civitas
Civitas - Revista de Ciências Sociais
Civitas, Rev. Ciênc. Soc.
1519-6089
1984-7289
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Abstract:
The main objective of this paper was to contrast two feminist perspectives in International Relations. The first is an inside approach from British and American authors, who seek to situate women within the International System. The second is an "outsider" perspective from Latin American and decolonial authors, which focuses on the condition of women from the social structures that (re)produce male domination in international politics. In methodological terms, it is a comparative analysis limited to four authors representative of the geopolitical division of knowledge between the global north and south. The paper highlights the complexity that different feminist epistemologies bring to IR analyses and argues that the decolonial approach with a feminist perspective has the potential to support the overcoming of the limits of inside feminist approaches.
Introdução
Perspectivas teóricas feministas vêm encontrando espaço, ainda que residual, nos manuais de introdução às Relações Internacionais (RI) a partir dos trabalhos de britânicas e estadunidenses. A partir dos anos 1980, os trabalhos dessas autoras contribuíram na elaboração de uma agenda de pesquisa ocupada em trazer à tona as mulheres nas análises do Sistema Internacional (SI). De outra parte, no mesmo período, os encontros e debates entre pós-colonialistas com origem no chamado sul global desencadearam uma série de problematizações sobre as possibilidades de investigação de distintas formas de colonialidade do poder (Quijano 2005; Lugones 2008; 2014).
A complexidade da divisão geopolítica do conhecimento nos auxilia em uma empreitada comparativa entre duas perspectivas feministas para as RI. A produção intelectual com origem no norte global é aquela majoritariamente branca e inserida nos principais centros produtores das teorias em RI. Ao mesmo tempo que no norte geográfico há classes e grupos de pessoas que estão sujeitos à dominação colonial-capitalista, dentre os quais pobres, indígenas e negras; no sul há as elites locais que se beneficiam dessas estruturas de dominação. Nesse trabalho, concentramo-nos em aportes teóricos e metodológicos advindos das perspectivas feministas de algumas autoras do norte e do sul globais, notadamente naquilo que problematizam e atualizam as agendas tradicionais de interesse da disciplina.
Em termos metodológicos, selecionamos quatro autoras para responder à seguinte pergunta: quais as aproximações e os contrastes entre autoras feministas inside do norte global e as "forasteiras" do sul global para pensar as mulheres e as relações de gênero nas teorias de RI? Como não se trata de uma revisão bibliográfica exaustiva, selecionamos as autoras a partir dos seguintes critérios: (i) relevância dentro da disciplina das RI de autoras do norte global; e (ii) potencial disruptivo para as RI de autoras do sul global.
Para atender ao primeiro critério, trabalhamos com Cynthia Enloe e J. Ann Tickner porque são intelectuais expoentes na disciplina e conquistaram atenção entre prestigiados teóricos filiados a diferentes perspectivas, assim como obtiveram repercussão em termos de frequência e repetição de citações nos livros e manuais introdutórios da disciplina. Consideramos essas autoras como prioritárias para uma abordagem feminista inside às RI do norte global. As poucas disciplinas de graduação nos cursos de RI no Brasil que contemplam abordagens feministas são focadas majoritariamente em mulheres brancas e anglo-saxãs. Observa-se um certo consenso de que a obra Bananas, beaches and bases: making feminist Sense of International Relations (1989), de Cynthia Enloe, foi seminal porque incluiu as mulheres na análise da política internacional, algo praticamente inexistente nas demais correntes teóricas. Nos artigos "Hans Morgenthau’s principles of political realism: a feminist reformulation" (1988) e "You just don’t understand: troubled engagements between feminists and IR theorists" (1997), J. Ann Tickner contrapõe as críticas positivistas às inovações epistemológicas e ontológicas feministas no que diz respeito ao silêncio das normas e das instituições sobre as assimetrias e as hierarquias de gênero no SI. É nesse contexto que a seleção das autoras identificadas com perspectivas feministas em RI do norte global foi realizada.
Quanto ao segundo critério, selecionamos as latino-americanas María Lugones e Ochy Curiel. Nesse caso, identificamos elementos em comum, sobretudo porque são intelectuais latino-americanas com reconhecimento no campo das epistemologias decoloniais. Usamos os termos pós-colonial e decolonial como abordagens teórico-críticas ao sistema colonial (colonialismo como modo de exploração econômica e política) e à produção da colonialidade (como dominação cultural). Não é nosso propósito adentrar o debate de diferenciação entre colonialismo e colonialidade. Nos apoiamos na diferença colonial, como categoria analítica, para: (i) contrastar com os cânones feministas das RI que, não raramente, silenciam sobre as relações desiguais de poder no SI resultantes do colonialismo e da colonialidade; (ii) distinguir os modos imbricados de (re)produção das hierarquias e subalternidades entre grupos sociais, em especial, entre mulheres e pessoas feminizadas no sul global.
Em contraste com as autoras do norte global, Lugones e Curiel são relativamente pouco prestigiadas na academia brasileira em RI. Entretanto, podem aportar relevantes contribuições para problematizar a categoria analítica de gênero da forma como tem sido tradicionalmente mobilizada pelas teóricas anglo-saxãs da disciplina. Nesse sentido, ao selecionarmos alguns dos trabalhos dessas autoras, buscamos nos somar às articulações entre a perspectiva feminista e a crítica decolonial (Ballestrin 2017).
