Resumo:
Neste artigo investigamos os signos produzidos no desenvolvimento de uma atividade de modelagem e, a partir desses signos, inferimos em que aspectos a matemática é percebida por alunos de uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental. Nossas reflexões estão baseadas na modelagem matemática como uma alternativa pedagógica e na teoria da percepção sob um viés da semiótica peirceana. Para isso, nos debruçamos nos signos escritos, falados e gesticulados de uma turma de sete alunos de uma escola privada do estado do Paraná. Do ponto de vista semiótico, evidenciamos que os alunos se valem de gestos para se remeter a um objeto matemático e de simplificações para aproximar uma situação da realidade para o contexto matemático, considerando seus conhecimentos. Diante da interação com uma situação da realidade, concluímos que a percepção da Matemática ocorre de maneira singular e compartilhada entre os alunos que desenvolveram a atividade.
Palavras-chave: Educação matemática; Ensino fundamental; Semiótica; Conhecimento matemático
Abstract:
In this paper, we examine the signs produced during the development of a modeling activity and how 9th-grade elementary school students perceive mathematics. Our reflections were based on mathematical modeling as a pedagogical alternative, as well as Peirce’s semiotic perception theory. We have focused on the written, spoken, and gestured signs of seven students from a private school in Paraná State, Brazil. From a semiotic perspective, we demonstrated that students use gestures to refer to a mathematical object and simplifications to approximate a real-life situation in a mathematical context, which allows them to perform a mathematization using their knowledge. When confronted with a real-world situation, we concluded that the students who created the activity perceive mathematics in a distinct and shared way.
Keywords: Mathematics education; Elementary school; Semiotics; Mathematical knowledge
Introdução
Em aulas de Matemática, há casos em que os alunos questionam: para que serve isso? ou ainda, onde vou usar isso na minha vida? De modo a respaldar esses questionamentos do uso pragmático da Matemática, a modelagem matemática, no âmbito da Educação Matemática, tem sido difundida como uma abordagem metodológica que possibilita ensinar Matemática por meio da problematização de situações que podem estar inseridas no dia a dia dos alunos (Almeida; Silva, 2012; Bassanezi, 2002; Blum; Ferri, 2016; Burak, 1992; Niss; Blum, 2020; Pollak, 2015; Stillman, 2015).
Entendemos que, em uma atividade de modelagem, parte-se de uma situação inicial, sob a qual se define um problema para ser investigado, se utilizam procedimentos matemáticos e se obtém uma solução para a situação inicial (Almeida; Silva; Vertuan, 2012). Ao considerar um ensino de qualidade proporcionado pela modelagem matemática, Blum (2011, p. 22, tradução nossa) destaca a possibilidade de estimular “[...] atividades cognitivas e metacognitivas, que promovem a independência dos alunos para lidar com erros de forma construtiva”. Essas atividades correspondem a ações conscientes dos alunos que consistem em procedimentos que uma pessoa realiza com um objetivo cognitivo, como o entendimento de uma situação problemática, a interpretação de informações, a organização de ideias com o objetivo de pensar sobre a situação, além do automonitoramento utilizado na resolução de um problema (Almeida; Silva, 2012).
O estímulo a essas ações pode ser proporcionado quando o aluno percebe a matemática que está utilizando para resolver um problema de modelagem. Segundo Santaella (2012, p. 77), “perceber é estar diante de algo, no ato de estar, enquanto acontece”. Conjecturamos que o ato de perceber pode se fazer presente em um problema de modelagem, pois os encaminhamentos que, de modo geral, permeiam a solução do problema possibilitam que “[...] os alunos interpretem o problema e tenham escolhas no processo de solução” (Bliss; Libertini, 2016, p. 12, tradução nossa). Ao atentar-se às ações cognitivas e metacognitivas dos alunos na percepção da matemática, o professor pode inferir sobre o conhecimento matemático, uma vez que, trabalhando em grupos, os alunos produzem signos escritos, falados e gesticulados que podem se remeter a objetos matemáticos que emergem da atividade.
Para uma análise dos signos usados ou produzidos em uma atividade de modelagem de modo a que possamos evidenciar a percepção da matemática pelos alunos, temos nos respaldado na semiótica peirceana. Nela, a percepção integra três dimensões: sensória, física e cognitiva. A dimensão sensória trata do signo que representa, de certa forma e capacidade, uma parte física da percepção – o objeto. O objeto, segundo Peirce (2005, p. 48), é “[...] uma coisa singular existente e conhecida ou que se acredita tenha anteriormente existido ou que se espera venha a existir”, que pode ser representado para alguém (intérprete) por meio de um signo. Os objetos matemáticos, por exemplo, somente são acessíveis por meio de um signo, configurando a dimensão sensorial da percepção. O signo pode gerar na mente do intérprete um processo racional mediado por um outro signo, chamado interpretante (Peirce, 1972). O interpretante consiste na parte cognitiva da percepção.
Com foco em investigar a parte cognitiva da percepção é que nos debruçamos em analisar os signos que alunos do Ensino Fundamental produzem quando desenvolvem uma atividade de modelagem matemática visando inferir sob quais aspectos percebem a Matemática. Para trazer reflexões para esse objetivo nos valemos de uma análise qualitativa de cunho interpretativo (Bogdan; Biklen, 1994), subsidiada no processo de triangulação, dos signos produzidos por uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola privada do norte do Paraná no desenvolvimento de uma atividade de modelagem matemática.
