Resumos
Este estudo busca compreender como a relação entre teatro e ciência pode ser profícua na educação em ciências, a partir de atividade desenvolvida no "Ciência em Cena", área do Museu da Vida, Fundação Oswaldo Cruz/RJ. A atividade consiste na apresentação da peça "Lição de Botânica", de Machado de Assis, seguida de debate e exibição de cd-rom. Neste artigo foi analisado o primeiro semestre da temporada de 2007, que reuniu 1.827 pessoas. As 171 perguntas elaboradas durante os debates realizados após trinta espetáculos, foram registradas por escrito e interpretadas com base em critérios metodológicos da "análise de conteúdo". O exame dos dados permite discutir a interface entre processos de criação artística e educação científica. Tal discussão está ancorada na perspectiva problematizadora da educação segundo Freire e no entendimento, tal qual Maturana, da educação como um espaço dialógico de convivência, um lugar de perene criação/recriação da vida.
Machado de Assis; Educação científica; Teatro; Popularização da ciência
This paper investigates how the relationship between art and science can be productive in science education, from an activity developed in "Science on Scene", a visitor area of the Museum of Life, Oswaldo Cruz Foundation, Rio de Janeiro, Brazil. The activity consists of the presentation of the play "Lessons of Botany", by Machado de Assis, followed by debate and the playing of a CD-rom. In this paper the first semester of the 2007 season was analyzed, including 1.827 spectators. The 171 questions elaborated during the debates carried through after thirty performances, had been registered in writing and interpreted on the basis of "Content Analysis". Examination of the data stimulates the discussion about the interface between the processes of artistic creation and scientific education. This discussion is based within a Freire critical perspective of education, and is seen as a dialogic space, a place of permanent creation/recreation of life.
Machado de Assis; Science education; Theatre; Popularization of science
Ciências possíveis em Machado de Assis: teatro e ciência na educação científica
Possible sciences in Machado de Assis: theatre and science in scientific education
Thelma Lopes Carlos GardairI,1 1 Rua das Laranjeiras 314, bloco B, cobertura 02 - Laranjeiras - Rio de Janeiro, RJ 22.240-006 ; Virgínia Torres SchallII
IBacharel em Comunicação Social, Atriz; Doutoranda em Ensino em Biociências e Saúde, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. thelma@ioc.fiocruz.br IIPsicóloga, Doutora em Educação. Pesquisadora, Laboratório de Educação e Saúde, Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. vtschall@cpqrr.fiocruz.br
RESUMO
Este estudo busca compreender como a relação entre teatro e ciência pode ser profícua na educação em ciências, a partir de atividade desenvolvida no "Ciência em Cena", área do Museu da Vida, Fundação Oswaldo Cruz/RJ. A atividade consiste na apresentação da peça "Lição de Botânica", de Machado de Assis, seguida de debate e exibição de cd-rom. Neste artigo foi analisado o primeiro semestre da temporada de 2007, que reuniu 1.827 pessoas. As 171 perguntas elaboradas durante os debates realizados após trinta espetáculos, foram registradas por escrito e interpretadas com base em critérios metodológicos da "análise de conteúdo". O exame dos dados permite discutir a interface entre processos de criação artística e educação científica. Tal discussão está ancorada na perspectiva problematizadora da educação segundo Freire e no entendimento, tal qual Maturana, da educação como um espaço dialógico de convivência, um lugar de perene criação/recriação da vida.
Palavras-chave: Machado de Assis. Educação científica. Teatro. Popularização da ciência.
ABSTRACT
This paper investigates how the relationship between art and science can be productive in science education, from an activity developed in "Science on Scene", a visitor area of the Museum of Life, Oswaldo Cruz Foundation, Rio de Janeiro, Brazil. The activity consists of the presentation of the play "Lessons of Botany", by Machado de Assis, followed by debate and the playing of a CD-rom. In this paper the first semester of the 2007 season was analyzed, including 1.827 spectators. The 171 questions elaborated during the debates carried through after thirty performances, had been registered in writing and interpreted on the basis of "Content Analysis". Examination of the data stimulates the discussion about the interface between the processes of artistic creation and scientific education. This discussion is based within a Freire critical perspective of education, and is seen as a dialogic space, a place of permanent creation/recreation of life.
Keywords: Machado de Assis. Science education. Theatre. Popularization of science.
Introdução
A ciência não é tudo, minha senhora. Há alguma coisa mais,
além do espírito, alguma coisa essencial ao homem [...]
o mundo intelectual é estreito para conter o homem todo.
