Resumo:
Qual a função e o papel do gênero? Qual o significado do uso desse termo não apenas para os movimentos feministas, mas para a produção de conhecimento? Por que usar o gênero como categoria de análise para se pensar o “humano”? Busco aqui pensar, cerca de 30 anos depois da publicação do texto cânone de Joan Scott, o que significa usar o gênero como categoria de análise quando perspectivas como a decolonialidade nos mostraram que o gênero pode ser uma forma de colonialidade e pode produzir discursos que escondem a multiplicidade da vivência das relações fora do sistema-mundo da colonial modernidade. Sustento ser o gênero uma categoria de análise capaz de desestabilizar o que é ser homem ou ser mulher apenas quando percebido não como uma categoria primária, secundarizando a raça, mas como categoria junto a ela produzida.
Palavras-chave: Gênero; Feminismo; Decolonialidade; Raça
Abstract:
What is the role and the usage of gender? What is the meaning of the use of this term not only for feminist movements, but for the production of knowledge? Why use gender as a category of analysis to think the “human”? I try to think, about 30 years after Joan Scott's canonical publication, what it means to use gender as a category of analysis when perspectives such as decoloniality have shown us that gender can be a form of coloniality and can produce discourses that hide the multiplicity of the experience of relations outside the world-system of colonial modernity. I here argue that gender is a category of analysis capable of destabilizing what it is to be a man or to be a woman only when perceived not as a primary category, having race as secondary, but as a category with which it is produced.
Keywords: Gender; Feminism; Decoloniality; Race
Introdução: para revisitar o gênero como categoria de análise
Seja como movimento social, seja como teoria, o feminismo teve – e ainda tem – diferentes formas de identificar o seu “sujeito” ou de definir os termos segundos os quais organiza sua luta ou teoria: do feminismo que dependeu da essência de uma “identidade feminina” e ou de uma “mulher” que identifica o sujeito em nome de quem se fala, ao feminismo que, diante da crítica de feministas negras1 e/ou da crítica do transfeminismo2 e da teoria queer,3 fala de “mulheres”, suavizando o discurso universalizante; do feminismo que de um lado tem por foco o patriarcado, ao feminismo que tem o gênero como categoria. Essa concepção do movimento/teoria feminista que depende de um “sujeito” tem sido discutida não apenas no sentido de que as universalizações em torno dos termos mulher ou mulheres amalgamam realidades heterogêneas (Badinter, 2005, p. 23) ou mesmo excluem determinados grupos de mulheres e suas realidades, demandas e formas de produzir conhecimento, mas também porque “o próprio sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis e permanentes” (Butler, 2003, p. 18).
O que quer dizer, no entanto, usar o gênero como categoria de uma luta política ou de uma forma de se produzir conhecimento? Como compreender a produção teórica feminista a partir do uso do termo gênero? A intenção do uso da categoria gênero no lugar da categoria sexo tem uma primeira função ou consequência de rejeitar a imposição por um determinismo biológico sobre o que seria “ser mulher” e “ser homem”. Ao utilizarem gênero e ao destacarem o caráter social e construído do gênero, a intenção é a de problematizar a posição da mulher em sociedade ou, mais do que isso, problematizar o “ser mulher”. Assim, o gênero é tomado como pergunta, como categoria que permite colocar em questão os sujeitos – como sujeitos da cultura, como sujeitos sociais, como sujeitos históricos, como sujeitos políticos e como sujeitos de direitos. Essas intenções ou movimentos, contudo, ainda não nos deslocam completamente da criação de sujeitos universais e, assim, esse uso do gênero como categoria de análise é aqui submetido a uma virada decolonial. Afinal, o que significa a ideia de um “tornar-se mulher” (Beauvoir, 2009) baseada na suposta realidade natural do sexo, em uma espécie de oposição corpo/mente ou corpo/alma? Esse tornar-se implica a ideia de uma “subjetividade impressa ao corpo”, ou uma “humanidade impressa ao corpo”, como se o gênero nos diferenciasse dos “não-humanos”? E precisamos realizar essa diferenciação? No marco da decolonialidade, o desfazimento da binariedade humanos/não-humanos se torna essencial e corpo, sexo, gênero e raça são categorias fundamentais para realizar esse procedimento e para, inclusive, ler como atribuímos sentido a homem e mulher não apenas dentro do sistema sexo/gênero, mas em um sistema de colonialidade que articula os três marcadores para dar diferentes sentidos aos corpos que categoriza.