As reflexões para o objetivo da pesquisa são apresentadas neste artigo, que está organizado em cinco seções subsequentes. Primeiramente, nas próximas duas seções tratamos dos aportes teóricos que regem nossa investigação, que consistem em nossos entendimentos sobre modelagem matemática e aspectos da semiótica que subsidiam a teoria da percepção. Na terceira seção subsequente, tratamos dos aspectos metodológicos que consideramos para a pesquisa. Uma descrição do desenvolvimento da atividade de modelagem com os alunos do 9º ano, bem como a análise à luz do quadro teórico, são apresentadas na seção seguinte. Finalizamos o texto tecendo algumas considerações, seguidas das referências.
Modelagem na educação matemática
Em levantamento bibliográfico em âmbito internacional realizado por Kaiser e Sriraman (2006) e, posteriormente, por Blum (2015), foram evidenciadas diferentes perspectivas para a modelagem na Educação Matemática. Em nossos estudos temos nos pautado pelo entendimento de que se trata de uma alternativa pedagógica orientada pela busca de solução para uma situação inicial (problemática) cuja origem está, de modo geral, associada a uma situação da realidade (Almeida; Silva; Vertuan, 2012). Esse entendimento vai ao encontro da perspectiva educacional apontada por Kaiser e Sriraman (2006), em que a modelagem é caracterizada como uma abordagem didática e/ou conceitual em que é possível estruturar e promover o ensino e a aprendizagem e/ou introduzir e desenvolver conceitos.
Defronte desse entendimento, concordamos com Niss e Blum (2020, p. 28, tradução nossa) que a modelagem deve ser empregada “[...] sobretudo para apoiar o aprendizado da matemática, oferecendo motivação para seu estudo, bem como interpretação, significado, compreensão adequada e retenção sustentável de seus conceitos, resultados, métodos e teorias”. Para isso, nos subsidiamos no fato de que, no desenvolvimento de uma atividade de modelagem, de modo geral, se fazem necessárias ações e procedimentos com o objetivo de se chegar a uma solução para um problema oriundo de uma situação inicial da realidade sob um viés matemático. Stillman (2015, p. 47, tradução nossa), ao discutir sobre a proposição de problemas no ensino, elencou ações que os alunos se envolvem no desenvolvimento de uma atividade de modelagem:
(a) formular uma questão específica a ser respondida matematicamente, (b) especificar suposições, (c) identificar as informações ou variáveis importantes, (d) modelar diferentes aspectos das relações, (e) gerar relações, (f) reconhecer padrões e relações, (g) selecionar relações, (h) fazer estimativas, (i) validar resultados, (j) interpretar resultados e (k) comunicar resultados.
Segundo Stillman (2015, p. 47, tradução nossa), em cada uma das ações supracitadas, os modeladores envolvidos com o desenvolvimento da atividade de modelagem “precisam refletir sobre o que estão fazendo”, vinculando continuamente matemática e situação real. Ou seja, estar consciente de suas ações com um objetivo cognitivo, em que é preciso considerar que o aluno
[...] ao se deparar com a situação real (situação inicial), identifica suas intenções e suas limitações para o desenvolvimento da atividade e a busca da situação final (uma resposta para o problema). Diante da atividade intencional, o indivíduo realiza ações cognitivas tanto implicitamente (por meio de procedimentos) como explicitamente (por meio de representações, de modo geral, simbólicas). A interação entre conhecimento matemático e conhecimento extramatemático, em certa medida, serve de pano de fundo para as ações cognitivas destinadas a apresentarem e explicarem a situação em estudo (Almeida; Silva, 2012, p. 628).
Neste sentido, a modelagem matemática reestrutura o ambiente educacional no qual são favorecidas ações cognitivas em que a centralidade está no aluno, de modo a que se sinta parte da abordagem didática e ‘enxergue’ a presença da matemática, seja para trazer solução ao problema em estudo, seja para evidenciar meios para chegar na sua solução. Segundo Blum e Niss (1991, p. 39, tradução nossa), a modelagem matemática “[...] estrutura e cria uma parte da realidade, dependente do conhecimento, das intenções e dos interesses de quem soluciona o problema”. Assim, podemos considerar que intenções e interesses são aspectos que auxiliam a colocar o aluno na centralidade de uma atividade de modelagem. Para Bassanezi (2002, p. 15), o aluno pode passar a gostar da matemática “[...] quando é movido por interesses e estímulos externos à Matemática, vindos do ‘mundo real’”.
Em pesquisa recente, de certo modo subsidiada nos apontamentos supracitados, foi destacado que abarcar temas/problemas do interesse do aluno em atividades de modelagem, podem despertar a curiosidade e provocar “[...] uma mudança no ambiente do espaço escolar, em que o aluno tem mais autonomia e possibilidades de participação” (Fernandes; Tortola, 2021, p. 2087).
