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Ensino de Física para estudantes surdos: investigando possibilidades

Physics Education for deaf students: Exploring possibilities

Resumo:

Este estudo teve como objetivo identificar e compreender os enfoques das investigações brasileiras sobre o Ensino de Física na escola básica para estudantes surdos, a partir de propostas didáticas inclusivas, divulgadas em periódicos brasileiros, na última década. Caracterizado como uma pesquisa qualitativa, de revisão bibliográfica, e seguindo os pressupostos da Revisão Sistemática, a busca dos dados foi realizada no repositório Scientific Electronic Library Online (SciELO). Foram selecionados quatro estudos, que apontaram a proposição, elaboração e avaliação de estratégias de ensino diversificadas, bem como de demandas e fragilidades para a concretização da inclusão dos estudantes surdos no contexto escolar, tais como a não apropriação e uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras) pelos professores, a falta de formação dos intérpretes e a necessidade de produção de materiais didáticos específicos e sinais próprios em Libras para representação de conceitos e termos científicos.

Palavras-chave:
Educação inclusiva; Ensino de física; Ensino básico; Educação dos surdos; Intérprete para surdos; Revisão bibliográfica

Abstract:

This study aims to identify and explain the approaches of Brazilian investigations on physics teaching in elementary schools for students who are deaf, based on inclusive didactic proposals published in Brazilian journals over the past ten years. The research is qualitative, based on a bibliographic review, and follows the assumptions of a systematic analysis. We have searched for information in the SciELO database. Four studies were selected to highlight the proposition, development, and assessment of diverse teaching strategies, as well as the requirements for weaknesses in implementing the inclusion of deaf students in the classroom, including the non-appropriation and use of the Brazilian Sign Language (Libras) interpretation method by teachers, the lack of training for interpreters, the need to create specific didactic materials, and signs in Libras to represent concepts and scientific terms.

Keywords:
Inclusive education; Physics teaching; Basic education; Education of the deaf; Interpreter for the deaf; Literature review

A aprendizagem das Ciências, em específico a Ciência Física, destacada neste estudo, está intrinsecamente ligada a dois aspectos essenciais da vida dos estudantes: a alfabetização e a cultura. A cultura emerge por meio dos signos integrantes dos processos interacionais e comunicativos entre os pares. No caso do surdo, para que possa compartilhar as práticas culturais do contexto social dos ouvintes, conforme argumenta Kelman (2012, p. 55)KELMAN, C. A. Multiculturalismo e surdez: respeito às culturas minoritárias. In: LODI, A. C. B.; MELO, A. D. B.; FERNANDES, E. (org.). Letramento, bilinguismo e educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 49-69., “[...] os símbolos que impregnam a cultura só vão se revestir de significado para as pessoas surdas se houver interações sociais e comunicativas significativas que possam decodificá-los”.

Neste sentido, o que constitui a cultura surda não é o fato de não ouvir, mas o de compartilhar experiências, crenças, sentimentos, língua, dentre outros, havendo, assim, diferentes culturas surdas, ligadas a diferentes espaços geográficos, sociais e históricos (Strobel, 2008STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.). Entretanto, os aprendizes com surdez podem ser prejudicados pela concepção de uma suposta dependência a um modelo educacional direcionado para sua sobrevivência – na aquisição de habilidades para realização de tarefas do dia a dia – do que na investigação e construção de conhecimentos relacionados à natureza, ao letramento científico e, de modo mais amplo, às suas compreensões sobre o mundo (Raven; Whitman, 2019RAVEN, S.; WHITMAN, G. M. Science in silence: how educators of the deaf and hard-of-hearing teach science. Research in Science Education, Dordrecht, v. 49, n. 4, p. 1001-101, 2019.).

Existem duas concepções sobre a surdez, segundo Dornelles (2011)DORNELLES, M. V. Família ouvinte: diferentes olhares sobre surdez e educação de surdos. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 10., 2011, Curitiba. Anais […]. Curitiba: PUCPR, 2011. p. 5664-5677., que influenciam diretamente no olhar sobre o aluno surdo na escola e, consequentemente, na forma de ensiná-lo: uma considera a visão clínico-terapêutica e a outra está pautada na compreensão socioantropológica. A perspectiva clínico-terapêutica entende a surdez como uma deficiência, como algo a ser curado, que resulta em um processo de escolarização oralista, em que o aluno surdo realiza leitura labial ou orofacial em uma escola para ouvintes e é treinado a falar. Em contrapartida, a visão socioantropológica entende a surdez como uma singularidade, propondo um processo de escolarização bilíngue, como na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e na Língua Portuguesa.

Esta segunda concepção de surdez considera as singularidades da cultura surda, contribuindo para a constituição da autonomia dos estudantes surdos. Todavia, para processos de ensino e aprendizagem satisfatórios, demanda uma adequação didática e curricular, incluindo o currículo e práticas pedagógicas de Ciências da Natureza, entre estas a Ciência Física. Entremente, verifica-se, assim, a necessária articulação da cultura surda e a Libras com a especificidade dos conhecimentos científicos e a linguagem específica da Física.

Diante destas considerações, surge a seguinte questão: Como tem sido proposto o ensino de Física para os alunos surdos no contexto educacional brasileiro? Com intuito de responder a esta questão, este estudo tem como objetivo identificar e compreender os enfoques das investigações brasileiras sobre o Ensino de Física na escola básica para estudantes surdos, a partir de propostas didáticas inclusivas, visando o ensino de Física, divulgadas em periódicos na última década (2011-2020).

Parâmetros legais na educação dos surdos

A educação de surdos, por um longo período, foi pautada na tradição oralista e em uma abordagem clínica da surdez, nas quais as práticas pedagógicas eram centradas na reabilitação, com enfoques favoráveis à exclusão, devido à limitação de acesso às informações, impostas pelas barreiras linguísticas, inviabilizando, assim, a comunicação entre surdos e ouvintes.

Este cenário apresenta grandes mudanças a partir da década de 1980, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Imprensa Oficial, 1988. (Brasil, 1988BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Imprensa Oficial, 1988.), que, em seu artigo 205, assegura a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No artigo 208, preconiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos surdos, preferencialmente na rede regular de ensino. E, ainda, no artigo 215, garante o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional. Segundo Campos (2013, p. 51)CAMPOS, M. L. I. L. Educação inclusiva para surdos e as políticas vigentes. In: LACERDA, C. B. F.; SANTOS, L. F. Tenho um aluno surdo e agora?: introdução à Libras e educação de surdos. São Paulo: EdUFSCar, 2013. p. 37-62., “[...] tal Constituição abriu espaço aos direitos à educação diferenciada, assegurando a sobrevivência e direito à diferença cultural dos surdos”.

