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Negacionismo: definições, confusões epistêmicas e implicações éticas

Denialism: definitions, epistemic traps, and ethical implications

Resumo:

Durante a pandemia da COVID-19, o negacionismo científico teve uma imensa repercussão midiática e a palavra negacionista se tornou um dos termos depreciativos mais utilizados no Brasil. Porém, nem sempre ele é definido com precisão, em toda a sua complexidade e nuances. A utilização errônea de conceitos pode criar confusões epistêmicas com noções adjacentes, que não equivalem ao negacionismo, como ceticismo, ignorância, pseudociência ou agnotologia. O objetivo do presente artigo é definir negacionismo, com base em revisão teórica, e diferenciá-lo destes termos. Como conclusão, propõe-se uma reflexão sobre as implicações éticas do negacionismo, que pode levar à perda de vidas em casos extremos, e da importância do letramento científico na tomada de decisões.

Palavras-chave:
Negacionismo científico; Educação científica; Conceito científico

Abstract:

During the COVID-19 pandemic, scientific denialism had an immense media repercussion, and the word denialism became one of the most widely used derogatory terms in Brazil. However, those who employ it do not always know how to define it precisely or describe its psychological specificities, and thus fail to take its complexity and nuances into consideration. Misuse of concepts can promote epistemic confusion with adjacent notions that are not equivalent to denialism, such as skepticism, ignorance, pseudoscience, or agnotology. This article aims to define denialism based on a review of existing theory and to distinguish it from those related terms. To conclude, a reflection is proposed on the ethical implications of denialism, which can lead to the loss of lives in extreme situations, and on the importance of scientific literacy in decision-making.

Keywords:
Scientific denialism; Scientific education; Scientific concept

Introdução

Os ataques à ciência feitos por políticos, líderes religiosos, analistas e comentaristas da mídia levaram muitos a contestar não apenas teorias científicas específicas, que contradissessem seus preceitos ideológicos, mas também a questionar a própria ciência como base para a formação de um conhecimento embasado sobre o mundo e para a educação. O mito popular de que a ciência leva sempre a verdades e certezas é tão impreciso quanto aquele que afirma que a ciência é apenas mais uma teoria, equivalente a qualquer outra (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.). Nesse mar de possibilidades de representações e impressões subjetivas acerca da ciência, o termo negacionismo científico tem se destacado tanto pela recorrência quanto pelas polêmicas suscitadas.

O uso estendido de uma expressão pode criar confusões epistêmicas que inviabilizam seu emprego de forma apropriada. Haslam (2016)HASLAM, N. Concept creep: psychology's expanding concepts of harm and pathology. Psychological Inquiry, Philadelphia, v. 27, n. 1, p. 1-17, 2016. DOI: https://doi.org/gf8x6d.
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, por exemplo, ao tratar da expansão do uso de termos em Psicologia, pontuou que muitos conceitos sofreram mudanças semânticas, passando a incluir uma gama bem mais ampla de fenômenos. Essa expansão toma formas horizontais e verticais: se estendem horizontalmente para capturar fenômenos qualitativamente distintos e verticalmente para capturar fenômenos quantitativamente menos extremos. Os termos abuso, bullying, trauma e transtorno mental ilustram essas mudanças históricas. Em cada caso, o limite do conceito se estendeu e seu significado foi dilatado. Porém, embora a mudança conceitual seja inevitável e muitas vezes bem justificada, ela pode trazer o risco de patologização de experiências cotidianas (Haslam, 2016HASLAM, N. Concept creep: psychology's expanding concepts of harm and pathology. Psychological Inquiry, Philadelphia, v. 27, n. 1, p. 1-17, 2016. DOI: https://doi.org/gf8x6d.
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).

A palavra negacionista vem sendo empregada com uma frequência cada vez maior, tornando-se um adjetivo muito popular, um atributo negativo genérico. O aumento significativo do seu uso tem relação direta com a pandemia da COVID-19 e com os diversos movimentos negacionistas que com ela surgiram, ressalvando-se que outros movimentos análogos tenham sido amplamente estudados anteriormente (Diethelm; McKee, 2009DIETHELM, P.; McKEE, M. Denialism: what is it and how should scientists respond? European Journal of Public Health, Oxford, UK, v. 19, n. 1, p. 2-4, 2009. DOI: https://doi.org/bsvzdx.
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; Lee, 2012; Oreskes; Conway, 2010ORESKES, N.; CONWAY, E. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York: Bloomsbury Press, 2010.).

Usado na maioria das vezes para desqualificar adversários ideológicos ou deslegitimar pontos de vista alheios, torna-se necessário fazer a diferenciação do negacionismo e de alguns conceitos que a ele se assemelham, a fim de esclarecermos do que precisamente se trata. Defini-lo em sua complexidade evitará seu uso inflacionado, generalizado ou inapropriado. Neste caminho, algumas questões podem ser suscitadas: o negacionismo implica em algum funcionamento psicopatológico ou, ao contrário, se enquadra em um tipo de cognição motivada, ao qual todos estão sujeitos, em condições normais? Ele é uma forma de ceticismo, tão fundamental para o questionamento filosófico e científico, quanto para investigações judiciais? Ou se assemelha mais à obstinação e à teimosia? Negacionistas são geralmente ignorantes sobre o que negam ou, ainda que tenham conhecimento de causa, podem negar fatos bem estabelecidos? Há uma relação entre negacionismo e baixa escolaridade, ou pessoas muito escolarizadas também podem ser negacionistas? Seria possível distinguir um negacionismo profissional, imbuído de má fé, de um negacionismo inocentemente convicto? Quais são os critérios psicológicos e epistêmicos para designar alguém como negacionista?

A independência intelectual é um dos objetivos da educação científica. O desenvolvimento do pensamento crítico exige dos sujeitos a capacidade de argumentar, analisar posições contrárias e refutá-las, se necessário, e também, de criticar as próprias posições. É uma questão importante para o ensino da ciência e para sua divulgação compreender os mecanismos psicológicos que promovem a desconfiança dela e a resistência a fatos estabelecidos. O engajamento em processos metacognitivos exerce papel fundamental para o letramento científico (Cassiani; Selles; Ostermann, 2022CASSIANI, S.; SELLES, S.; OSTERMANN, F. Negacionismo científico e crítica à ciência: interrogações decoloniais. Ciência & Educação, Bauru, v. 28, e22000, p. 1-12, 2022. DOI: https://doi.org/jtkd.
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).