Porém, há de se considerar o papel do professor no desenvolvimento de uma atividade de modelagem, já que suas intervenções envolvem os alunos na tarefa (Almeida; Silva; Vertuan, 2012; Blum; Niss, 1991; Burak, 1992; Niss; Blum, 2020), orientam o encaminhamento da atividade (Bassanezi, 2002; Ferri, 2018; Pollak, 2015) e levam os alunos a mobilizarem conhecimentos matemáticos e extramatemáticos (Blum; Niss, 1991; Kaiser; Sriraman, 2006; Niss; Blum, 2020; Silva; Vertuan, 2018; Stillman, 2015). A mobilização de conhecimentos matemáticos de forma consciente pode auxiliar na percepção da Matemática pelos alunos (Silva; Almeida, 2017) e é evidenciada por meio dos signos produzidos por eles. Nos respaldamos na semiótica peirceana, mais especificamente, na teoria da percepção para uma análise dos signos produzidos em uma atividade de modelagem.
Teoria da percepção na semiótica peirceana
Segundo Santaella (2012), Peirce caracterizou a semiótica – teoria dos signos –, como uma teoria sígnica do conhecimento, que tem por objetivo o exame dos modos de produção de significado e de constituição de conhecimento. Na semiótica peirceana, o signo é tratado como uma relação entre três elementos: objeto, signo (ou representámen) e interpretante. Para Peirce (2005, p. 46, grifos do autor):
Um signo, ou representámen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representámen.
O que podemos asseverar, considerando as assertivas de Peirce (2005), é que cada signo representa o objeto sob certa forma e capacidade. Neste caso, um signo não apresenta todas as características do objeto que representa, alguns aspectos conceituais componentes do objeto podem ser evidenciados no signo. Por exemplo, no contexto da matemática, o signo gráfico de uma função apresenta aspectos conceituais sobre o seu comportamento crescente, decrescente ou assintótico de forma visual, todavia não deixa explícito os parâmetros que descrevem algebricamente essa função. Já a expressão algébrica é um signo que representa o objeto sob aspectos conceituais relativos aos parâmetros da função, porém, não explicita, de imediato, seu comportamento. Assim, é preciso considerar “[...] que o estudante, percebe, reconhece e se apropria de alguns aspectos do objeto, aqueles colocados em evidência, mas não de todos os que o professor tem em mente” (D’Amore; Pinilla; Iori, 2015, p. 112).
É por meio da relação entre objeto e signos que o intérprete constrói o conhecimento, mediada pela geração de interpretantes (semiose). A semiose pode ser considerada uma ação que faz com que o signo tenha um efeito cognitivo sobre o intérprete de modo que esse gere novos signos interpretantes (Nöth, 2008) e estruture ou reestruture os conhecimentos.
Os signos podem “[...] desempenhar o papel de ponte entre o mundo da linguagem e o mundo lá fora” (Santaella, 2012, p. 75) que é empreendida por meio da percepção. A percepção é entendida como “[...] a definição psicológica usada para descrever como você interpreta o que experimenta e o processo de percepção transforma suas experiências em informações compreensíveis e gerenciáveis” (Hall; Lingefjärd, 2017, p. 444, tradução nossa).
Só é possível atingir o controle sobre a percepção quando o percepto – aquilo que se apresenta à percepção – é interpretado, para que assim, a percepção possa ser validada. A teoria da percepção é organizada sob uma tríade perceptiva – percepto, percipuum e julgamento (ou juízo) perceptivo. O percepto é o conteúdo da percepção, aquilo que se apresenta para ser percebido, ele antecede qualquer interpretação de significado de sua manifestação. O percipuum é a maneira com que o percepto é percebido pelos sentidos e o julgamento perceptivo é a mediação, circunspeção ou julgamento da percepção.
Para Peirce (2005, p. 211), um juízo perceptivo “[...] resulta de uma qualidade de um percepto presente, ou imagem-sentido”. Por exemplo, se uma pessoa olha para um traçado na lousa e diz que representa uma função exponencial, corresponde ao juízo perceptivo que essa pessoa tem do percepto traçado e que está associado às suas experiências no contexto matemático. Trata-se do fato de que “[...] a decidida predileção de nossa percepção por um modo de classificar o percepto mostra que a classificação está contida no juízo” (Peirce, 1989, p. 20).
A figura 1 representa a relação entre os constituintes peirceanos da percepção, os quais são interdependentes e indecomponíveis que permitem que se analise e caracterize isoladamente cada um deles.
Em se tratando de uma teoria sob uma perspectiva da semiótica peirceana, o intérprete, “[...] na percepção, não está separado dos julgamentos que ele produz no ato perceptivo” (Santaella, 2012, p. 116), ou seja, o elocutor do juízo perceptivo “[...] reage efetivamente sobre o intérprete do juízo perceptivo” (Peirce, 2005, p. 212). As experiências colaterais da pessoa que percebe, no ato de perceber, se fazem presentes e devem ser consideradas no contexto educacional para que, assim, se evidencie o conhecimento relativo ao objeto em estudo.
