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Patriarcado e interseccionalidade: o público e o privado como ponto de convergência teórica

Patriarchy and intersectionality: the public and the private as a theoretical point of convergence

Patriarcado e interseccionalidad: lo público y lo privado como punto de convergência teórica

Resumo:

O artigo discute a importância dos domínios público e privado na análise feminista, destacando a presença da dicotomia entre essas esferas nas teorias do patriarcado e na interseccionalidade. A separação entre o público e o privado tem raízes históricas e está relacionada à opressão das mulheres na esfera privada e sua exclusão da esfera pública. A exclusão das mulheres da teoria política tradicional e a invisibilidade de suas identidades de gênero são criticadas, apontando a importância de reconhecer a influência do gênero na esfera pública e na economia. A oposição entre público e privado é explorada nos estudos feministas e permeia as teorias do patriarcado e da interseccionalidade, aqui expressas pelos escritos de Pateman, Okin, Fraser, Walby, Hill Colins, Crenshaw, Davis e Bilge, evidenciando o potencial de complementaridade entre ambas as correntes teóricas.

Palavras-chave:
Patriarcado; Interseccionalidade; Feminismo; Público e privado

Abstract:

The paper discusses the importance of the public and private domains in feminist analysis, highlighting the presence of the dichotomy between these spheres in theories of patriarchy and intersectionality. The separation between the public and the private has historical roots and is related to the oppression of women in the private sphere and their exclusion from the public sphere. The exclusion of women from traditional political theory and the invisibility of their gender identities are critiqued, pointing to the importance of recognizing the influence of gender in the public sphere and the economy. The opposition between public and private is explored in feminist studies and permeates the theories of patriarchy and intersectionality, expressed here by the writings of Pateman, Okin, Fraser, Walby, Hill Collins, Crenshaw, Davis and Bilge; highlighting the potential for complementarity between both theoretical currents.

Keywords:
Patriarchy; Intersectionality; Feminism; Public and private

Resumen:

El artículo aborda la importancia de los ámbitos público y privado en el análisis feminista, destacando la presencia de la dicotomía entre estas esferas en las teorías del patriarcado y la interseccionalidad. La separación entre lo público y lo privado tiene raíces históricas y está relacionada con la opresión de las mujeres en la esfera privada y su exclusión de la esfera pública. Se critica la exclusión de las mujeres de la teoría política tradicional y la invisibilidad de sus identidades de género, señalando la importancia de reconocerla influencia del género en la esfera pública y la economía. La oposición entre lo público y lo privado se explora en los estudios feministas e impregna las teorías del patriarcado y la interseccionalidad, expresadas aquí por los escritos de Pateman, Okin, Fraser, Walby, Hill Collins, Crenshaw, Davis y Bilge; destacando el potencial de complementariedad entre ambas corrientes teóricas.

Palabras clave:
Patriarcado; Interseccionalidad; Feminismo; Público y privado

Introdução: o público e privado

Os domínios na vida doméstica (privada) e na vida não doméstica (pública) são centrais não apenas na maior parte das formulações que permeiam os estudos de gênero, mas também no pensamento ocidental desde o século17 (Okin 2008Okin, Susan M. 2008. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas 16 (2): 305-32. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000200002.
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). Neste artigo defendo a complementariedade das teorias do patriarcado com a interseccionalidade como ferramentas teórico-metodológicas para a análise feminista. Destaco em ambas as correntes teóricas a presença fundadora da dicotomia entre o público e o privado nas análises generificadas, estabelecendo a família e a política como locus privilegiado da pesquisa feminista.

Para compreender a formulação feminista do patriarcado, é preciso, portanto, voltar à produção da dicotomia entre o público e o privado. O princípio dessa separação está vinculado à obra de Mary Wollstonecraft (2001)Wollstonecraft, Mary. 2001. A vindication of the Rights of Woman: with strictures on political and moral subjects. Nova York, The Modern Library., com o movimento pela inclusão política, o sufrágio universal, ampliando para as mulheres os direitos que o pensamento liberal e a Revolução Francesa afiançavam a todos os homens (Miguel 2016Miguel, Luis Felipe. 2016. Carole Pateman e a crítica feminista do contrato. Revista Brasileira de Ciências Sociais 32 (93): 3-17. https://doi.org/10.17666/329303/2017.
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). Logo, é o destaque que Wollstonecraft dá à opressão na esfera privada, aliada à exclusão na esfera pública, que a designa como feminista, tendo a crítica da distinção entre o público e o privado como própria do pensamento feminista.

