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Epistemologia essencialista e (anti)feminismos transexcludentes: biologizando o gênero nas redes sociais

Essentialist epistemology and (anti)transexcludent feminisms: biologizing gender in social networks

Epistemología esencialista y feminismos (anti)transexcludientes: biologizando el género en las redes sociales

Resumo:

O artigo analisa a crescente circulação do discurso transexcludente no campo da esquerda brasileira na esfera das redes sociais. Esse feminismo, epistemicamente marcado por uma perspectiva essencialista e biologizante, recorre ora ao argumento da materialidade do corpo da mulher, partindo da experiência designada do sexo biológico (natureza) em contraposição à noção de identidade de gênero (cultura), afirmando o risco do apagamento das reinvindicações das mulheres e sua necessidade direcionada à mulher cisgênera. Partindo de três casos que ganharam repercussão nas redes sociais no período entre 2022 e 2023, apresentamos tais controvérsias. A hipótese que defendemos é que existe o compartilhamento de uma matriz-narrativa essencialista e transexcludente sobre o gênero, tanto por segmentos feministas, quanto da direita no campo societário, gerando um sistema de retroalimentação entre espectros políticos que não reconhecem outras identidades para além da cisheteronormativa.

Palavras-chave:
Feminismos essencialistas; Feminismos transexcludentes; Feminismos biologizantes

Abstract:

The article analyzes the growing circulation of trans-exclusive discourse in the field of the Brazilian left in the sphere of social networks. This feminism, epistemically marked by an essentialist and biologizing perspective, sometimes resorts to the argument of the materiality of the woman’s body, starting from the designated experience of biological sex (nature) in opposition to the notion of gender identity (culture), affirming the risk of erasure of women’s demands and their needs aimed at cisgender women. Starting from three cases that gained repercussion on social media in the period between 2022 and 2023, we present these controversies. The hypothesis we start with is that there is the sharing of an essentialist and trans-exclusive matrix-narrative about gender, both by feminist segments and by the right in the societal field, generating a feedback system between political spectrums that do not recognize identities other than the cisheteronormative one.

Keywords:
Essentialist feminisms; Trans-exclusionary feminism; Biologizing feminisms

Resumen:

El artículo analiza la creciente circulación del discurso transexclusivo en el ámbito de la izquierda brasileña en el ámbito de las redes sociales. Este feminismo, epistémicamente marcado por una perspectiva esencialista y biologizante, recurre en ocasiones al argumento de la materialidad del cuerpo de la mujer, a partir de la experiencia designada del sexo biológico (naturaleza) en oposición a la noción de identidad de género (cultura), afirmando la riesgo de borrar las demandas de las mujeres y sus necesidades dirigidas a las mujeres cisgénero. A partir de tres casos que cobraron repercusión en las redes sociales en el período comprendido entre 2022 y 2023, presentamos estas controversias. La hipótesis con la que partimos es que se comparte una narrativa matricial esencialista y transexclusiva sobre el género, tanto por parte de segmentos feministas como por parte de la derecha en el campo social, generando un sistema de retroalimentación entre espectros políticos que no reconocen identidades distintas. que el cisheteronormativo.

Palabras clave:
Feminismos esencialistas; Feminismos transexcluyentes; Biologizar los feminismos

Introdução

Os movimentos feministas foram fundamentais na consolidação de agendas e perspectivas relacionadas às temáticas de gênero, sexo e sexualidade na modernidade. Esta consolidação ocorreu, em diferentes níveis, em consonância com a organização de múltiplas perspectivas críticas sobre o papel cultural, social e político das mulheres. Os feminismos, principalmente mobilizados por feministas brancas ocidentais, centraram esforços na crítica à hegemonia masculina baseada na opressão de gênero3 3 Reconhecemos que há um vasto campo de estudos e discussões da teoria e pensamento queer sobre a eliminação, modificação e questionamento do "gênero". Neste artigo, especialmente, trabalhamos com as noções de essencialismos entre atores que demarcam a posição que "mulheres são aquelas marcadas pelo sistema sexo biológico". a partir de uma noção universalizante de mulher, desconsiderando, como parte do sujeito político, mulheres que não estavam previamente incluídas nesta interpretação brancocêntrica e totalizante (Vergès 2020Vergès, Françoise. 2020. Um feminismo decolonial. São Paulo: Editora Ubu., 24). Tal perspectiva do nomeado feminismo civil não levou em consideração aspectos relacionados à opressão colonial e racial que cultural e historicamente constituem e estruturam as relações de poder na sociedade, contribuindo para um olhar naturalizante e binário sobre as desigualdades entre homens e mulheres. Com a consolidação dos feminismos da diferença e dos feminismos interseccionais (Akotirene 2018; Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberlé. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-88. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-026x2002000100011.
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-026x2002...
, 2004; Collins e Bilge 2021Collins, Patricia H., e Sirma Bilge. 2021. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo.) que buscaram questionar a perspectiva essencialista, totalizante e universal de mulher, outras categorias, clivagens, marcadores sociais da diferença como raça, classe, território, religião, sexualidade foram incorporadas nas análises.

Chantal Mouffe, no texto "Feminismo, cidadania e política democrática radical", publicado originalmente em 1992, mostra como o pensamento antiessencialista é fundamental para a construção de uma política radical, afirmando que a insistência em identidades, categorias ou grupos físicos, não colabora para entender nem lidar com a pluralidade que constitui as democracias e a multiplicidade das relações de subordinação. Cabe ao feminismo, especificamente, segundo Mouffe (2013)Mouffe, Chantal. 2013. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In Teoria política feminista: textos centrais, organizado por Luis Felipe Miguel, e Flávia Biroli, 265-82. São Paulo: Editora Horizonte., abandonar o "sujeito feminino" como uma entidade homogênea, tendo em vista que é justamente a "descontrução das identidades essenciais, [como] resultado do reconhecimento da contingência e da ambiguidade de toda identidade [que] torna possível a ação política feminista" (Mouffe 2013Mouffe, Chantal. 2013. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In Teoria política feminista: textos centrais, organizado por Luis Felipe Miguel, e Flávia Biroli, 265-82. São Paulo: Editora Horizonte., 267).