Em seguida, foi estabelecida a Lei n.º 7.853/1989, dispondo sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência1 1 Termo indicado na lei e utilizado na época de sua promulgação. Atualmente, utiliza-se pessoas com deficiência. , sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). No capítulo 1, na área de educação, exige-se a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação pré-escolar, a básica, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios, além de exigir a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas surdas capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (Brasil, 1989BRASIL. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Brasília, DF: Presidência da República, 1989. Disponível em: https://tinyurl.com/2s7k38jf. Acesso em: 10 jul. 2024.
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).

Na década de 1990, o Decreto n.º 3.298/1999 regulamentou a Lei nº 7.853/1989 (Brasil, 1989BRASIL. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Brasília, DF: Presidência da República, 1989. Disponível em: https://tinyurl.com/2s7k38jf. Acesso em: 10 jul. 2024.
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) e estabeleceu em seu artigo 1º as normas e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência¹ ou com mobilidade reduzida, englobando os meios de comunicação, tanto que no capítulo VII, desta lei, implementa a formação de profissionais intérpretes de linguagem de sinais e de guias-intérpretes para facilitar qualquer tipo de comunicação direta aos surdos e surdo-cegos (Brasil, 1999BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1999. Disponível em: https://tinyurl.com/2stvf3re. Acesso em: 18 jun. 2024.
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).

Ainda nesta década, em 1994, tem-se a Declaração de Salamanca (Unesco, 1994UNESCO. Declaração de Salamanca e enquadramento da acção na área das necessidades educativas especiais. In: CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS: ACESSO E QUALIDADE, 1994, Salamanca. Paris: Unesco, 1994. Disponível em: https://tinyurl.com/5n6kpz8c. Acesso em: 26 jul. 2024.
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), referindo-se, no parágrafo 21, às políticas educativas, que devem levar em conta as diferenças individuais e as situações distintas. Nesta direção, os surdos estão aqui contemplados, uma vez que a língua de sinais, como meio de comunicação entre eles, deve ser reconhecida e garantida para que tenham acesso à educação do seu país.

Na sequência, foi instituída a Lei n.º 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), estabelecendo orientações para a Educação Especial, indicando que os sistemas de ensino devem assegurar aos surdos recursos educativos de acordo com as suas necessidades, professores habilitados para atender às suas diferenças linguísticas e culturais, bem como oferecer a formação na língua nativa (Brasil, 1996BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: https://tinyurl.com/55appeve. Acesso em: 18 jun. 2024.
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).

Em 2001, o Plano Nacional de Educação referiu-se às Necessidades Educacionais Especiais (NEE) no sistema regular de ensino e à melhoria da qualificação dos professores do Ensino Fundamental para atender a essa demanda de alunos (Brasil, 2001BRASIL. Lei nº 010172 de 9 de janeiro de 2001. Aprova o plano nacional de educação e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2001. Disponível em: https://tinyurl.com/2udhjsjp. Acesso em: 18 jun. 2023.
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). Tais diretrizes trazem exigências para a prática cultural no currículo da educação dos surdos, recomendando a presença do professor surdo na sala de aula para contato com a representação da identidade surda, professor ouvinte com domínio da Libras e capacitado para o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua, e contato do surdo com a comunidade e cultura surda.

Ainda na década de 2000, a Lei n.º 10.436/2002 reconheceu a Libras como meio de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira (Brasil, 2002BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 23, 25 abr. 2002. Disponível em: https://tinyurl.com/yc7x6bv7. Acesso em: 18 jun. 2023.
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). E, a Lei n.º 10.845/2004, instituiu o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado para atender os alunos surdos (Brasil, 2004BRASIL. Lei nº 10.845, de 5 de março de 2004. Institui o programa de complementação ao atendimento educacional especializado às pessoas portadoras de deficiência, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2004. Disponível em: https://tinyurl.com/4b5wy9br. Acesso em: 18 jun. 2023.
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).

Em seguida, o Decreto nº 5.626/2005 regulamentou a Lei nº 10.436/2002, reconhecendo a Libras enquanto Língua Oficial dos Surdos Brasileiros e “como meio legal de comunicação e expressão” (Brasil, 2002, p. 23BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 23, 25 abr. 2002. Disponível em: https://tinyurl.com/yc7x6bv7. Acesso em: 18 jun. 2023.
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). Esse reconhecimento valoriza a identidade cultural do surdo, que “[...] envolve rituais, linguagens, olhares, sinais, representações, símbolos, modelos convencionais, processos profundamente plurais e culturais” (Perlin, 2000, p. 23PERLIN, G. Identidade surda e currículo. In: LACERDA, C. B. F.; GÓES, M. C. R. (org.). Surdez, processos educativos e subjetividade. São Paulo: Ed. Lovise, 2000. p. 23-27.).

A Libras é a língua dos surdos porque é

[...] espaço-visual e estabelecida através da visão e da utilização do espaço. [...] Apresenta sistemas abstratos de regras gramaticais, naturais às comunidades surdas dos países que a utilizam. [...] O uso de mecanismos sintáticos espaciais evidencia a recursividade e a complexidade dessa língua (Quadros, 1997QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997., p. 46-47).

Diante do exposto, a partir da última década do século XX, a lei nº 9.394/1996 (Brasil, 1996BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: https://tinyurl.com/55appeve. Acesso em: 18 jun. 2024.
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), que estabelece a LDBEN, e outras legislações brasileiras apontaram um novo olhar para a educação das pessoas com surdez e outras deficiências, ao lançar uma sociedade inclusiva, juntamente com o seu contexto educacional. Esses documentos governamentais trouxeram o conceito de acessibilidade, visando utilizar com segurança e autonomia os espaços da vida cotidiana, o que inclui a participação na escola inclusiva com qualidade de ensino e mudanças atitudinais.

Considerando as normas legislativas expostas até aqui, constatam-se os esforços políticos a fim de favorecer ao surdo o acesso à educação e à sua cultura, principalmente a partir do reconhecimento da Libras enquanto língua oficial da comunidade surda do país. Sob essa ótica, surgiram vários desafios para os profissionais da educação diante do processo ensino e aprendizagem, além de novos posicionamentos em relação às práticas pedagógicas no atendimento ao surdo, no sentido de reconhecer sua identidade cultural e promover o seu desenvolvimento integral.

O ensino de Física na perspectiva inclusiva

Inicialmente, é válido retomar o processo envolvido ao longo dos tempos para a garantia de escolarização de pessoas com surdez. O esquema representado na figura 1 sintetiza este processo, por meio de uma linha do tempo desde o século XII, marcado pela segregação, até os dias atuais.

Figura 1
Linha do tempo sobre a escolarização de pessoas com surdez ou deficiência

Diante dessa pequena retrospectiva é possível perceber que, atualmente, no Brasil, vivencia-se o paradigma da Educação Inclusiva. Em 2008, foi instituída a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, que visa “[...] constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos” (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF: MEC, 2008. Disponível em: https://tinyurl.com/4f3w9xnt. Acesso em: 8 ago. 2024.
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, p. 5). E, em 2015, foi instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência, por meio da Lei nº 13.146/2015, de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: https://tinyurl.com/3apeyue7. Acesso em: 23 jun. 2023.
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).