Elshtain (1981)Elshtain, Jean Bethke. 1981. Public man, private woman: women in social and political thought. Princeton: Princeton University Press. aponta que a tendência geral é a de afirmar a primazia do mundo público, a esfera política, dominada pelos homens, em detrimento do mundo privado da família, tradicionalmente marcado pela predominância feminina, dominada e subalternizada. A autora, portanto, empenha esforços em ligar pilares conceituais, como público e privado, a imperativos associados com a natureza humana, com as teorias da língua e da ação, e com os valores e fins divergentes da vida familiar e política. Essas esferas são assumidas como naturais e inerentes às sociedades. Ela, entretanto, aponta para as alternativas que politizam a esfera privada e privatizam o domínio público – a bifurcação entre essas duas esferas, para Elshtain, cria uma noção de que o domínio privado é tratado como base necessária para a vida pública, ainda que seja uma forma "menos digna" da atividade humana.

Nenhuma esfera privada demarcada conceitualmente e determinada socialmente como uma dimensão mais ampla da vida social pode existir sem um mundo público em contraste. As especulações teóricas da autora estão localizadas nas origens da nossa noção básica de público e privado em um meio social humano.

Logo, a separação entre um mundo público, da política, e um mundo privado, da família, de produção e reprodução, foi possível graças a um vocabulário preexistente que permitia os termos e as comparações de contraste entre os dois. Dessa forma, a esfera pública se tornou a esfera dos discursos – em que tem lugar o discurso masculino. O discurso, entretanto, também tinha os momentos públicos e privados. Algumas categorias de sujeitos – na sociedade grega, mulheres e escravos – foram confinados às esferas privadas do discurso. Aqueles que são silenciados não são os que não têm nada a dizer, mas, sim, os que não possuem uma voz pública (Elshtain 1981Elshtain, Jean Bethke. 1981. Public man, private woman: women in social and political thought. Princeton: Princeton University Press.).

Como as mulheres foram silenciadas ao longo da maior parte da história ocidental, suas visões e papéis no processo civilizatório foram subestimados ou associados a uma ordem menor de significância, comparada às atividades políticas dos homens. Sendo assim, a autora propõe uma reconstrução do público e do privado, sob uma moldura da teoria e da política dos limites, não porque pode visar apenas possibilidades limitadas da política, mas precisamente o contrário: ela sabe que a política transforma facilmente a engrenagem de possiblidades destrutivas ilimitadas.

Falar do mundo privado é falar da família. Desmascarar distorções ideológicas não é o mesmo que construir alternativas – ainda que haja mudanças na visão que celebra a maternidade, mas desmerece as mulheres, isso não significa que há um novo ideal de vida privada. A ideia de família serviu, portanto, como ferramenta política que afasta a mulher do espaço público – considerado pouco seguro para elas. A violência de gênero, por exemplo, gerada na intimidade amorosa, revela a existência do controle social sobre os corpos, a sexualidade e as mentes femininas, o que evidencia a inserção diferenciada de homens e mulheres na estrutura familiar e social, assim como a manutenção das estruturas de poder e dominação disseminadas na ordem patriarcal (Bandeira 2019).

A oposição entre o público e o privado é frequentemente explorada em estudos feministas para compreender a produção das formas de opressão e discriminação de gênero. A violência de gênero não emerge de atitudes e pensamentos de aniquilação do outro, na qual este outro é considerado como um igual em relação ao perpetrador da violência. Pelo contrário, é pela perspectiva do gênero que a violência contra as mulheres é motivada por expressões da desigualdade embasadas na condição do sexo, que têm como locus inicial a família, em que são projetadas as relações hierárquicas (Bandeira 2019). Essas noções são particularmente importantes para a compreensão da formulação de patriarcado de Carole Pateman, em O contrato sexual (1993) que apresentarei na próxima seção.

Contrato e patriarcado

Em muitas análises, a violência é tratada como um dos mecanismos de controle das mulheres, tendo em vista que a divisão sexual do trabalho e o enquadramento das mulheres à esfera privada persistiram sendo categorias explicativas para a desigualdade, somadas ao controle do comportamento das mulheres, principalmente nos campos sexual e reprodutivo (Rosaldo 1974, Baserup 1970 citado por Walby 1990).