A "identidade" é sempre contingente e precária, fixada na intersecção ou "articulação" das posições ocupadas pelos sujeitos. Não havendo uma identidade social total e permanentemente adquirida, a entidade "mulher" homogênea torna-se um impeditivo para a identificação da multiplicidade de relações sociais nas quais a diferença sexual age instituindo formas específicas e diferenciadas de subordinação. Segundo a autora, uma identidade política comum deve levar em conta, sem eliminar as diferenças pré-existentes, os princípios políticos da moderna democracia pluralista, articulados através do princípio da equivalência. Na visão da democracia radical e plural, a questão não passa por criar grupos de interesse ou de construção de novas identidades, mas de uma "identidade política comum que criaria as condições para estabelecer uma nova hegemonia articulada por meio de novas relações, práticas e instituições sociais igualitárias" (Mouffe 2013Mouffe, Chantal. 2013. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In Teoria política feminista: textos centrais, organizado por Luis Felipe Miguel, e Flávia Biroli, 265-82. São Paulo: Editora Horizonte., 278). A recusa de uma identidade feminina essencial e o abandono da tentativa de fundamentar uma política específica e estritamente feminista, é condição, portanto, para a construção de um projeto de democracia radical e plural não como "luta pela realização da igualdade de um grupo empírico definível com essência e identidade comuns, as mulheres, e sim como uma luta contra as múltiplas formas em que a categoria ‘mulher’ é construída em subordinação" (Mouffe 2013Mouffe, Chantal. 2013. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In Teoria política feminista: textos centrais, organizado por Luis Felipe Miguel, e Flávia Biroli, 265-82. São Paulo: Editora Horizonte., 280).

Também identificada com a perspectiva anti-universalista, Eleni Varikas (1996)Varikas, Eleni. 1996. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo 2 (3): 59-80 em seu texto "O pessoal é político – desventuras de uma promessa subversiva", discute o tipo de liberdade requerida pelo feminismo e a própria construção do sujeito coletivo que empreende as lutas feministas. A autora feminista apresenta duas grandes vertentes do entendimento sobre a politização do privado. A primeira delas enfatiza o caráter estrutural da dominação, mostrando que não se trata de desigualdades apresentadas na esfera individual, mas sistêmicas; e, a segunda, que trata da incorrência da politização do pessoal no risco de essencializar a vivência feminina como portadora de características especiais (Varikas 1996Varikas, Eleni. 1996. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo 2 (3): 59-80, 66). Seu diálogo crítico, a exemplo de Mouffe (2013)Mouffe, Chantal. 2013. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In Teoria política feminista: textos centrais, organizado por Luis Felipe Miguel, e Flávia Biroli, 265-82. São Paulo: Editora Horizonte., é com as autoras do que chama de "matriarcalismo político" (Mouffe 2013Mouffe, Chantal. 2013. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In Teoria política feminista: textos centrais, organizado por Luis Felipe Miguel, e Flávia Biroli, 265-82. São Paulo: Editora Horizonte., 187), e sua ênfase é que o feminismo não pode confundir sua práxis com "uma experiência imediata das mulheres". Para Varikas (1996)Varikas, Eleni. 1996. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo 2 (3): 59-80, a força do pensamento matriarcal foi produto do questionamento sobre a necessidade de suprimir ou reformular a distinção entre público e privado. Para a autora, a dominação foi refletida, racionalizada, mas não subvertida, o que acabou conduzindo para o perigo da exaltação do privado, passando de um sistema de servidão para uma moralização do privado. Ainda segundo Varikas (1996Varikas, Eleni. 1996. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo 2 (3): 59-80, 80), a agência do feminismo não pode ser construída e definida a priori, tendo em vista que "o fazer parte de um sujeito coletivo […] não tem nada de automático ou de dado de antemão por uma experiência qualquer".

Partindo de uma abordagem teórica antiessencialista, o artigo em sequência aponta a partir de casos paradigmáticos o campo de disputas em torno da definição da categoria "mulher", circulando desde um feminismo epistemicamente marcado por uma perspectiva essencialista e biologizante, percorrendo distintas vertentes dos feminismos, até mobilizações retóricas antifeministas de grupos de extrema-direita. Estas tensões estão em curso e são evidenciadas tanto pela discussão em torno da linguagem neutra, gerando embates linguísticos-políticos, como também estão presentes no argumento acionado de "apagamento" da mulher biológica em detrimento da incorporação de uma perspectiva plural de mulheres.

Partindo da análise de três casos que ganharam repercussão nas redes sociais no período entre 2022 e 2023 no Brasil, apresentaremos os argumentos mobilizados em torno de tais controvérsias e em que medida argumentos do campo progressista e da direita política se aproximam. A hipótese que partimos é que existe o compartilhamento de uma matriz-narrativa essencialista e transexcludente sobre o gênero, tanto por parte de segmentos da esquerda/centro-esquerda e da direita/extrema direita no campo societário, gerando um sistema de retroalimentação de amplo espectro político que não reconhece outras identidades para além da cisheteronormativa.

Metodologia

A reivindicação de identidades no âmbito dos movimentos feministas refletiu, nos últimos anos, uma esfera epistemológica de um campo de disputas e tensões, evidenciadas tanto pela tentativa de implementação da linguagem neutra, gerando embates linguísticos-políticos, como também por uma perspectiva inclusiva da categoria mulher através do uso de termos como "pessoas com útero", "pessoas que gestam" ou "pessoas que menstruam", especialmente nos debates sobre Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (DSDR). Para analisar este fenômeno, tomamos três exemplos de controvérsias nas redes sociais que demarcam posições transexcludentes em torno da categoria "mulher".

A primeira publicação analisada é do Instagram do Ministério das Mulheres (2023-2026), publicado na gestão do terceiro mandato do presidente Lula (PT) e que traz como frase "Ministério de todas as mulheres"4 4 Ministério das Mulheres. s. d. "Publicação: Ministério de Todas as Mulheres". Acessado em 10 maio 2023. https://www.instagram.com/p/CosMgNauO8O. em seu chamado. A segunda publicação analisa a repercussão no campo artístico, quando a artista visual Aleta Valente publicou em seu Instagram a hermenêutica linguística "se você não consegue definir uma mulher, você não pode lutar pelo direito das mulheres";5 5 Valente, Areta. 2022. Instagram Aleta Valente. Acessado em 10 out. 2023. https://www.instagram.com/p/CfT4_PbtOzI. "fêmea adulta humana", em junho de 2022. Por fim, a terceira publicação analisada discorre sobre a repercussão do texto da filósofa Djamila Ribeiro, publicado em 2022 na Folha de S.Paulo com o título "Nós, mulheres, não somos apenas ‘pessoas que menstruam’".6 6 Ribeiro, Djamila. 2022. Nós, mulheres, não somos apenas ‘pessoas que menstruam’. Folha UOL, 1 dez. 2022. Acessado em 20 maio 2023. https://tinyurl.com/2xt2exrp.