Machado de Assis (1982, p. 363)
Ao longo da história do homem, identificamos diferentes momentos de interação entre ciências e artes. Nas Artes Plásticas, Albrecht Dürer, prestigiado tanto pela sua produção no campo da Óptica, quanto por suas pinturas e desenhos, acreditava que deveria basear sua arte renascentista na ciência, com ênfase na matemática. Desse modo compôs desenhos de inúmeras figuras botânicas e zoológicas com extrema precisão. Partindo de fontes originais, outros artistas da época adotaram a mesma prática. Leonardo da Vinci e Sandro Botticelli, "cujos detalhes de plantas em sua Primavera2 2 O quadro "A Primavera" foi pintado por Boticelli no ano de 1482 e representa a chegada da estação. Vênus aparece ao centro da cena, em meio a árvores e flores pintadas com riqueza de detalhes. eram cientificamente precisos, estavam ambos seguindo o mesmo caminho" (RONAN, 2001, p. 18). Na verdade, um caminho em direção à revolução científica baseada na matematização e no registro preciso de resultados, que viria a ser consolidada, mais adiante, por Galileu Galilei. Na relação entre ciência e teatro, três peças emblemáticas não podem deixar de ser citadas: "Vida de Galileu" (1956), de Bertolt Brecht, "Os Físicos" (1960), de Friedrich Dürrenmatt, e "O Caso Oppenheimer" (1964), de Heinar Kipphardt. Os textos não por acaso foram escritos entre as décadas de 1950 e 1960, e estão relacionados à nova responsabilidade do cientista diante da sociedade, mediante a repercussão da bomba atômica e os potenciais de criação e destruição da energia nuclear. Entretanto, a combinação entre ciência e teatro vai além das peças mencionadas ao início. A dramaturgia mundial conta com outros textos teatrais, dos mais variados estilos e períodos, que colocam o cientista em cena e/ou abordam temas relacionados às ciências. "A Estátua Amazônica", de Araújo Porto Alegre (de 1851); "Lição de Botânica" (de 1906), de Machado de Assis; "Copenhagen" (de 1998), de Michael Frayn, ou "A Prova" (de 2000), peça escrita por David Auburn, constituem alguns exemplos. Mas, além da temática científica explorada no campo do teatro, quais serão as especificidades da linguagem teatral que justificam sua articulação ao ensino de ciências?
O homem tem necessidade de compreender os sentidos de sua existência na terra, de rir e de chorar. O teatro não apresenta respostas, mas é um meio de manifestar concretamente que temos consciência da vida. [...] Graças à arte, nos colocamos questões sobre nós, e nos tornamos autores de nós mesmos [...] O teatro coloca em cena o mundo para nos ajudar a compreendê-lo. (GWENDOLA, 2003, p. 4)
A palavra teatro se origina de um verbo grego que significa olhar, ver, contemplar. Lugar do homem se ver como num espelho, o teatro, muito mais que reflexo, é um modo de ver o mundo. Disso sabiam os gregos, que eternizaram suas paixões e sua época em tragédias e comédias que, encenadas até os dias atuais, dialogam com o cidadão de hoje. O teatro tem se mostrado um dos mais potentes meios de expressão humana ao longo dos tempos, apesar do surgimento de tantas outras formas de comunicação artística. Entretanto, "a morte do teatro foi decretada muitas vezes, quando surgiu o cinema, [...] o rádio, [...] a TV. Mas o teatro não morreu. Enquanto houver alguém com capacidade de vivenciar uma história com sua voz, [...] sua cabeça e seu coração, haverá alguém para assisti-lo [...] haverá teatro" (AUTRAN, 2007, p. 8). Talvez a longevidade e atualidade do teatro possam ser atribuídas ao seu caráter coletivo e ao fato de a linguagem teatral sintetizar tantas faculdades criativas do homem, na medida em que reúne variadas formas de expressão, como: a literatura, a música, a dança, a arquitetura ou a pintura. Sendo arte coletiva, o teatro vai ao encontro do instinto ancestral do ser humano, que buscou se agrupar para criar melhores condições de sobrevivência. "Em conjunto, era mais fácil resistir às forças da natureza, e as ações poderiam se dar de maneira cooperativa. A linguagem, dando-lhe a consciência reflexiva, possibilitou também a conjugação das atividades, no esforço de transformar o mundo" (DUARTE, 1998, p. 37). Desde os tempos das cavernas, em todas as culturas, das mais antigas às mais atuais, é possível identificar manifestações artísticas.