A esse respeito, é importante esclarecer algumas concepções errôneas ainda disseminadas. Em primeiro lugar, salienta-se que a Educação Inclusiva não se refere apenas aos estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEE), ou seja, a estudantes com deficiência (física, auditiva, visual e/ou intelectual), com Transtorno Global do Desenvolvimento ou com Altas Habilidades/Superdotação (Brasil, 2015BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: https://tinyurl.com/3apeyue7. Acesso em: 23 jun. 2023.
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), mas refere-se a todos, em uma perspectiva de escola para todos. Em segundo lugar, os ideais de inclusão pressupõem uma reorganização de princípios e práticas que permeiam todos os níveis de ensino, como é apontado por Camargo (2017, p. 1)CAMARGO, E. P. Inclusão social, educação inclusiva e educação especial: enlaces e desenlaces. Ciência & Educação, Bauru, v. 23, n. 1, p. 1-6, 2017. Short DOI: https://doi.org/nc6w.
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:

A inclusão é um paradigma que se aplica aos mais variados espaços físicos e simbólicos. Os grupos de pessoas, nos contextos inclusivos, têm suas características idiossincráticas reconhecidas e valorizadas. Por isto, participam efetivamente. Segundo o referido paradigma, identidade, diferença e diversidade representam vantagens sociais que favorecem o surgimento e o estabelecimento de relações de solidariedade e de colaboração.

Concernente à educação científica, e especificamente ao Ensino de Física, esta inclusão perpassa pela superação de propostas pautadas em resoluções automáticas de equações desprovidas de significado conceitual para os aprendizes, sendo crescente a busca de alternativas didáticas (Assis, 2005ASSIS, A. Leitura, argumentação e ensino de física: análise da utilização de um texto paradidático em sala de aula. 2005. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2005.). Atualmente, enfatiza-se a função social do Ensino de Física, de modo a propiciar o protagonismo aos estudantes. Esta concepção de ensino possibilita soluções alternativas para um dado problema, que exige o desenvolvimento de uma postura crítica por parte do discente, pois para resolver o problema proposto, é necessário a escolha da solução mais cabível, a partir de critérios e, assim, o estudante desenvolve uma postura mais ativa (Robilotta, 1988ROBILOTTA, M. R. Cinza, o branco e o preto: da relevância da história da ciência no ensino da Física. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v. 5, n. esp., p. 7-22, 1988.).

Nesse sentido, o estudante pode realizar escolhas mais democráticas, que possam beneficiar a sociedade como um todo, ao invés de apenas algumas classes sociais, justamente por oportunizar a reflexão e o debate. Sendo assim, ensinar Física de maneira inclusiva, não promove somente a inclusão, no sentido de oportunidades iguais e educação científica para todos, mas também permite que o estudante desenvolva criticidade e cidadania. Se praticada de maneira correta, a inclusão promove aprendizagem e qualidade de vida.

De modo geral, o desenvolvimento das Ciências, a industrialização dos modelos de produção, a transformação de conhecimentos científicos em tecnologia, as transformações dos ambientes de trabalho, dinamização das comunicações de massa e a aceleração do próprio ritmo da vida são alguns dos aspectos que alimentam a vida contemporânea e exigem, cada vez mais, a necessidade de escolhas pessoais baseadas em conceitos e conhecimentos científicos.

Há, portanto, uma necessidade de maior ênfase na alfabetização científica entre todos os indivíduos, visando a preservação da vida em uma perspectiva individual e coletiva (Naidoo, 2008NAIDOO, S. S. Science education for deaf learners: educator perspectives and perceptions. [An unpublished research report submitted as part of the requirements of a Master Degree in Education, University of Witwatersrand, 2008]. Disponível em: https://tinyurl.com/24uc4fzr. Acesso em: 8 ago. 2024.
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). Este problema se torna ainda mais urgente para indivíduos surdos, visto que diversos estudos indicam que, tradicionalmente, o componente curricular Ciências tem sido negligenciado para estes estudantes (Flores; Rumjanek, 2015FLORES A. C. F.; RUMJANEK, V. M. Teaching science to elementary school deaf children in Brazil. Creative Education, US, v. 6, p. 2127-2135, 2015. DOI: https://doi.org/10.4236/ce.2015.620216.
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; Moores; Martin, 2006MOORES, D. F; MARTIN, D. S. (ed.). Deaf learners: developments in curriculum and instruction. Washington: Gallaudet University Press, 2006.; Rumjanek, 2016RUMJANEK, V. M. Admirável mundo novo: a ciência e o surdo. 2016. Tese (Doutorado em Química Biológica) – Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.).

Ademais, de acordo com Zardo (2012)ZARDO, S. P. Direito à educação: a inclusão de alunos com deficiência no ensino médio e a organização dos sistemas de ensino. 2012. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2012., durante os processos de ensino e de aprendizagem, deve-se considerar as singularidades dos indivíduos, e analisar a deficiência a partir de uma concepção positivista, não a considerando como uma limitação.

Corroborando essas ideias, Orrú (2016)ORRÚ, S. E. Aprendizes com autistas: aprendizagem por eixos de interesses em espaços não excludentes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. aponta que critérios fundamentados no déficit, na doença, ou seja, naquilo que falta ao indivíduo, são elementos que classificam, rotulam, estigmatizam e promovem à marginalização dos indivíduos. Essa tem sido uma realidade presente dentro de muitas escolas brasileiras, que se expropriam de sua responsabilidade de promover a educação para toda turma, com justificativas pautadas em critérios diagnósticos que anunciam os capazes ou não de acompanhar o ensino dos conteúdos.

Em relação à comunicação, nem sempre é feita de maneira adequada, muitos professores, por exemplo, não levam em consideração as peculiaridades de seus estudantes e continuam ministrando aulas tradicionais, ignorando suas deficiências físicas e intelectuais (Spenassato; Giareta, 2009SPENASSATO, D.; GIARETA, M. K. Inclusão de alunos surdos no ensino regular: investigação das propostas didático-metodológicas desenvolvidas por professores de matemática no ensino médio da EENAV. In: ENCONTRO GAÚCHO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 10., 2009. Anais [...]. Ijuí: UNIJUÍ, 2009. p. 1-12.), contribuindo para a exclusão destes.