Como metodologia, adotamos a Análise Sociológica do Discurso (ASD) para discorrer em torno de tais controvérsias, buscando identificar os principais argumentos e dialéticas mobilizadas em defesa de uma perspectiva transexcludente da noção "mulher". Nosso objetivo é confirmar ou não a hipótese inicial de que existe uma matriz argumentativa compartilhada por estes atores nas redes sociais, que ora refutam o uso de uma linguagem inclusiva e o entendimento da agenda transinclusiva como parte constitutiva da agenda de direitos das mulheres, ora recorrem à particularidade da opressão vivida por mulheres em razão do sexo biológico.

Nesse sentido, tomamos como ponto de análise publicações emblemáticas nas redes sociais que tratam sobre linguagem neutra e aderimos a dois objetivos analíticos. A saber: (1) identificar os argumentos mobilizados entre aquelas que defendem a noção do que nomeiam de "realidade concreta" das mulheres baseada no sexo biológico e discordam da adoção de terminologias transinclusivas; e (2) identificar qual noção de "gênero" estas dialéticas essencialistas partem. Escolhemos três exemplos de controvérsias que envolveram linguagem neutra e/ou linguagem transinclusiva, sendo dois casos na rede social Instagram e um caso (artigo) no jornal de ampla circulação, a Folha de S.Paulo. Os dois critérios adotados para analisar estes casos foram os seguintes: o de engajamento e de repercussão. Engajamento, pois, no perfil do Instagram as duas publicações selecionadas (Ministério da Mulher e Aleta Valente) somam um quantitativo superior a mais de 550 comentários se comparadas com as outras publicações dos mesmos perfis. O critério de repercussão pública foi adotado para analisar o artigo na Folha de S.Paulo de autoria da filósofa Djamila Ribeiro tanto pela circulação midiática, como pela reação do texto entre feministas e/ou militantes/ativistas LGBTQIAP+.7 7 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual e Pansexual, segundo o Segundo o dicionário de Diversidade Sexual (2022).

Biologizando o gênero nas redes sociais

Considerando que os feminismos estão constantemente em disputa nas esferas políticas, sociais, culturais e religiosas (Della-Costa, Rocha e Solano 2022Della-Costa, Beatriz, Camila Rocha, e Esther Solano. 2022. Feminismo em disputa: um estudo sobre o imaginário político das mulheres brasileiras. São Paulo: Boitempo.), nosso objetivo aqui é analisar os argumentos mobilizados nas três controvérsias indicadas na metodologia. Na primeira, relacionada à publicação no dia 15 de fevereiro de 2023 no Instagram do Ministério das Mulheres, que conta atualmente (2023) com a ministra Cida Gonçalves, com a frase "Ministério de todas as mulheres" (Figura 2). O contexto da publicação se insere em uma conjuntura política específica, onde dias antes, o Instagram institucional do Ministério das Mulheres publicizou (Figura 1) o encontro com representantes da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), onde recebeu e divulgou o "Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras" (2023).

Figura 1
Ministra das Mulheres Cida Gonçalves recebendo representantes da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 2023
Figura 2
Publicação de 15 de fevereiro de 2023 do Ministério das Mulheres com a frase "Ministério de Todas as Mulheres".

A Figura 1, conta com a presença da Ministra Cida Gonçalves e representantes da Antra e teve como legenda: "O ministério é ‘das mulheres’ porque elas são diversas e são plurais. E está à disposição e será parceiro na execução de políticas públicas para pessoas trans e travestis e em combate ao preconceito" (Gonçalves 2023). A partir desta afirmação, diversas mulheres (não mapeamos seus perfis, mas os argumentos) reagiram nos comentários indicando a importância de outras pautas relacionadas à dimensão de gênero em detrimento da agenda trans, como, por exemplo, a da revogação da Lei de Alienação Parental e a "criminalização da misoginia". Dias depois, o Ministério das Mulheres, que teve seu nome reformulado quatro anos antes para "Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos" (MMFDH), com ênfase para a "mulher" no singular e a incorporação da dimensão "família" como orientadora das políticas públicas de recorte familista da ex-Ministra Damares Alves, publicou a frase "ministério de todas as mulheres", reafirmando seu compromisso político com a agenda transinclusiva.

Um dos comentários mais curtidos da publicação (Figura 3) em reação ao posicionamento do Ministério é o da página Sagrado Feminino Real, impulsionado por Letícia Nascimento, que conta com 15,7 mil seguidores no Instagram e produz conteúdos sobre "espiritualidade feminina & autonomia" com rodas de "sagrado feminino para mulheres do sexo feminino e corpos de fêmea". No comentário, a ativista mobiliza argumentos afirmando que "pessoas do sexo masculino sendo parte da classe sexual feminina"8 8 Comentário da página Sagrado Feminino Real no "post do Ministério de Todas as Mulheres" (Figura 2). Acessado em 20 maio 2023. https://www.instagram.com/p/CosMgNauO8O. não devem ser incluídas na definição do que é ser mulher.

Figura 3
Comentário da página Sagrado Feminino Real no "post do Ministério de Todas as Mulheres" (Figura 2) publicado em 15 de fevereiro de 2023.

O comentário reativo recorre aos dispositivos de feminilidade e é acionado como forma de enquadrar pessoas em determinado gênero a partir de uma perspectiva binária. O enquadramento é de que pessoas trans são homens que usam saia e batom. Historicamente, estes dois condicionantes simbólicos, estéticos, são enquadrados na ideia de feminilidade e marcados por uma culturalidade do gênero e dos papéis estéticos socialmente esperados. Ao usarem o argumento "gostam de passar batom e usam saia", "não sou cabelo, maquiagem e unha pintada, não sou sentimento, não sou uma saia, vestido, salto ou sapatilha, não sou virtual, sou uma mulher", criam uma régua de linearidade dos papéis sociais baseada em uma noção binária de masculino e feminino. Isto é, quem diverge, amplia, recusa e alarga essas posições normativas é automaticamente enquadrado como "homem" ou "mulher", interditando qualquer possibilidade de autoidentificação do gênero e gerando imediata biologização dos corpos.