Compreender o negacionismo científico em toda a sua complexidade e nuances é de suma importância tanto por razões teóricas quanto práticas. Do ponto de vista teórico, o estudo do negacionismo traz uma perspectiva esclarecedora que contribui para a educação em ciência da mesma forma que o estudo de falácias contribui para o nosso conhecimento da lógica informal e da argumentação racional (Hansson, 2021). Do ponto de vista prático, o entendimento das engrenagens psicológicas do negacionismo é importante para a orientação de decisões na vida pública, tais como a adoção de determinadas políticas, ou na esfera privada, como a aquisição de hábitos.

No processo de letramento científico, saber distinguir as diferenças entre a argumentação de peritos científicos especializados e a opinião de proponentes de alegações cientificamente não fundamentadas é essencial. O desenvolvimento de ferramentas e práticas para distinguir controvérsias científicas legítimas de tentativas de vender afirmações pseudocientíficas como ciência é tarefa central da educação em ciência. Considerando as alegações acima, o objetivo do presente artigo é elucidar o negacionismo científico e trazer luz a algumas confusões epistêmicas dele engendradas que dificultam a educação científica.

Método

A argumentação foi construída a partir da diferenciação de tipos de negação proposta por Stanley Cohen (Cohen, 2001COHEN, S. States of denial: knowing about atrocities and suffering. Cambridge, UK: Polity Press, 2001.). Em seguida, as formas compartilhadas socialmente de negação que orquestram o negacionismo enquanto movimento coletivo são abordadas e discriminadas de conceitos próximos. Para tal caracterização, diversos autores foram estudados: Dan Kahan (Kahan, 2010KAHAN, D. Fixing the communications failure. Nature, London, n. 463, p. 296-297, 2010.), Lee McIntyre (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.), Stephen Lewandowsky e Klaus Oberauer (Lewandowsky; Oberauer, 2016LEWANDOWSKY, S.; OBERAUER, K. Motivated rejection of science. Current Directions in Psychological Science, Thousand Oaks, v. 25, n. 4, p. 217-222, 2016.), Robert Proctor e Londa Schiebinger (Proctor; Schiebinger, 2008PROCTOR, R; SCHIEBINGER, L. Agnotology: the making and unmaking of ignorance. Redwood City: Stanford University Press, 2008.) e Michael Shermer (Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.). Essa incursão resultou na necessidade de afirmar a importância da metacognição nas dinâmicas educativas em ciência, com especial ênfase na comunicação científica para um público leigo.

Psicologia da negação e negacionismo

Para definir e exemplificar o negacionismo científico enquanto movimento coletivo embasado em crenças errôneas e compartilhadas a respeito da ciência é preciso, num primeiro momento, compreender a psicologia da negação no âmbito individual.

De um ponto de vista mais literal, a primeira situação envolvendo uma negação, e a mais simples delas, é quando se nega aquilo que não ocorreu ou que realmente não existe. Nesse caso, a negação procede e é verdadeira e legítima. Também é possível negar, deliberada e conscientemente, algo que existe ou que ocorreu para, se abster de suas consequências, se a realidade fosse admitida. Neste caso, o comportamento de negação equivaleria a uma mentira intencional (Cohen, 2001COHEN, S. States of denial: knowing about atrocities and suffering. Cambridge, UK: Polity Press, 2001.). Porém, entre estes dois polos, há estados mentais mais sutis, numa zona intermediária onde se sabe das coisas pela metade. A inconveniência da informação e os afetos negativos provocados por ela alimentam uma condição psicológica particular: ainda que se tenha acesso à realidade ou a partes dela, busca-se ignorá-la. Quando isso acontece, temos vagamente a noção do desconforto provocado, mas a escolha por não olhar com escrutínio para os fatos não é inteiramente consciente e uma postura evasiva é adotada (Cohen, 2001COHEN, S. States of denial: knowing about atrocities and suffering. Cambridge, UK: Polity Press, 2001.).

Stanley Cohen (Cohen, 2001COHEN, S. States of denial: knowing about atrocities and suffering. Cambridge, UK: Polity Press, 2001.) distingue uma negação literal, onde a recusa pelo reconhecimento de um fato é absoluta, de outras formas mais sutis: por exemplo, na negação interpretativa, a existência do fato não é negada, porém malabarismos cognitivos são feitos de modo a minimizá-lo, através da atribuição de um significado alternativo em forma de eufemismo. Já no que ele denominou de negação implicatória, há a abstenção de responsabilização perante os próprios atos. Em processo análogo à negação implicatória, a ignorância estratégica se refere à evitação de informações sobre consequências adversas de decisões que envolvam interesses pessoais, sendo recorrentes, por exemplo, em casos de corrupção, comportamentos antissociais e até na execução de atrocidades, com o objetivo de legitimar os próprios atos. Mais adiante, elucidaremos as diferenças entre negacionismo e ignorância.

A negação deve sua popularidade à Psicanálise, que a concebia como um mecanismo de proteção ao ego. Mais especificamente, o conteúdo reprimido de uma ideia ou de uma imagem poderia abrir caminho até a consciência, sob a condição de ser negado. A negação refere-se a um mecanismo de defesa, em grande parte inconsciente, pelo qual uma pessoa não quer entrar em contato com algum sentimento, pensamento, desejo ou questão psicológica que traga desconforto e angústia, negando-a (Freud, 2011FREUD, S. A negação. In: FREUD, S. Sigmundo Freud: o eu e o id, autobiografia e outros textos (1923-19135): obras completas, volume 16. 10. ed. São Paulo, Companhia das Letras, 2011. p. 249-255.).

Em outra acepção, a negação é um processo psicológico recorrente em condições consideradas inaceitáveis para a autoidentidade, como o alcoolismo, o abuso e a dependência de drogas, o jogo excessivo ou a degradação de relacionamentos significativos. O caso mais extremo seria a negação dita maligna, em que as pessoas ignoram completamente sua condição física, com danos potencialmente irreversíveis – como nos casos de pessoas portadoras do vírus do HIV que negavam o diagnóstico da AIDS, expondo outros (Kalichman, 2009KALICHMAN, S. Denying Aids: conspiracy theories, pseudoscience and human tragedy. New York: Copernicus Books, 2009.). Evitar consultar médicos e recusar o tratamento também é uma marca desse tipo de negação.

Por outro lado, estar em negação se distingue de alimentar pensamentos positivos a partir de um otimismo irrealista, a despeito de haver um denominador comum entre as duas situações: a busca de satisfação de necessidades emocionais (Bardon, 2020). O otimismo irrealista se refere à tendência humana de acreditar que adversidades ocorrem com maior frequência com outras pessoas do que consigo (Weinstein, 1989WEINSTEIN, N. Optimistic biases about personal risks. Science, Washington, DC, v. 246, n. 4935, p. 1232-1233, 1989.). Uma pessoa pode desejar e acreditar que outra esteja atraída por ela, mesmo sem indícios disso, indicando otimismo irrealista ou ilusão positiva. Isso se torna uma negação quando houver um conjunto sólido de indícios que a pessoa não está nem um pouco interessada; por exemplo, se a orientação sexual dela for explicitamente outra (Bardon, 2020).