Escrever uma história das ciências que não tenha relação alguma com o teatro é um absurdo. Teatro e ciência não são dois ursos que rosnam e seguem cada um por si, com a cabeça baixa e os olhos de mau, o seu próprio caminho na floresta. Existe apenas só uma e mesma história da qual são ao mesmo tempo procedentes as produções da arte e as da ciência. Marcadas pelo estado tecnológico, visual e científico de um mesmo mundo, tomam nascimento em condições culturais, econômicas, sociais e políticas [...]. Mesmo se não têm, a priori, nada a ver uma com a outra, teatro e ciência, participam do mesmo universo. (SICARD, 1995, p. 18)
Embora seja crescente o entendimento de que ciência e arte são domínios do conhecimento humano que interagem entre si, e que determinam, e são determinadas, por condições econômicas, políticas e culturais, sabemos que há um longo caminho a ser percorrido em direção à prática da interface arte e ciência. "As pessoas gostam de arte e ciência, mas como se fosse um brinquedo, um assunto legal pra se conversar, nada sério. Não praticam nem se comprometem com essa interface" (SHEARER, 2007, p. 19). Sabemos também que nem sempre foi assim. Na época do Renascimento, por exemplo, a interação entre ciência e arte era bastante orgânica e consolidada como processo de criação e pesquisa. Atualmente é preciso estimular o diálogo entre artistas e cientistas para que, a partir deste diálogo, sejam desenvolvidos métodos de aprendizagem e descobrimento mais ricos. Trata-se de uma combinação vital para a construção de visões de mundo mais amplas, críticas e criadoras, e, portanto, mais cidadãs. Na interação entre ciência e arte, que hoje já não é evidente, é importante estimular um comportamento mais crítico em relação à prática científica e reforçar a noção de que também a arte é introdutora de novos pontos de vista na sociedade. Foi durante o século XVI que os fundamentos conceituais, metodológicos e institucionais da ciência moderna começaram a se consolidar por meio dos estudos desenvolvidos por Galileu Galilei, os quais deram origem à chamada "revolução científica", considerada
como uma das mais profundas, senão a mais profunda revolução do pensamento humano desde a descoberta do Cosmo pelo pensamento grego, revolução que implica uma radical mutação intelectual da qual a ciência física moderna é ao mesmo tempo fruto e expressão. (KOYRÉ, 1991, p. 153)
Foi também nesse século que William Shakespeare transformou a linguagem teatral. Nascidos no mesmo ano, 1564, Galileu e Shakespeare questionaram o seu tempo. Se o primeiro foi de encontro ao modelo geocêntrico, o segundo desvelava a hierarquização estabelecida no modelo da sociedade elizabetana. É possível encontrar referências das descobertas no campo da Astronomia e suas implicações na sociedade da época, na mais famosa das peças do dramaturgo inglês: "Hamlet" (1599-1602). Sobre este aspecto, o astrônomo Rogério Mourão (2007, p. 37) observa:
[...] além de uma referência às idéias difundidas na época de Giordano Bruno, na Inglaterra, as preleções do padre dominicano italiano sobre o universo heliocêntrico infinito poderiam, sem dúvida, ter estimulado Shakespeare a elaborar uma tragédia entre os modelos cósmicos que se opunham na época. (MOURÃO, 2007, p. 37)
É na perspectiva de compreender a arte como criadora de novos pontos de vista, e não meramente como veículo de informações, que os espetáculos teatrais do "Ciência em Cena" são produzidos. O objetivo do presente artigo é analisar como a associação entre ciência e teatro, realizada na perspectiva acima descrita, pode ser concretizada, e refletir sobre seus principais benefícios, limites e diferenciais.
Metodologia
Lições de Machado de Assis no campus da Fiocruz
O "Ciência em Cena", originalmente concebido em 1991 pela pesquisadora Virgínia Schall (GADELHA e SCHALL, 1999), é uma das áreas de visitação do Museu da Vida (MV), departamento da Casa de Oswaldo Cruz (COC), localizado no campus da Fiocruz, e tem como principal objetivo a pesquisa e o desenvolvimento de atividades que relacionem arte e ciência (Figura 1).
Na programação atual destacam-se: a produção de eventos científicos, exposições, mostras de teatro e vídeo, oficinas interativas que relacionam biologia, física, teatro e cultura, e os espetáculos teatrais. A peça "Lição de Botânica" está em cartaz desde 2003 e, até o momento, já foi vista por 22.987 espectadores (Figura 2).
A estréia ocorreu por ocasião do "I Seminário Arte e Ciência na Boca de Cena", em outubro de 2003, no qual o dramaturgo João Bethencourt e o físico Henrique Lins discutiram com o público sobre possíveis relações entre ciência e teatro na peça de Machado de Assis (Figura 3).
O espetáculo foi concebido em parceria com cientistas da COC e com artistas profissionais que integram a equipe do "Ciência em Cena". Gustavo Ottoni assina a direção da peça. A escolha de Machado de Assis para compor o repertório de peças do MV se deve, sobretudo, ao fato de esse autor ter escrito com sensibilidade e ironia sobre a alma feminina, o ciúme, a loucura, a ciência e tantos outros temas que o inquietaram. História, Psicologia e Biologia são algumas das ciências relacionadas à obra de Machado, considerado um dos mais importantes escritores da língua portuguesa. A ciência e a filosofia foram temas caros a este autor de contos, romances, poesias, crônicas, artigos de jornais e peças de teatro. Em diversas de suas obras é possível encontrar alusões à ciência e aos cientistas. No conto "O Alienista", publicado entre os anos de 1881 e 1882, o protagonista, Doutor Bacamarte, absolutizando a ciência e utilizando argumentos pretensamente científicos, aprisiona em sua "Casa Verde" todos aqueles que ele classifica como "louco". No conto, Machado de Assis critica e satiriza o cientificismo aplicado ao estudo da loucura e assinala a necessidade de se construírem novas visões de ciência.