Ao interpretar a teoria peirceana da percepção, no âmbito da semiose, Santaella (2012) entende que o percepto funciona, semioticamente, como o objeto dinâmico enquanto que o percipuum seria o objeto imediato. Um objeto dinâmico corresponde ao contexto que é reportado por um signo, ou seja, uma situação representada no próprio signo. O modo como o signo é capaz de representar o objeto dinâmico constitui o objeto imediato. Assim, um indivíduo somente tem acesso a determinado objeto dinâmico por meio de um objeto imediato. Para Peirce (1989, p. 21), “[...] é quase certo que o percepto é uma interpretação”, ou seja, a relação estabelecida entre o signo com o interpretante.
Segundo D’Amore, Pinilla e Iori (2015, p. 159) o conhecimento reflete duas dimensões, uma social e uma pessoal, e a escola é o “[...] lugar onde se institucionaliza e onde, às vezes, se esclerosa essa dupla natureza” do conhecimento. Porém, temos investido esforços em implementar atividades em que tanto os aspectos da dimensão social quanto os da dimensão pessoal sejam articulados e os alunos percebam a matemática que circunda diferentes situações que podem estar presentes em seus cotidianos. Neste artigo, nos pautamos nos signos produzidos por alunos do 9º ano do Ensino Fundamental no desenvolvimento de uma atividade de modelagem matemática.
Aspectos metodológicos
Neste artigo trazemos resultados parciais de uma pesquisa de mestrado em Ensino de Matemática em que a modelagem matemática é entendida como alternativa pedagógica e a semiótica peirceana subsidia as análises. Para evidenciarmos que signos alunos do Ensino Fundamental produzem quando desenvolvem uma atividade de modelagem matemática com o objetivo de inferir sob quais aspectos percebem a Matemática, nos pautamos em signos escritos, falados e gesticulados de sete alunos de uma turma do 9º ano de uma escola privada localizada no norte do Paraná.
A atividade de modelagem planejada e implementada pela professora (segunda autora do artigo) com os alunos, reunidos em duplas ou trio, teve como temática pizza. Essa temática foi escolhida em conjunto, professora e alunos, visto que se aproximavam do final do ano letivo e na escola era tradicional a comemoração entre os formandos com uma pizzada.
O desenvolvimento da atividade ocorreu ao longo de três aulas de 50 minutos cada, no dia 14 de dezembro de 2021. Destacamos que a escola estava seguindo algumas medidas de segurança, por exemplo, o distanciamento, devido a Covid 19 e que no desenvolvimento desta atividade apenas sete dos 20 alunos da turma ainda estavam frequentando o ambiente escolar, devido à proximidade da finalização do ano letivo. A atividade foi desenvolvida no refeitório da escola, devido à necessidade de manipulação de massas de pizzas em uma mesa que facilitava a organização dos alunos em grupos.
As discussões no desenvolvimento da atividade foram gravadas em áudio e vídeo que foram transcritas na íntegra de modo a se constituírem dados para análise, assim como fotos e registros escritos dos alunos. Utilizamos o recurso colchetes para descrições de ações dos alunos que faziam menção a um objeto matemático. Para a coleta e utilização dos dados foi solicitado o consentimento dos pais dos alunos, via assinatura de um termo livre e esclarecido em que se conferiu o anonimato dos alunos que são referenciados no corpo do texto por nomes fictícios.
A análise qualitativa que realizamos é de cunho interpretativo (Bogdan; Biklen, 1994), subsidiada no processo de triangulação. No processo de triangulação, são considerados três elementos primordiais – objeto, sujeito e fenômeno – que, de forma metafórica, estruturam os vértices de um triângulo. De acordo com Tuzzo e Braga (2016, p. 152, grifos das autoras), “[...] a partir dos vértices objeto, sujeito e fenômeno, com importância fundante ao metafenômeno”, há uma configuração para os resultados da pesquisa. Em nossa pesquisa, os sujeitos são os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, os signos que eles produzem no desenvolvimento da atividade de modelagem correspondem ao objeto investigado e a matemática percebida corresponde ao fenômeno em estudo. O metafenômeno é configurado a partir da articulação entre os dados da pesquisa e o quadro teórico que subsidiam a investigação. Para isso, buscamos descrever os fatos o mais fielmente possível, realizando conexões com o quadro teórico da modelagem matemática e da teoria da percepção, para subsidiar nossas argumentações durante a análise do material coletado. Além disso, o movimento analítico é de caráter indutivo em que buscamos estabelecer uma relação de proximidade com os dados em relação ao fenômeno investigado.
Percepção da Matemática na atividade de modelagem desenvolvida
Para iniciar o desenvolvimento da atividade, a partir da mobilização da temática a ser investigada, um problema foi delineado: qual a melhor opção para que os alunos comam um pedaço de pizza, e na hora que cada um comer esse um pedaço, coma a maior quantidade de massa possível, pagando o menor valor? Neste caso, subproblemas parecem se fazer presentes: maior quantidade de massa possível e pagar o menor valor.
Diante do problema, os alunos participaram de uma roda de conversa com a professora, em que discutiram sobre as pizzarias da cidade, os tamanhos das pizzas e a quantidade de pedaços, a fim de se inteirarem da situação, mantendo o interesse dos alunos pela temática. Em seguida, a professora disponibilizou massas de pizzas de três diferentes tamanhos – para quatro, oito e 12 pedaços – que foram compradas em uma mesma pizzaria.