O trabalho subdivide-se em três seções. Na primeira, abordamos os elementos centrais das contribuições das feministas selecionadas do norte global, observando como se constroem suas agendas de pesquisa e a continuidade de temas considerados basilares para a disciplina. Na segunda seção, indicamos as contribuições das autoras do sul global, dando destaque para seu caráter crítico de conexão entre colonialidade, gênero, raça e capitalismo. A terceira é dedicada a elaborar as aproximações e as diferenças de ambas as perspectivas e como podem contribuir para o campo das RI.
De modo geral, as conclusões a que chegamos relacionam-se à percepção de que no primeiro grupo predomina uma preocupação em situar "onde estão as mulheres" (Enloe 2014). Um exercício intrinsecamente descritivo no qual a manutenção de temas como segurança, defesa e guerra é amplamente explorada. As autoras do sul global, contudo, complexificam a compreensão hegemônica sobre as assimetrias de gênero e expõem as condições de emergência para a colonialidade do poder, em suas múltiplas interseccionalidades, sendo, portanto, de relevante valor para as análises pós-positivistas em RI.
Feministas inside nas Relações Internacionais
As lutas políticas pelo reconhecimento da emancipação das mulheres e das pessoas feminizadas são protagonizadas por diferentes sujeitas, a partir de diferentes registros espaço-temporais, contextos e experiências. Essa diferença ontológica é o que nos instigou a pensar sobre os pontos de partida, de contato e de distinção para as autoras situadas no norte e no sul globais. É importante reconhecer e levar seriamente em consideração essas diferenças epistêmicas na construção de teorias críticas em RI, a fim de oportunizar abordagens mais compreensivas das lutas políticas das mulheres e pessoas feminizadas.
A abordagem tradicional feminista iniciada na década de 1980 nas RI, parte de uma percepção de que a construção histórica de todas as teorias nesse campo é uma experiência marcadamente androcêntrica. Agendas de pesquisas sobre fronteiras, globalização capitalista e militarização seriam exemplos de estruturas patriarcais criadas pelo discurso dominante masculino, reproduzido e justificado pelas teorias tradicionais das RI, em específico, o realismo e a sua versão mais contemporânea, o neorrealismo; de forma semelhante, o liberalismo e o neoliberalismo. Juntas, essas duas correntes constituem as famílias teóricas hegemônicas no campo das RI, marcadas pela centralidade das experiências e do ponto de vista masculino.
De modo geral, a dominação masculina nas RI, presente nas teorias centrais e nas principais agendas de pesquisa, é evidenciada nas obras de autoras como Enloe, Tickner e Cohn, entre outras. Não por acaso, a anarquia do SI é caracterizada como efeito gerador de caos e de guerra permanente ou latente para a mais importante corrente teórica no campo – o realismo. Nesse mundo caracterizado como perigoso, os homens são os protetores naturais, enquanto as mulheres são as que precisam de proteção. Conforme argumenta Tickner (1992), definida como aquela que recebe proteção do homem no que diz respeito à segurança nacional, a mulher não tem controle sobre as condições dessa proteção.
Contrariando os pressupostos realistas das teorias em RI, as autoras do norte global argumentam que a violência não seria endêmica no SI por causa da anarquia. É no centro do estado que estariam localizados os discursos e as práticas da violência. A arena internacional seria tão somente um reflexo da arena doméstica. Atos de violência estariam profundamente enraizados nas desigualdades e na ideologia da supremacia masculina – a manifestação mais óbvia disso seriam as forças armadas e o militarismo. Assim, as dicotomias entre privado vs. público e nacional vs. internacional são questionadas pela impossibilidade de demarcação dos limites entre o nacional e o internacional. Como infere Enloe (2014, 305), "o pessoal é internacional e o internacional é pessoal". De acordo com a autora, entender a política internacional a partir de uma perspectiva feminista requer acompanhar diferentes mulheres em lugares que são geralmente ignorados por especialistas convencionais de política externa por considerá-los meramente "privados", "domésticos", "locais" ou "triviais" (Enloe 2014, 3).
A tarefa inicial dessa abordagem feminista teria sido a exposição da exclusão das mulheres dentro das teorias das RI, daí porque a pergunta: onde estão as mulheres? (Enloe 2014). A resposta envolve a investigação da cotidianidade da vida das mulheres. Nas bases militares, as esposas dão suporte aos maridos em longas missões realizadas fora dos seus países de origem. Como operárias e consumidoras, sustentam o comércio internacional. Nas embaixadas e consulados, lidam com a burocracia do secretariado (Enloe 2014).
Trazendo as mulheres para o contexto político internacional, criam-se formas de pensar acerca do SI e sobre as dimensões globais do patriarcado, sempre adaptável (Enloe 2014, XV). Da mesma forma, essa abordagem feminista das RI contribui para a percepção de que as ações no SI são práticas que tradicionalmente feminizam as mulheres, enquanto criam noções artificiais de masculinidade (Enloe 2014). Trata-se, desde uma abordagem feminista mainstream, originada no norte global, do papel de mulheres nas bases militares enquanto trabalhadoras do sexo, e das esposas enquanto alguém que cuida, zela e reconhece o papel de herói e protetor dos seus maridos soldados.