A frase utilizada no plural "Ministério de Todas as Mulheres" aponta uma perspectiva política universalista e pluralista do gênero e da categoria mulher, diferentemente do "Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos", renomeado pela ex-Ministra associada à extrema-direita Damares Alves. O uso do termo "mulher" no singular expõe um caráter individual do gênero enquanto nomeação da orientação política. Ou seja, enquanto para o espectro político progressista as nomeações de órgãos governamentais possuem um discurso orientado para um tratamento das "mulheres" no plural, para a direita e a extrema-direita, os órgãos que tratam das políticas de estado e atuam com a temática de gênero possuem adesão a uma perspectivas individual, cisnormativa e transexcludente = mulher.

Diante desta universalidade assumida pelo Ministério das Mulheres no ano de 2023, outros questionamentos em forma de comentários aparecem como a "quais mulheres você se refere, ministra?", "mulheres não são do sexo masculino", é "necessário entender os problemas reais das fêmeas humanas" e da sua "classe sexual". O aspecto da "invisibilidade" do gênero (biológico) aparece enquanto elemento argumentativo ao considerar mulheres como sujeitas marcadas biologicamente pela dimensão "vaginista" e biologicista sustentada pela norma cis gênera. O mito da invisibilidade também aparece como um elemento de efeito em espiral (Thompson 1998Thompson, Kenneth. 1998. Moral Panics. Londres: Routledge) ao importar aspectos de pânico e ameaça a feministas cisgênero afetadas pelo crescimento e organização política notoriamente reconhecida das agendas de diversidade sexual. Neste ponto, recordamos a presença pública e a crescente mobilização dos ativismos políticos transinclusivos que, como mencionado pelo autor João Nery no livro A História do Movimento LGBT no Brasil (2018), passaram a configurar transidentidades.

Numa sociedade cisgênera e heteronormativa, quando falamos sobre transidentidades, as definições de masculinidades e feminilidade são insuficientes para explicar as inúmeras possibilidades de expressões de gênero dos indivíduos, seja quanto à sua identidade de gênero ou quanto à sua orientação sexual. Essas transidentidades compreendem o "guarda-chuva" dos transgêneros que, por sua vez, são conhecidos como "diversos sexuais". (Nery 2018Nery, João W. 2018. Transmasculinos: invisibilidade e luta. In História do Movimento LGBT no Brasil, organizado por James N Green, Márcio Caetano, Marisa Fernandes, e Renan Quinalha, 393-404. São Paulo: Alameda Editorial., 393).

Além do aspecto binário da feminilidade e da masculinidade, ficou evidente a expressão de um discurso maternalista que trata a maternidade enquanto uma dádiva sagrada que evoca posições essencialistas de temor às transidentidades. Rejeitam mulheres trans e travestis, pois, afirmam que estas usufruem de privilégios "masculinos" ainda que se declarem mulheres perante a sociedade. O ato de rejeição às transidentidades vem acompanhado, geralmente, da associação de atos de pedofilia às pessoas trans e travestis, assim como cultiva o medo quanto ao uso de banheiros femininos pela população trans. Há, neste discurso maternalista, uma posição essencialista do gênero ancorada em dimensões biologizantes e não sociais e/ou culturais, assim como a afirmação de que políticas centradas em uma perspectiva trans inclusiva acarretaria o "apagamento" da experiência concreta de mulheres marcadamente cisgênero. O discurso da sacralização da maternidade aparece para refutar perspectivas plurais dos feminismos, desconsiderando marcadores sociais e ancorando a experiência de "ser mulher" àquelas que têm útero e vagina. Concepções essencialistas estas que estão sendo reformuladas nos movimentos feministas, uma vez que redes, organizações e frentes nacionais que atuam e trabalham na pauta pela descriminalização social e legalização do aborto9 9 Frente Nacional PLA. 2023. Atos em todas as capitais denunciam criminalização das mulheres e pedem legalização do aborto no Brasil. Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela Legalização do aborto, 28 set. 2023. Acessado em 10 out. 2023. https://bit.ly/473pYZg. já vêm adotando perspectivas de justiça reprodutiva e apontando, em suas notas e plataformas, perspectivas sobre pessoas que abortam, engravidam e menstruam para além da cisgeneridade.

O discurso maternalista se aproxima do discurso antifeminista adotado pela direita e extrema-direita à medida que, em diferentes contextos, recorre aos termos "classe sexual", "gênero biológico", "fêmea" e "essência". A autorreferência como "fêmea humana adulta" foi recorrente tanto nas publicações do Ministério das Mulheres quanto na publicação (Figura 4) no Instagram da artista visual Aleta Valente, trazendo a frase "fêmea adulta humana".

Figura 4
Publicação "Se você não consegue definir uma mulher, você não pode lutar pelo direito das mulheres" do Instagram da "Ex Miss Febem", publicado em 27 de junho de 2022

Conhecida no Instagram como "Ex-Miss Febem", a artista, mãe, suburbana, Aleta Valente criou sua conta nesta rede social em 2015, espaço onde expõe uma série de imagens, vídeos e memes explorando a percepção nas redes sobre o corpo da mulher, maternidade compulsória, menstruação, sexualidade e aborto. Na publicação, a artista afirmou que "Se você não consegue definir uma mulher, você não pode lutar pelo direito das mulheres".

Após afirmar ter sido "ameaçada fisicamente e forçada a deixar o espaço (de uma festa) enquanto uma mulher trans não identificada fazia um discurso no local",10 10 Silva, Ariane. 2021. Ex-Miss Febem: artista feminista é atacada em festa e hostilizada nas mídias sociais. GFeminista, 4 out. 2021. Acessado em 11 jun. 2023. https://bit.ly/3Q6vMus. a artista fez uma postagem no Instagram dizendo que "a acusação de transfobia se tornou a nova forma de silenciar e violentar mulheres dentro de espaços de esquerda". A galeria de arte Gentil Carioca emitiu uma nota no Instagram afirmando ser "contra a transfobia e plenamente a favor da equidade de direitos para pessoas trans no Brasil e no mundo, sem ressalvas, sem poréns". Segundo a artista visual, "nomear uma violência não pode ser desonestamente reinterpretado como perpetuação de violência".11 11 Medium. s. d. Caso 10 – Aleta valente. Medium. Acessado em 20 jul. 2023. https://medium.com/@esquerdasemmisoginia/caso-aleta-valente-9783def2b85a.