Para isso, primeiro, uma rápida revisitação do que Joan Scott nos trouxe. A autora toma o gênero como uma categoria de análise histórica: não uma resposta, mas uma pergunta, um modo de fazer perguntas. Ele é, para autora, “fazer perguntas históricas”, um convite a se pensar criticamente como corpos sexuados são produzidos, implantados, modificados e, também, como sobrevivem (Scott, 2010, p. 9). Na primeira parte do conceito por ela apresentado aparece a relação diferença sexual/gênero: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” (Scott, 1990, p. 86), um pouco parecida com a ideia de algum modo inaugurada por Simone de Beauvoir. Tal fato nos faz perguntar: há um natural do ser mulher correspondente ao sexo e um cultural do ser mulher correspondente ao gênero? O que diferencia sexo e gênero? Seria a mesma oposição natureza e cultura? É o gênero um efeito do sexo?
Não responderei aqui todas essas perguntas, que são alguns dos objetos do meu trabalho de tese. Elas nos servem, de início, entretanto, para relembrar uma crítica feita a Scott: essa “diferença percebida entre os sexos” do conceito pareceria manter a suposta linha que associa corpo-sexo-gênero-desejo-orientação sexual-sexualidade em duas formas, as do masculino/feminino, sem levar em conta o “conteúdo histórico da construção dos corpos sexuados” (Bento, 2006, p. 75) e, ao assim fazer, essa formulação correria o risco de reforçar a estrutura binária e linear de formação dos sujeitos, incorrendo em uma operação tautológica, uma vez que a “diferença” ali colocada não se trata de um “jogo de produção de diferenças identitárias infinitas” da différance, mas na pressuposição da diferença dimórfica entre os sexos, o que nos aprisio-naria na ideia de que o discurso do gênero necessita (ou pressupõe, eu diria) da diferença sexual (Bento, 2006, p. 76) ou do dimorfismo sexual.
A ideia de gênero como baseada na “diferença percebida entre os sexos”, na oposição natureza/cultura, rendeu uma longa e vasta herança ao campo, muitas vezes não se atentando para os riscos e críticas acima expostos ou ainda não se atentando que a própria autora, de algum modo, posteriormente recoloca ou esclarece os termos com que apresentara o gênero em 1986, o que haveria gerado, como ela própria nomeia, alguns “usos e abusos” (Scott, 2012) de tal conceito. Quero com isso estabelecer que não me parece que a razão esteja nem com as que adotam a noção de gênero como diferença percebida entre os sexos como oposição natureza/cultura ou como construção social, nem totalmente com a crítica de Berenice Bento. Por um lado, se tomarmos apenas o texto de 1986, sua crítica se aplica – e considerando ser seu trabalho de 2006, a crítica é adequada ao contexto temporal –, quando diz que a análise de Scott acaba por reforçar aquilo mesmo que quer combater: seu conceito que ficou famoso diz que “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. A inclusão da expressão “baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” cria a tautologia que Bento denuncia.
Estamos, contudo, em 2018, e ler esse texto que se tornou cânone terá que significar ler Scott quase 30 anos depois. Suas produções posteriores contam outra história sobre o conceito e nos fornecem outra forma de leitura. Em 2008, a historiadora escreve Unanswered questions, uma espécie de “texto explicativo” em que conta a história daquela primeira publicação (Scott, 2008). Ali, aponta que suas ideias foram usadas incorretamente muitas vezes, com certo essencialismo ou com inclinações que não se adequam ao que pretendeu dizer. Isso porque, explica, suas ideias trazem em si um ponto fundamental: se gênero é um conceito, também mulher o é. E se mulher é um conceito (Scott, 2010, p. 9-10), assim também homem.
Ainda que se possa dizer, com Berenice Bento, que, em 1986, Scott continuava de algum modo se remetendo à diferença sexo/gênero, hoje, após os textos publicados entre 2008 e 2014, não é possível mais sustentar a mesma linha. Usar o gênero como categoria de análise é compreender que este funciona como um desestabilizador de conceitos como mulher, homem, sexo e mesmo corpo. Adotar uma posição essencialista ou firmada no sexo como categoria fixa não se alinharia com o que se propõe quando se diz gênero como categoria de análise. Sua crítica é a de que com o gênero sendo utilizado como um conceito ou um instrumento para explicar as relações entre homens e mulheres – gênero como relação socialmente construída e sexo como atributo natural – ocorreu o contrário do que se pretendia: homem e mulher continuaram a ser identificados como realidades dadas e fixas e apenas as “relações” estabelecidas entre estes seriam mutáveis ou capazes de serem transformadas. Gênero seria um conceito, uma categoria de análise, submetido, portanto, à reconstrução, discussão, problematização. Analisado diante do contexto histórico, social, cultural, homem e mulher seriam realidade, estariam fora da história, fora de qualquer contexto. Seriam natureza. Pois não. O uso dessa categoria implica que homem e mulher são conceitos social, corporal e historicamente inscritos tal qual “gênero”. Nos encontramos aqui, contudo, com um segundo limite: nada disso bastará se, falando de conceitos historicamente inscritos, não articularmos a raça, categoria fundamental dos estudos decoloniais. É ao desenrolar deste segundo limite que me dedico a seguir.