O entendimento de que o internacional é pessoal significa, desta perspectiva feminista inside: (i) desvelar as assimetrias das relações de poder entre homens e mulheres (nível microssocial); (ii) evidenciar as interações entre diferentes regimes de constrangimentos/restrições, em um dado contexto espacial e temporal (nível macrossocial).
Conforme J. Ann Tickner (1997), a dificuldade de inserção de abordagens feministas no campo de RI e a própria discussão acadêmica entre teóricos do campo ocorrem por uma falta de sintonia (ou existência de mal-entendidos). Um exemplo desse tipo de conflito e mal-entendido se dá nos estudos de segurança, temática consolidada nos estudos de RI. Teóricos oriundos de abordagens tradicionais realistas ou neorrealistas, definem a segurança em termos militares, centralizando a análise no estado nacional inserido em um ambiente internacional anárquico e hostil.
As autoras feministas, entretanto, analisam a segurança internacional a partir de uma abordagem multinível e multifacetada centrada nos indivíduos. Segurança, nesse sentido, passa a ser compreendida a partir da aferição da ausência, ou da diminuição, de todas as formas de violência, seja física ou estrutural. Como tradicionalmente as populações que mais sofrem em conflitos e ajustes econômicos e estruturais são mulheres e crianças, as análises com perspectiva feminista acabam centralizadas nesses sujeitos vulnerabilizados.
Ao contrário de relacionar o bélico com a segurança, tais contribuições feministas argumentam que é justamente a ênfase no bélico a causa de insegurança – seja pela cultura da militarização dominada pelo masculinismo (Sjoberg e Via 2010), seja pelo direcionamento de recursos aos departamentos de defesa, em detrimento da arena social (Enloe 2014). Dito de outra forma, o foco no conflito bélico, per si, não enxerga suas principais vítimas: as mulheres, as crianças ou outros grupos sociais em maior condição de vulnerabilização.
Contrariando as perspectivas teóricas mais prestigiadas na disciplina, a abordagem feminista pouco se ocupa com as causas das guerras. São enfatizados aspectos relacionados à duração dos conflitos, seus efeitos nocivos para a população civil e os grupos sociais mais prejudicados. Um exemplo desse tipo de ênfase é a problematização sobre a violência sexual nas situações de conflitualidades violentas. Os corpos femininos e feminizados podem ser pensados como os primeiros territórios a serem conquistados e ocupados nas mais diversas situações. Desde as conquistas coloniais às guerras civis e interestatais, as ocupações e intervenções militares foram, em geral, empreitadas masculinas e masculinizadas (Ballestrin 2017). Nesses contextos, a violação do corpo feminino por homens colonizadores, militarizados ou armados, do lado "amigo" ao "inimigo", repete-se histórica e violentamente. A perspectiva feminista destaca como têm sido negligenciadas, na disciplina de RI, as violências contra as mulheres e pessoas feminizadas ocorridas em conflitos interestatais ou intraestatais e seus impactos para os sujeitos, os territórios e os governos.
De fato, grande parte das autoras feministas nas RI enfatizam a questão militar nas suas análises, seja para debater com as teorias tradicionais, seja para instigar novas reflexões acerca de uma importante e tradicional temática de pesquisa no campo. Em outro trabalho, J. Ann Tickner (1992) centraliza sua discussão na temática da segurança nacional enquanto domínio masculinizado que define e realiza a segurança através de guerras entre estados. Argumenta que a própria construção social do "cidadão soldado" (forte, protetor e violento) legitima e justifica determinadas políticas externas. Nesse sentido, os EUA são tradicionalmente simbolizados enquanto racionais, fortes e protetores (homem), e a América Latina, enquanto impulsiva, emocional, fraca (mulher), justificando a ingerência ou o "protetorado" do primeiro sobre o segundo. Para Sjoberg e Via (2010), a cultura da militarização é uma prática de construção de gênero nos seus objetivos (competição de poder), seus meios (complexo industrial militar) e seus impactos (desproporcionalmente e negativamente atingindo as mulheres).
Assim, nossa pesquisa, focada nos aportes de duas autoras pioneiras para a introdução de uma abordagem feminista inside das RI e suas respectivas agendas de investigação, evidencia a predominância de uma narrativa realizada majoritariamente por mulheres brancas anglo-saxãs que inicialmente buscavam responder à pergunta sobre onde estão as mulheres nas RI, a partir de esforços ontológicos e metodológicos distintos dos cânones prestigiados da disciplina. Estas importantes autoras feministas das RI têm reproduzido uma agenda de pesquisa em segurança e defesa, em seus trabalhos iniciais – que como já mencionado, ainda hoje são alguns dos principais guias para as discussões sobre feminismos e RI no Brasil. A explicação poderia ser atribuída justamente à necessidade de diálogo com os teóricos estabelecidos e suas respectivas agendas, em um movimento para que fossem "levadas a sério" entre os pares. No entanto, isso soa contraditório porque não superaram um certo senso comum de alinhar "a mulher" ao pacífico e "o homem" ao bélico.