Na postagem, Aleta Valente foi acusada reiteradamente de ter sido transfóbica, fazendo, em seguida, uma nova postagem afirmando que: "sempre foi comprometida com a realidade material das mulheres […] (e que) o que está acontecendo é o silenciamento de mulheres que priorizam as suas vivências em uma sociedade patriarcal. Análise concreta de situações concretas". Em junho de 2022, após ter sofrido uma série de ameaças, fez uma postagem afirmando novamente que "se você não consegue definir uma mulher, você não pode lutar pelos direitos das mulheres" e que a acusação sofrida de transfobia ocorreu somente por ela reconhecer que a opressão sofrida tem origem no seu sexo. Segundo a artista, os ataques que sofreu refletem a misoginia, presente tanto no campo da direita quanto na esquerda. Tendo em vista serem muitas as camadas presentes em seu discurso, analisaremos dois aspectos mobilizados por Aleta Valente: a afirmação sobre a existência de uma "realidade material", concreta, e a necessidade de se "definir uma mulher".

A artista busca validar o argumento de ser perseguida usando a justificativa de que só é possível lutar "pelos direitos" a partir do reconhecimento da "realidade material" e concreta daquelas reconhecidas como mulheres a partir de determinações da biologia (mulheres com útero e vagina). Nesse sentido, a afirmação "se você não consegue definir (grifo nosso) uma mulher, você não pode lutar pelos direitos das mulheres" é guiada por uma noção essencialista e universal do gênero feminino.

Esta busca pela precisão do gênero, escrita pela artista visual enquanto "situações concretas" das mulheres, é um argumento que reproduz uma posição restritiva do gênero, uma vez que não considera a existência de outros enquadramentos possíveis do que é ser e estar mulher - resumindo as experiências de ser mulher e estar mulher no mundo a genitalidade. Segundo a antropóloga e pesquisadora na área de gênero e sexualidade, Adriana Piscitelli (2009)Piscitelli, Adriana. 2009. Gênero: a história de um conceito. In Diferenças, igualdade, organizado por Heloísa B. de Almeida, e José Szwako, 118-46. São Paulo: Berlendis., gênero representa não uma definição genitalista, mas uma classificação social.

[…] acompanhando uma reflexão científica mais ampla, entende-se que quando nascemos somos classificados pelo nosso corpo, de acordo com os órgãos genitais, como menina ou menino. Mas as maneiras de ser homem ou mulher não derivam desses genitais, mas de aprendizados que são culturais, que variam segundo o momento histórico, o lugar, a classe social. (Piscitelli 2009Piscitelli, Adriana. 2009. Gênero: a história de um conceito. In Diferenças, igualdade, organizado por Heloísa B. de Almeida, e José Szwako, 118-46. São Paulo: Berlendis., 126).

Neste ensejo de classificação social do gênero, há outra repercussão midiática que envolve o tema de posições biologizantes. É o caso do texto publicado em dezembro de 2022 pela filósofa Djamila Ribeiro no jornal Folha de S.Paulo com o título "Nós, mulheres, não somos apenas ‘pessoas que menstruam’". No texto, a autora resgata questões fundamentais das controvérsias que envolvem as lutas feministas e suas disputas no campo da linguagem ao retomar o uso de termos como "pessoas com útero" ou "pessoas que menstruam", apontando o seu incômodo enquanto teórica feminista pela aderência a um "sexismo biológico", citando Simone de Beauvoir no livro O Segundo Sexo. Acompanhada desta reação, Djamila Ribeiro pontua o "fato de sermos restringidas às nossas funções biológicas, como se não fôssemos seres humanos completos, seres sociais e sujeitos políticos".12 12 Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 de dez. de 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc. Neste ponto, a pensadora tem um distanciamento discursivo do argumento mobilizado pelo discurso maternalista que atribui funções biológicas ao gênero. No entanto, mesmo tentando descortinar os limites e usos da linguagem inclusiva, a autora acaba por incorrer em um reducionismo do gênero a partir do viés biológico igualmente encontrado nos discursos maternalistas, como podemos observar no trecho abaixo.

Sendo assim, o termo "pessoas que menstruam", mesmo com a pretensa ideia de querer incluir, apaga a realidade concreta das mulheres, pois se está criando uma nova categoria universal que não nomeia a materialidade delas. Essa realidade ficará implícita dentro dessa nova norma que se pretende hegemônica, assim como apaga a realidade de homens trans. Homens trans não são pessoas que gestam e menstruam, são sujeitos políticos.13 13 Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 de dez. de 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc.

A filósofa Djamila Ribeiro compartilha da equivalência argumentativa essencialista presente no discurso de "realidade concreta das mulheres" proferido pela artista Aleta Valente uma vez que aciona o princípio da "materialidade" enquanto necessidade de atermos à "análise concreta de situações concretas" experienciadas por mulheres. Outro argumento de equivalência compartilhada é a noção de apagamento, usado pela autora Djamila Ribeiro tanto para referir-se à realidade das mulheres como à realidade de homens trans. Neste ponto, a frase sobre homens trans "Homens trans não são pessoas que gestam e menstruam, são sujeitos político" reflete não só desconsideração sobre a saúde da população LGBTQIA+, uma vez que homens trans não só menstruam, mas como são estes atores incorporados enquanto sujeitos políticos em campanhas por dignidade menstrual. Nomear além de ser um ato político é sujeitar a visibilidade do político na ordem hegemônica.

O Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) emitiu uma nota14 14 Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 dez. 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc. se posicionando frente ao artigo afirmando se tratar de um discurso violento, colonizador sobre corpos diversos, saberes, práticas e experiências, e que não reconhece as transmasculinidades e outras possibilidades de masculinidades que menstruam e engravidam. Ao não reconhecer o uso do termo "pessoas que menstruam" ou "pessoas com útero", estaria rejeitando, na perspectiva social e das políticas públicas de saúde, cuidado e acolhimento, às pessoas transmasculinas, não binárias e intersexo. Rebatendo o principal argumento desenvolvido em sua produção teórica, a do "lugar de fala", afirmam que corpo e identidade não são somente lugar e fala (identidade fixa), mas sim ação e território (várias identidades) a partir do qual são produzidos discursos e materialidades. A existência de diferentes masculinidades evidencia o equívoco da autora ao afirmar que "a categoria homem segue intocável – não há publicações se referindo a eles como "pessoas que ejaculam", por exemplo.