[...] a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, - o recanto psíquico, o exame da patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana e particularmente a brasileira, podia cobrir-lhe de louros inacessíveis. (ASSIS, 1983, p. 94)
Em "A sereníssima república", conto publicado originalmente em 1882, Machado critica o processo eleitoral brasileiro. Na conferência realizada pelo personagem Vargas - um cônego cientista -, Machado também questiona o materialismo científico do final do século XIX. O conto tem início com um narrador que discursa sobre uma descoberta brasileira que seria superior àquela realizada por um "sábio inglês", referindo-se a Charles Darwin.
Minha descoberta não é recente; data do fim do ano de 1876. [...] Esta obra de que venho falar-vos, carece de retoques últimos, de verificações e experiências complementares. Mas o Globo noticiou que um sábio inglês descobriu a linguagem fônica dos insetos, e cita o estudo feito com as moscas. [...] Citando Darwin e Büchner, é claro que me restrinjo à homenagem cabida a dois sábios de primeira ordem, sem de nenhum modo absolver [...] as teorias gratuitas e errôneas do materialismo. (ASSIS, 1994)
"Lição de Botânica" foi a última peça teatral escrita por Machado de Assis, em 1906, dois anos antes de sua morte.
A peça é uma delicada história de amor escrita por Machado de Assis, na qual o Barão Sigismundo de Kernorberg, "botânico de vocação, profissão e tradição", discute a relação entre ciência e sentimentos com a doce Helena: "só uma coisa lhe acho inaceitável: a teoria de que o amor e a ciência são incompatíveis", diz Helena, convidando o cientista a sentir a ciência de outra maneira. (LOPES, 2007, p. 166-167)
A peça conta a história do Barão Sigismundo de Kernoberg, cientista sueco especializado em taxionomia, tal qual Karl Von Lineu, que, ao tentar impedir o casamento do sobrinho, acaba se apaixonando. Segundo o Barão, para se dedicar à ciência, o cientista deve isolar-se do mundo e reprimir seus sentimentos. Ele tem a ciência como esposa e rejeita as relações de amor concretas. Entretanto ao dirigir-se à chácara de Dona Leonor Gouvêa para tentar impedir o namoro do sobrinho Henrique, se depara com Dona Helena, a qual, ao criar uma estratégia visando possibilitar o casamento da irmã Cecília com Henrique, desperta a paixão no cientista.
O espetáculo teatral como atividade voltada para educação em ciências
A atividade desenvolvida no "Ciência em Cena" envolvendo a peça "Lição de Botânica", consiste na apresentação do espetáculo teatral, seguido de debate com a platéia e a apresentação de cd-rom no qual a peça é contextualizada histórica e artisticamente, e os conteúdos de Botânica, que constam no texto de Machado de Assis, são explorados. Conforme detalhado no quadro 1, a duração total da atividade é de uma hora e vinte minutos, que contempla: a recepção do público, apresentação do espetáculo, debate com o público, apresentação do cd-rom e considerações finais.
Após a recepção do público, que recebe um folder do espetáculo (Figura 4) e orientações básicas, tem início a apresentação.
Ao término da peça, o público é convidado a apresentar sugestões, críticas e dúvidas em relação ao espetáculo. Em seguida, é apresentado um cd-rom cujo conteúdo é fundamental para: consolidar algumas questões que surgem ao longo do debate, estabelecer relações entre diferentes campos do conhecimento indicados na peça, e, sobretudo, desvelar alguns conteúdos que são apresentados ao longo do espetáculo e que, muitas vezes, ficam embotados pela exuberância do texto machadiano. O referido cd-rom, elaborado por Thelma Lopes, uma das autoras deste artigo, em colaboração com equipe multidisciplinar, apresenta dados biográficos de Machado de Assis de modo a humanizar a imagem do autor e explora a influência da cultura europeia, especialmente a francesa, na época e obra de Machado. Inclui também fotos do centro do Rio de Janeiro, então capital federal, no início do século XX; exibe croquis do cenário (Figura 5); imagens de pranchas científicas de bromélias, umbelíferas, rubiáceas, oleáceas, orquídeas, bem como explicações sucintas sobre cada uma delas.