Simone de Beauvoir (2014)Beauvoir, Simone. 2014. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., a partir de algumas interpretações de Engels, determinou a "vitória do patriarcado", constituído por um conjunto de fatores biológicos e socioculturais. Para ela, as posições de homens e mulheres, definidas culturalmente, podem ser compreendidas a partir da ideia de diferença – que está enraizada em concepções biologizantes do que é ser mulher e do que é ser homem. A vitória do patriarcado é determinada com a instalação definitiva da submissão feminina, requisito para a consolidação do regime de propriedade privada, intimamente ligada à divisão sexual do trabalho.

Há duas questões centrais para as teóricas feministas que trabalham com o conceito de patriarcado: a persistência e a onipresença da dominação masculina nas relações políticas e sociais, possibilitando a construção da ideia de sistema e estrutura patriarcais nas sociedades contemporâneas. O conceito é atualizado a partir da noção do contrato sexual, em livro que leva este mesmo nome (Pateman 1993Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), uma crítica feminista às teorias contratualistas. Nessa obra, Pateman explora os pressupostos e os limites da teoria do contrato social, trazendo questões feministas presentes, por exemplo, no contrato de casamento, no trabalho remunerado e na prostituição. Essa noção desloca o foco do poder masculino na relação entre pais e filhos, para a relação conjugal, em que a submissão das mulheres é a condição basilar para que o poder patriarcal se institua (Saffioti 1999Saffioti, Heleieth I.B. 1999. Primórdios do conceito de gênero. Cadernos Pagu 12: 157-63., 2015Saffioti, Heleieth I. B. 2015. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular.; Walby 1989Walby, Sylvia. 1989. Theorising patriarchy. Sociology 23 (2): 213-34. https://doi.org/10.1177/0038038589023002004.
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).

Segundo Pateman (1993)Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra., entre os problemas das formulações contratualistas (Hobbes 2013Hobbes, Thomas. 2013. Elements of law, natural and political. New York: Routledge.; Locke 2019Locke, John. 2019. Dois tratados do governo civil. Alfragide: Leya.; Rousseau 2020Rousseau, Jean-Jacques. 2020. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Alfragide: Leya.), três são mais importantes: (1) a maneira pela qual os indivíduos trocam suas liberdades naturais, entendidas como propriedades, podendo, portanto, serem negociadas; (2) o fato de que nem todos os indivíduos que estão no estado de natureza participam do pacto; e (3) a crítica aos mecanismos de submissão voluntária, ligada ao caráter conjectural do consentimento, sobre o qual ela concebe a promessa à obediência. O primeiro problema aponta para a contradição de um sistema jurídico baseado em direitos inalienáveis e em uma ordem que define uma autoridade produzida pelo desvio desses direitos.

O segundo problema é fundamental para a formulação do contrato sexual: nem todos os indivíduos que estão no estado de natureza participam do pacto. Para Locke, Rousseau e Kant, essa exclusão decorre de uma inferioridade natural de alguns indivíduos, mulheres, crianças e não proprietários. Ora, se a legitimidade da relação contratual se baseia no entendimento de que as partes são igualmente capazes e, ao mesmo tempo, mulheres e não proprietários são inferiores por natureza, sua aderência a vínculos contratuais é ilegítima. Pateman argumenta que a dominação sobre as mulheres é fundamental, mas muitas vezes negligenciada no contexto do patriarcado político, perdendo-se na teoria política a verdadeira dimensão da desigualdade de gênero na elaboração das instituições e na esfera pública: "o contrato social é uma história de liberdade; o contrato sexual é uma história de sujeição" (Pateman 1993Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 16).

Finalmente, o terceiro problema é a crítica aos mecanismos da submissão voluntária, ligada ao caráter conjectural do consentimento, sobre o qual ela concebe que a promessa da obediência é incabível porque revoga as capacidades que permitem o próprio indivíduo prometer. Em O contrato sexual, Pateman (1993)Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra. escrutina os mecanismos pelos quais as mulheres são convocadas a "consentir livremente" com a dominação masculina.