Gênero e raça: a necessidade de articulação das categorias
Com essas linhas preliminares, vem a questão: o que significa usar o gênero como categoria de análise decolonial? Sustentarei aqui a posição de ser o gênero uma categoria de análise capaz de desestabilizar o que é ser homem ou ser mulher apenas quando percebido não como uma categoria primária, secundarizando a raça, mas como categoria junto a ela produzida.
Performar um estudo decolonial passa por entender, diferente do que se convencionou chamar de pós-colonialismo, que tal forma de realizar estudos está ligada à história da América Latina. Isso significa que, nesse contexto, fala-se em continuidade das relações coloniais de poder – a colonialidade do poder – “através das categorias de gênero, raça e classe” e que não vivemos um momento pós experiência do colonialismo: a colonialidade é e continua a ser presente (Lima Costa, 2014, p. 929) na relação entre os países, entre países e sujeitos e entre os sujeitos, colonialidade que é “de poder, saber, ser, natureza e linguagem, sendo também constitutiva dessas” (Lugones, 2014, p. 940).
Não há dúvida de que a perspectiva decolonial – especialmente seu olhar sobre a raça e a criação da raça como produto da colonialidade europeia na América Latina – é fundamental para compreender a binaridade hierarquizada do sistema então criado e que nos organizou dali até hoje. A aposta, no entanto, encontrada, por exemplo, em autores como Anibal Quijano, de que a raça é a categoria que forma o sistema-mundo da colonialidade é insuficiente e mesmo “totalizante” ao invisibilizar o gênero (Mendoza, 2010, p. 24), além de essencialista e naturalizadora, pois toma o sexo como dado da natureza, organizado e organizando sempre da mesma forma as relações entre os sujeitos. É nesse contexto – para resumir algumas das críticas feitas – que passa a ser realizada uma análise feminista da colonialidade – ou um feminismo decolonial – para pensar como as normas de gênero fazem parte da colonialidade do poder, do saber e do ser. Passa-se a falar também da colonialidade do gênero, passa-se a pensar que tanto o gênero é informado pela raça, quanto a raça é informada pelo gênero. Daí entender não ser possível falar em gênero sem pensar a colonialidade, nem falar de colonialidade sem incluir o gênero. Isso significa, então, que também não há como partir de perspectivas em que o gênero passa a ser a categoria explicativa central e principal e a raça algo que cria matizes ou particularidades dentro de um suposto sistema primário de opressão organizado pelo gênero (Espinosa-Miñoso, 2014, p. 11-12). Não é essa tarefa de inversão explicativa de sistemas de opressão que se pretende com uma episteme feminista decolonial.
Por isso, portanto, talvez nossa pergunta de início deva ser: mas será que todas fazemos gênero? Não seria o gênero uma categoria moderna e ocidental? É possível utilizá-lo como categoria quando se deseja andar pelas margens de um estudo decolonial? Estudos feministas e de gênero localizados para além do discurso moderno-ocidental produziram e produzem trabalhos que, repetidamente, mostram como povos originários, povos indígenas, grupos sociais e comunitários colonizados não possuíam (ou ainda não possuem) uma estrutura hierarquizada de gênero como a que se imprimou na colônia pela metrópole.4 Essas pesquisas revelam como a cultura desses povos, muitas vezes, possuía e possui uma maior transitoriedade das posições de gênero, uma relativa igualdade, uma divisão de tarefas que não se assemelha ao que se convencionou chamar divisão sexual do trabalho, um respeito pela homossexualidade, identidades de gênero mais fluidas e não decorrentes do sexo e mesmo diversas do duplo homem-mulher. É o exemplo do fazer gênero de povos originários da América Latina, em que concepções múltiplas ou duais são substituídas pela imposição binária colonial. Ainda que nesses, por exemplo, em sua maioria, haja “divisões” dos papéis entre “machos” e “fêmeas”, a partir de alguma evidência biológica, isso não leva à consequência da hierarquia de gênero binário, já que essas divisões ou são duais (Segato, 2012) ou funcionam de modo assimétrico, mas não hierárquico (Gargallo, 2014) ou “nem sempre se reduzem a estes dois pares” (Fonseca, 2016, p. 120).