Dados biográficos sobre Karl Von Lineu e pequenos textos sobre taxionomia e História da Botânica no Brasil também são apresentados. Ao longo da exibição do cd-rom, o público intervém quando assim deseja, buscando dirimir eventuais dúvidas ou tecer comentários. As expressões faciais, nem sempre tão fáceis de serem corretamente interpretadas, as interjeições e intervenções realizadas ao longo da exibição do cd-rom, parecem apontar que a conjugação deste material didático com a apresentação do espetáculo mostrou-se fundamental para potencializar algumas relações propostas por Machado na peça e sobre os conteúdos de Botânica que são mencionados pelo autor. Ao final da exibição do cd-rom, conclui-se a atividade explicitando os motivos pelos quais a peça "Lição de Botânica" foi selecionada para estimular a reflexão sobre as ciências e a atuação do cientista na sociedade. As perguntas e sugestões elaboradas pela plateia foram registradas por escrito e interpretadas à luz do método de análise de conteúdo, consolidado por Bardin (1977). O referido método foi por nós considerado o mais adequado ao desenvolvimento da presente pesquisa, sobretudo, por consistir em
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (...) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p.42)
Uma análise preliminar das perguntas realizadas ao longo do primeiro semestre de 2007 delineia algumas categorias temáticas.
Análise dos resultados
As perguntas elaboradas pelos estudantes
Partindo de um universo de 171 perguntas, oito estão relacionadas à vida e obra de Machado de Assis; nove se relacionam a conteúdos de ciência; 47 constituem questionamentos referentes à trama da peça; 66 estão relacionadas ao processo de criação teatral; 24 se referem a informações sobre a formação dos atores; sete sobre a pertinência da peça, e dez comentários elogiosos ao espetáculo. O Gráfico 1 ilustra os percentuais relativos às temáticas das perguntas.
Observamos que 39% das perguntas referem-se ao processo de criação teatral. Uma interpretação precipitada destes dados poderia indicar que a atividade não alcança o objetivo de seus idealizadores, na medida em que uma das principais metas a ser atingida seria estimular a reflexão sobre temas de ciência, e não sobre teatro. Entretanto, consideramos que o cumprimento dos objetivos não se encerra unicamente na apresentação da peça. Diferentemente disto, o espetáculo teatral, no campo da educação em ciências, deve funcionar como ponto de partida para gerar o debate sobre temas relacionados à prática científica. Ao despertar o questionamento sobre o processo de criação artística, o espetáculo promove excelente oportunidade para que os mediadores contraponham as características dos processos artístico e científico, estabelecendo relações de modo a identificar pontos de contato e afastamento entre os processos em questão, e contribuir para a construção de visões de ciência menos compartimentadas e estereotipadas. Este processo se estabelece em um espaço privilegiado de interlocução entre profissionais do teatro, pesquisadores, estudantes, professores e público em geral, no qual é possível explorar, de forma dialógica, a educação científica em uma perspectiva problematizadora e crítica, ancorada nos princípios de Paulo Freire (2001). Nota-se também um número expressivo de perguntas (27%) referentes ao enredo da peça. Por um lado, isto pode demonstrar o interesse e a curiosidade que a trama da peça desperta. Por outro, pode significar a não compreensão plena e imediata da história encenada ou, ainda, a não consciência por parte da plateia de que a peça foi compreendida. Aqui é importante refletir sobre a linguagem de Machado de Assis. A produção teatral deste autor foi considerada muito literária. A crítica de que suas comédias seriam mais para ler que encenar é recorrente. No entanto, de encontro a esta crítica histórica ao teatro machadiano, Loyola (1997) considera "Lição de Botânica" um marco no que se refere à atribuição de valor cênico à dramaturgia de Machado, na medida em que, para ela, o teatro de Machado de Assis confronta as convenções sociais e teatrais da época.
A ironia derradeira de Machado de Assis em Lição de Botânica, coincide com a última frase da peça; ao desfecho súbito dado por Helena diante de uma espécie de afasia do barão e do espanto de Dona Leonor, a personagem encerra o assunto: "Não se admire tanto titia, tudo isso é botânica aplicada. (LOYOLA, 1997, p. 171)
Machado foi um apaixonado pelo teatro. Segundo Faria, o autor "queria um teatro que não fosse mero passatempo das massas [...], pois acreditava na função educativa da arte que devia caminhar na vanguarda do povo como uma preceptora" (FARIA, 1993, p. 152). O teatro da época, baseado nos grandes conflitos, nas reviravoltas, lágrimas e finais apoteóticos, bem como a sociedade do período de Machado, pautada excessivamente nos protocolos, mesuras e formalidades, são alvos de crítica em "Lição de Botânica". Não há um grande final no texto, e a maneira abrupta pela qual Machado conclui a história causa estranhamento ainda hoje. Tal estranheza pode contribuir para gerar uma impressão de que a história não foi plenamente compreendida, e há outros aspectos que podem corroborar esta impressão. Embora "Lição de Botânica" apresente um enredo simples e de fácil entendimento, o discurso utilizado pelas personagens pode soar muito sofisticado às plateias atuais. Trata-se de uma história simples de amor proibido. Entretanto, a colocação diferenciada dos pronomes em geral, a frequente utilização de mesóclises e, mesmo, o vocabulário empregado, por vezes longínquo do léxico atual, pode gerar uma falsa impressão de que a peça não foi plenamente compreendida. Neste momento o mediador assume, novamente, papel importante