Em 2021, por exemplo, o coletivo feminista Olga Benário, em parceria com o Laboratório de Saúde Coletiva do Campus São Paulo da Unifesp, criou o projeto de extensão "Dignidade Menstrual"15 15 Cristina, Juliana. 2022. Ação promove dignidade menstrual de mulheres cis e homens trans que vivem e circulam no centro de São Paulo. Unifiesp.Comunicação, 1 abr. 2022. Acessado 28 maio 2023. https://tinyurl.com/5n7j93uc. , que desenvolve ações de promoção à saúde voltada para mulheres cisgênero e homens transgênero que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sobre a gestação de homens trans, não só eles engravidam como abortam e são incorporados como sujeitos políticos por feministas transinclusivas e interseccionais que questionam uma perspectiva reprodutiva universalista dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (DSDR) baseada na vagina e no útero.

Feministas transinclusivas pautam a necessidade da interseccionalidade dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (DSDR) acionando uma perspectiva ampla sobre Justiça Reprodutiva (JR). O termo JR alarga o termo de política sexual e reprodutiva, uma vez que inclui não só a defesa do aborto e suas consequências raciais e de classe, mas localiza o tema na agenda de justiça social, incluindo pessoas trans, não binárias, intersexo e mulheres negras enquanto sujeitos esquecidos(as) por feministas brancas. Outro argumento usado por Ribeiro16 16 Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 dez. 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc. no artigo da Folha de S. Paulo é que "não faz o menor sentido ter medo de usar a categoria mulher ou de mantê-la implícita".

A categoria mulher, como conhecemos, está em disputa na sociedade tanto através do posicionamento de setores feministas com posições profundamente essencialistas, como feministas interseccionais, antifeministas a setores religiosos e laicos, disputando, em diferentes frentes e formatos, o sentido e validação do que é ser mulher na contemporaneidade. No entanto, tudo indica que o posicionamento essencialista e biologicista da noção de mulher enfraquece o caminho para uma democracia radical e pluralista no que tange a percepção de gênero e sexualidade. Neste sentido, não se trata de deixar a categoria mulher implícita, mas sim de questionar os limites que a palavra "mulher" implica conjuntural, social, cultural e politicamente.

Gênero em transe: antifeminismos e os sujeitos dos feminismos

Sônia Côrrea, pesquisadora e co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política (SPW, na sigla em inglês), em entrevista para a SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos em 2016, já nos apontava que "a categoria mulher não serve mais para a luta feminista". Segundo Corrêa, a afirmação de uma separação entre "mulher" e "gênero" (associada à agenda LGBTQIAP+) é politicamente problemática, tendo em vista o ativismo antigênero estar articulado por forças religiosas e laicas em torno da falácia da "ideologia de gênero". Esta separação também gera um conflito entre feministas transinclusivas e feministas essencialistas que desde os anos 2000 divergem sobre quem é ou não sujeito do feminismo – "conflito esse que não poucas vezes adotou uma retórica de ódio em relação às mulheres trans".17 17 Sexuality Policy Watch (SPW). 2023. Feminismos essencialistas: um desafio para a luta antipatriarcal. SPW Biblioteca, 5 jan. 2023. Acessado em 8 abr. 2023. https://tinyurl.com/yssnfkw2. Em 2022, o Observatório de Sexualidade e Política (SPW) lançou o documento "Feminismos essencialistas: um desafio para a luta anti-patriarcal",18 18 Sexuality Policy Watch (SPW). 2023. Feminismos essencialistas: um desafio para a luta antipatriarcal. SPW Biblioteca, 5 jan. 2023. Acessado em 4 jul. 2023. https://tinyurl.com/yssnfkw2. onde trata sobre os feminismos transexcludentes, essencialistas e/ou antigênero como correntes dos feminismos que remontam os anos 1970 e que vêm adquirindo novos contornos.

Nos anos 2000 o debate nos movimentos feministas, na esteira dos movimentos "identitários", passou a girar em torno da categoria "mulher", questionando quem deve ou não ser considerado sujeito do feminismo. Diferentemente do que vinha ocorrendo, apontam que essas expressões feministas transexcludentes, antes restritas ao âmbito dos movimentos feministas, passaram a se manifestar publicamente no espaço público. Ainda que se definam como "progressistas" e façam uso da legitimidade moral e política dado terem posições construídas no interior do movimento feminista, compartilham de suposições conservadoras sobre gênero e transgeneridade. Tanto a narrativa conservadora de antifeministas como a narrativa transexcludente presente no discurso maternalista compartilham de categorias que enfatizam o risco do "apagamento da mulher" (cisgênera); culto à sacralização da maternidade e mobilização de justificativas biológicas sobre o gênero; e a refutação ao uso de linguagem neutra. Tais recursos narrativos minimizam lutas sociais e populares mais amplas dos feminismos, seja a favor da igualdade entre homens e mulheres (discurso conservador), seja contra o sexismo e o patriarcado (única engrenagem de opressão reconhecida pelas feministas transexcludentes).