Uma alternativa sugerida por Spenassato e Giareta (2009)SPENASSATO, D.; GIARETA, M. K. Inclusão de alunos surdos no ensino regular: investigação das propostas didático-metodológicas desenvolvidas por professores de matemática no ensino médio da EENAV. In: ENCONTRO GAÚCHO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 10., 2009. Anais [...]. Ijuí: UNIJUÍ, 2009. p. 1-12., a fim de superar o ensino tradicional, é a apropriação de diferentes estratégias e utilização de metodologias e recursos que auxiliam na construção do conhecimento, tais como: a tecnologia assistiva, as pranchas de comunicação, o Braille, a Libras, entre outros. Aderir a alternativas didáticas pode melhorar a comunicação entre o professor e seus alunos e, até mesmo, a interação entre os próprios alunos. Orrú (2016)ORRÚ, S. E. Aprendizes com autistas: aprendizagem por eixos de interesses em espaços não excludentes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. argumenta sobre as práticas pedagógicas inovadoras e não excludentes:

[...] os aprendizes são concebidos como sujeitos aprendentes, com infindáveis possibilidades de aprendizagem, respeitando-se sempre a heterogeneidade presente nos aprendizes e oportunizando possibilidades de transformações, de superações, de adaptações, e expectativas otimistas quanto ao aprendizado e desenvolvimento dos aprendizes (Orrú, 2016ORRÚ, S. E. Aprendizes com autistas: aprendizagem por eixos de interesses em espaços não excludentes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016., p. 214).

Concernente ao Ensino de Física para estudantes surdos, algumas considerações são necessárias. Pesquisas, como as de Mendes (2006)MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 33, p. 387-405, 2006. Short DOI: https://doi.org/ch5g2j.
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e Alves (2012)ALVES, A. S. Estudo do uso de diálogos de mediação para melhorar a interação de surdos bilíngues na web. 2012. Dissertação (Mestrado em Informática) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012., destacam a importância da presença do intérprete de Libras na sala de aula comum; bem como a importância da interação entre os aprendizes com deficiência e seus colegas e professores, além do uso de diferentes recursos didáticos e metodologias para o ensino e a aprendizagem de toda turma.

Assim, faz-se necessário o planejamento de materiais didáticos a serem utilizados nas salas de aula comum, para a aprendizagem de todos os alunos com ou sem deficiência, visando uma aprendizagem efetiva que possibilite a construção do conhecimento. Neste sentido, vale ressaltar a importância de um Planejamento Educacional Individualizado (PEI) centrado na pessoa, ou seja, planejar o ensino de forma a contemplar as necessidades individuais de cada aluno para, assim, otimizar o processo de escolarização (Tannús-Valadão; Mendes, 2018TANNÚS-VALADÃO, G.; MENDES, E. G. Inclusão escolar e o planejamento educacional individualizado: estudo comparativo sobre práticas de planejamento em diferentes países. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 23, e230076, 2018. Short DOI: https://doi.org/nc64.
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).

É necessário pontuar, ainda, que não são todos os professores que dominam a Libras e, muitas vezes, o intérprete não tem conhecimentos específicos do componente curricular, justamente por não ter formação para isso, o que pode gerar uma falha na comunicação e, consequentemente, na aprendizagem. A formação de profissionais tradutores intérpretes de Libras no Brasil é mencionada tanto na Lei n.º 12.319/2010, quanto no Decreto n.º 5.626/2005 (Brasil, 2005BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a língua brasileira de sinais – Libras, e o art. 18 da lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 246, p. 28-30, 23 dez. 2002. Disponível em: https://tinyurl.com/2p8fh22b. Acesso em: 18 jun. 2023.
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, 2010BRASIL. Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de tradutor e intérprete da língua brasileira de sinais – Libras. Brasília, DF: Presidência da República, 2010. Disponível em: https://tinyurl.com/uwct66x8. Acesso em: 23 jun. 2023.
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). Embora este decreto determine a formação em nível superior, em cursos de “[...] tradução e interpretação, com habilitação em Libras – língua portuguesa” (Brasil, 2005, p. 29BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a língua brasileira de sinais – Libras, e o art. 18 da lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 246, p. 28-30, 23 dez. 2002. Disponível em: https://tinyurl.com/2p8fh22b. Acesso em: 18 jun. 2023.
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), a referida lei, em seu capítulo III, artigo 4º, admite a formação de profissionais tradutores e intérpretes de Libras em nível médio (Brasil, 2005BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a língua brasileira de sinais – Libras, e o art. 18 da lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 246, p. 28-30, 23 dez. 2002. Disponível em: https://tinyurl.com/2p8fh22b. Acesso em: 18 jun. 2023.
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).

Vale ressaltar, ainda, que muitas vezes o professor delega a função de educar ao intérprete, o que pode contribuir para uma sobrecarga desse profissional, ao assumir funções que não lhe competem (Gomes; Moura; Alves, 2020GOMES, P. C.; MOURA, T. F. A.; ALVES, E. G. M. Inclusão escolar do aluno surdo na percepção do intérprete de língua brasileira de sinais em salas de ciências e biologia. Ensino, Saúde e Ambiente, Niterói, v. 13, n. 2, p. 62-89, 2020.; Nascimento; Camargo; Correia, 2021NASCIMENTO, W. S.; CAMARGO, E. P.; CORREIA, E. S. A relação com o saber de um estudante surdo de uma escola pública. Leitura: teoria & prática, Campinas, v. 39, n. 82, p. 91-107, 2021. Short DOI: https://doi.org/nc62.
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).

Para além da tarefa de transposição de uma língua à outra, a atuação do Intérprete Educacional (IE) abarca a construção de enunciados e sentidos presentes na mensagem enunciada pelo(s) (muitos) outro(s), respeitando-se os conteúdos e gêneros discursivos em questão, além de abranger diversas áreas de conhecimento. O intérprete é o profissional que atua na fronteira de sentidos da língua de origem e da língua alvo, apropriando-se dos sentidos do discurso do outro, sem prender-se à sua forma linguística, realizando as traduções de forma a garantir a completude da mensagem nesta nova produção (Lodi; Almeida, 2010LODI, A. C. B.; ALMEIDA, E. B. Gêneros discursivo da esfera acadêmica e práticas de tradução-interpretação libras-português: reflexões. Tradução & Comunicação: revista brasileira de tradutores, Valinhos, S P, n. 20, p. 89-103, 2010.).

Além de mediador entre professores e alunos surdos, alunos surdos e alunos ouvintes e mediador do conhecimento, o IE atua em um ambiente onde prevalecem as relações de poder, em que a língua majoritária (a Língua Portuguesa) determina as atividades a serem realizadas. Nesse contexto, o intérprete precisa, portanto, estabelecer parceria com o professor, e com o aluno, sem que tais relações demarquem uma postura favorável a um ou ao outro. O professor é responsável pelo ensino, por proporcionar o conhecimento científico ao aluno, e o IE é responsável por transformar a informação de uma para outra língua. Quando da presença do aluno surdo, ambos são imprescindíveis: o professor precisa do IE para lhe auxiliar nas questões da surdez e da Libras (que ele desconhece) e o IE necessita da boa atuação e conhecimento do professor para que seu trabalho seja efetivo (Lacerda; Santos, 2015LACERDA, C.; SANTOS, L. Atuação do intérprete educacional: parceria com professores e autoria. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 35, ed. esp. 2, p. 505-533, 2015. Short DOI: https://doi.org/nc6x.
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).