De imediato, ao entrar em contato com a massa da pizza, um objeto físico – formato da massa –, foi delineado pelos alunos que, em uma dimensão sensória visual, iniciaram uma discussão, produzindo signos interpretantes que revelaram características de objetos matemáticos – círculo e cilindro –, conforme o diálogo a seguir:
Paulo: Ah calcular a área, não sei?!
Professora: Área do que?
Paulo: A área desse círculo aqui [aluno aponta para a massa da pizza].
Professora: Então, mas é um círculo?
Hugo: Não, é um cilindro!
Professora: Mas eu não poderia considerar um círculo?
Hugo: Talvez, porque é muito fininho.
Paulo: Pode ser! Porque a massa tem a mesma grossura [aluno observa parte da borda da pizza, conferindo que todas as massas têm espessura próxima].
Durante o ano letivo, os alunos haviam estudado áreas de figuras geométricas planas e volumes de sólidos geométricos. Assim, de imediato, por meio da observação visual, produziram signos falados em que associaram o formato da pizza a um círculo, a partir da indicação de cálculo da área, bem como do cilindro, considerando a espessura de modo a calcular o seu volume. A percepção dos objetos matemáticos foi subsidiada por aspectos sensitivos visuais de seu formato em que signos foram produzidos na mente dos intérpretes e enunciados por meio de palavras (aspectos auditivos) associadas a esses objetos – área e volume.
O contato manual com as pizzas de diferentes tamanhos e espessuras próximas, compreende a fase de inteiração com a situação-problema a ser investigada, pois, oportunizou aos alunos “conhecer as características e especificidades da situação” (Almeida; Silva; Vertuan, 2012, p. 15), de modo a “[...] identificar as informações ou variáveis importantes” (Stillman, 2015, p. 47, tradução nossa).
Nos comentários e gestos de Paulo, há evidências de que tanto o objeto matemático círculo quanto o objeto matemático volume foram associados ao formato da massa da pizza com vistas à construção de uma abordagem matemática para apresentar uma solução para o problema. Considerar, por hipótese, que cada massa de pizza pode ser associada a um círculo, proporcionou aos alunos “[...] a necessidade da transformação de uma representação (linguagem natural) para outra (linguagem matemática)” (Almeida; Silva; Vertuan, 2012, p. 16). No âmbito de atividades de modelagem, essa transformação de linguagens corresponde à fase de matematização em que um objeto matemático foi associado ao fenômeno em estudo. Nesse caso, o formato da massa de pizza, inicialmente, serviu para designar um signo relativo a um objeto dinâmico – aparência de um círculo – para este intérprete, pois ao olhar para a pizza, reconheceu “A área desse círculo aqui”. Assim, a percepção da Matemática foi evidenciada por meio de um “[...] processo mental que possibilita e amplia a relação do indivíduo com seu entorno” (Netto; Perassi; Fialho, 2013, p. 251).
A aproximação da massa da pizza a um círculo foi uma simplificação para o desenvolvimento da atividade sugerida pelos próprios alunos. Hugo, inclusive, mencionou cilindro para se referir à aproximação da massa da pizza a um objeto tridimensional. Podemos conjecturar, que Hugo percebeu via canais perceptivos visuais a presença do cilindro no formato da pizza, mas sob o questionamento da professora e, analisando a espessura de cada massa, recorreu à simplificação com a intenção de investigar a quantidade de pizza que cada um pode comer, uma vez que o volume é proporcional a área, pois os cilindros têm altura fixa e com variação desprezível. Neste caso, podemos inferir que Hugo, inicialmente, teve uma consciência imediata do objeto matemático cilindro, mas, após ser questionado, teve um pensamento sobre a situação que estava sendo vivenciada.
No entanto, para calcular a área de cada círculo, dados quantitativos se fizeram necessários. Para isso, os alunos realizaram medições dos diferentes tamanhos de massas e indicaram por meio de gestos, a partir de canais perceptivos visuais, a localização do possível centro de cada uma delas, para que pudessem trabalhar com medidas de massas diferentes de modo a perceber se haveria alguma diferença nos tamanhos finais dos pedaços ou não, conforme apresentado na figura 2.
As medições correspondem a ações dos alunos para a coleta de dados em que signos relativos ao sistema de medidas foram mobilizados com a manipulação de fitas métricas. De modo intuitivo, a partir da percepção visual do encontro das fitas métricas, Hugo localizou o centro da massa da pizza em que os pedaços coincidiriam quando a massa fosse cortada. O que podemos inferir é que essa ação reforça à percepção de Hugo para com o objeto matemático círculo, ou seja, trata-se de uma hipótese para o desenvolvimento da atividade e usa signos por meio de gestos para indicar aspectos desse objeto matemático associados a alguns comentários, de onde emergiu a palavra diâmetro, conforme excerto transcrito a seguir.
Hugo: Vai medir o diâmetro da pizza.
Professora: E o que é o diâmetro?
Marta: É a distância daqui até aqui. [mostrou o local]
Hugo: É a distância passando pelo centro.