Ilusões positivas podem ser adaptativas, com poderosos mecanismos de defesa psicológica, que operam distorcendo informações negativas de modo a atenuar seu impacto – o que foi denominado de sistema imunológico psicológico (Gilbert et al., 1998GILBERT, D. T.; PINEL, E. C.; WILSON, T. D.; BLUMBERG, S. J.; WHEATLEY, T. P. Immune neglect: a source of durability bias in affective forecasting. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, DC, v. 75, n. 3, p. 617-618, 1998. DOI: https://doi.org/10.1037//0022-3514.75.3.617.
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). Tal como o sistema imunológico que garante proteção ao corpo, evitando que substâncias estranhas e patógenos afetem a saúde, o sistema imunológico psicológico protege de ameaças ao equilíbrio mental. Ele tem um papel importante, por exemplo, na implementação de estratégias de enfrentamento e na atenuação do estresse e burnout em profissionais da saúde que lidam com casos graves. O pensamento positivo se transforma em negação quando evidências vão sendo coletadas na direção oposta daquilo que se deseja e, contudo, são ignoradas.

A negação inclui aspectos cognitivos, como o não reconhecimento de fatos fortemente evidenciados, aspectos afetivos, com distanciamento de eventuais perturbações emocionais, dimensões éticas – como não reconhecer a responsabilidade moral diante de situações que prejudiquem outras pessoas – e aspectos comportamentais, como a omissão em situações de risco (Cohen, 2001COHEN, S. States of denial: knowing about atrocities and suffering. Cambridge, UK: Polity Press, 2001.).

Outra distinção a ser salientada é entre a negação e as ilusões provenientes de transtornos psiquiátricos, como no caso da esquizofrenia, e entre a negação e os aspectos sintomáticos de traumatismos cerebrais ou doenças neurológicas (Bardon, 2020), como na lesão no corpo caloso, a síndrome do membro fantasma, a síndrome de Fregoli, a síndrome de Capgras ou a síndrome de Cotard. Os exemplos anteriores pertencem à esfera da psicopatologia; a negação e, por extensão, o negacionismo não se relacionam a nenhum tipo de transtorno, e sim, ao raciocínio motivado para a defesa de crenças e posicionamentos ideológicos (Kahan, 2017KAHAN, D. Misconceptions, misinformation, and the logic of identity-protective cognition. Cultural Cognition Project Working Paper Series, Rochester, US, n. 164, p. 1-9, 2017.; Lewandowsky; Oberauer, 2016LEWANDOWSKY, S.; OBERAUER, K. Motivated rejection of science. Current Directions in Psychological Science, Thousand Oaks, v. 25, n. 4, p. 217-222, 2016.).

Contudo, como destacado pelo neurologista Robert A. Burton, os exemplos extremos de mau funcionamento do cérebro ajudam a compreender o funcionamento do cérebro sob circunstâncias ditas normais:

Seria a certeza do esquizofrênico de que os marcianos estão ouvindo os pensamentos dele, um indício das origens de nossa percepção de convicção? Apesar de como sentimos a certeza, ela não é nem uma escolha consciente, nem mesmo um processo de pensamento. A certeza e os processos similares de saber o que sabemos nascem de mecanismos cerebrais involuntários que, como o amor ou a raiva, funcionam independentemente da razão (Burton, 2008, p. 11BURTON, R. Sobre ter certeza: como a neurociência explica a convicção. São Paulo: Ed. Blucher, 2017.).

Negacionismo histórico e negacionismo científico

A negação não se limita à esfera individual e pode ser compartilhada, tomando a forma de movimentos coletivos organizados. Rousso (1987)ROUSSO, H. Le syndrome de Vichy: de 1944 à nos jours. Paris: Seuil, 1987., ao se referir a grupos e indivíduos que negavam o extermínio em massa dos judeus durante o regime nazista, usou o termo negacionismo para descrever os que se viam como fundadores da denominada Escola Revisionista (Jesus, 2006JESUS, C. Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória. São Paulo: Editora Unesp, 2006.; Rousso, 1987ROUSSO, H. Le syndrome de Vichy: de 1944 à nos jours. Paris: Seuil, 1987.). Como de praxe em movimentos negacionistas, eles pretendiam conferir credibilidade intelectual às suas alegações, ainda que fossem fruto de falsificação e distorção de evidências (Shermer; Grobman, 2000SHERMER, M.; GROBMAN, A. Denying history: who says the holocaust never happened and why do they say it? Berkeley: University of California Press, 2000.). O discurso ancorado na ideia de que toda verdade histórica é relativa, que documentos são parciais e de que não há como estabelecer uma interpretação definitiva em História, tinha a pretensão não somente de contestar os dados, mas até a existência do genocídio. O revisionismo histórico, na tentativa de reinterpretar fatos bem evidenciados através de métodos duvidosos, passou a ser designado como negacionismo nos meios acadêmicos (Jesus, 2006JESUS, C. Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória. São Paulo: Editora Unesp, 2006.). O termo mostrou-se apropriado, uma vez que o verdadeiro intento do revisionismo histórico não era fazer uma revisão crítica bem fundamentada dos fatos e sim redimir os crimes de guerra nazistas (Jesus, 2006JESUS, C. Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória. São Paulo: Editora Unesp, 2006.).

O mesmo fenômeno se repete na ciência. O negacionismo científico se refere ao estado psicológico de autoengano em relação às causas reais das próprias crenças, a despeito de fortes evidências científicas contrárias, fazendo com que a verdade factual seja distorcida em nome da proteção identitária e de ideologias estimadas (Kahan, 2013KAHAN, D. Ideology, motivated reasoning, and cognitive reflection. Judgment and Decision Making, Tallahassee, US, v. 8, n. 4, p. 407-424, 2013. DOI: https://doi.org/grn84t.
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). Isto significa que as justificativas fornecidas para explicar determinados posicionamentos se tornam imunes a evidências. Os mecanismos psicológicos e sociais que impelem a rejeição da ciência, como o processamento superficial da evidência rumo a uma conclusão desejada, são encontrados independentemente da orientação política (Lewandowsky; Oberauer, 2016LEWANDOWSKY, S.; OBERAUER, K. Motivated rejection of science. Current Directions in Psychological Science, Thousand Oaks, v. 25, n. 4, p. 217-222, 2016.). Ou seja, o negacionismo não se limita a um tipo de ideologia específica.