Perspectivas feministas decoloniais: um olhar "forasteiro" para as RI
Como vimos anteriormente, as autoras feministas selecionadas oriundas do norte global anunciam sua produção teórica com o escopo de analisar as abordagens convencionais centradas no militarismo e nas agendas de segurança e defesa. Trata-se de um ponto de partida que tem inúmeros méritos teóricos e metodológicos para o campo das RI. Contudo, nessa seção, optamos por um contraponto construído por autoras forasteiras em relação ao mainstream das RI, tradicionalmente anglo-saxão. Aqui, rememoramos o conceito de "outsider within" de Patricia Collins resgatado por Silva (2021), trazido para o âmbito das Relações Internacionais.
Em nosso caso, a analogia com o conceito de Collins está relacionada com o fato de que as contribuições feministas pós-coloniais e decoloniais nas RI ainda ocupam um lugar periférico, de não reconhecimento pela área (Nogueira 2021). Como "forasteiras de dentro", as autoras do sul global demarcam uma perspectiva particular sobre gênero e raça para as RI. Nesse sentido, nessa seção, dedicamo-nos a identificar algumas das principais contribuições teóricas e metodológicas de María Lugones e Ochy Curiel para as RI.
De um modo geral, há consenso sobre a formação dos estudos pós-coloniais a partir das referências aos processos colonizadores na Ásia e na África realizados por estados europeus (Lima Costa 2014). Os estudos pós-coloniais não constituem uma matriz teórica única. Contemplam uma variedade de contribuições com orientações distintas, mas que apresentam como característica comum o esforço de esboçar, pelo método da desconstrução dos essencialismos, uma referência epistemológica crítica às concepções dominantes da modernidade-colonialidade. Na América Latina, as discussões pós-coloniais são inauguradas no início da década de 1990. O texto de Quijano (1992), "Colonialidad y Modernidad/Racionalidad", e o Manifesto do Grupo Latinoamericano de Estudos Subalternos, em 1993, são apontados como marcos fundantes. Apesar de o Grupo ter se desfeito alguns anos depois, o amplo e interdisciplinar campo dos estudos decoloniais tem se mantido e renovado sua potencialidade na região.
Trilhando nosso caminho ao encontro de uma abordagem feminista decolonial, começamos por María Lugones. O sistema moderno-colonial de gênero descrito por Lugones (2008; 2014) é uma lente através da qual é possível compreender a lógica opressiva da modernidade colonial, suas dicotomias hierárquicas (humano vs. não humano, homem vs. mulher, racional vs. irracional) e a lógica de separação categorial por marcadores sociais de raça, gênero, sexualidade e classe social.4
Há uma preocupante indiferença com relação às violências sistematicamente infringidas às mulheres de cor (mulheres não brancas subalternizadas tanto pela colonialidade do poder quanto pela colonialidade de gênero), segundo nos explica Lugones (2008). Esta indiferença dá-se tanto na vida cotidiana, quanto no nível teórico da opressão e da libertação. As diversas formas entrecruzadas de violências são tão presentes quanto subestimadas nas análises e estudos que tendem a separar rigidamente as categorias raça, gênero, classe e sexualidade. Dessa forma, a autora advoga que a categoria "gênero" é tão central e indispensável quanto a categoria "raça" para a vigência de um padrão colonial de poder.
Se, nos estudos decoloniais, gênero passa a ser seriamente considerado a partir das contribuições de Lugones, a categoria raça já se apresentou desde o início como uma invenção moderno-colonial central ao campo enquanto marcadora de hierarquias, desigualdades e critério de humanidade (Quijano 2005). Aníbal Quijano incorporou a centralidade da raça na construção do sistema de poder colonial e o fez a partir do conceito de colonialidade do poder. De acordo com esse autor, a colonialidade, elemento fundamental do sistema capitalista globalizado, constitui-se a partir da classificação racial e étnica imposta a todos os povos do mundo como eixo constitutivo desse padrão de poder (Quijano 1992). Assim, o racismo – enquanto sistema de poder moderno-colonial – é criado a partir da construção do conceito de raça que serviu ao violento processo de distinção entre humanos e não humanos. Nesse sentido, Lugones (2014) explica a lógica de separação categorial colonial. Os povos originários e os(as) escravizados(as) foram classificados(as) como espécies não humanas, como animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens. O homem europeu, burguês, colonial moderno tornou-se um sujeito/agente apto a decidir para a vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual, cristão, um ser de mente e razão (Lugones 2014, 936).
Não se trata, portanto, somente de uma questão de cegueira epistemológica, de descrição e representação do mundo, a partir do ponto de vista a priori de um "humano", segundo Lugones (2008; 2014). Tudo o que é diverso no "resto do mundo" (West/Rest) foi narrado, decodificado e representado como um ainda não existente, uma falta a ser compensada por meio da intervenção social cabível em cada contexto e em cada época histórica (Costa 2006).