Nesse contexto, é notória a importância das práticas educativas inclusivas no Ensino de Física para estudantes surdos, considerando-se todos os aspectos mencionados, foco deste estudo.

Procedimentos metodológicos

Este estudo configura-se como uma pesquisa qualitativa, do tipo revisão bibliográfica, com finalidade exploratória. Apesar do planejamento flexível inerente da pesquisa exploratória, a fim de manter um rigor teórico-metodológico, este estudo fundamentou-se no método de pesquisa Revisão Sistemática, segundo os pressupostos de Costa e Zoltowski (2014)COSTA, A. B.; ZOLTOWSKI, A. P. C. Como escrever um artigo de revisão sistemática. In: KOLLER, S. H.; COUTO, M. C. P. P.; HOHENDORFF, J. V. (org.). Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, 2014. p. 55-70..

Assim sendo, o processo de desenvolvimento desta pesquisa seguiu as oito etapas básicas propostas por Costa e Zoltowski (2014)COSTA, A. B.; ZOLTOWSKI, A. P. C. Como escrever um artigo de revisão sistemática. In: KOLLER, S. H.; COUTO, M. C. P. P.; HOHENDORFF, J. V. (org.). Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, 2014. p. 55-70., a saber: (1) delimitação da questão a ser pesquisada; (2) escolha das fontes de dados; (3) eleição das palavras-chave para a busca; (4) busca e armazenamento dos resultados; (5) seleção de artigos pelo resumo, de acordo com critérios de inclusão e exclusão; (6) extração dos dados dos artigos selecionados; (7) avaliação dos artigos; e, (8) síntese e interpretação dos dados.

Primeiramente, após a delimitação da temática para investigação, foi definida a questão de pesquisa, já apresentada na introdução deste artigo (etapa 1). Em seguida, foi definido o tipo de material bibliográfico, bem como a fonte para coleta de dados e os indicadores da pesquisa (etapas 2 e 3). Considerando-se os objetivos deste estudo, delimitou-se, para a busca, artigos de periódicos publicados na última década (2011-2020), que versavam sobre o ensino de Física, inclusão escolar e surdez/deficiência auditiva, utilizando como fonte de dados o repositório multidisciplinar, online e de acesso gratuito, Scientific Electronic Library Online (SciELO) Brasil.

Na sequência, foi realizada a leitura dos resumos de todos os artigos coletados, visando a seleção e extração de dados, considerando a temática e objetivos da pesquisa (etapas 4 a 6). O fluxograma, representado na figura 2, detalha os procedimentos de busca e seleção de artigos para este estudo.

Figura 2
Fluxograma das fases de coleta e seleção da amostra

Por fim, foi realizada a análise descritiva dos artigos selecionados (etapas 7 e 8), apresentada a seguir.

Resultados e discussões

Conforme explicitado na seção anterior, este estudo seguiu as etapas para revisões sistemáticas propostas por Costa e Zoltowski (2014)COSTA, A. B.; ZOLTOWSKI, A. P. C. Como escrever um artigo de revisão sistemática. In: KOLLER, S. H.; COUTO, M. C. P. P.; HOHENDORFF, J. V. (org.). Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, 2014. p. 55-70.. Os artigos selecionados e incluídos nesta análise, por abordarem especificamente o ensino de Física e a inclusão escolar nos últimos 10 anos, foram quatro, apresentados no quadro 1, para posterior discussão.

Quadro 1
Artigos selecionados para análise

Artigo (1)

O primeiro artigo, intitulado Vídeos didáticos bilíngues no ensino de leis de Newton (Cozendey; Pessanha; Costa, 2013COZENDEY, S. G.; PESSANHA, M. C. R.; COSTA, M. P. R. Vídeos didáticos bilíngues no ensino de leis de Newton. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 3504, 2013.), publicado em periódico específico da área de Ensino de Física, discorre sobre um recurso bilíngue, utilizado em uma aula de Física, para abordagem do tema Leis de Newton. O recurso foi composto por seis vídeos que utilizavam a Libras, a Língua Portuguesa falada e escrita, e algumas imagens. O objetivo da pesquisa foi avaliar o recurso em contexto inclusivo.

Na introdução, os autores apontam os estudantes com deficiências em escolas regulares e não mais em escolas especiais, uma vez que a escola inclusiva deve ensinar tanto os estudantes que apresentam deficiências quanto aqueles que não apresentam, assumindo que todos podem aprender juntos. Nesse sentido, é importante ressaltar que incluir não significa apenas inserir todos os estudantes em escolas regulares, mas sim oportunizar meios para o protagonismo na aprendizagem, como a utilização de diferentes recursos, estratégias e ferramentas. Isto concorda com o apontamento de Camargo (2017)CAMARGO, E. P. Inclusão social, educação inclusiva e educação especial: enlaces e desenlaces. Ciência & Educação, Bauru, v. 23, n. 1, p. 1-6, 2017. Short DOI: https://doi.org/nc6w.
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, exposto anteriormente, em que enfatiza o reconhecimento e a valorização das peculiaridades dos indivíduos em contextos inclusivos. De acordo com os autores do artigo analisado, os recursos dependem de algumas características para serem considerados inclusivos, tais como a linguagem oral, imagens, textos, a Libras, maquetes, o Braile, entre outros, a fim de possibilitar a aprendizagem de todos, inclusive, dos estudantes com deficiência auditiva, deficiência visual e outras deficiências ou especificidades.

Os pesquisadores salientam que a pessoa com surdez lê o mundo de modo visual, diferentemente dos ouvintes; portanto, não é correto afirmar que os estudantes surdos aprendem da mesma forma que os ouvintes, fazendo-se necessária uma educação bilíngue. A Libras é uma língua em construção e por este motivo, segundo os autores do artigo, algumas palavras ainda não têm sinais. Este fato dificulta a comunicação em algumas disciplinas, como a Física; entretanto, os autores acreditam que, mesmo aos poucos, ocorrerá a inserção de novos sinais para representação de conceitos científicos.

Importante esclarecer que a pesquisa foi realizada com uma turma da segunda série do Ensino Médio, de uma escola pública do interior do Estado de São Paulo, composta por 18 estudantes, incluindo uma estudante com deficiência auditiva, que dominava o básico da Libras.