Os consensos científicos são incessantemente desafiados e isso é parte do processo de validação do conhecimento científico. O negacionismo científico ocorre quando a crítica ao consenso tem um embasamento frágil ou mesmo, é inexistente (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.). Isso significa que os defensores de determinada tese insistem em sua validade, mesmo depois que seus argumentos são refutados. Nesse contexto, a abertura mental e o rigoroso ceticismo característicos da ciência são substituídos pela inflexível certeza do engajamento ideológico (Bardon, 2019BARDON, A. The truth about denial: bias and self-deception in science, politics and religion. Oxford, UK: Oxford University Press, 2019.).

Algumas especificidades tornam esses movimentos, em muitos aspectos, análogos a seitas (Gorman; Gorman, 2017GORMAN, S.; GORMAN, J. Denying to the grave: why we ignore the facts that will save us. New York: Oxford University Press, 2017.; Lifton, 2019LIFTON, R. Losing reality: on cults, cultism, and the mindset of political and religious zealotry. New York: The New Press, 2019.): a presença de um líder carismático, desconforto psicológico diante de realidades complexas, extremismo emocional, dogmatismo, impermeabilidade às evidências e aos mecanismos de correção. O ethos comum da desconfiança fundamenta teorias e discursos conspiracionistas que imputam à ciência interesses e motivações políticas (Lewandowsky; Oberauer, 2016LEWANDOWSKY, S.; OBERAUER, K. Motivated rejection of science. Current Directions in Psychological Science, Thousand Oaks, v. 25, n. 4, p. 217-222, 2016.), propagando insegurança e medo e produzindo falsas controvérsias (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.; Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.).

Julgamentos sociais, percepções e interpretações factuais são guiadas pelo desejo de ver o mundo da forma como as pessoas gostariam que fosse (Bardon, 2020). Isso faz com que elas selecionem, interpretem e avaliem as informações que lhes chegam através de um filtro ou de uma lente que proporcione um maior conforto psicológico e menor custo cognitivo (Kahan, 2013KAHAN, D. Ideology, motivated reasoning, and cognitive reflection. Judgment and Decision Making, Tallahassee, US, v. 8, n. 4, p. 407-424, 2013. DOI: https://doi.org/grn84t.
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). Esse processo torna difícil mudar alguém que carregue uma forte convicção, tornando mais provável que se afaste e questione as fontes se os fatos apresentados contrariarem suas crenças, ao invés de questionarem a validade delas. Ainda que uma sólida argumentação embasada na lógica seja exposta, possivelmente a pessoa com uma forte convicção se retrairá, especialmente se o seu investimento afetivo na crença for significativo (Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.).

Confusões epistêmicas envolvendo negacionismo científico

Antes de distinguir o negacionismo de alguns conceitos que com ele se confundem, é fundamental ressaltar que o questionamento da ciência e a exigência de que ela não seja metodologicamente frágil é legítimo e benéfico para seu avanço. O problema da demarcação entre ciência e pseudociência é parte da tarefa maior de determinar quais crenças são epistemicamente justificadas, para se distinguir a boa da má ciência (Hansson, 2013HANSSON, S. Defining pseudoscience and science. In: PIGLIUCCI, M.; BOUDRY, M. Philosophy of science: reconsidering the demarcation problem. Chicago: The University Chicago Press, 2013. p. 61-77.; Popper, 2018POPPER, K. Conjeturas e refutações. Lisboa: Edições 70, 2018.).

Porém, criticar a má ciência e questionar a validade da ciência como um todo são coisas absolutamente distintas. A desconfiança emerge, frequentemente, devido à ineficiência de muitos cientistas em comunicar seus objetos e métodos de pesquisa. Ironicamente, muitos que divulgam a ciência não raro o fazem sem estudar os métodos mais eficazes para que ela seja bem ouvida e bem compreendida (Kahan; Dollard, 2017KAHAN, D.; DOLLARD, E. K. On the sources of ordinary science knowledge and extraordinary science ignorance. In: JAMIESON, K.; D. KAHAN; D. A.; SCHEUFELE, D. A. (org). The Oxford handbook of the science of science communication. New York, US: Oxford University Press, 2017. p. 35-49.). Isso tem contribuído para a situação atual, em que há uma disjunção significativa entre as visões do público leigo e as da comunidade científica (Weber; Stern, 2011WEBER, E.; STERN, P. Public understanding of climate change in the United States. American Psychologist, Washington, DC, v. 66, n. 4, p. 315-328, 2011. DOI: https://doi.org/dg82vr.
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), o que fomenta o crescimento de impasses políticos (Pooley, 2010POOLEY, E. The climate war: true believers, power brokers, and the fight to save the earth. New York, NY: Hyperion, 2010.).

Um grande paradoxo emerge desses impasses: nunca as sociedades humanas souberam tanto sobre como mitigar os perigos que enfrentam, porém com tão pouca concordância a respeito do que sabem (Kahan, 2015). Essa discrepância fortalece a persistência de conflitos em face de evidências científicas convincentes, e foi denominado de paradoxo da comunicação de ciência (Kahan, 2015). A ciência da comunicação em ciência visa suprir essa demanda e facilitar o acesso do grande público às evidências científicas. Entende-se por ciência da comunicação em ciência os estudos que fornecem ferramentas para melhorar a comunicação entre experts e público leigo, minimizando os múltiplos vieses aos quais todos estamos sujeitos nessa comunicação. Há, atualmente, manuais completos dessa nova ciência, como o The Oxford Handbook of the Science in Science Communication, organizado e editado por Jamieson, Kahan e Sheufele (2017)JAMIESON, K.; D. KAHAN; D. A.; SCHEUFELE, D. A. (org.). The Oxford handbook of the science of science communication. New York, US: Oxford University Press, 2017., que já é uma referência na área. O estudo do papel dos processos comunicativos da ciência tornou-se, portanto, prática científica.

Além disso, conflitos e tensões sobre o conhecimento aportado pela ciência surgem das próprias condições de liberdade individual e de pluralismo cultural que são pilares das sociedades democráticas liberais (Kahan, 2015). O crescimento do negacionismo científico, associado à divulgação de fake news e teorias conspiratórias, traz a educação em ciências para o centro da discussão, com o comprometimento com a formação de jovens para mobilizar criticamente o conhecimento científico (Cassiani; Selles; Ostermann, 2022CASSIANI, S.; SELLES, S.; OSTERMANN, F. Negacionismo científico e crítica à ciência: interrogações decoloniais. Ciência & Educação, Bauru, v. 28, e22000, p. 1-12, 2022. DOI: https://doi.org/jtkd.
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). Na formação de cidadãos críticos, torna-se relevante um Ensino sobre Ciência que os capacite a questionar a ciência e que os leve a entender como o conhecimento é estabelecido, como ele se mantêm ou como se modifica ao longo do tempo (Mendonça, 2020MENDONÇA, P. De que conhecimento sobre natureza da ciência estamos falando? Ciência & Educação, Bauru, v. 26, p. 1-16, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/1516-731320200003.
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). Mesmo afirmações embasadas e confiáveis podem conter ressalvas, de forma que seus significados se esclareçam somente quando for possível entender os métodos utilizados, bem como suas limitações (Allchin, 2017ALLCHINALLCHIN, D. Beyond the consensus view: whole science. Canadian Journal of Science and Mathematics and Technology Education, Heidelberg, v. 17, n. 1, p. 18-26, 2017. DOI: https://doi.org/10.1080/14926156.2016.1271921.
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).