Para Lugones (2008), é preciso nos situarmos em uma posição que permita o rechaço a esse sistema de gênero/raça, ao mesmo tempo em que levamos a cabo uma transformação das relações comunais. Descolonizar o gênero, segundo a filósofa argentina, é necessariamente uma práxis; é decretar uma crítica da opressão de gênero racializada, colonial, capitalista e heterossexual visando uma transformação vivida do social. Nesse sentido, feminismo descolonial é uma possibilidade de superação da colonialidade de gênero (Lugones 2014). As formas de opressão operadas através da colonialidade do poder são constituintes das formas de resistência a diferentes espécies de violências, tanto estruturais quanto simbólicas, de acordo com Lugones (2014). A colonialidade do gênero propõe complexificar o sistema de poder capitalista global para nomear não somente uma classificação de povos em termos de colonialidade de poder e de gênero, mas também o processo de redução ativa das pessoas, a desumanização que as torna aptas para a classificação (Lugones 2014, 939).
Importante destacar o aspecto dialético entre colonialidade de gênero e resistência. A modernidade colonial, inventada no início do século 16 nas Américas e em vigor até os dias de hoje, não encontrou um mundo a ser estabelecido, um mundo de mentes vazias e animais em evolução (Lugones 2014). Ao analisar a historicidade da relação entre opressão e resistência, a autora destaca as formas de resistências concretas de sujeitos subalternizados à colonialidade do gênero.
Essas são algumas das principais contribuições de Lugones sobre o colonialismo e suas implicações nas relações sociais, políticas e culturais na região e sobre a centralidade de raça e gênero para a compreensão desses impactos. Buscamos também somar a esses debates algumas das contribuições da antropóloga afro-dominicana Ochy Curiel. Boa parte dos esforços de Curiel (2013) são endereçados ao desvelamento do pacto jurídico-político que subsidia a criação de marcos constitucionais dos estados modernos: fundamentalmente heterossexuais5 e generificados. Nesse sentido, a autora analisa, a partir de uma perspectiva decolonial e feminista, conceitos caros às RI, tais quais nação, povo, estado e soberania. Sua análise é necessariamente transpassada por distintos sistemas de dominação e, portanto, gênero não é uma categoria monolítica de análise.
Nosso resgate de suas obras aqui será centrado em três elementos: (i) na capacidade de considerar diversos e simultâneos sistemas de dominação; (ii) nas críticas às próprias teorias decoloniais (Curiel 2007); e (iii) na valorização da proposta decolonial não apenas como ruptura epistemológica, mas também como práticas políticas, metodológicas e pedagógicas (Curiel 2020, 121). Para a autora, as teorias pós-coloniais carregam em si uma posição elitista e androcêntrica (Curiel 2007). A antropóloga critica como as teorizações, práticas e lutas dos movimentos feministas costumam ser ignoradas por aquelas(es) que são acadêmicas(os).
É necessário, segundo Curiel (2007), retomar as contribuições teóricas e as práticas políticas de mulheres racializadas, dentre as quais aquelas dos movimentos de mulheres negras e chicanas estadunidenses e do movimento de mulheres negras e indígenas latino-americanas. Além disso, sua percepção implica reconhecer que, apesar do aspecto racial ser um elemento central para as análises decoloniais, em especial em razão das já mencionadas contribuições de autores como Quijano, é a partir das contribuições de mulheres negras, indígenas e latinas que a raça não é lida como único eixo central da colonialidade. Desse modo, Curiel (2007) traça um apanhado de teorizações realizadas por essas mulheres que, desde pelo menos a década de 1970 (portanto, antes dos debates decoloniais se estabelecerem), já indicavam como o poder patriarcal e capitalista estava imbricado a partir de distintos sistemas de dominação como racismo, heteronormatividade, sexismo, classismo, dentre outros. A partir dessa compreensão, estas mulheres estabeleciam suas ações políticas, que já partiam, portanto, de uma crítica pós-colonial (Curiel 2007). O feminismo decolonial, segundo Curiel (2020), nos oferece uma nova perspectiva de análise para entendermos de forma mais complexa as relações e os entrelaçamentos de raça, sexo, sexualidade, classe e geopolítica. Trata-se, pois, de um feminismo adjetivado e comprometido não apenas com a superação das desigualdades de gênero e de localidade (de Norte/Sul geopolítico). Essa compreensão imbricada dos sistemas de dominação implica necessariamente a superação de qualquer pretensão de uma sujeita una do feminismo ou sujeita/o/e decolonial. Em uma expansão dessa perspectiva, é possível perceber que a sujeita que deve ser considerada no campo da política internacional também precisa ser, necessariamente, compreendida para além de sua construção como ser generificado pela lógica moderna-colonial.
O uso do signo "mulheres" guarda aproximações entre Lugones e Curiel porque demarca a preocupação de ambas com a pluralidade de vozes hierarquizadas e subalternizadas pela colonialidade e pelo sistema capitalista globalizado. Ochy Curiel (2007; 2013; 2020), utilizando uma compreensão de imbricamento e resgatando as contribuições de mulheres negras e indígenas, reforça a sobreposição dos sistemas de dominação, incluindo assim sexismo, racismo, heteronormatividade, classicismo, colonialidade, dentre outros. As autoras feministas decoloniais se aproximam, pois tomam seriamente a compreensão da categoria "mulheres" no plural e buscam evidenciar a noção de complexidade e interseccionalidade, para além dos limites da racionalidade binária e dual da colonialidade moderna.