A noção binária que sustenta essa engrenagem essencialista e que alimenta desde setores religiosos e laicos a feministas essencialistas, coloca pessoas trans e travestis em posição de rejeição extrema ao reforçarem o estigma social sobre esta população já reconhecidamente marginalizada. Um dos efeitos práticos é a fobia social emplacada por estes grupos com objetivo de impossibilitar que pessoas trans acessem serviços públicos e competições esportivas (sob justificativas biológicas), e a resistência ao uso de termos inclusivos na arena sexual e reprodutiva como "pessoas que menstruam" e "pessoas com útero". Nessa mesma direção, segundo a autora Sônia Côrrea, os dados alarmantes de violência praticadas de transfeminicídio também são o efeito da violência normativa importada pela lógica binária do sistema sexo-gênero. Nesse sentido, interrogar gênero, raça e sexualidade sob a chave dos direitos humanos, requer, necessariamente, o enfrentamento do essencialismo binário biológico masculino/feminino, homem/mulher. Como definido pelo relatório da SPW que fundamenta os insights deste artigo, as feministas essencialistas parecem estar apegadas a uma hierarquia da violência além de atuarem como "sindicalistas" das mulheres cisgêneras diante das pautas feministas transinclusivas em curso. Segundo o relatório,

Os feminismos essencialistas opõem-se à autonomia de decisão, autonomia corporal e ao direito à identidade de gênero. Suas narrativas enfatizam o fantasma do "apagamento da mulher". E, em geral, têm uma visão moral e conservadora acerca da sexualidade, do corpo e da reprodução. Posicionam-se como abolicionistas no debate em torno da prostituição, são contrárias à reprodução assistida que recorre à "barriga de aluguel" e, principalmente, defendem enfaticamente a premissa que as "mulheres biológicas" são a única categoria política do feminismo. Também parecem estar apegadas a uma hierarquia da violência, pois consideram mais relevantes as formas de violência que afetam as mulheres e as meninas. E, embora se pautem por uma hierarquização dos sistemas de opressão na qual a opressão sexual tem primazia, tendem a ignorar opressões de classe e decorrentes da racialização.19 19 Sexuality Policy Watch (SPW). 2023. Feminismos essencialistas: um desafio para a luta antipatriarcal. SPW Biblioteca, 5 jan. 2023. Acessado em 8 abr. 2023. https://tinyurl.com/yssnfkw2.

Nesse sentido, retomamos que feministas essencialistas não só compartilham categorias narrativas sobre o gênero através do aspecto biológico com antifeministas, mas que, em certa medida, reproduzem um discurso maternalista referenciado na natureza humana e na experiência do corpo da mulher cisgênera (majoritariamente branca), descartando a noção de "direitos humanos, gêneros e sexualidades" ao descredenciar a possibilidade de outras formas de mulheridades na sociedade, sendo este posto social exclusivo de mulheres portadoras de vagina e útero.

Marcele de Morais Silva (2022)Silva, Marcele de M. 2022. Transfobia no feminismo radical de segunda onda? Uma análise dos seus pressupostos materialistas. Dissertação, Universidade Federal de Pernambuco., em sua dissertação "Transfobia no feminismo radical de segunda onda? Uma análise dos seus pressupostos materialistas", faz uma análise do blog QG Feminista dada a forte presença de um discurso antigênero. Para a autora, da mesma forma que grupos de direita alertam sobre os riscos relacionados à "ideologia de gênero" (relativismo, ameaça a família, a pureza das crianças etc.) feministas radicais transexcludentes alertam sobre problemas que o gênero pode causar ao feminismo. Segundo Silva (2022Silva, Marcele de M. 2022. Transfobia no feminismo radical de segunda onda? Uma análise dos seus pressupostos materialistas. Dissertação, Universidade Federal de Pernambuco., 9), para as feministas radicais, mulheres trans reforçam uma perspectiva essencializada do que é ser mulher ao adotarem práticas socialmente atribuídas às mulheres cis, reforçando uma suposta "essência do feminismo". Nesse sentido, a categoria sexo torna-se a categoria explicativa tanto para atores do campo da direita quanto da esquerda. Apegadas a uma concepção de mulher informada exclusivamente pela designação de sexo, feministas radicais veem mulheres trans como homens. O feminismo transexcludente compreende o feminismo como um movimento organizado a partir das experiências da mulher biológica, apontando que a expansão do espaço para pensar outras identidades através da "identidade de gênero" provocaria um apagamento da experiência concreta das mulheres.

Segundo a autora, feministas radicais questionam a teoria queer e a afirmação sobre a construção social do gênero, negando sua realidade concreta como categoria socialmente construída com efeitos concretos sobre a vida das pessoas, defendendo o sexo como categoria de explicação da opressão sofrida por mulheres (Silva 2022Silva, Marcele de M. 2022. Transfobia no feminismo radical de segunda onda? Uma análise dos seus pressupostos materialistas. Dissertação, Universidade Federal de Pernambuco., 11). O espaço virtual (blogs, Instagram, YouTube) é o lugar privilegiado para a ampliação de uma perspectiva transexcludente, permitindo circular desde autoras do feminismo radical que ganharam destaque a partir de 1970 e que atribuem centralidade em suas análises ao conceito de "sexo", assim como a circulação de mulheres conservadoras de direita que fazem clara oposição ao feminismo – aspecto último que nos debruçaremos mais adiante. Nesse sentido, o que observamos é uma renovação do feminismo radical dos anos 1970, em uma espécie de "feminismo crítico de gênero", tendo como motivação questões contemporâneas relacionadas ao uso do conceito de gênero e à participação de novos sujeitos políticos no âmbito do feminismo.

O que nos chama atenção é que em meio ao crescimento da ideologia antifeminista em dimensão transnacional, que resgata o papel conservador das mulheres na sociedade, a exemplo do que ocorreu no passado brasileiro nas Marchas de União Cívica Feminina (1962), na Marcha da Família com Deus pela Liberdade (1964) e na Cruzada Democrática Feminina (1963), setores de esquerda e/ou feministas essencialistas autoidentificadas com o feminismo radical, fazem o uso de discursos biologizantes sobre o gênero aliando-se aos frutos do antifeminismo em curso. Essa controvérsia da relação entre feministas antigênero (transexcludentes) e antifeministas gera aquilo que o autor William Connolly (2008)Connolly, William. 2008. Capitalism and christianity. American style. Carolina do Norte: Duke University Press. denomina como uma relação de "caixa de ressonância". Ou seja, conexões entre grupos e filosofias que antes pareciam estar separadas e descoladas, e que a partir de um contexto político específico passam a atuar conjuntamente em uma atmosfera de discursos e práticas comuns, ressonando mutuamente. Em comum, encontramos feministas essencialistas e atores da extrema direita utilizando o arsenal político para atuarem contra a linguagem neutra.