Usar exemplos como esses, contudo, não significa tomá-los como um antes a-histórico, como ideal a ser retomado ou uma essência perdida. A questão que quero destacar, ao fazer tais referências, não é disputar se havia ou não uma compreensão de gênero pré-colonial, ou se o colonialismo criou ou não a “mulher” e as diferentes formas de analisar o gênero. Tais referências são fundamentais para se perceber que a colonial/modernidade entrega o que já havia retirado, como aponta Rita Segato: povos que possuíam outro fazer do gênero tem suas redes de relações que funcionam de modo dual ou múltiplo esgarçadas pela violência colonizadora. A normatividade rígida de gênero, centrada na reprodução e na domesticidade e feita como ideal civilizatório contra os males de uma relacionalidade “desviante” em termos de gênero e sexualidade, faz parte do arsenal racista da colonialidade e, uma vez imposta como ideal e parâmetro de relações, modifica as conformações de relacionalidade dos colonizados, reforçando estruturas e hierarquias de gênero que tinham outras dinâmicas (Segato, 2012). Quando, agora, teorias e políticas querem apresentar outra forma de ver o gênero, combatendo violências e mesmo usando de desigualdades de gênero presentes entre os povos indígenas para difundir “proteção das mulheres”, o que está acontecendo é um “entroncamento patriarcal” (Segato, 2012, p. 115) em que “as relações de gênero internas nos povos indígenas sofrem interferências da cultura ocidental ao redor (Fonseca, 2016, p. 117-118). Além disso, identificar essas outras formas do fazer o gênero nos faz perceber que as tais novas percepções de gênero que o discurso feminista e/ou queer quer entregar não são tão novas (e talvez aprenderíamos mais estudando esses outros fazeres).
O que quero afirmar é que uma análise decolonial pressupõe que se pense como raça (e classe)5 e gênero (re)produzem-se reciprocamente nessa construção moderna binária. É por isso que usar o gênero como categoria de análise em um trabalho brasileiro e latino-americano precisa se transformar em usar o gênero como categoria de análise decolonial: mais do que falar de interseccionalidade de raça, classe e gênero, de analisar como essas categorias de opressão funcionam criando experiências diferentes, trata-se de analisar como essas categorias juntas, trabalhando em redes, são ao mesmo tempo causa e efeito d(n)a criação dos conceitos umas das outras. Isso significa dizer que a forma como compreendemos o gênero depende de como compreendemos a raça e a classe, e o contrário igualmente. Passa por pensar como “categorias de branquitude e negritude, masculinidade e feminilidade, trabalho e classe passaram a existir historicamente desde o início” (Mcclintock, 2010, p. 39), não para analisar como a raça afeta um grupo específico de mulheres, mas para realizar análises que levem a sério a “colonialidade e o racismo – não mais como fenômeno, mas como episteme intrínseca a modernidade e seus projetos libertadores – e sua relação com a colonialidade de gênero”, abandonando a mulher universal vista sob um sistema único de opressão (Espinosa-Miñoso, 2014, p. 12).
Organizado em torno da produção do “outro” como inferior, o pensa-mento colonial, euro e antropocentrado funciona mediante as relações hierarquizadas que cria e esconde essa criação com atribuições de natureza ou essência, funcionando em sua dicotomia principal, conforme aponta Maria Lugones: a de humanos e não-humanos. A autora fala de uma desumanização constitutiva da colonialidade do ser, processo que não é apenas uma classificação de “povos em termos de poder e gênero, mas também o processo de redução ativa das pessoas, a desumanização que as torna aptas para a classificação, o processo de sujeitificação e a investida de tornar o/a colonizado/a menos que seres humanos” (Lugones, 2014, p. 939). Com isso quero dizer que nem somente a raça, nem somente o gênero. Ambas categorias formam a hierarquização binária moderna que atribui (ou não) humanidade aos sujeitos e constitui um outro menos ou não-humano, categorizável, excluível, explorável; especialmente quando esses marcadores ou categorias são transformados em discursos científico-biológicos – utilizados para instaurar e manter ao mesmo tempo essa hierarquização. “[N]o mundo da modernidade não há dualidade, há binarismo” (Segato, 2012, p. 122-123). E se nesse mundo, ou no saber desse mundo, não há espaço sequer para relações duais,6 que dirá para pensar expansivamente as relações de gênero. Desfazer as formas de saber e poder que esse sistema-mundo nos entregou é fundamental para um pensamento que se pretenda expansivo. Isso tudo nos levará a urgência de que, para pensar os significados do “humano” é necessário analisar o gênero dentro da perspectiva decolonial que reconhece a raça como uma das principais categorias definidoras e hierarquizantes do humano.
Não é possível, então, pensar que gênero signifique sempre a mesma coisa (Strathern, 2006, p. 77), signifique sempre os mesmos tipos de relações, nos moldes de uma dominação masculina ou de um patriarcado. Pensar o gênero como performatividade e relacionalidade compreende perceber a multiplicidade do fazer gênero fora do mundo ocidental-moderno. Isso não quer dizer que esse fazer seja sempre binário, ou que sendo binário seja sempre de dominação ou que seja sempre tomado como organização linear entre sexo-gênero-desejo. Ainda que, de algum modo, o que Connell e Pearse (2015) chamam de “arena reprodutiva” possa representar um ponto comum de significação – e acho que posso assumir esse ponto –, essa significação é variável. Quero dizer, então, que da função reprodutiva e da posição que cada sujeito ocupa nessa função, não decorrem significados imediatos necessários ou universais e não decorre necessariamente uma significação sob a forma de poder ou dominação. Usamos o gênero como forma de significação de poder. Mas, numa virada decolonial, é preciso dizer que essa operação é resultado do colonialismo e é parte da colonialidade que nos fica como legado.