no debate, ao identificar, nas perguntas, a oportunidade de ressaltar que Machado retrata a fala de uma dada época, quando aquele modo de falar era o modo corrente de comunicação de uma determinada classe social. É imprescindível que o mediador destaque que a compreensão de um espetáculo teatral não implica, necessariamente, o conhecimento de todas as palavras proferidas no palco. Pedir que algum integrante da plateia resuma o espetáculo, pode ajudar o público a ter consciência de que os acontecimentos centrais da peça e o entrelaçamento entre eles, na maioria das vezes, foi suficientemente entendido. Esse é um momento especial, onde o processo educativo se estabelece na conversa e na convivência entre os diferentes participantes do debate (desde pré-adolescentes, estudantes, professores, público diverso, atores e pesquisadores), conversa que se constitui por excelência como um espaço relacional na ação educativa. Como sugere Maturana (1998, p. 80), "a palavra conversa vem da união de duas raízes latinas, 'cum', que significa 'com', e 'versare', que significa 'dar voltas', de maneira que conversar, em sua origem, significa 'dar voltas com' outro". E, nesse sentido, o ambiente do debate após a peça é uma conversa no sentido colocado por Maturana (1998), como um entrelaçamento entre o emocional e o racional no processo da linguagem. O questionamento em relação à trama da peça e à linguagem empregada é um importante mote para discussão sobre a linguagem científica. O hermetismo do barão pode ser estendido aos cientistas atuais? Se afirmativo, em que medida? Aprender ciências implica dominar esta linguagem? O conflito entre a vida profissional e a afetiva, vivido pelo barão e refletido em sua maneira de se comunicar, se aplicaria aos cientistas de hoje? Salomão observa:
[...] quais diferentes vozes sociais se enunciam no texto da peça? Quais as características da linguagem científica? Aprender ciência envolve aprender a falar cientificamente? Quais os diferentes gêneros de discursos e linguagens sociais que se manifestam em aulas de ciências? Esse rol de perguntas contém articulações possíveis na peça, nesse jogo de buscar relações e atribuir sentidos. (SALOMÃO, 2005, p. 13)
As perguntas relativas à formação dos atores (14%) provavelmente advêm do estranhamento que a plateia parece sentir ao presenciar pessoas que, a princípio, não teriam interesse por temas científicos, falarem com propriedade sobre ciências. Seja nas vozes dos personagens que representam no palco, seja no momento em que estão mediando o debate, os atores se apropriam do discurso científico. Em relação aos comentários explicitamente elogiosos, estes constituem 6% das falas da plateia e indicam que o teatro cumpre um de seus papéis primordiais: entreter. Curioso é que, se a linguagem de Machado é, por vezes, motivo de distanciamento do público, ela também se mostra motivo de encantamento e entretenimento, como podemos identificar em alguns comentários de integrantes da plateia, a saber: a) Quando passa algum romance do Machado na escola, os alunos reclamam e dizem que é difícil. Eu digo que não é que Machado seja difícil, é que ele escreveu para uma época. Aqui, no teatro, a linguagem foi usada como feijão com arroz, de forma muito natural. Eu achei o máximo. b) Gostei da linguagem! c) Parabéns! Que dificuldade de linguagem.
As questões sobre ciências
Só uma coisa lhe acho inaceitável:
a teoria de que o amor e a ciência são incompatíveis.
Machado de Assis (1982, p. 355)
As perguntas referentes a conteúdos específicos de ciências representam 5% do total. Embora a peça "Lição de Botânica" apresente termos científicos do campo da botânica - tais como: rubiáceas, cálix ou gramíneas, por exemplo -, as perguntas sobre o significado destes itens são raras. Uma das possíveis explicações pode ser a faixa etária do público, entre 11 e 13 anos, que, em geral, já tem conhecimento do significado destes termos por meio das aulas frequentadas, e mesmo por intermédio da peça, na qual alguns destes termos são elucidados. Outra possível explicação é diametralmente oposta à primeira, mas deve ser considerada. O personagem cujas falas estão relacionadas aos termos em questão, o Barão Kernorberg, o faz de modo tão pretensioso e arrogante que o discurso científico parece ter significado apenas em suas falas, não despertando interesse sobre o que o Barão disserta. Sobre este aspecto, Barcelos (2006) em artigo sobre o amor como princípio epistemológico na obra de Humberto Maturana, observa:
Ao ser dada uma hegemonia quase total ao racional criam-se as condições ecológicas para o desenvolvimento de uma relação, ao fim e ao cabo, anti-social. Negamos com a supremacia da razão, a possibilidade daquilo que nos faz seres humanos: a nossa maneira particular e especial de viver juntos numa conversação que nos faz seres sociais capazes de criar espaços de coexistência solidária e amorosa através de um linguajar comum. (BARCELOS, 2006, p. 590)
O modo pelo qual o Barão se expressa pode constituir bom mote para discussão sobre as formas de comunicar conteúdos de Ciências. Neste sentido, a peça, por abordar a relação entre o cientista e seus afetos, pode estimular o questionamento sobre a relação entre comunicação científica e os sentimentos do profissional da Ciência que, antes de sê-lo, humano é. Tal discussão pode se estender ao campo das relações entre ciência, política e poder. Ao propor a interação entre amor e ciência, Machado de Assis constrói condições favoráveis ao debate sobre os benefícios de uma ciência mais humana, ou, em consonância com Maturana (1997), mais amorosa. Para este autor, os processos de socialização e aprendizagem estão intimamente ligados e, segundo ele, no amor haveria maior probabilidade de se desenvolverem.
