/index.php/relea/article/view/150
  • BARDIN, L. Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70, 2009.
  • BRASIL. Lei nº 11.274. de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 143, n. 27, p. 1-2, 7 fev. 2006. Disponível em: https://tinyurl.com/ykrus74h Acesso em: 9 ago. 2024.
    » https://tinyurl.com/ykrus74h
  • BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o plano nacional de educação e dá outras providências. Diário Oficial da União: ed. extra, ano 151, n. 120A, p. 1-7, 26 jun. 2014. Disponível em: https://tinyurl.com/mrx2f355 Acesso em: 9 ago. 2024.
    » https://tinyurl.com/mrx2f355
  • BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para a educação infantil Brasília, DF: Secretaria da Educação Fundamental, 1998.
  • CARVALHO, T. F. G., RAMOS, J. E. F. A BNCC e o ensino da astronomia: o que muda na sala de aula e na formação de professores. Revista Currículo & Docência, Caruaru, PE, v. 2, n. 2, p. 1-19, 2020.
  • CURVAL, A.; PEIXOTO, A. Olhar para o céu: a criança e a astronomia. Interações, Santarém, Portugal, v. 11, n. 39, p. 653-666, 2015. DOI: https://doi.org/10.25755/int.8766
    » https://doi.org/10.25755/int.8766
  • ESHACH, H. Science literacy in primary schools and pre-schools New York: Springer, 2006.
  • FUMAGALLI, L. O ensino de ciências naturais no nível fundamental de educação formal: argumentos a seu favor. In: WEISSMANN, H (org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p. 31-56.
  • GHIRARDELLO, D; LANGHI, R. Ensino de astronomia na educação infantil: breves considerações teóricas sobre sua prática e pesquisa. In: V SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM ASTRONOMIA, 5., 2018, Londrina. Atas [...]. Londrina: SNEA, 2018. Disponível em: https://tinyurl.com/4a9za35h Acesso em: 12 ago. 2024.
    » https://tinyurl.com/4a9za35h
  • GUIMARÃES, S. E. R. Motivação intrínseca, extrínseca e uso de recompensas em sala de aula. In: BORUCHOVITCH, E.; BZUNECK, J. A. (org.). A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 37-57.
  • KALLERY, M. Astronomical concepts and events awareness for young children. International Journal of Science Education, Abingdon, UK, v. 33, n. 1, p. 341-369, 2011. DOI: https://doi.org/10.1080/09500690903469082
    » https://doi.org/10.1080/09500690903469082
  • LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2009.
  • LEITE, C.; BRETONES, P. S.; LANGHI, R.; BISCH, S. M. Astronomia na educação básica: o ensino de astronomia no Brasil colonial, os programas do Colégio Pedro II, os parâmetros curriculares nacionais e a formação de professores. In: MATSUURA, O. T. (org.). Historia da astronomia no Brasil: 2013. Recife: Cepe, 2014. v. 1, p. 542-585.
  • PADILHA, P. R. Educar em todos os cantos: reflexões e canções por uma educação intertranscultural. São Paulo: Cortez, 2007.
  • PEROZA, J.; RESENDE, M. A. A dialética da curiosidade: pressupostos para uma praxiologia do conhecimento em Paulo Freire. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 10., Curitiba, 2011. Anais [...]. Curitiba: PUCPR, 2011.
  • ROSA, C. T. W.; DARROZ, L. M.; DELLA SANTA, J. Astronomia na educação infantil: análise de uma proposta didático-metodológica voltada à alfabetização científica. Ensino e Tecnologia em Revista, Londrina, v. 2, n. 2, p. 127-147, 2018. DOI: https://doi.org/10.3895/etr.v2n2.7585
    » https://doi.org/10.3895/etr.v2n2.7585
  • SANDRONI, L. T.; CARNEIRO, M. J. T. Conservação da biodiversidade nas ciências sociais brasileiras: uma revisão sistemática de 1990 a 2010. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 21-44, 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC130181V1932016
    » https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC130181V1932016
  • SILVA, M, A. O ensino de astronomia no ensino fundamental Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Ciências da Natureza) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.
  • SPEKTOR-LEVY, O.; BARUCH, Y. K.; MEVARECH, Z. Science and scientific curiosity in pre-school: The teacher’s point of view. International Journal of Science Education, Abingdon, UK, v. 35, n. 13, p. 2226-2253, 2013.
  • TIGNANELLI, H. L. Sobre o ensino da astronomia no ensino fundamental. In: WEISSMANN, H. (org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 57-89.
  • UBINSKI, J.; BECKER, W.; STRIEDER, D. O ensino de astronomia na concepção de estudantes de pedagogia. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA, 7., Maringá, 2011. Anais [...]. Disponível em: https://tinyurl.com/yunsae76 Acesso em 2 ago. 2024.
    » https://tinyurl.com/yunsae76
  • VIEGAS, S. M. M. A astronomia brasileira no feminino. In: MATSUURA, O. T. (org). Historia da astronomia no Brasil: volume II. Recife: Cepe, 2014. v. 2, p. 34-39.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2024
  • Aceito
    09 Maio 2024
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
E-mail: revista@fc.unesp.br