Além disso, parece-me que de nada adianta realizar análises de gênero com pretensões expansivas partindo de suposições de fixidez: “há um patriarcado”, “há uma dominação”, “o homem é sempre o dominador”. Essa forma de teorizar cai em, ao menos, dois riscos: o primeiro, o risco colonizador, o pressupor que as noções de gênero podem ser vistas sempre por esse mesmo ângulo como se universal fosse e que é em realidade apenas a formação ocidentalizada. Como defendi acima, essa noção de dominação de gênero é uma imposição colonial que, inclusive, invisibiliza, condena, usa como medida negativa (quando não criminaliza) formas outras de organização ou relação de gênero. Se e quando teorizamos a partir dessa espécie de suposição, compramos a narrativa colonial como a explicação “verdadeira” e universal das formas de relações e embarcamos na empreitada colonial de invisibilizar outras formas de ser no e do gênero. O segundo risco é o de que se a estrutura de dominação é fixa, precisaremos advogar, como faz Mackinnon (1987), alguma espécie de pensamento salvacionista, já que sair de uma estrutura como essa característica não é possível.7
O que aqui se sustenta é que as categorias não existem de modo independente como “distintos reinos da experiência”, e também não podem ser objeto de uma análise de soma ou encaixes como “simplesmente encaixados retrospectivamente como peças de um Lego”, na linha de Mcclintock, para quem elas existem “em relação entre si e através dessa relação – ainda que de modos contraditórios e em conflito” (2010, p. 19). Meu argumento é o de que gênero e raça constituem linguagens que dão significado ao humano, linguagens que dão significados aos corpos. Mas mais do que isso: que, como linguagens da modernidade binária que categoriza o outro, assentadas na dicotomia principal humano/não humano, a dicotomia sexo e gênero é construída sob o signo da raça e vice-versa, combinando-se para legitimar a referida dicotomia principal:
se estou certa sobre a colonialidade do gênero, na distinção entre humano e não humano, sexo tinha que estar isolado. Gênero e sexo não podiam ser ao mesmo tempo vinculados separavelmente e racializados. O dimorfismo sexual converteu-se na base para a compreensão dicotômica do gênero, a característica humana. Alguém bem poderia ter interesse em argumentar que o sexo, que permanecia isolado na bestialização dos/as colonizados/as, era, afinal, gendrado.
O que é importante para mim aqui é que se percebia o sexo existindo isoladamente na caracterização de colonizados/as. Isso me parece como um bom ponto de entrada para pesquisas que levam a colonialidade a sério e pretendem estudar a historicidade e o significado da relação entre sexo e gênero (Lugones, 2014, p. 937-938).
É esse desafio posto por Lugones que devemos enfrentar: levar a colonialidade a sério ao usar o gênero como categoria para nossas análises – jurídicas, no meu caso – e, para isso, usar o gênero como categoria de análise decolonial que, como saber localizado, deverá levar em conta como essas linguagens se produzem num dado contexto.
Outra questão me parece também relevante nesse tipo de empreitada decolonial: por que o gênero e não “estereótipos de gênero” como categoria de análise? Parece-me que tal categoria se aproxima mais de uma visão de “construção” do que de uma visão de performatividade e quero me afastar daquela primeira, uma vez que é na noção de performatividade que pode se falar em conceitos como o de iterabilidade, que são vitais para a minha análise na tese. Andando por essas noções, ao contrário do uso de teorias de “construção”, não há nem o pressuposto de um “construtor” anterior à norma de gênero nem a necessidade ou risco dessa pressuposição, nem mesmo uma noção estática que gera o risco de estabelecer um “destino” traçado pela construção. Além disso, o uso de “estereótipo” como categoria gera outros riscos e complicações, especialmente quando lidamos com identidades trans e travestis, que vivem muitas vezes entre dois dilemas de inteligibilidade que lhe são impostos: enquanto, dentro de uma lógica médico-psicológica, muitas vezes essas pessoas precisam aprender a reproduzir o estereótipo para que seu gênero ganhe inteligibilidade são, de outro lado, criticadas por feministas radicais por reproduzirem e perpetuarem estereótipos (Vergueiro, 2015, p. 185). Creio, então, que tal categoria não possibilita a leitura expansiva que procuro. A ideia de performatividade, ao contrário, traz uma libertação, um soltar de amarras do gênero, “ele é um tipo de ação que pode potencialmente proli-ferar-se além dos limites binários impostos pelo aspecto binário aparente do sexo (Butler, 2003, p. 163-164).