Outra questão que se coloca é que cientistas têm seus vieses cognitivos, afetivos e ideológicos, cometem falhas e podem, inclusive, ser desonestos ou exercer abuso de poder (Kuhn, 2011KUHN, T. A tensão essencial: estudos selecionados sobre tradição e mudança científica. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.). Os exemplos de fraudes, erros e crimes cometidos pela ciência ao longo da história são abundantes. A defesa do uso da talidomida nos anos 1950 e 1960, apontada como solução para as náuseas da gravidez, levou milhares de bebês a nascerem deformados; o experimento de Tuskegee, em que homens negros com sífilis foram usados como cobaias para que os cientistas pudessem estudar o progresso natural da doença; as atrocidades cometidas por Josef Mengele durante o nazismo; a eugenia e o racismo científico com graves consequências para populações inteiras; diversas práticas de charlatanismo na ciência, dentre muitos outros exemplos, evidenciam o quão necessário e válido é criticá-la (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.; Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.; Specter, 2010SPECTER, M. Denialism: how irrational thinking harms the planet and threatens our lives. New York: Penguin, 2010.; Weikart, 2021WEIKART, R. De Darwin a Hitler: ética evolucionária, eugenia e racismo na Alemanha. Campinas, SP: Vide Editorial, 2021.).

A ciência se caracteriza por sua provisoriedade. Afirmar isso não é fomentar uma visão relativista e ingênua, equiparando-a a uma construção humana arbitrária e sem critério, nem tampouco é fornecer munição para desacreditá-la (Mendonça, 2020MENDONÇA, P. De que conhecimento sobre natureza da ciência estamos falando? Ciência & Educação, Bauru, v. 26, p. 1-16, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/1516-731320200003.
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). Porém, é preciso enfatizar que o negacionismo científico se dá num outro contexto psicológico: nega-se diante de evidências robustas que tornam a negação infundada. A seguir, vamos diferenciar o negacionismo de conceitos adjacentes.

Negacionismo e ceticismo

Como já visto, quando o método científico produz descobertas que põem em perigo o estilo de vida ou as visões de mundo de pessoas e grupos, quando colidem, por exemplo, com interesses corporativos, a resposta pública e política, com muita frequência, não é favorável (Oreskes; Conway, 2010ORESKES, N.; CONWAY, E. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York: Bloomsbury Press, 2010.; Specter, 2010SPECTER, M. Denialism: how irrational thinking harms the planet and threatens our lives. New York: Penguin, 2010.), deslizando para a negação aberta dos fatos científicos. Entretanto, essa negação é frequentemente reivindicada como sendo ceticismo, e não negacionismo (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.; Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.). Por isso, enfatizar a distinção entre o ‘verdadeiro’ ceticismo (aspecto central para se fazer ciência com credibilidade) e negacionismo é tão importante.

O ceticismo, em sua perspectiva de contraposição ao dogmatismo, é base do método experimental, a partir do qual a ciência se constituiu historicamente enquanto empreendimento epistêmico, social e institucional (Petralia Kropf, 2022PETRALIA KROPF, S. Negacionismo científico. In: SZWAKO, J.; RATTON, J. L. (org.). Dicionário dos negacionismos no Brasil. Recife: Cepe Editora, 2022. p. 201-204.). Negacionismo e ceticismo se alicerçam no ato de duvidar; o cético, contudo, duvida por não haver evidências suficientes que corroborem uma determinada hipótese ou crença. O negacionista, inversamente, duvida a despeito de muitas evidências apresentadas corroborando a hipótese (Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.). O ato de duvidar, nesse caso, apresenta uma impermeabilidade ao contraditório. Comportamento que, portanto, não se assemelha ao ceticismo científico ou filosófico, estando estes sempre abertos a reformulação de seus pressupostos (Popper, 2018POPPER, K. Conjeturas e refutações. Lisboa: Edições 70, 2018.).

Duvidar evita a queda em dogmatismos e absolutismos categóricos e é importante para o desenvolvimento do pensamento crítico (Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.). Contudo, a relação psicológica com a dúvida do cético é muito diferente da do negacionista. O cético duvida quando faltam evidências que sustentem uma ideia (McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.; Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.). Quando as evidências surgem, esse posicionamento é passível de mudança, pois a ideia de verdade provisória e o processo de tentativa e erro edificam a ciência. Em contrapartida, a posição do negacionista tende a permanecer firme na dúvida; eles duvidam, de forma seletiva, quando as evidências conflitam com os seus interesses (Bardon, 2019BARDON, A. The truth about denial: bias and self-deception in science, politics and religion. Oxford, UK: Oxford University Press, 2019.).

Negacionismo x Pseudociência

A reflexão sobre o que distingue o conhecimento científico de superstição, ideologia, e das pseudociências em geral trouxe à tona o problema da demarcação, que vem sendo discutido por autores diversos há tempos (Lakatos, 1977LAKATOS, I. Science and pseudoscience. In: LAKATOS, I. The methodology of scientific research programmes, volume 1: philosophical papers. London: Cambridge University Press, 1977. p. 20-45.; McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.; Popper, 2008; Shermer, 1997SHERMER, M. Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas. São Paulo: JSN Editora, 1997.). Como salientado por Lakatos (1977)LAKATOS, I. Science and pseudoscience. In: LAKATOS, I. The methodology of scientific research programmes, volume 1: philosophical papers. London: Cambridge University Press, 1977. p. 20-45., não se trata de mera especulação filosófica, e sim de um problema cuja relevância política e social é inquestionável.

Sendo a crença em pseudociências um fenômeno tão próximo do negacionismo científico, e, frequentemente, ambos se apresentando lado a lado, de que maneiras poderíamos distingui-los?