A extrema-direita é historicamente antifeminista, sendo possível apontar que foram nas últimas três décadas que este contramovimento se espraiou e se estruturou. No entanto, com a ascensão do autoritarismo, alinhado ao projeto neoliberal, esta atuação antifeminista ganhou contornos próprios na sociedade. O que se vê em curso no Brasil, conectado com a extrema-direita global, é a remodelação do discurso de matriz religiosa-moralista (mobilizado em espaços considerados seculares) como a falaciosa "ideologia de gênero". Também se apresentam práticas antifeministas na consolidação de políticas neoliberais que veem no "empreendedorismo feminino" e no debate raso sobre "violência contra à mulher" – que flerta com a defesa do armamento feminino, criminalização da misoginia e o endurecimento penal, a solução para todo e qualquer tipo de abandono por parte do estado. Ou, em outros casos, antifeministas e ideólogos da extrema-direita (mas não somente) que questionam a adoção da linguagem neutra e a incorporação de expressões inclusivas, como "pessoas que gestam" e "pessoas com útero", com objetivo de refutar as pautas e agendas dos movimentos feministas e LGBTQIAP+.

Considerações finais

Em 8 de março de 2023, Dia Internacional da Mulher, o deputado de extrema-direita, Nikolas Ferreira (PL-MG) subiu na tribuna usando peruca e se "autoidentificando" como "Nikole". Este ato de transfobia na arena legislativa explicita estratégias de transfobia recreativa, as quais se manifestam como dispositivos ideológicos da chamada Nova Direita. Satirizar o uso de saia e batom, como fizeram feministas essencialistas nas publicações do Instagram analisadas, também são gestos discursivos que legitimam a transfobia desde a sua expressão recreativa, a medida em que ambos, em proporção e a partir de mecanismos distintos, desconsideram pessoas trans enquanto sujeitas dos feminismos, reduzindo-as aos seus marcadores simbólicos sobre feminilidade tão milenarmente explorado pela ordem patriarcal.

Há, ainda, na esfera parlamentar, o Projeto de Lei n. 2372/2023, de autoria do deputado José Medeiros (PL-MT), que exclui a possibilidade de se caracterizar como crime o fato de se tratar alguém de acordo com sua classificação biológica original, como homem ou mulher.20 20 Brasil. 2023. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2372/2023 de autoria do deputado José Medeiros (PL-MT). Acessado em 29 maio 2023. https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2360333. Na justificativa do projeto, o deputado, também de extrema-direita, recorre ao seguinte argumento: não há, em caso algum, crime resultante de se tratar alguém de acordo com sua classificação biológica original (grifo nosso) como homem ou mulher.14 14 Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 dez. 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc. Nesse sentido, o uso do argumento "classificação biológica original" é fundamental para compreendermos essa tendência essencialista que obstaculiza o avanço da discussão dos direitos das mulheres, a partir de uma perspectiva transinclusiva. Caso contrário, retomando às controvérsias aqui tratadas, questionamos: estariam as feministas essencialistas satisfeitas com proposições legislativas que deslegitimam a pluralidade em torno do que é ser mulher na sociedade?

  • 3
    Reconhecemos que há um vasto campo de estudos e discussões da teoria e pensamento queer sobre a eliminação, modificação e questionamento do "gênero". Neste artigo, especialmente, trabalhamos com as noções de essencialismos entre atores que demarcam a posição que "mulheres são aquelas marcadas pelo sistema sexo biológico".
  • 4
    Ministério das Mulheres. s. d. "Publicação: Ministério de Todas as Mulheres". Acessado em 10 maio 2023. https://www.instagram.com/p/CosMgNauO8O.
  • 5
    Valente, Areta. 2022. Instagram Aleta Valente. Acessado em 10 out. 2023. https://www.instagram.com/p/CfT4_PbtOzI.
  • 6
    Ribeiro, Djamila. 2022. Nós, mulheres, não somos apenas ‘pessoas que menstruam’. Folha UOL, 1 dez. 2022. Acessado em 20 maio 2023. https://tinyurl.com/2xt2exrp.
  • 7
    Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual e Pansexual, segundo o Segundo o dicionário de Diversidade Sexual (2022).
  • 8
    Comentário da página Sagrado Feminino Real no "post do Ministério de Todas as Mulheres" (Figura 2). Acessado em 20 maio 2023. https://www.instagram.com/p/CosMgNauO8O.
  • 9
    Frente Nacional PLA. 2023. Atos em todas as capitais denunciam criminalização das mulheres e pedem legalização do aborto no Brasil. Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela Legalização do aborto, 28 set. 2023. Acessado em 10 out. 2023. https://bit.ly/473pYZg.
  • 10
    Silva, Ariane. 2021. Ex-Miss Febem: artista feminista é atacada em festa e hostilizada nas mídias sociais. GFeminista, 4 out. 2021. Acessado em 11 jun. 2023. https://bit.ly/3Q6vMus.
  • 11
    Medium. s. d. Caso 10 – Aleta valente. Medium. Acessado em 20 jul. 2023. https://medium.com/@esquerdasemmisoginia/caso-aleta-valente-9783def2b85a.
  • 12
    Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 de dez. de 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc.
  • 13
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  • 14
    Ribeiro, Djamila. 2022. ‘Pessoas que menstruam’: entidade repudia texto de Djamila Ribeiro e pede retratação. Diadorin. LGBTIfobia, 2 dez. 2022. Acessado em 23 jul. 2023. https://tinyurl.com/377c8cvc.
  • 15
    Cristina, Juliana. 2022. Ação promove dignidade menstrual de mulheres cis e homens trans que vivem e circulam no centro de São Paulo. Unifiesp.Comunicação, 1 abr. 2022. Acessado 28 maio 2023. https://tinyurl.com/5n7j93uc.
  • 16
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  • 17
    Sexuality Policy Watch (SPW). 2023. Feminismos essencialistas: um desafio para a luta antipatriarcal. SPW Biblioteca, 5 jan. 2023. Acessado em 8 abr. 2023. https://tinyurl.com/yssnfkw2.
  • 18
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  • 19
    Sexuality Policy Watch (SPW). 2023. Feminismos essencialistas: um desafio para a luta antipatriarcal. SPW Biblioteca, 5 jan. 2023. Acessado em 8 abr. 2023. https://tinyurl.com/yssnfkw2.
  • 20
    Brasil. 2023. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2372/2023 de autoria do deputado José Medeiros (PL-MT). Acessado em 29 maio 2023. https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2360333.
  • Os textos deste artigo foram revisados pela SK Revisões Acadêmicas e submetidos para validação das autoras antes da publicação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2023
  • Aceito
    23 Out 2023
  • Publicado
    09 Maio 2024
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