De outra parte, Enloe e Tickner usam o termo "mulher" em uma posição ontológica distinta, fundada na racionalidade dual moderna. Descrevem as mulheres nos locais onde estão nos conflitos armados, nas crises migratórias e humanitárias, nos locais mais precários de trabalho ou nos circuitos do mercado do sexo, em um sentido unívoco e singularizado. Ainda que haja uma diversidade de "espaços" sendo ocupados pelas mulheres, é possível ler todos eles como estando igualmente disponíveis ou livres de constrangimentos para um "sujeito universal mulher".
Como nos adverte Lugones (2008, 82), a lógica categorial selecionou somente o grupo dominante, as mulheres brancas, burguesas e heterossexuais, e, dessa forma, escondeu a brutalização, o abuso e a desumanização que a colonialidade do gênero implica. A forma com que as autoras inside do norte global utilizaram o termo "mulher" confere maior razão às autoras pós-coloniais quando afirmam que é ilusória a referência a um sujeito subalterno que possa ser ouvido quando falar por si (Spivak, 1988).
Portanto, consideramos enriquecedor contrastar os estudos precursores das autoras feministas inside do norte global com as contribuições de autoras decoloniais para construir análises interseccionais mais complexas dentro da disciplina de RI. Essa posição ocupada por quem escreve a partir do sul global – nos termos geopolíticos e epistemológicos propostos aqui – é marcadamente forasteira/outsider. Afinal, são relevantes elementos das autoras como a localização geopolítica – que é também construída em razão da hierarquização racial colonial – e a formação interdisciplinar, quase sempre fora da área de RI em seu sentido estrito. Esses elementos que compõem o campo dos estudos feministas decoloniais ajudam a repensar aspectos fundamentais das epistemologias feministas.
Nesses termos, as contribuições às RI das autoras selecionadas como emblemáticas do feminismo decolonial vão além de questões descritivas sobre os locais ocupados pelas mulheres no SI e nas epistemologias dominantes do campo. Seus aportes teóricos contribuem para produzir leituras mais complexas e talvez mais precisas sobre os múltiplos marcadores de desigualdade que se apresentam como políticos e, consequentemente, como internacionais. Esses são aspectos que buscamos aprofundar na seção seguinte.
Pluralidade no diálogo entre feministas inside e "forasteiras de dentro"
Sem pretensão de esgotar as possibilidades analíticas, observamos, ao menos, duas pistas interessantes para o diálogo entre as autoras selecionadas, a saber: (i) a problematização do estado nacional contemporâneo e suas raízes profundas em uma matriz colonial de poder como o garantidor da segurança e da paz, e; (ii) a relação de interdependência entre patriarcado, processos de racialização e o regime de produção capitalista.
O primeiro ponto de contraste que queremos abordar diz respeito à precariedade da reflexão crítica, entre as autoras inside das RI, sobre o estado nacional contemporâneo e as suas origens enraizadas em uma matriz colonial de poder que o torna o principal garantidor da segurança e da paz. Trata-se de uma visão limitada das dinâmicas políticas de poder subjacentes ao modelo de estado-nação. Afirmam essas teóricas de RI que a segurança, tal como construída e enunciada por agentes do SI, sustenta-se sobre a insegurança de algumas pessoas ou de grupos de pessoas. No entanto, o problema da segurança e da paz se dá no contexto da artificialidade colonial da ideia de estado-nação e nos limites normativos desse modelo de organização política.
Quando consideramos as críticas das autoras "forasteiras de dentro", percebemos a necessidade de repolitização das pautas feministas para além das fronteiras do estado-nacional. Trata-se de compreender que o estado, como ator relevante e não exclusivo no SI, desenvolve um papel ativo de mão dupla entre o doméstico e o internacional, na promoção de práticas e agências que reforçam a subjetivação colonial dos sujeitos, atuando direta e indiretamente para a reprodução de hierarquias entre diferentes grupos sociais. Há, ainda, a necessidade de problematizar e aprofundar questões outras que não se resumem às temáticas da guerra e da defesa. As autoras do Norte aqui estudadas reproduziram os pressupostos positivistas, ao menos nos seus trabalhos seminais, uma vez que se dedicaram a reforçar a centralidade dos recursos de poder bélico para as RI. Nesse percurso, reificaram um tipo de universalização moderna que posiciona as mulheres e os estados em uma relação de dominação e subordinação, tanto no ambiente doméstico quanto internacional, desconsiderando outras posicionalidades possíveis para diferentes mulheres.
Por fim, o segundo ponto que gostaríamos de abordar é o modo como as autoras selecionadas como referências de uma perspectiva feminista do norte global não exploram profundamente as intersecções ou imbricamentos entre distintos eixos de poder, tais como o patriarcado, o racismo e o capitalismo. O desvelamento das relações de interdependência entre esses sistemas de dominação é fundamental para compreender como diferentes relações de poder e subalternização se sobrepõem e reforçam umas às outras, de modo a se perpetuarem também no âmbito da política internacional.