De acordo com o excerto supracitado, os alunos Marta e Hugo identificaram que as massas poderiam ser medidas por meio do diâmetro. Hugo apresentou uma caracterização para diâmetro de maneira mais formal do que Marta, que recorreu a gestos para indicar a localização do diâmetro. Muito embora exista uma cognição diferente para cada um dos alunos, a percepção da matemática a partir dos signos interpretantes pode ser considerada de mesma dimensão, visto que em seu gesto Marta indicou a distância passando pelo centro. A temática implementada, de certo modo, oportunizou aos alunos “[...] experienciar dados complexos em contextos desafiadores e, ainda, significativos” (English, 2010, p. 288, tradução nossa), pois os alunos evidenciaram o diâmetro como sendo um aspecto do objeto matemático reconhecido por meio dos canais perceptivos visual, auditivo e tátil, para o que consideraram enquanto signo – formato da pizza – do objeto matemático círculo.
Considerando a massa utilizada pela pizzaria para 12 pedaços, Paulo sugeriu um encaminhamento para obter cada pedaço.
Paulo: Dá para dividir 360 por 12 e dá para descobrir o ângulo aqui [se referindo a cada pedaço], aí depois que você tem esse ângulo, você vai descobrir o pedaço.
Professora: Mas aí a gente vai ter uma área de qualquer polígono?
Paulo: Considerar um aqui, um aqui, um aqui... [apontando para cada parte que pode ser cortada da massa da pizza que Paulo indicou o centro].
Podemos evidenciar, a partir dos gestos produzidos por Paulo e o diálogo supracitado, que os alunos reconheceram o diâmetro como o objeto matemático envolvido na situação, e seguiram com a ideia para que assim a pizza fosse dividida em pedaços iguais, em vez de considerar a pizza inteira enquanto um encaminhamento para a obtenção de um modelo matemático com vistas a chegar a uma solução para a primeira parte do problema – massa de um pedaço de pizza. Também se utilizou do canal perceptivo visual e fez uso do objeto matemático proporcionalidade. Com isso, o intérprete identificou a relação do total da medida em graus e a quantidade de pedaços que seria encontrado.
Após definirem um possível encaminhamento para a obtenção de solução para o problema, os alunos foram organizados em três grupos, de modo que cada grupo ficou responsável por cortar uma das massas das pizzas (quadro 1).
Considerando que a pizza é servida em fatias já cortadas, foi estruturada uma atividade intencional em que os alunos, em grupos, realizaram “[...] ações cognitivas tanto implicitamente (por meio de procedimentos) como explicitamente (por meio de representações, de modo geral, simbólicas)” (Almeida; Silva, 2012, p. 628). A quantidade de pedaços para cada tamanho de massa seguiu o padrão do corte feito pela pizzaria, ou seja, para a broto foram obtidos quatro pedaços, para a grande foram oito pedaços, e para a big, 12 pedaços.
Após o corte da pizza, cada pedaço adquiriu um novo formato. Neste momento, uma abordagem matemática se faria necessária: considerar a área desse novo formato, conforme o diálogo que segue.
Professora: O que seria se a gente pegar essa pizza e sair cortando os pedaços, assim nessas fatias, o que a gente consegue identificar, o que vira essa fatia da pizza?
Hugo: Triângulo?
Professora: Será que é um triângulo?
Hugo: Não! É um semicírculo!
Professora: Por que não é um triângulo?
Hugo: Porque a borda é torta assim [mostra a representação – figura 3].
De imediato, uma figura bidimensional que veio à mente de Hugo foi a representação de um triângulo, um signo interpretante associado ao formato da fatia. Porém, com a intervenção da professora – "Será que é um triângulo?" – que, de certo modo, inviabilizava a conclusão de Hugo, uma ação metacognitiva vinculada à borda da pizza reestruturou o signo produzido na mente do aluno e este mudou a caracterização do formato para um semicírculo. Para representar o que estava pensando, ou seja, os signos interpretantes produzidos a partir da observação visual do formato da fatia – "borda é torta assim" – Hugo fez uso de gestos para se remeter a um setor circular, conforme figura 3.
Os gestos feitos por Hugo são signos que representaram os signos que ele produziu em sua mente para os objetos matemáticos – ângulo e setor circular – presentes na comunicação com a professora, contrapondo a não remissão ao objeto matemático triângulo. Esse gesto se configurou como “[...] um signo não verbal, como na modalidade visual de uma imagem” (Nöth; Santaella, 2017, p. 10).
Hugo não lembrava do nome da figura geométrica que poderia ser associada ao pedaço de pizza, com isso, lançou mão de gestos e da descrição falada, para que sua comunicação fosse suficiente para indicar que a base do pedaço de pizza não era reta como no triângulo, mas arredondada, como puderam visualizar manipulando as massas cortadas. Hugo estava se remetendo ao objeto matemático setor circular – região do círculo delimitada por dois raios do círculo e um arco da circunferência. Inicialmente, Hugo chegou a dizer que o pedaço seria um semicírculo – metade de um círculo determinada por um diâmetro –, isso aconteceu devido ao aluno tentar se recordar do nome da figura geométrica que poderia ser associada ao formato do pedaço da pizza.