O recurso didático utilizado foi elaborado após um ano de acompanhamento da estudante surda na sala de recursos, visto que foram observadas algumas dificuldades da aluna, entre elas, alguns cálculos em Matemática, a escrita, a leitura e a compreensão de textos da Língua Portuguesa. Os seis vídeos, correspondentes ao recurso didático, abordavam os conceitos de velocidade, aceleração, força resultante, Primeira, Segunda e Terceira Lei de Newton, e continham situações do cotidiano que puderam aproximar os estudantes dos conteúdos estudados.

A aula foi planejada para iniciar com uma situação problema, a ser discutida e resolvida pelos estudantes. Depois disso, o vídeo referente ao tema abordado era exibido e acontecia uma nova discussão sobre o conceito. Esse procedimento foi repetido para os seis vídeos.

Os dados foram coletados por meio de gravações em vídeos e anotações em caderno de campo. Como resultado de pesquisa, foi observado que após a exibição dos vídeos os estudantes conseguiam resolver a situação problema de forma mais adequada, além de relacionarem os vídeos com as discussões. A participação da estudante surda foi suficiente para concluir que ela também compreendeu os conceitos estudados. Dos 18 participantes, apenas um incomodou-se com o vídeo em Libras. Apesar disso, de acordo com os pesquisadores, a aprendizagem de todos permite afirmar que a aula foi inclusiva. Por fim, é importante citar que o recurso sozinho não é responsável pela inclusão, são também necessários planejamento e elaboração da aula para inseri-lo de modo satisfatório.

Estes resultados corroboram os estudos apresentados em Alves (2012)ALVES, A. S. Estudo do uso de diálogos de mediação para melhorar a interação de surdos bilíngues na web. 2012. Dissertação (Mestrado em Informática) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. e Mendes (2006)MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 33, p. 387-405, 2006. Short DOI: https://doi.org/ch5g2j.
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, que salientam a importância da interpretação da Libras na sala de aula comum, da interação entre os estudantes com deficiência e seus colegas e professores, bem como do uso de diferentes abordagens e recursos didáticos visando o ensino e a aprendizagem de toda turma.

Artigo (2)

Denominado Interações entre o aluno com surdez, o professor e o intérprete em aulas de Física: uma perspectiva Vygotskyana (Vargas; Gobara, 2014VARGAS, J. S.; GOBARA, S. T. Interações entre o aluno com surdez, o professor e o intérprete em aulas de física: uma perspectiva vygotskiana. Revista Brasileira de Educação Especial, Bauru, v. 20, n. 3, p. 449-460, 2014.), o segundo artigo, publicado em periódico específico sobre a modalidade Educação Especial, apresenta uma análise do processo de inclusão e das interações entre o aluno com deficiência auditiva, o professor e o intérprete. De acordo como as autoras, o intérprete deve ser o responsável pela comunicação entre o aluno surdo, os colegas e professores, mas, na prática, o intérprete recebe funções que não competem a ele, como, por exemplo, a função de professor. Tal atribuição indevida é comentada em Gomes, Moura e Alves (2020)GOMES, P. C.; MOURA, T. F. A.; ALVES, E. G. M. Inclusão escolar do aluno surdo na percepção do intérprete de língua brasileira de sinais em salas de ciências e biologia. Ensino, Saúde e Ambiente, Niterói, v. 13, n. 2, p. 62-89, 2020. e Nascimento, Camargo e Correia (2021)NASCIMENTO, W. S.; CAMARGO, E. P.; CORREIA, E. S. A relação com o saber de um estudante surdo de uma escola pública. Leitura: teoria & prática, Campinas, v. 39, n. 82, p. 91-107, 2021. Short DOI: https://doi.org/nc62.
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, como descrito anteriormente.

As pesquisadoras iniciam enfatizando o crescente destaque à inclusão de pessoas com deficiência nas escolas nas pesquisas sobre Educação Especial. Ressaltam, ainda, que o estudo aconteceu pela preocupação com o ensino e a aprendizagem de Física pelos alunos com deficiência auditiva.

As ideias de Vygotsky fundamentaram o estudo porque trabalhou com crianças surdas, cegas e com retardamento mental2 2 Este foi o termo citado pelas autoras, atualmente utiliza-se Deficiência Intelectual. , contribuindo para o desenvolvimento destas. Para Vygotsky, como explicam as autoras, a linguagem é um sistema de signos, o que para o surdo e o ouvinte são diferentes. Portanto, o papel do intérprete é imprescindível, já que ele é o mediador da interação entre surdos e ouvintes. Assim, para Vygotsky, os signos só têm significado se forem compartilhados em comunidade.

A pesquisa foi realizada em dez escolas de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, tendo como sujeitos 24 estudantes com deficiência auditiva, nas três séries do Ensino Médio, além de 10 professores e 13 intérpretes.

Os participantes foram acompanhados entre uma e duas aulas em cada escola e os dados coletados foram registrados em diário de bordo, ou filmados. Observou-se: (i) interações entre todos os que estavam nas salas, mas com foco nos estudantes surdos; (ii) preparo e planejamento das aulas; (iii) a interação do professor com os estudantes, principalmente aqueles com deficiência auditiva; e, (iv) o interesse do intérprete pelo componente curricular Física.

Os resultados foram muito parecidos em todas as escolas e mostraram a preocupação dos professores com a aprendizagem dos estudantes com deficiência auditiva. Todavia, estes professores raramente lecionavam para todos visto que, algumas vezes, focavam apenas nos estudantes com deficiência auditiva e, em outras vezes, apenas nos ouvintes.

De acordo com as pesquisadoras, identificou-se que os professores não preparavam as aulas e, muito menos, planejavam pensando nas dificuldades dos estudantes com deficiência auditiva. As aulas eram tradicionais, com exposição oral do conteúdo, utilizando apenas lousa e giz como recursos didáticos. A comunicação entre os professores e estudantes com deficiência auditiva era limitada, já que os professores não sabiam a Libras. Apenas um dos docentes tentava comunicar-se por meio da escrita. Da mesma forma, a comunicação dos discentes surdos com seus colegas também era limitada, visto que eles apenas cumprimentavam-se. Esses apontamentos concordam com Spenassato e Giareta (2009)SPENASSATO, D.; GIARETA, M. K. Inclusão de alunos surdos no ensino regular: investigação das propostas didático-metodológicas desenvolvidas por professores de matemática no ensino médio da EENAV. In: ENCONTRO GAÚCHO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 10., 2009. Anais [...]. Ijuí: UNIJUÍ, 2009. p. 1-12. sobre a comunicação inadequada no ensino em aulas tradicionais, que não consideram as deficiências físicas e intelectuais dos estudantes.