Primeiramente, é importante ressaltar que percepções e crenças podem ser verdadeiras ou falsas. A psicologia denomina de erro cognitivo do tipo um, os falsos positivos, e erro cognitivo do tipo dois, os falsos negativos (Wright, 2017WRIGHT, R. Por que o budismo funciona. Rio de Janeiro: Sextante, 2017.). O falso positivo é um alarme falso ou a detecção da presença de padrões que inexistem, incorporando a falsa percepção como experiência real. Por exemplo, quando uma pessoa confunde um galho de árvore com uma serpente e sai correndo, um falso alarme foi acionado. Ainda que este tipo de ilusão perceptual e interpretação equivocada leve a falsas crenças e induza a erros que podem ser muito graves – como suspeitar ou acusar um inocente de um crime que não cometeu – o erro cognitivo do tipo um é útil para a sobrevivência (Wright, 2017WRIGHT, R. Por que o budismo funciona. Rio de Janeiro: Sextante, 2017.).

O erro cognitivo do tipo dois, inversamente, refere-se ao contrário: a não detecção de um padrão ou estímulo que se apresenta, ou seja, a negação de algo que existe, ou a incredulidade em algo que é real. Tomar como teoria conspiratória, boato ou como fake news um acontecimento verdadeiro, isto é, não o detectar enquanto tal, é um exemplo deste tipo de erro (Van Proojen; Van Hugt, 2018van PROOIJEN, J. W.; van VUGT, M. Conspiracy theories: evolved functions and psychological mechanisms. Perspectives on Psychological Science, Thousand Oaks, v. 13, n. 6, p. 770-788, 2018.).

No primeiro exemplo, uma conexão equivocada é feita, levando a uma crença sem embasamento, ilustrando o mecanismo psicológico que rege a crença numa pseudociência. A astrologia é um exemplo de pseudociência e de erro cognitivo do tipo 1: conexões entre os astros e a personalidade humana levam a uma interpretação pseudocientífica da realidade, isto é, não testadas ou comprovadas pelo método científico. A crença em teorias conspiratórias ou a acusação de um inocente sem provas também são exemplos de falso alarme.

Em contrapartida, no erro cognitivo de tipo 2, uma conexão pertinente e legítima deixa de ser feita, levando o indivíduo a duvidar de um fato estabelecido. O negacionismo científico ilustra esse fenômeno: apesar do robusto conjunto de evidências que comprove a existência de um acontecimento, ele é negado. Por exemplo, mesmo chegando à triste marca de mais de 4 mil óbitos diários no auge da pandemia no Brasil, com hospitais lotados, escassez de insumos e de equipamentos básicos para atender à enorme demanda da população, as principais autoridades e muitos brasileiros e brasileiras afirmavam reiteradamente que a situação estava sob controle e que a suposta gravidade da doença era sensacionalismo da mídia e histeria coletiva.

Negacionismo x Ignorância

Muitos assumem que alguém que se declare antivacina padece com sua ignorância parcial ou total, uma escolaridade precária, um acesso restrito à informação, ou, ainda, uma inteligência limitada. Porém, essas hipóteses não descrevem bem a realidade. Pessoas inteligentes, com níveis elevados de renda, com uma educação formal de nível superior e acesso a informações não estão imunes a acreditar em ideias enganosas (Kahneman, 2012KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.). Ao contrário, elas se mostram extremamente eficientes na defesa de ideias negacionistas justamente devido a estas condições.

As diferenças individuais na cognição relacionadas à compreensão da ciência – da qual a curiosidade científica presumivelmente seria uma – não atenuam o processamento tendencioso de informações, mas o agravam (Kahan, 2017KAHAN, D. Misconceptions, misinformation, and the logic of identity-protective cognition. Cultural Cognition Project Working Paper Series, Rochester, US, n. 164, p. 1-9, 2017.). A ideia de que o problema fundamental no negacionismo científico é a falta de consciência ou de compreensão foi sistematizada no modelo de déficit de informação (Bardon, 2019BARDON, A. The truth about denial: bias and self-deception in science, politics and religion. Oxford, UK: Oxford University Press, 2019.), já ultrapassado, segundo o qual se as pessoas compreendessem as razões que justificam os consensos entre cientistas, não os rejeitariam. Um exame minucioso evidencia, contudo, que não é a ignorância que melhor justifica o negacionismo. A oposição à vacina é um exemplo marcante de como a educação é frequentemente ineficiente em convencer as pessoas de sua importância. Em todo o mundo, pais altamente educados e alfabetizados em ciência estão se recusando a vacinar seus filhos contra doenças contagiosas.

A ideologia política prediz as crenças das pessoas com muito mais acurácia do que o conhecimento formal científico (Kahan, 2014KAHAN, D. Vaccine risk perceptions and ad hoc risk communication: an empirical assessment. Rochester, NY: Social Science Research Network, 2014.). Indivíduos com orientação política conservadora, por exemplo, tendem a negar as causas antropogênicas do aquecimento global e a desconfiar de cientistas do clima, não por desconhecimento do fenômeno ou falta de informação, e sim pelo posicionamento ideológico. As evidências trazem à tona que leigos em ciência são perfeitamente capazes de compreender tanto a complexidade das pesquisas científicas quanto as incertezas que as acompanham e que caracterizam o desenvolvimento tecnológico e científico (Pouliot; Godbout, 2014POULIOT, C.; GODBOUT, J. Thinking outside the “knowledge deficit” box: scientists could achieve more fulfilled professional lives by embracing the skills needed for effective interaction with the public. EMBO Reports, Heidelberg, v. 15, n. 8, p. 833-835, 2014.). Porém, selecionam as informações compatíveis com suas crenças (Bardon, 2019BARDON, A. The truth about denial: bias and self-deception in science, politics and religion. Oxford, UK: Oxford University Press, 2019.; McIntyre, 2019McINTYRE, L. The scientific attitude: defending science from denial, fraud and pseudoscience. Massachusets: The MIT Press, 2019.). Há negacionismo científico inclusive nas comunidades científicas. Portanto, ele não deve ser visto como resultado da ignorância, mas, ao contrário, como responsável por produzi-la (Petralia Kropf, 2022PETRALIA KROPF, S. Negacionismo científico. In: SZWAKO, J.; RATTON, J. L. (org.). Dicionário dos negacionismos no Brasil. Recife: Cepe Editora, 2022. p. 201-204.).

Negacionismo x Agnotologia

Outra distinção importante a se fazer é entre um negacionismo inocente ou amador, daquele que de fato crê naquilo que diz, de um negacionismo profissional e manipulador. Neste último caso, o negacionismo constitui-se como projeto atrelado a interesses extracientíficos (Petralia Kropf, 2022PETRALIA KROPF, S. Negacionismo científico. In: SZWAKO, J.; RATTON, J. L. (org.). Dicionário dos negacionismos no Brasil. Recife: Cepe Editora, 2022. p. 201-204.). O ataque à autoridade, aos consensos e às instituições científicas torna o negacionismo uma ameaça à credibilidade da ciência como um todo e, no limite, confronta a própria democracia.