O que podemos conjecturar é que Hugo apresentou sua ideia fazendo associação ao modelo perceptivo triádico. O percipuum foi o pedaço da pizza que, de imediato, compreendeu dois objetos matemáticos – triângulo e setor circular –, o percepto é o que de fato foi concluído por meio da percepção de que a fatia não tinha formato triangular, correspondendo ao objeto dinâmico do que estava em estudo, e o juízo perceptivo corresponde aos gestos do aluno para se fazer entender sobre a descrição da borda.
Cada grupo ficou responsável em desenvolver e registrar o encaminhamento para seu tamanho de pizza. No momento em que os grupos estavam reunidos, os alunos identificaram nas pizzas o diâmetro e o raio para cada uma delas, então os grupos realizaram o cálculo da área total, por meio de signos produzidos a partir da fórmula da área do círculo. Na resolução dos grupos, apresentada na segunda linha do quadro 2, a pizza broto apresentou o raio de 12 cm e a área total de 452,15 cm², já para a pizza grande, de raio 17 cm, a medida da área total encontrada pelos alunos foi de 907,46 cm², e para a pizza big, cujo raio era de 20 cm, a área total era de 1256 cm².
Entretanto, para a resolução do problema seria necessária a medida da área de cada pedaço, logo o aluno Théo iniciou um diálogo com os demais colegas que estavam participando da atividade, conforme a transcrição a seguir.
Théo: Já sei, a gente vai fazer duas coisas para confirmar esse cálculo, porque quando a gente pegar a área total e dividir pelo número de pedaços, que, que a gente encontra?
Ana: Área de um pedaço.
Professora: Mas esse cálculo, vai indicar o que para nós sobre os outros pedaços?
Paulo: Todos iguais.
Hugo: Então, quando pegarmos, por exemplo... eu tenho a área total da grande, dividi pelos oito pedaços, eu vou encontrar a área de um pedaço. Mas, essa área de um pedaço, a gente encontra se tivéssemos todos os pedaços exatamente iguais.
Professora: E será que temos todos os pedaços exatamente iguais aqui?
Rita: Não.
Professora: Talvez. E aí, como verificaremos se temos ou não?
Paulo: Fazendo o cálculo da área do setor. Porque, da área do setor, temos um pedaço aqui.
Hugo: Um pedaço de pizza.
Entender e dar continuidade ao desenvolvimento da atividade proporcionou vislumbrar ações de considerar diferentes aspectos para ser modelados, gerar relações, reconhecer padrões e relações e selecionar relações, como assevera Stillman (2015). Essas ações foram conscientes dos alunos em busca de meios para determinar a área de um pedaço de pizza que foram reveladas pelos signos que os alunos produziram para se comunicarem no desenvolvimento da atividade. Com todas as massas de pizzas divididas de acordo com a quantidade de pedaços que a pizzaria geralmente divide para vender, os alunos realizaram mais alguns levantamentos para dar continuidade ao problema, conforme o diálogo que segue.
Paulo: Então desses 12, eu posso considerar quantos para fazer o cálculo?
Marta: Um pedaço?
Júlia: Um!
Paulo: Boa Júlia!! A gente vai pegar um pedaço modelo, porque a gente vai considerar que esse pedaço é igual a todos os outros.
Professora: Ele representa para nós exatamente um de quanto da pizza? Será que tem como lembrar de um conteúdo matemático?
Paulo: Um doze avos.
No excerto supracitado, os alunos apesar de entenderem que poderiam considerar a pizza como um todo perceberam a Matemática “[...] diante de algo, no ato de estar, enquanto acontece” (Santaella, 2012, p. 77), pois nas pizzarias, as massas já veem cortadas em fatias. Logo, evidenciamos a percepção do objeto matemático setor circular, em que os alunos utilizaram a área do setor circular de um pedaço de pizza para o modelo matemático que estavam investigando.
Com os pedaços definidos como modelo, os alunos realizaram a medição dos ângulos (figura 4) de cada um, utilizando um transferidor, devido ao cálculo da área do setor precisar dessa medida (Α = (πr2 α) ⁄ 360). O ângulo do setor circular representado pelo pedaço da pizza broto (figura 4a) era de 93º, próximo de 90º (360/4); já na pizza grande o ângulo do setor circular do modelo de pedaço (figura 4b) foi de 48º, próximo de 45º (360/8); e o ângulo do setor representado pelo modelo de pedaço pizza big (figura 4c) foi de 35º, próximo de 30º (360/12). Ou seja, na realidade, os pedaços não foram cortados de maneira simétrica.
No quadro 3 temos os registros do cálculo de cada um dos grupos para a área do setor, utilizando os ângulos encontrados no pedaço modelo de cada tamanho de pizza, em que se definiram que a área do pedaço da pizza broto era de 116,08 cm², do pedaço da pizza grande era de 121 cm² e a área do pedaço da pizza big era de 122,12 cm². Os alunos também apresentaram o valor unitário, configurando uma solução para o problema de que a maior área era da pizza big de 12 pedaços, 122,12 cm², e o menor valor a ser pago era para o pedaço da pizza big, R$5,17.
Evidenciamos que o objeto matemático setor circular representado com as informações visuais dos alunos, bem como o da proporcionalidade ao dividir o valor total de cada pizza pela quantidade de pedaços de modo a obter o valor de cada um deles, foram percebidos pelos alunos com o intuito de apresentar uma solução para o problema de modelagem que estava em investigação.