A divisão sexual do trabalho é completamente racializada, assim como geograficamente diferenciada (Lugones 2008, 80). Há um silêncio sobre o trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres e pessoas feminizadas e seus impactos para a economia em escala mundial. O foco na precarização das condições de trabalho desses grupos sociais específicos do sul global, realizado pelas autoras do Norte, acaba por desconsiderar que a opressão e a exploração pelo sistema capitalista globalizado são compartilhadas não apenas por mulheres árabes, latino-americanas, africanas ou asiáticas. Como nos ensina Curiel (2020), embora o colonialismo europeu tenha terminado, as estruturas e hierarquias de poder estabelecidas naquele período persistem na forma de uma colonialidade global. Essa transição para a colonialidade global sugere que as estruturas e as dinâmicas de poder herdadas do colonialismo ainda são relevantes na contemporaneidade porque continuam a influenciar as dinâmicas globais de poder no SI. A compreensão dessas estruturas se reveste de maior peso para as análises sobre desigualdade econômica e injustiça social. O problema da precarização das condições de vida e de trabalho – porque os modos de ser e viver são coconstitutivos para o feminismo decolonial – está interseccionado de modo global e transnacional e, portanto, não se limita a determinados grupos de mulheres ou de regiões específicas.
A abordagem inside às RI, das autoras aqui mencionadas, parece se limitar à distinção entre o trabalho reprodutivo (mundo da vida) e o produtivo (mundo do trabalho), em uma leitura que confere centralidade às relações de gênero e à divisão internacional do trabalho. Não se observa uma crítica sobre o quanto as relações de produção, próprias do capitalismo globalizado e neoliberal, estão firmemente ancoradas em práticas de violência contra as mulheres e os corpos feminizados. Uma outra proposta para a compreensão desse problema tem sido debatida por autoras decoloniais, dentre as quais Lugones e Curiel. Desde essa perspectiva, a violência econômica é relevante para a compreensão das novas modalidades de conflituosidade social, impulsionadas por novas formas de autoridade territorial conectadas às economias ilegais que atravessam fronteiras nacionais (Federici 2021; 2019; 2017; Gago 2020; Fraser e Jaeggi 2020). Não observamos, da parte das autoras inside, uma reflexão problematizadora sobre as trajetórias e as experiências de violência e de resistência do corpo de cada uma das mulheres e pessoas feminizadas, no Norte ou no Sul globais. Essa ausência indica uma compreensão limitada da sobreposição dos eixos de dominação, a qual resulta em um empobrecimento do entendimento sobre as experiências das mulheres e pessoas feminizadas. Uma abordagem mais reflexiva e crítica poderia contribuir para uma análise mais abrangente e ajustada do SI.
Considerações finais
Nossa proposta foi abordar perspectivas teóricas feministas úteis às RI situadas no norte e no sul globais. Buscamos apresentar contribuições relevantes das autoras do centro global de produção intelectual e conectadas com temas mainstream nas RI e das abordagens teóricas contra-hegemônicas decoloniais.
Do norte global, trouxemos Enloe e Tickner, que possuem uma produção acadêmica marcadamente feminista e estabelecida na disciplina, considerando, dentre outros elementos indicados, o alto número de citações de seus trabalhos entre os pares. Consideradas relevantes no campo das RI, essas autoras anunciam uma abordagem que se ocupa de sujeitos tradicionalmente invisíveis para as teorias mainstream. Por outro lado, tomando a América Latina como espaço relevante de produção feminista decolonial, escolhemos as contribuições de María Lugones e Ochy Curiel enquanto autoras do sul global que apresentam contribuições teóricas relevantes para a compreensão do internacional.
Nesse sentido, além de apresentar uma síntese de algumas das principais contribuições dessas autoras do norte e do sul, realizamos aproximações entre suas perspectivas analíticas. Nosso foco foi construir tensionamentos que contribuam para uma ampliação na compreensão das RI a partir do local no qual nos situamos. Assim, entendemos que os aportes dos estudos decoloniais com perspectiva feminista são úteis para compreender alguns dos limites e desconfortos presentes nas abordagens feministas inside das RI.
Uma abordagem de gênero para as RI deve estar comprometida com um entendimento mais amplo do termo "mulheres", percebendo o imbricamento dos sistemas de dominação que se constroem e afetam mutuamente, em especial, o racismo. Além disso, é urgente a ampliação de abordagens sobre RI que compreendam o estado nacional contemporâneo e suas raízes profundas na matriz colonial de poder – algo que tem sido feito a partir do campo dos estudos pós-coloniais e decoloniais. Por fim, identificamos como ausente nas autoras feministas estudadas do norte uma abordagem sólida da relação de interdependência entre o patriarcado, os processos de racialização e o regime de produção capitalista, globalizado e neoliberal, o que, em alguma medida, limita a capacidade explicativa desses fenômenos e suprime as estratégias de superação deles. Na medida em que escrevemos a partir do que se constituiu como periferia do sistema-mundo capitalista moderno, esses elementos nos são caros.
O exercício de aproximar epistemologias feministas distintas não reside em indicar uma como superior à outra, em uma reprodução da lógica binária e abstrata típica da modernidade. Nosso esforço vai no sentido de construir aproximações e distanciamentos capazes de auxiliar na compreensão e no repensar das RI a partir do local onde estamos situadas. Para isso, acreditamos na importância de estarmos instrumentalizadas com distintas lentes teóricas, sem perder de vista nossos objetivos teóricos e práticos de superação das desigualdades raciais e de gênero, mas não apenas.