E a ideia de estereótipos pode ser arriscada ou limitadora quando não colocada em conjunto com a raça. Quando se tomam os estereótipos em sua ideia de uma visão pré-concebida e ou generalizada sobre as “as capacidades ou os papéis dos membros de um grupo, o que torna desnecessária a consi-deração das capacidades de um membro em particular” (Cook e Diniz, 2011, p. 454-455), parece-me que isso diz pouco sobre como o gênero e a raça funcionam para hierarquizar humanidades; pouco sobre como as imagens produzidas sobre o gênero o são de modo não único mas diferenciado, porque articuladas com as imagens produzidas sobre a raça; pouco sobre como se trata sobre mais do que papéis ou moldes, mas sobre atribuição de sentido, subjetividade e humanidade a partir de um olhar de fora. Estereótipos ou padrões de gênero não funcionam – no sentido de serem impostos ou relacionados a – igualmente para todas as pessoas e, muitas vezes, funcionam justamente em sentido contrário aqueles que comumente são identificados como “impostos” a mulheres brancas. Nesse jogo, cria-se um padrão de humanidade pela oposição masculino/feminino, enquanto constroem-se outros signos para pessoas negras, signos comumente associados ou aproximados à natureza, a animais, a não-humanos.
Há um destaque que merece ser feito aqui: nessa articulação raça-sexo-gênero, mulheres e homens negros e indígenas são comumente identificados não só como corpos, mas como corpos hipersexualizados. Na linha do que venho sustentando, quero com isso ressaltar que, no marco da colonialidade do gênero, há mais do que um estereótipo, mas um processo em que se nega a de-terminados corpos o componente construído, cultural, racional, relacional. São apenas corpos, dotados não de gênero, desejo e sexualidade, mas de sexo, ins-tinto, impulso. Hipersexualizados, esses homens e mulheres são alvo de repre-sentações racistas que usam de representações de sexo/gênero ao mesmo tem-po, criando novas e outras hierarquizações que não se resumem apenas aquela de masculino/feminino e que transformam pessoas negras (e assim também pessoas indígenas) em uma espécie de padrão de negatividade (Souza, 1983).
Noções de feminilidade e masculinidade, por exemplo, são produzidas de modo racializado (Mcclintock, 2010, p. 39). Isso significa, então, que imagens, discriminações e estereótipos de gênero utilizados também contra mulheres brancas são imagens racializadas, mas no sentido inverso, com a raça como instrumento para construção de um modelo não desejado, do não-ser. Com isso não quero dizer haver aí um racismo contra mulheres brancas, de forma nenhuma. O caminho é outro. O imaginário de mulheres brancas – como os de fragilidade, domesticidade, maternidade, por exemplo – é produzido em oposição a imaginários sobres homens e mulheres negras e indígenas pela negação do gênero a estes últimos, o que levará ao fato de que isso está presente tanto no sentido de que constitui-se a ideia do “gênero feminino” como ideal branco oposto ao de mulheres negras e indígenas como possuidoras apenas de sexo e, assim, como aquilo que “não se quer ser”; quanto no sentido de que esse ideal também é construído junto a composição de um “gênero masculino” que, negado aos homens negros e indígenas, identifica-os como hipersexualizados, agressivos, perigosos, predadores. A ideia de uma mulher branca pura, frágil e vulnerável, sem uma contraposição racializada, implodiria o próprio ideal de uma matriz heteronormativa. Afinal, se frágil em oposição ao “homem”, o homem branco é um predador ou ameaça a essa mulher desprotegida. A formulação de sentidos do gênero na colonialidade guarda esse externo destituído de gênero: o homem negro que ameaça a mulher branca e justifica a caracterização “protetora” do homem branco. O imaginário sobre a masculinidade negra revela essa atribuição de sexo sem gênero, de corpo sem mente, de desejo sem controle na atribuição de uma sexualidade violenta e criminosa e que faz deles também vítimas de violência física e sexual. Quando Angela Harris fala que a análise feminista que não leva em conta como a raça faz com que o estupro seja visto como algo que “só acontece com mulheres brancas” e que “o que acontece com mulheres negras é simplesmente a vida” (Harris, 1990, p. 599) também assim se dá com a violência física e sexual que atinge homens negros: como “sujeitos sem gênero”, assim como as mulheres negras, não são vistos como vítimas, mas mais ainda, só são percebidos como agressores. Ao (hiper)sexualizar mulheres e homens negros, negando-lhe o gênero, estes passam a ser percebidos como apenas corpos destituídos de subjetividade, operação que se torna fundamental para que o genocídio negro – e toda violência que o compõe – não seja computado como tal: o eliminado não é vítima, não é humano.