Observou-se, ainda, que os intérpretes eram as únicas pessoas que se comunicavam com os estudantes com deficiência auditiva, e isso acontecia até mesmo no horário do intervalo. Também era comum os intérpretes mudarem as falas dos professores, realizando o papel de mediador. Contudo, as traduções precisam garantir a completude da mensagem, respeitando os conteúdos e gêneros discursivos, como ressaltam Lodi e Almeida (2010)LODI, A. C. B.; ALMEIDA, E. B. Gêneros discursivo da esfera acadêmica e práticas de tradução-interpretação libras-português: reflexões. Tradução & Comunicação: revista brasileira de tradutores, Valinhos, S P, n. 20, p. 89-103, 2010.. Ademais, os intérpretes não devem assumir este papel, pois é preciso que o estudante com deficiência auditiva estabeleça comunicação, com o professor e com os demais alunos, para seu próprio desenvolvimento. Outro aspecto apontado pelas autoras foi a infraestrutura das escolas, que não foi planejada para receber estudantes com deficiência auditiva. Alguns intérpretes sugeriram que a escola providenciasse placas de sinalização mas, ainda assim, há muito o que modificar.

Concluiu-se, com este trabalho, que as escolas não foram preparadas para os alunos com deficiência auditiva, tanto no seu espaço físico quanto na capacitação de seus profissionais. Os professores não interagem por não saberem Libras e a responsabilidade de ensinar acaba sendo dos intérpretes, que não são formados em nenhuma área da Educação, e, por isso, não poderiam atuar como mediadores, sendo que em alguns casos, o intérprete reforçava as concepções prévias do aluno. Portanto, a inclusão é classificada pelas autoras como ineficaz, uma vez que os estudantes com deficiência auditiva são isolados e têm desempenho, interação e socialização prejudicadas, dificultando, consequentemente, o seu desenvolvimento sociocognitivo.

Artigo (3)

Com o título O compartilhamento de significado na aula de Física e a atuação do interlocutor de Língua Brasileira de Sinais (Pessanha; Cozendey; Rocha, 2015PESSANHA, M.; COZENDEY, S.; ROCHA, D. M. O compartilhamento de significado na aula de física e a atuação do interlocutor de língua brasileira de sinais. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 2, p. 435-456, 2015. Short DOI: https://doi.org/nc63.
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), o terceiro artigo foi publicado em 2015 e teve como objetivo estudar o compartilhamento de significados entre a Língua Portuguesa e a Libras, no contexto do ensino de Física.

Os autores afirmam que a linguagem empregada no cotidiano e aquela empregada no cenário científico desencadearam algumas pesquisas no Ensino de Ciências, isto porque determinados significados originaram-se de experiências pessoais, contribuindo para as concepções prévias. Portanto, se este problema existe dentro de uma única língua, é coerente indagar sobre a comunicação entre duas línguas, como a Libras e a Língua Portuguesa, e, considerando este fato, sobre como a inclusão acontece.

Os pesquisadores defendem que a Educação Inclusiva consiste em ensinar pessoas de diferentes culturas, raças e necessidades educacionais, sem discriminação, oferecendo condições para que todos aprendam em conjunto.

As pessoas com deficiência auditiva fazem parte do contexto de inclusão, e, embora a comunicação de um ouvinte com um surdo seja difícil em muitos casos, a mensagem transmitida pode ser compreendida por gestos, leitura labial ou orofacial, que são meios visuais. Para uma pessoa com surdez ou deficiência auditiva são comuns os problemas de comunicação, conforme palavras dos autores, “[...] no cotidiano em que a linguagem oral é utilizada como uma das principais formas de transmissão de ideias e conhecimentos, a comunicação se torna a grande dificuldade que uma pessoa com surdez e uma pessoa com deficiência auditiva severa ou profunda encontram” (Pessanha; Cozendey; Rocha, 2015, p. 437PESSANHA, M.; COZENDEY, S.; ROCHA, D. M. O compartilhamento de significado na aula de física e a atuação do interlocutor de língua brasileira de sinais. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 2, p. 435-456, 2015. Short DOI: https://doi.org/nc63.
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).

Por esse motivo, os pesquisadores enfatizam que a Libras é um meio de comunicação visual, que possui sistema linguístico e estrutura gramatical própria, reconhecida oficialmente no Brasil, e a legislação fornece o direito ao intérprete ou interlocutor de Libras nas escolas. Baseados nisso, os autores realizaram a pesquisa do tipo Estudo de Caso em uma escola do estado de São Paulo, que consistiu em solicitar ao interlocutor da escola que traduzisse dois enunciados que explicavam os conceitos de velocidade e aceleração, a saber:

Velocidade se refere à variação da posição de um corpo em função do tempo. Ao se movimentar de uma posição à outra um corpo apresentará um deslocamento. Velocidade é quanto o corpo se desloca por unidade de tempo. [...] Aceleração se refere à variação da velocidade de um corpo em função do tempo. Um corpo pode aumentar ou diminuir sua velocidade durante um movimento. Aceleração é quanto a velocidade do corpo se altera por unidade de tempo (Pessanha; Cozendey; Rocha, 2015, p. 439-440PESSANHA, M.; COZENDEY, S.; ROCHA, D. M. O compartilhamento de significado na aula de física e a atuação do interlocutor de língua brasileira de sinais. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 2, p. 435-456, 2015. Short DOI: https://doi.org/nc63.
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).

Essa tradução aconteceu em dois momentos, no primeiro, o intérprete não teve a oportunidade de pesquisar e estudar previamente; já no segundo, uma semana depois, o intérprete pôde estudar com antecedência e sanar suas dúvidas com professores de Física.

Como resultado, foi observado que na primeira tradução o intérprete utilizou os mesmos sinais para velocidade e aceleração, e não utilizou o verbo ser, como por exemplo na frase “A aceleração deslocamento do corpo no tempo” (Pessanha; Cozendey; Rocha, 2015, p. 441PESSANHA, M.; COZENDEY, S.; ROCHA, D. M. O compartilhamento de significado na aula de física e a atuação do interlocutor de língua brasileira de sinais. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 2, p. 435-456, 2015. Short DOI: https://doi.org/nc63.
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). Ao não diferenciar essas palavras, o conceito físico não foi contemplado, e, ao não utilizar o verbo ser, a compreensão da frase ficou comprometida.

Na segunda tradução, o intérprete continuou a não utilizar o verbo ser, mas apresentou sinais diferentes para velocidade e aceleração; entretanto, o significado dado à velocidade foi o de ‘aumentar o ritmo’, passando a impressão de aceleração. Houve também um erro no sinal de variação, visto que ele interpretou como ‘mais ou menos’. Apesar dessas observações, a segunda interpretação foi mais coerente, e aproximou-se mais dos significados físicos.

A perspectiva de Bakhtin fundamentou as análises realizadas, sendo a linguagem definida como um entrelaçamento entre o sujeito e o objeto, ou seja, por considerar uma relação entre o sujeito e o contexto em que ele está inserido, além de reconhecer que a linguagem pode ser verbal ou não-verbal.