Nesse sentido, é oportuno lembrar do cenário nacional no enfrentamento da pandemia devido ao negacionismo estatal. A COVID-19 chegou até nós em meio a graves problemas estruturais de caráter político e social. O mundo testemunhou o desastre institucional e a fragilidade democrática em que vivia o Brasil (Dimenstein; Simoni; Londero, 2020DIMENSTEIN, M.; SIMONI, A.; LONDERO, M. Encruzilhadas da democracia e da saúde mental em tempos de pandemia. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, DF, v. 40, p. 1-16, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003242817.
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). A irrupção da pandemia agregou elementos como o descaso pelas normas sanitárias e o confronto explícito contra a ciência, favorecendo a transmissão do vírus através da não adesão às medidas de proteção sanitária e do consequente esgotamento dos sistemas de saúde. Mais do que isso: autoridades fizeram sistematicamente propaganda de remédios sem comprovação científica de eficácia clínica no tratamento contra a COVID-19, como a hidroxicloroquina, dentre outras ações graves.

É importante fazer menção, neste contexto, à agnotologia: o estudo da produção política e cultural deliberada da ignorância com fins ideológicos ou econômicos (Proctor; Schiebinger, 2008PROCTOR, R; SCHIEBINGER, L. Agnotology: the making and unmaking of ignorance. Redwood City: Stanford University Press, 2008.). Este conceito é central para a compreensão de agendas políticas organizadas para a propagação deliberada do negacionismo. A propaganda enganosa é um bom exemplo disto. A indústria do tabaco empregou uma série de estratégias no enfrentamento de movimentos antitabagistas, promovendo informações mentirosas sobre o cigarro, gastando fortunas para manter dados sobre os danos causados pelo fumo em segredo e, inclusive, contratando e cooptando cientistas para defender essas ideias e lhes dar ares de seriedade (Oreskes; Conway, 2010ORESKES, N.; CONWAY, E. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York: Bloomsbury Press, 2010.). A agnotologia se refere às manobras políticas e culturais praticadas por pessoas e grupos poderosos que se beneficiam da ignorância social por meio da manipulação de informações (Proctor; Schiebinger, 2008PROCTOR, R; SCHIEBINGER, L. Agnotology: the making and unmaking of ignorance. Redwood City: Stanford University Press, 2008.).

A agnotologia, portanto, ajuda a compreender formas mais sofisticadas e institucionalizadas de negacionismo; ao examinar, por exemplo, a maneira pela qual governos como o do Brasil, dos Estados Unidos e do Reino Unido desviaram o olhar público da falta de equipamentos e de manobras ocultas em plena crise sanitária, muitas vezes alegando, falsamente, seguir a ciência. Na verdade, adotavam estratégias como a da imunidade de rebanho1 1 Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, realizada pelo Senado Federal, aprovada em 26 de outubro de 2021, instituída com a finalidade de apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da Pandemia da COVID-19 no Brasil. No que concerne ao tema do presente trabalho, a CPI investigou a interferência política na orientação de tratamentos sem comprovação científica, o crime de charlatanismo e a divulgação de notícias falsas. e outras que se revelaram perniciosas.

A experiência global da COVID-19 enfatizou as desigualdades existentes e o papel central e desafiador de grandes líderes no combate ao negacionismo em tempos tão ameaçadores (Lee, 2020LEE, M. Covid-19: agnotology, inequality, and leadership. Human Resource Development International, Abingdon, UK, v. 23, n. 4, p. 333-346, 2020. DOI: https://doi.org/gg37bk.
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). Por outro lado, o negacionismo expressou interesses ideológicos de outras lideranças políticas, instrumentalizando inseguranças e medos que fomentaram o enfraquecimento de instituições como a Ciência e a Educação, e rotinizaram o caos que lhe serviu de sustentáculo (Petralia Kropf, 2022PETRALIA KROPF, S. Negacionismo científico. In: SZWAKO, J.; RATTON, J. L. (org.). Dicionário dos negacionismos no Brasil. Recife: Cepe Editora, 2022. p. 201-204.).

O termo pós-verdade vem sendo empregado para indicar um período histórico em que as pessoas tendem a priorizar argumentações consonantes com suas convicções e crenças, em detrimento de explicações baseadas em evidências científicas (McIntyre, 2018McINTYRE, L. Post truth. Cambridge, MA: The MIT Press, 2018.). Como consequência, múltiplas decisões importantes são mais influenciadas por impulsos emocionais e preferências ideológicas, sendo pautadas prioritariamente em impressões superficiais, ao invés de tomadas pelo escrutínio rigoroso e análise cuidadosa de argumentos racionais. O enfraquecimento da relevância da racionalidade é um terreno fértil para a instalação e proliferação de informações falsas e o enrijecimento ideológico. Alguns estão tão comprometidos com sua visão de mundo favorita que nem sequer pensam em questioná-la e podem, de fato, estar preparados para negar, mentir, enganar, ou evitar qualquer informação contraditória a fim de proteger suas crenças. Nessa perspectiva, os limites entre verdade e mentira se tornam embaçados e a autoridade epistêmica da ciência se enfraquece (Nichols, 2017NICHOLS, T. The death of expertise: the campaign against established knowledge and why it matters. New York: Oxford University Press, 2017.; Ylä-Anttila, 2018YLÄ-ANTTILA, T. Populist knowledge: ‘post-truth’ repertoires of contesting epistemic authorities. European Journal of Cultural and Political Sociology, Abingdon, UK, v. 5, n. 4, p. 1-33, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/23254823.2017.1414620.
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).

Nesse sentido, um ponto de interesse peculiar no desenvolvimento de retóricas populistas que desqualificam a ciência, é a chamada política da pós-verdade, que nutre uma relação ambivalente com a verdade e se baseia em sentimentos identitários, ao invés de fatos evidenciados (McIntyre, 2018McINTYRE, L. Post truth. Cambridge, MA: The MIT Press, 2018.). O ativismo online tem desempenhado um papel significativo na produção, no consumo e na transmissão de notícias falsas, e, por extensão, nas manifestações do comportamento e de posicionamentos ideológicos.