Considerações conclusivas: a proposta do gênero como categoria de análise decolonial
Quando me proponho a pensar o gênero como categoria de análise sobre o humano no Direito, na decolonialidade algumas urgências se fazem presentes: (i) identificar que a colonialidade, como uma cadeia histórica de significados de saber, poder e ser, organiza-se de modo binário hierarquizado, por pares opostos em que se sustentam as relações, o conhecimento, as estruturas; (ii) essa articulação de pares ganha vários modelos e três dos seus principais que, no fundo, guardam ideias bastante semelhantes ou são usados com propósitos semelhantes são aqueles de natureza/cultura, corpo/mente, não humano/humano. Com esses pontos em mente, é preciso que empreendamos reflexões críticas que (a) trabalhem nos entre-lugares dos binarismos, para borrá-los; (b) tenham por propósito descentralizar as hierarquizações entre os pares acima expostos. Com isso, quero destacar que, situando o estudo na decolonialidade, sigo Lugones em afirmar que a grande dicotomia da colonial modernidade é a entre humanos-não humanos, dicotomia essa que não se resume a diferenciar humanos de outros seres vivos, mas que molda critérios de definição de humanidade que criam “menos humanos”, “humanos inferiores”, “não humanos”.
Neste trabalho, portanto, usar o gênero como categoria de análise significa, ao mesmo tempo, que ele é um termo que permite desestabilizar e repensar outras categorias ou termos como mulheres, mulher, homens, homem, humano, sexo e corpo. Permite e exige, ainda, que o exame destes termos deva ser analisado sob o signo da raça, construção própria da modernidade colonial. É, desse modo, uma categoria que permite submeter tais termos a uma epistemologia performativa-decolonial. Mas “se gênero é um modo de fazer perguntas e se ele não é nem essencialmente emancipatório nem essencialmente nefasto” (Butler, 2011, p. 8), por isso, nem toda teoria de gênero, nem todo uso de teorias sobre o gênero significarão uma expansão a respeito do que cabe no humano, assim como algumas formas de teorizar o gênero guardarão um caráter antropocentrado e se assentarão na oposição humano/não humano. Uso o gênero justamente para enfrentar essas questões: são essas as perguntas que chamo de performativas-decoloniais.
Assim, sustento que raça, sexo e gênero são categorias que devem ser examinadas em conjunto porque produzidas em conjunto e não apenas porque produzem estereótipos ou discriminações diferentes quando observadas em conjunto na experiência dos sujeitos. Desse modo, ainda que permaneça a dúvida sobre se “todas fazemos gênero?”, uma resposta preliminar é que, como atribuição de sentido aos corpos e suas funções reprodutivas, talvez sim, todas façamos. Mas que, como distribuição de poder binária hierarquizante, a resposta não é única ou rápida e é isso que também nos exige usar o gênero como categoria de análise decolonial: como forma de investigar o que a colonialidade do gênero apagou, destruiu ou invisibilizou e como as noções de gênero da modernidade colonial que hoje discutimos ou combatemos são construções que usam da raça e do sexo de modo articulado para preencher a oposição entre humanos e não-humanos.
Usar o gênero como categoria de análise decolonial significará empreender estudos que vejam que o que hoje entendemos ou usamos como sexo/gênero foi construído no performativo da colonialidade, tendo a raça e o racismo como informadores dessa construção, ou seja, raça, sexo e gênero não surgem como conceitos separados, mas são forjados numa mesma matriz que tem como estrutura binária central aquela de humanos/não-humanos. E isso significará pensar que se há um “ideal” do gênero, como aponta a teoria da performatividade, esse ideal não é apenas um ideal heteronormativo, mas também um ideal branco: nesse processo relacional do colonialismo que é ou que se sustenta como poder por ser processo de desumanização do “não-europeu” que atribui a este o lugar da natureza e do corpo – desprovidos de cultura e desprovidos de razão – a dimensão generificada do humano também lhe é negada e se atribui a estes apenas o sexo. Quero dizer que homens e mulheres escravizados e/ou colonizados não são reconhecidos como homens e mulheres na dimensão de gênero, mas apenas na medida em que essa distinção se faz relevante, seja para fins reprodutivos, seja para fins de justificar o acesso do homem branco aos corpos de mulheres negras e indígenas. Mas quero dizer mais. Não se trata apenas de uma nota de um momento histórico – esse da escravidão e dessa fundação da raça como estruturante da colonial-modernidade –, mas de uma construção de significados; não apenas que essa é uma dimensão da realidade das relações do colonialismo, mas a fundação do ideal branco cis-heteroconforme, da colonialidade de gênero e, mais ainda, da colonialidade do ser. Assim, a criação de uma matriz normativa de gênero, entendida como uma forma de negativa de humanização a determinados corpos é um produto da colonialidade e tem, em si, um componente racial: a criação da norma do gênero como domesticidade e reprodução como ideal de “cultura”, “civilidade”, “racionalidade”, que coloca a branquitude como ideal, que forma um ideal de gênero oposto a práticas, comportamentos, vivências, corpos, experiências “selvagens”, “naturais”, “irracionais”.