Verifica-se que intérprete ou interlocutor de Libras utiliza os sinais que considera mais adequados. Explicita-se que o docente interlocutor da Libras/Língua Portuguesa garante, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, a comunicação interativa professor-aluno no desenvolvimento das aulas, possibilitando o entendimento e o acesso à informação, às atividades e aos conteúdos curriculares no processo de ensino (São Paulo, 2009SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 38, de 19-6-2009. Dispõe sobre a admissão de docentes com qualificação na Língua Brasileira de Sinais - Libras, nas escolas da rede estadual de ensino. São Paulo, SP: Secretaria de Educação, 2009. Disponível em: https://tinyurl.com/ydbywrtn. Acesso em: 8 ago. 2024.
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).

No caso da pesquisa, o intérprete era licenciado em História, ou seja, não era um especialista na área que estava traduzindo. Por este motivo, ele utilizou sinais que normalmente se confundem com o significado do dicionário, e, considerando que a construção do conhecimento intervém da linguagem, uma tradução inadequada prejudica a compreensão e a aprendizagem.

Os autores, ainda, realizaram um levantamento dos significados dos termos em diferentes dicionários e constataram que a concepção científica não está presente em vários deles. Em ambientes como a escola tem-se como objetivo alcançar um significado comum nos diálogos, para processos de ensino e de aprendizagem satisfatórios. Portanto, conclui-se que a Libras é uma língua em construção, que carece de termos específicos. Em contrapartida, os professores acreditam que a tradução realizada é extremamente fiel ao que é dito, com os mesmos significados da Língua Portuguesa. Por este motivo, há a necessidade de um trabalho em equipe, entre o professor e o intérprete, para preparação de ambos e tradução aprimorada. Como ressaltado por Lacerda e Santos (2015)LACERDA, C.; SANTOS, L. Atuação do intérprete educacional: parceria com professores e autoria. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 35, ed. esp. 2, p. 505-533, 2015. Short DOI: https://doi.org/nc6x.
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, a parceria efetiva do professor e do intérprete são imprescindíveis neste processo.

Artigo (4)

E o quarto trabalho, intitulado Proposta didático experimental para o ensino inclusivo de ondas no Ensino Médio, publicado em 2019, os autores (Silveira; Barthem; Santos, 2019SILVEIRA, M. V.; BARTHEM, R. B.; SANTOS, A. C. Proposta didático experimental para o ensino inclusivo de ondas no ensino médio. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 41, n. 1, e20180084, 2019.), salientam que há uma grande dificuldade no ensino de frequências, pois, muitas delas, não podem ser interpretadas por meio dos sentidos. Existem radiações eletromagnéticas com frequências no infravermelho ou menores, e no ultravioleta ou maiores, que não podem ser observadas pelos seres humanos por meio dos sentidos. Isso pode ser um obstáculo no ensino e na aprendizagem de Física.

A partir disso, os autores criaram dois experimentos, que tornam as frequências inaudíveis e invisíveis em audíveis e visíveis, que podem ser utilizados por alunos com deficiência visual e deficiência auditiva. A proposta objetiva “[...] fornecer meios para que o estudante possa vivenciar faixas de frequências que nossos sentidos não detectam, tanto inaudíveis quanto invisíveis.” (Silveira; Barthem; Santos, 2019, p. 2SILVEIRA, M. V.; BARTHEM, R. B.; SANTOS, A. C. Proposta didático experimental para o ensino inclusivo de ondas no ensino médio. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 41, n. 1, e20180084, 2019.). Para isso, foi utilizada a plataforma Arduino, que pode ser programada pela linguagem Processing ao ser conectada com o computador.

Foram desenvolvidas duas aplicações, uma associada à audição, com um sensor ultrassônico, e outra associada à visão, com um sensor que produz ruídos e sinais luminosos quando acionado.

Assim, no primeiro momento, a proposta consiste numa de aula em que os alunos pudessem familiarizar-se com os conceitos e com os equipamentos. Na sequência, apresenta o conceito de ondas mecânicas, com uso da lousa, livros e exposição oral, juntamente com a manipulação de modelos macroscópicos, ou seja, molas ou maquetes bidimensionais feitas com barbante, permitindo que todos os estudantes, inclusive aqueles não cegos, tocassem. Em seguida, os autores sugerem a utilização de modelos microscópicos, como as vibrações das cordas vocais ou das moléculas no ar comparadas com a frequência percebida pelos animais; para que, ao final, todos concluam a limitação dos sentidos dos seres humanos. E, na terceira parte da aula, a realização do experimento feito com o Arduino, denominado O som que o surdo pode ver e o cego pode ouvir. A explicação do funcionamento dos aparelhos e do experimento remetem ao eco, conceito que também pode ser explorado durante a aula. Por fim, propõem-se um questionário, para que o professor verifique o que foi aprendido.

Deste modo, os pesquisadores argumentam e demonstram por meio de uma proposta didática, a tentativa de sanar a dificuldade de ensinar ondas para todos os alunos do Ensino Médio, inclusive aqueles com deficiência visual ou auditiva, em que o professor deve utilizar diferentes métodos didáticos e um deles pode ser a experimentação, já defendida por autores como Dewey, Piaget e Vygotsky, ainda que realizada fora do laboratório. Sendo assim, esta proposta pode propiciar uma prática pedagógica inovadora e não excludente, com possibilidades de adaptações e superações, como defende Orrú (2016)ORRÚ, S. E. Aprendizes com autistas: aprendizagem por eixos de interesses em espaços não excludentes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016..

Considerações finais

Por meio desta revisão bibliográfica foi possível perceber que as publicações envolvendo o ensino de Física para estudantes com surdez ainda são incipientes. Todavia, nos trabalhos analisados, verifica-se a proposição, a elaboração e a avaliação de estratégias de ensino diversificadas, buscando o protagonismo, a aprendizagem e a inclusão de estudantes surdos nas aulas do componente curricular Física.

A análise apontou também algumas demandas e fragilidades para a concretização da inclusão dos estudantes surdos no contexto escolar, tal como a não apropriação e uso da Libras pelos professores e a falta de formação dos intérpretes tanto no processo educativo específico para a aprendizagem das Ciências, em particular a Ciência Física, como na produção de materiais didáticos específicos e sinais próprios para a representação de conceitos e termos científicos que possibilitem ao aluno a construção do conhecimento.

Espera-se que este levantamento e análise possam inspirar novas pesquisas e subsidiar políticas públicas na área de formação inicial e continuada dos professores, na valorização da carreira docente, bem como contribuir para a melhoria da qualidade do ensino ofertado e ampliação de culturas, políticas e práticas mais inclusivas nas escolas.

  • 1
    Termo indicado na lei e utilizado na época de sua promulgação. Atualmente, utiliza-se pessoas com deficiência.
  • 2
    Este foi o termo citado pelas autoras, atualmente utiliza-se Deficiência Intelectual.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2023
  • Aceito
    02 Maio 2024
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