No desenvolvimento da atividade de modelagem sob a temática pizza, cujo interesse foi mantido em todo o encaminhamento, os signos foram revelados pela comunicação dos alunos no trabalho em grupo, principalmente, de aspectos auditivos e visuais, com as falas e os gestos que remeteram aos objetos matemáticos que haviam sido estudados durante o ano letivo. Alguns objetos matemáticos – diâmetro, setor circular, círculo, cilindro, ângulo, área do setor circular – estiveram presentes. Para se remeterem ao diâmetro, ao setor circular e ao ângulo foram utilizados signos gesticulados, seja para indicar a representação do objeto na massa da pizza ou para expressar o interpretante produzido para o objeto matemático a partir da fatia de pizza. Signos falados estiveram presentes em toda comunicação para se remeterem ao objeto matemático, principalmente quando citaram área do círculo, diâmetro e menção ao volume do cilindro. Os alunos somente sentiram necessidade de expressar signos escritos para expressarem cálculos de áreas do círculo e do setor circular.
Algumas considerações
Embora entendamos que a modelagem matemática não supra todos os questionamentos sobre o uso da matemática no cotidiano dos alunos no sentido de abarcar o para que serve e onde vou usar, temos defendido sua implementação em sala de aula, pois permite criar espaços para que interpretem um problema e “tenham escolhas no processo de solução” (Bliss; Libertini, 2016, p. 12).
No decurso do desenvolvimento de uma atividade de modelagem, em que o trabalho em grupo foi o aporte, seja na discussão geral ou em pequenos grupos, signos escritos, falados e gesticulados se fizeram presentes de modo que, sob um olhar atento, foi possível evidenciar sua produção quando os alunos desenvolveram uma atividade de modelagem a partir de uma temática que estava próxima da vivência do momento, bem como os aspectos sob os quais perceberam a Matemática. Evidenciar tais elementos permitiu inferir sobre os conhecimentos matemáticos e extramatemáticos no âmbito da atividade, tais como círculo e setor circular, no que correspondeu ao cálculo da área dessas figuras planas, conteúdos estudados durante o ano letivo e que foram requeridos para trazer uma solução para o problema, em determinar a fatia com maior massa e menor valor.
Partindo de um problema de modelagem que fazia parte do entorno do momento, comemorações dos formandos na pizzada, a professora sugeriu o estudo que, de modo intuitivo, seria abordado via cálculo de área ou de volume. De posse de hipóteses simplificadoras, os alunos, por meio de signos gesticulados quando não se lembravam do nome do objeto matemático a que estavam se referindo, e de simplificações da massa e do pedaço de pizza para o formato de um círculo e setor circular, respectivamente, sob o qual utilizaram a fórmula para determinar a área, realizaram a matematização e perceberam a matemática para a solução do problema. A simplificação, de certa forma, só se fez coerente para os alunos, visto que compreendiam a proporcionalidade existente na área da base em relação à altura no cálculo do volume do cilindro. Trataram de desconsiderar a altura, pois as massas foram produzidas pela mesma pizzaria e, por hipótese, apresentaram a mesma espessura. Há de se evidenciar uma articulação entre matemática e realidade nesta hipótese.
Dentre os objetos matemáticos que se fizeram presentes no desenvolvimento da atividade, a área do setor circular se estruturou como objeto-chave para que os alunos chegassem a uma solução para o problema que estavam investigando. A abordagem da área do setor circular se configurou como uma aplicação para a resolução por meio de gestos dos alunos com relação à divisão dos pedaços de pizzas. Neste caso, a atividade de modelagem desenvolvida em uma perspectiva educacional (Kaiser; Sriraman, 2006), sob orientação da professora possibilitou que os alunos retomassem conhecimentos que já tinham sido estudados, “[...] oferecendo motivação para seu estudo, bem como interpretação, significado” (Niss; Blum, 2020, p. 28, tradução nossa).
Considerando as diferentes dimensões sensórias – visual, auditiva e tátil – da percepção, evidenciamos a dimensão cognitiva na produção de interpretantes pelos alunos, de modo que a percepção da Matemática ocorreu de maneira singular e compartilhada no desenvolvimento da atividade de modelagem. Entendemos que é importante a produção de signos escritos para evidenciar como os alunos representam os objetos matemáticos para outros intérpretes que não participaram da comunicação verbal, o que se fez inexpressivo, visto que somente fizeram uso desses signos no cálculo de áreas das figuras planas. A professora deveria ter requerido relatórios escritos por parte dos alunos para poderem sintetizar as discussões em um texto escrito, o que poderia revelar uma abordagem formal para os objetos matemáticos. Essa inexpressividade pode ser atrelada à finalização do ano letivo e a não obrigatoriedade de entregar um material para ser considerado em uma possível avaliação.
Agradecimentos
As autoras agradecem à Universidade Tecnológica Federal do Paraná, principalmente, em relação ao auxílio concedido por meio de uma bolsa de estudos da Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação do Campus Londrina, para o desenvolvimento da pesquisa de mestrado no período de 05/2021 a 04/2022.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
11 Jun 2023 -
Aceito
18 Jan 2024