o amor é a fonte da socialização humana, e não o resultado dela, e qualquer coisa que destrói o amor, qualquer coisa que destrói a congruência estrutural que ele implica, destrói a socialização. A socialização é o resultado do operar no amor, e ocorre somente no domínio em que o amor ocorre." (MATURANA, 1997, p.185)
Ainda no que se refere às perguntas e sugestões envolvendo conteúdos de ciência, destacamos questões referentes ao ofício do cientista. A pergunta "Qual foi o primeiro trabalho científico de Oswaldo Cruz", por exemplo, parece indicar que, ao assistirem a vida de um cientista fictício em cena, alguns estudantes sentem-se estimulados a questionar sobre cientistas reais. Esta pergunta também nos remete à reflexão sobre a dimensão da experiência teatral, tão importante quando se pretende associá-la à educação científica. É preciso estar atento para o fato de que a percepção que o público tem de uma peça de teatro é determinada por outros fatores além do espetáculo propriamente. A referida pergunta parece advir da interação entre a linguagem teatral e o local onde esta se deu: a Fiocruz. As características arquitetônicas, a localização e a carga simbólica do edifício teatral comunicam por si só, e influenciam diretamente na leitura que o público faz de um espetáculo. Sobre as sugestões relacionadas à ciência, apresentadas por parte da plateia, destacamos a inclusão, no cd-rom exibido após o espetáculo, de ilustrações e esquemas de algumas estruturas citadas ao longo da peça, tais como o perianto, por exemplo, ou mesmo de imagens de famílias de flores que não são mencionadas ao longo do espetáculo. Tais sugestões parecem indicar que, além de despertar interesse sobre os conteúdos relacionados à botânica, a atividade pode estimular a reflexão sobre diferentes maneiras de representar e discutir conteúdos científicos. No que se refere às questões do campo da ciência, vale destacar que 22% das perguntas se referem à epilepsia. O que pode, em primeira instância, surpreender, tem explicações plausíveis. A moléstia não é explicitada na peça, mas está diretamente relacionada à vida do autor de "Lição de Botânica". Machado de Assis sofria da doença e o debate parece ser visto, pela plateia, como um bom momento para esclarecer dúvidas sobre a enfermidade. Questões como "o que é ser epilético?" possibilitam a discussão introdutória acerca do funcionamento do cérebro, articulando-o aos possíveis impactos da epilepsia na vida cotidiana de Machado. Embora tal discussão não constitua objetivo principal da atividade, foi importante incorporá-la, na medida em que expressa uma demanda do público e estabelece, na experiência aqui relatada, mais uma relação entre ciência e teatro.
Machado de Assis e a linguagem teatral
No que concerne às perguntas sobre Machado de Assis, estas parecem indicar a curiosidade do público em conhecer um pouco mais sobre este que é um de nossos maiores literatos, reconhecido internacionalmente, mas que, ao mesmo tempo, ainda é visto como um escritor cuja obra é de difícil leitura. Perguntas como "Ele teve filhos?" ou "Machado também se interessou por Botânica?" parecem demonstrar o interesse da plateia em humanizar o mito. No cd-rom que integra a atividade, a origem humilde do autor, sua condição de homem mulato em uma sociedade de mentalidade escravocrata, bem como o fato de ser gago e epilético são ressaltadas, visando apresentar a capacidade de superação do autor, mas sobretudo seus limites, buscando contribuir para a desmistificação da imagem de Machado. Algumas iniciativas que buscam integrar ciência e teatro apontam a veiculação de conteúdos científicos como uma das principais metas a serem atingidas, atribuindo ao texto teatral o papel de facilitador de conceitos.