Com isso colocado como questão, qualquer crítica sobre a artificialidade da atribuição de sexo ou gênero aos corpos, qualquer crítica sobre como noções de gênero são formadas socialmente passa a exigir uma crítica sobre a dimensão racial dessa formação. As imagens, estereótipos, signos, marcas do gênero estão informadas por uma distinção racial e, mais do que isso, o que entendemos por sexo e gênero é cunhado nessa mesma cadeia histórica de significados que tem a raça como informador, ou seja, são formados no performativo da colonialidade. Assim, teorias, conceitos e práticas sobre sexo e gênero são produzidas informadas pela raça e pelo racismo e, quando não levam em conta esse componente, correm o risco, já diversas vezes denunciado, de reproduzirem o humano universal das próprias teorias que criticam, deslocando-o apenas do “homem universal” para a “mulher universal” e, com isso, continuam a essencializar sujeitos e experiências.
O que quero sugerir aqui é que a colonialidade usa a raça e o sistema sexo/gênero em seu processo de desumanização. Ou seja, nem a raça sozinha promoveu essa forma de inferiorização dos sujeitos, nem o gênero sozinho produz hierarquizações, estereótipos ou relações de dominação: a raça e o racismo, junto à ideia de que alguns sujeitos possuiriam sexo e outros gênero, como quem opõe natureza e cultura, que criaram a ideia de não-humanos racializados. E digo não sozinha não porque cada um deles não se caracterizariam como mecanismos capazes de sustentar processos de dominação, mas porque não me parece que tenham sido – e que continuem sendo – processos estanques e separados um do outro, além de que as articulações permitiram que a inscrição da colonialidade tivesse ainda mais força. De outro lado, o gênero sozinho não produziu essa desumanização que a teoria performativa apresenta. Vale dizer, claro, que essas categorias sexo/gênero não existiam como tal no contexto colonial. O que sugiro com essa articulação é a de que se atribuía uma correspondência a essa estrutura, que é a de natureza/cultura e de corpo/mente como parte da dicotomia principal não humano/humano que nos fica até hoje.
Ao mesmo tempo, digo que perceber ou questionar esse uso nos revelará que há outros modos de pensar o gênero, ou ainda, há outros modos de pensar o humano que não esse da hierarquização com fundamento na articulação de sexo-gênero-raça sobre corpos que são mais do que essa linguagem diz. Ainda, sustento que a raça é generificada, ou seja, que a formação das noções sobre raça na colonialidade é marcada pelo sexo/gênero. Isso significa que, naquele processo acima dito da negação da dimensão generificada, ao mesmo tempo, essa operação funciona para poder atribuir uma suposta verdade sobre a raça e julgamentos sobre sexo, corpo, sexualidade, natureza são utilizados na construção de pessoas negras e indígenas como não-europeus, não-ser, não-humano. Dizer, no entanto, que raça é generificada e o gênero é racializado não significa pretender transformar as categorias em uma única, como se quisesse explicar que toda opressão de raça é, na verdade, uma opressão de gênero ou que toda opressão de gênero é, na verdade, de raça. Quero apenas propor que sempre busquemos perceber as produções mútuas e articuladas ao fazermos pesquisas que tomam o gênero como categoria de análise, entendendo que ele sozinho nos trará respostas que contam apenas uma parte da história.
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Algumas das referências de destaque do feminismo negro e sua crítica ao feminismo branco e europeu estão, dentre outras, em Angela Davis (2016), bell hooks (1981, 1990, 1995, 2000), Lélia Gonzalez (1984, 1988), Luiza Bairros (1995), Patricia Hill Collins (2000), Aparecida Sueli, Carneiro (2003, 2011).
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A respeito do transfeminismo, ver trabalho de Jaqueline Gomes de Jesus (2012) e seu trabalho com Hailey Alves (2010) e a dissertação de Viviane Vergueiro (2015).
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Dentre as muitas referências, ver Sarah Salih (2012) e Guacira Lopes Louro (2004). Sobre queer numa perspectiva decolonial, dentre outros, Larissa Pelúcio (2012), Pedro Paulo Pereira (2015), Hija de Perra (2014) e Viviane Vergueiro (2015).
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Não trabalhei a categoria classe neste artigo em razão de uma limitação decorrente da forma escolhida para a escrita da tese: ali escolhi por analisar as formas discursivas pelas quais conhecemos os corpos, as cadeias históricas de linguagem por meios das quais corpos são constituídos e conhecidos, para poder encontrar o que nelas foi excluído, recalcado ou recusado e repensá-las de modo expansivo.
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Sobre como a configuração da relação entre os sujeitos se dá de modo não necessariamente binário e hierarquizado e com significado de importância e poder em ambos os espaços público e privado, as obras de Rita Segato (2015) e de Marilyn Strathern (2006).
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Sobre essa crítica ao pensamento de Mackinnon, ver Harris (1990).
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2018
Histórico
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Recebido
09 Ago 2017 -
Aceito
15 Jan 2018