Há, também, na obra de Pateman (1993Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 18), uma reflexão sobre a tradição do pensamento político ocidental, propondo uma releitura feminista de um de seus elementos centrais. A autora argumenta que, para compreender o papel do contrato no pensamento liberal, é preciso explorar o contrato social, o contrato de trabalho, e o contrato de casamento, os dois primeiros são distorcidos pela teoria política convencional, e o último, ignorado. Logo, ela alega que os mecanismos de exploração são, com frequência, revestidos de relações contratuais.

No caso do contrato de casamento, a mulher pode renunciar à sua autonomia em troca da proteção do marido, já que ela é proprietária de si mesma e, assim sendo, pode alienar seus direitos. As críticas se relacionam com as decisões, vistas sob o ângulo da formulação liberal "livres", que são efeitos das prescrições materiais e simbólicas, além da escassez de alternativas. Ainda, Pateman herda de Rousseau a crítica ao individualismo possessivo, impossibilidade de um contrato que retire de uma das partes a liberdade que era condição necessária para seu estabelecimento. O contrato original envolve a submissão e restrição de direitos, e cria o que ela chama de "lei do direito sexual dos homens aos corpos de mulheres". Aqui ela se refere a uma alienação de direitos efetiva, ainda que não declarada. O questionamento de Pateman (1993)Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra. está no paradoxo de que cada indivíduo possui a propriedade de si mesmo e de que essa noção ratifica formas de subordinação e de renúncia a direitos.

O termo patriarcado aparece como um sinônimo de dominação masculina, o que suscitou muitas críticas feministas. Tanto o patriarcado no sentido político, de dominação absoluta, que pressupõe uma nação com vínculos orgânicos, quanto o patriarcado no sentido doméstico, em que há uma família de diversas gerações sob o comando de um patriarca, não correspondem à realidade atual.

É também problemático estabelecer paridade entre uma família nuclear ocidental contemporânea e uma família propriamente patriarcal. Nas sociedades ocidentais, as relações de subordinação diretas de uma mulher a um homem, características do patriarcado, foram convertidas em formas coletivizadas de dominação. Okin (2014Okin, Susan M. 2014. Justice, gender, and the family. In Justice, Politics, and the Family, organizado por Daniel Engster e Tamara Metz, 63-87. New York: Routledge., 125, tradução da autora) alegou que, nas sociedades ocidentais, há sim estruturas e processos que distribuem de forma desigual oportunidades e vantagens entre homens e mulheres, chamados "ciclos de assimetria distintiva causada socialmente pelo casamento". Nesse ciclo, a tradicional responsabilidade das mulheres de cuidar das crianças ajuda a moldar os mercados de trabalho, criando desvantagens para as mulheres. O resultado é uma desigualdade de poder econômico, que reforça e exacerba o desequilíbrio de poder na família. Para Okin, as mulheres são colocadas em posição de vulnerabilidade, primeiro, pela antecipação do casamento e por serem mães, dado que a expectativa de responsabilidades domésticas e de cuidado molda suas decisões (e de seus empregadores) nos campos da educação e do grau de comprometimento com o próprio emprego. As mulheres são também vulnerabilizadas no casamento, tendo em vista que, com menos oportunidades de trabalho, detendo menos poderio econômico, o seu poder de barganha é inferior ao dos maridos. Por fim, elas estão também vulneráveis no divórcio, que traz uma perceptível queda em seu poder de compra e, consequentemente, dos filhos (Okin 2014Okin, Susan M. 2014. Justice, gender, and the family. In Justice, Politics, and the Family, organizado por Daniel Engster e Tamara Metz, 63-87. New York: Routledge.). Em vez de olhar apenas para a díade matrimonial, Okin analisa o contexto institucional mais amplo no qual essa díade está situada. Logo, seria melhor compreender como a dominação masculina é capaz de resistir, mesmo quando as práticas são substituídas, do que buscar uma essência expressa pela ideia do patriarcado (Okin 2014Okin, Susan M. 2014. Justice, gender, and the family. In Justice, Politics, and the Family, organizado por Daniel Engster e Tamara Metz, 63-87. New York: Routledge.; Fraser 1993Fraser, Nancy. 1993. Beyond the master/subject model: reflections on Carole Pateman's sexual contract. Social Text 37: 173-81. https://doi.org/10.2307/466266.
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; Miguel 2016Miguel, Luis Felipe. 2016. Carole Pateman e a crítica feminista do contrato. Revista Brasileira de Ciências Sociais 32 (93): 3-17. https://doi.org/10.17666/329303/2017.
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).