O teatro, por sua forma de "fazer coletivo", possibilita o desenvolvimento pessoal não apenas no campo da educação não-formal, mas permite ampliar, entre outras coisas, o senso crítico e o exercício da cidadania. Nosso propósito é também o de desmitificar pré-conceitos, grifo nosso, dos conteúdos científicos adquiridos pelos alunos no decorrer de suas vidas escolares. Os textos são elaborados com o objetivo de transmitir conceitos científicos de forma simples, lúdica e agradável, tendo como perspectiva tornar os conteúdos, às vezes áridos, em bem humorados diá-logos, abrindo os debates em sala de aula". (MONTENEGRO et al., 2005)
Parece ser cada vez mais claro que, por meio do teatro, é possível apresentar conteúdos de maneira atrativa. "O teatro, por seu potencial comunicativo, configura-se como uma ferramenta fundamental ao aprendizado e à difusão científica" (MATOS e SILVA, 2003, p. 256). Entretanto, é preciso refletir um pouco mais sobre a relação entre forma e conteúdo, no campo da educação científica associada ao teatro. É necessário atentar para o fato de que, antes mesmo de comunicar conceitos de ciências, o teatro traz significados característicos de sua linguagem que dialogam com os conteúdos das peças levadas aos palcos. O estilo do autor da peça, a direção, o figurino, a atuação dos atores ou a iluminação cênica, entre outros, são quesitos que compõem a encenação teatral e que comunicam seus próprios significados. Um espetáculo de inspiração simbolista, por exemplo, dotará a luz cênica de inúmeros significados. Roubine (1998), em texto clássico sobre a linguagem da encenação teatral, descreve que "a luz elétrica pode, por si só, modelar, modular, esculpir um espaço nu e vazio [...] fazer dele aquele espaço do sonho e da poesia ao qual aspiravam os expoentes da representação simbolista" (ROUBINE, 1998, p. 21). Portanto, é imprescindível o entendimento de que reduzir o teatro à condição de veículo seria um equívoco que apequena a potência da linguagem teatral. Em consonância com as questões sobre forma e conteúdo aqui desenvolvidas, surgem questionamentos sobre a pertinência da escolha da peça selecionada pelo "Ciência em Cena". De algum modo, as perguntas elaboradas revelam uma certa surpresa por parte do público ao se deparar com um texto que, apesar do título, "Lição de Botânica", e de ser encenado em uma instituição cuja importância no campo da produção científica é tão imponente, e muitas vezes vista com bastante formalidade, não se propõe a ser uma aula de ciências. Perguntas sobre a pertinência deste espetáculo (4%) em um museu de ciências constituem ótimo ensejo para a reflexão sobre a articulação entre linguagem teatral e educação em ciências, visando esclarecer que o teatro não deve ter como missão ensinar ciências, e sim sensibilizar o público para questões e conteúdos do campo das ciências. Se, supostamente, a serviço das ciências, o teatro recair em um didatismo excessivo, não teremos teatro, tampouco ciência.
Considerações finais
Educação, ciência e arte desde que discutidas por cientistas?
As iniciativas que buscam estreitar os laços entre ciência, arte e educação, muitas vezes são realizadas de modo a não atribuir importância equânime a estes diferentes campos do conhecimento. Quando se planeja desenvolver um processo de educação científica associado à linguagem artística, é preciso compor uma equipe de cientistas, artistas e educadores com sensibilidade, formação e atuação de excelência nas respectivas áreas. Além disso, é fundamental que os profissionais estejam dispostos a dialogar entre si, buscando compreender os alfabetos e as lógicas de pensamento específicos de cada área, para que, a partir de então, possam transformar o debate estabelecido, em discursos que tenham potência comunicativa junto ao público não especializado. Trata-se de um amálgama, no qual os diversos campos de conhecimentos aí envolvidos não devem se sobrepor uns aos outros. Na tríade arte, ciência e educação, a arte não deve ser vista como mero recurso, assim como a ciência não deve ser reduzida ao conteúdo a ser apresentado. Mais que isso, assim como a ciência, a arte é construtora de pontos de vista. Ambas são fruto e expressão de uma dada época e devem ser apresentadas como tais. Assim, a proposta de educar a partir da interação entre ciência e arte não pode dispensar a ideia de que estas duas formas de conhecer e expressar o mundo nascem da necessidade de o homem buscar respostas para sua inconclusão. Seja por meio das licenças poéticas ou dos rigores científicos, ou ainda, das licenças científicas e dos rigores poéticos, o homem busca respostas para as perguntas originais. Quem ele é? De onde vem? Para onde vai? - estes são alguns dos questionamentos que fizeram o homem construir a ciência, a arte e tantas outras formas de ler o mundo. Lembrando Freire (1983, p. 27):
[...] Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação. Qual seria o núcleo captável a partir de nossa própria experiência existencial? Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem, [...] não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou? de onde venho? onde posso estar?
A educação se dá porque o homem é um ser inacabado e se sabe como tal. Desse modo, não se pode esquecer que é do inacabamento do homem que nasce a ciência e o teatro, e que este inacabamento é também a raiz da educação.
Artigo recebido em agosto de 2009 e aceito em novembro de 2009.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jan 2010 -
Data do Fascículo
2009
Histórico
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Recebido
Ago 2009 -
Aceito
Nov 2009