4
A interpretação de Lugones sobre a ausência de nomenclaturas de gênero nas sociedades tribais e afro-americanas em período anterior à colonização não é a única perspectiva adotada por autoras decoloniais. Rita Segato (2012, 2021), por exemplo, avalia que o processo colonizador provocou distorções como o agravamento e a intensificação das hierarquias que formavam parte da ordem comunitária pré-intrusão. Na perspectiva desta autora, os mundos sob intervenção da modernidade colonial alcançados pelo processo colonizador, primeiro metropolitano de ultramar e depois republicano, foram influenciados em um aspecto fundamental: as hierarquias de status (de casta e de gênero) do mundo-aldeia tornaram-se exacerbadas, perversas e muito mais autoritárias. Em outros termos, o gênero sempre existiu, porém a estrutura patriarcal do mundo-aldeia (de baixa intensidade e dual) foi pressionada para assimilar a ordem colonial-moderna (de alta intensidade e binária). A partir da contribuição da escuta etnográfica, Rita Segato (2012, 2021) confere às relações de gênero o estatuto pleno de categoria teórica e epistêmica, capaz de iluminar o "entre-mundos" e o processo de trocas de influência entre a ordem colonial-moderna e o mundo-aldeia.
5
Ochy Curiel, em sua obra La Nación Heterosexual (2013), estuda o contexto de elaboração da Constituição colombiana de 1991. Em uma proposta que considera a "heterossexualidade como um regime político" (Rangel et al. 2022, 3), ela analisa como esse regime é constitutivo da própria Nação. Outro modo crítico de pensar a relação entre estado-nação e heterossexualidade é a partir do conceito de homonacionalismo de Jasbir Puar (2015), que considera a aceitação ou a tolerância em relação à população LGBTQIA+ como um indicador da legitimidade e capacidade para a soberania nacional. De acordo com Puar (2015), em uma aproximação entre liberalismo e racismo, alguns países realizam o pinkwashing (a lavagem cor-de-rosa). Trata-se da utilização de debates sobre os direitos LGBTQIA+ como uma estratégia de dissimulação ou distração das políticas discriminatórias dirigidas a certas populações, sendo Israel um exemplo disso, possível a partir do apoio estadunidense. Por fim, correlaciona-se o conceito de homocapitalismo de Rahul Rao (2015), a partir do qual se pode abordar os modos de incorporação seletiva de alguns queers sanitizados por raça, classe e gênero no capitalismo global. Apesar de reconhecermos a importância desses debates, eles não são desenvolvidos neste artigo.
Os textos deste artigo foram revisados pela SK Revisões Acadêmicas e submetidos para validação das autoras antes da publicação.
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Authorship
Fabiane Simioni
Fabiane Simioni Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, RS, Brasil; com pós-doutorado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), em Florianópolis, SC, Brasil. Professora do Curso de Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), em Rio Grande, RS, Brasil. fabe.simioni@gmail.com
Universidade Federal de Rio Grande (Furg), Rio Grande, RS, Brasil.Universidade Federal de Rio GrandeBrasilRio Grande, RS, BrasilUniversidade Federal de Rio Grande (Furg), Rio Grande, RS, Brasil.
Gabriela M. Kyrillos Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), em Florianópolis, SC, Brasil. Professora do Curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), em Santa Vitória do Palmar, RS, Brasil. gabrielamkyrillos@gmail.com
Universidade Federal de Rio Grande (Furg), Santa Vitória do Palmar, RS, BrasilUniversidade Federal de Rio GrandeBrasilRS, BrasilUniversidade Federal de Rio Grande (Furg), Santa Vitória do Palmar, RS, Brasil
Camila Feix Vidal Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, RS, Brasil. Professora do Curso de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), em Florianópolis, SC, Brasil. camila.vidal@ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Florianópolis, SC, Brasil.Universidade Federal de Santa CatarinaBrasilFlorianópolis, SC, BrasilUniversidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Florianópolis, SC, Brasil.
Universidade Federal de Rio Grande (Furg), Rio Grande, RS, Brasil.Universidade Federal de Rio GrandeBrasilRio Grande, RS, BrasilUniversidade Federal de Rio Grande (Furg), Rio Grande, RS, Brasil.
Universidade Federal de Rio Grande (Furg), Santa Vitória do Palmar, RS, BrasilUniversidade Federal de Rio GrandeBrasilRS, BrasilUniversidade Federal de Rio Grande (Furg), Santa Vitória do Palmar, RS, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Florianópolis, SC, Brasil.Universidade Federal de Santa CatarinaBrasilFlorianópolis, SC, BrasilUniversidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Florianópolis, SC, Brasil.
How to cite
Simioni, Fabiane, Kyrillos, Gabriela M. and Vidal, Camila Feix. Theoretical feminist perspectives in International Relations: tensions between the global north and south. Civitas - Revista de Ciências Sociais [online]. 2024, v. 24 [Accessed 21 April 2025], e-44494. Available from: <https://doi.org/10.15448/1984-7289.2024.1.44494>. Epub 02 Aug 2024. ISSN 1984-7289. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2024.1.44494.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do SulAv. Ipiranga, 6681 - Partenon, Cep: 90619-900, Tel: +55 51 3320 3681 -
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