Pesquisas recentes em psicologia social destacam o impacto potencial de tais estratégias políticas que desafiam o conhecimento mainstream, mostrando que autoridades alternativas de conhecimento podem facilmente ofuscar qualquer evidência real em determinados contextos sociais e políticos (Nichols, 2017NICHOLS, T. The death of expertise: the campaign against established knowledge and why it matters. New York: Oxford University Press, 2017.). Ao se sentirem desconfortáveis com lacunas que impossibilitem o entendimento da realidade, humanos tendem a preenchê-las com quase qualquer coisa (Lewandowsky et al., 2015LEWANDOWSKY, S.; ORESKES, N.; RISBEY, J. S.; NEWELL, B. R.; SMITHSON, M. Seepage: climate change denial and its effect on the scientific community. Global Environmental Change, Oxford, UK, v. 33, 1-13, 2015.), evidenciando a importância das narrativas elaboradas. Além disso, tendem a acreditar nas alegações de conhecimento que confirmam suas visões de mundo socialmente construídas, em vez de avaliações sistemáticas da verdade (Kahan, 2010KAHAN, D. Fixing the communications failure. Nature, London, n. 463, p. 296-297, 2010.; Kahan et al., 2010KAHAN, D. M.; BRAMAN, D.; COHEN, G. L.; GASTIL, J.; SLOVIC, P. Who fears the HPV vaccine, who doesn’t, and why? an experimental study of the mechanisms of cultural cognition. Law and Human Behavior, Washington, DC, V. 34, N. 6, p. 501-516, 2010. DOI: https://doi.org/frpmv4.
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; Lewandowsky; Oberauer, 2016LEWANDOWSKY, S.; OBERAUER, K. Motivated rejection of science. Current Directions in Psychological Science, Thousand Oaks, v. 25, n. 4, p. 217-222, 2016.). Este fenômeno pôde ser claramente observado durante a pandemia da COVID-19 no Brasil no triênio 2020 a 2022.

O que aconteceu no Brasil durante a pandemia se assemelhou ao que foi denominado de era intelectual das trevas2 2 O termo foi proposto em contraposição ao Iluminismo, que gerou e produziu ideias democráticas geralmente aceitas, como a posição de Voltaire sobre a liberdade religiosa ou a visão de John Locke sobre o direito natural de um indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade. nos Estados Unidos, produzindo uma sociedade engajada na rejeição generalizada de fatos verificáveis e de dados científicos e na ameaça constante à democracia. O culto à ignorância e o desprezo pelo saber científico induziram ao desenvolvimento do que foi chamado de Epistemologia da Ignorância (Rose; Bartoli, 2020ROSE, L.; BARTOLI, T. Agnotology and the epistemology of ignorance: a framework for the propagation of ignorance as a consequence of technology in a balkanized media ecosystem. Postdigital Science and Education, Heidelberg, 2, p. 184-201, 2020. DOI: https://doi.org/mkcv.
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). A agnotologia se materializou em forma de propaganda sistemática contra a saúde pública, enfraquecendo a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas. O enfraquecimento da adesão popular a essas recomendações ficou bem evidenciado no estudo Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil (Ventura; Reis, 2021VENTURA, D.; REIS, R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. In: DIREITOS na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. São Paulo: Conectas, 2021. p. 6-31. Disponível em: https://tinyurl.com/42jt442j. Acesso em: 1 mar. 2024.
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), elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), assim como na Comissão Parlamentar de Inquérito da COVID-19 realizada em 2021 para investigar supostas omissões e irregularidades do governo no enfrentamento da pandemia.

Conclusão: as relações entre ética, educação e ciência

O negacionismo científico representa uma séria ameaça à nossa saúde, à sustentabilidade a longo prazo da civilização humana, assim como de nosso planeta. A relutância em considerar evidências empíricas ou mesmo a negação da ciência é uma enorme barreira à produção de um conhecimento técnico sólido, a uma comunicação sobre ciência eficiente e, consequentemente, ao exercício pleno de uma cidadania pautada em informações embasadas e na responsabilidade e maturidade cívicas.

Apesar de as comunidades médica e científica terem alertado sobre a gravidade do coronavírus e da necessidade de se adotar medidas inéditas para combatê-lo e limitar o potencial catastrófico de seu impacto, instalou-se no Brasil um negacionismo estatal que, ao contrário, agia como verdadeiro cúmplice do vírus. Este caso está longe de ser o primeiro que ilustra os potenciais efeitos nefastos do negacionismo científico em vidas humanas, mas tornou-se emblemático dos perigos da alienação pública. Nesse contexto, o imperativo de compreender o que significa o método científico e a importância da ciência apresentou-se de forma categórica.

A democratização da informação e a popularização progressiva da ciência trazem efeitos colaterais: o acesso facilitado também à desinformação, acentuando, por conseguinte, a desconfiança em relação a ela. Diante do avanço significativo do negacionismo científico e da circulação crescente de teorias conspiratórias e fake news, a educação em ciência tem ainda inúmeros desafios a enfrentar. É possível observar que questionamentos legítimos acerca da ciência são distorcidos e utilizados para enfraquecê-la e depreciá-la. Como pertinentemente indagaram Vilela e Selles (2020, p. 1725)VILELA, M. L.; SELLES, S. E. É possível uma educação em ciências crítica em tempos de negacionismo científico? Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 37, n. 3, p. 1722-1747, 2020.: “[...] em que medida os discursos que operam com uma visão crítica da ciência, tem impactos sobre a sociedade, em detrimento de sua contribuição ao conhecimento e à visão de mundo dos estudantes?” Embora o letramento científico inegavelmente empodere os cidadãos, calibrar uma visão crítica da ciência sem dar força ao negacionismo nem sempre é algo simples.

Valorizá-la não impede de criticá-la contundentemente quando necessário. O respeito autêntico pela autoridade epistêmica da ciência se alicerça numa compreensão metacognitiva de como se constitui o pensamento científico. Negar evidências robustas pode acarretar em enormes prejuízos para nossas vidas. A banalização das mortes e das sequelas causadas pela doença durante a pandemia da COVID-19 fez com que o estudo da psicologia da negação e do negacionismo científico se tornasse imprescindível para que a história não se repita futuramente. Como bem afirmou a professora de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Deisy Ventura: “Negar um genocídio é semear o seguinte” (Ventura, 2023VENTURA, D. Negar um genocídio é semear o seguinte. São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos, 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/ms5vxayk. Acesso em: 1 mar. 2024.
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).

  • 1
    Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, realizada pelo Senado Federal, aprovada em 26 de outubro de 2021, instituída com a finalidade de apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da Pandemia da COVID-19 no Brasil. No que concerne ao tema do presente trabalho, a CPI investigou a interferência política na orientação de tratamentos sem comprovação científica, o crime de charlatanismo e a divulgação de notícias falsas.
  • 2
    O termo foi proposto em contraposição ao Iluminismo, que gerou e produziu ideias democráticas geralmente aceitas, como a posição de Voltaire sobre a liberdade religiosa ou a visão de John Locke sobre o direito natural de um indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2023
  • Aceito
    08 Out 2023
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