Diferente do patriarcado tradicional, em que há uma analogia entre a autoridade do estado e a autoridade do patriarca na família, Pateman (1993Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 45). indica uma releitura do pensamento patriarcal. Ela propõe a formulação também da ideia do patriarcado moderno, dispensando uma figura paterna, caracterizado por ser "fraternal, contratual e estrutura a sociedade civil capitalista".

São muitas as críticas às teorias do patriarcado, sendo uma das principais a determinação de que o contrato sexual deriva do crime do estupro. O ponto de Pateman é assinalar o paradoxo do consentimento – uma vez que há um deslocamento do sexo consensual para a subordinação na vida conjugal – e no fato de que a dominação patriarcal sobre os filhos se estabelece a partir de uma assimetria preexistente entre o marido e a mulher. A crítica de Okin a esse ponto é a de que Pateman estaria se aproximando de feministas radicais que consideram impossível ou quase impossível que exista consenso em uma relação heterossexual. Ademais, Nancy Fraser (1993)Fraser, Nancy. 1993. Beyond the master/subject model: reflections on Carole Pateman's sexual contract. Social Text 37: 173-81. https://doi.org/10.2307/466266.
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também considera que Pateman (1993)Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra. lê as relações entre homens e mulheres como de "mestres e subalternas", assinalando que o ambiente social que forçava as mulheres ao casamento sofreu transformações.

Fraser (1993)Fraser, Nancy. 1993. Beyond the master/subject model: reflections on Carole Pateman's sexual contract. Social Text 37: 173-81. https://doi.org/10.2307/466266.
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critica essa elaboração, listando os exemplos de contratos articulados por Pateman (1993)Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra.: a propriedade de pessoas (expressa pelos contratos de casamento; de trabalho assalariado e de barriga de aluguel). Esses contratos estabelecem, segundo Pateman (1993)Pateman, Carole. 1993. O contrato sexual. 1993. Rio de Janeiro: Paz e Terra., uma relação de subordinação, já que envolvem "poder de trabalho", "serviços sexuais" e "serviços gestacionais". Ela lê a teoria de Pateman como o estabelecimento de uma díade baseada em uma relação de poder entre um homem, o superordenado, que comanda uma mulher, subordinada (Fraser 1993Fraser, Nancy. 1993. Beyond the master/subject model: reflections on Carole Pateman's sexual contract. Social Text 37: 173-81. https://doi.org/10.2307/466266.
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). O contrato sexual seria, portanto, o meio pelo qual é estabelecido e "democratizado" o "direito sexual masculino", como o direito individual dos homens de comandar mulheres individualmente. Os contratos, portanto, estabelecem essa díade em que o patrão adquire o poder sobre o empregado; o marido sobre a mulher; o cliente sobre a prostituta etc. É esta díade mestre/súdita que constrói os significados de masculinidade, feminilidade, sexualidade e contrato sexual, sendo esse o modelo simbólico da cultura patriarcal. Segundo Fraser, contudo, nenhum dos contratos reais apresentados por Pateman é adequadamente compreendido pelo modelo dicotômico de mestre/súdita.

Sobre o contrato de casamento, ainda que reconheça o mérito de Pateman em destacar as suas anomalias e as persistências no século 20 das incapacidades legais das esposas (incluindo o não reconhecimento em muitas jurisdições do estupro no casamento), Fraser argumenta que parece um engano compreender o poder de maridos sobre suas esposas somente ou principalmente sob os termos de mestre e súdita proposto pelo contrato sexual.

Portanto, Fraser considera que seria melhor entender o casamento como uma parceria desigual na qual a "voz" está inversamente correlacionada às oportunidades de saída, do que como uma relação entre mestre e súdita. A autora também critica a abordagem de díade dos contratos de prostituição. A prostituição é analisada por Pateman como uma manifestação comercial da vida real do contrato sexual, um caso público do "direito sexual masculino". Falar de "venda de serviços sexuais (ou gestacionais)" é uma distorção, ela afirma, já que tanto as partes sexuais da prostituta como o ventre da "mãe de aluguel" não podem ser usadas sem sua presença, nem sem sua subordinação. O contrato estabelece assim uma relação mestre/súdita na qual um homem comanda o corpo de uma mulher. Longe de serem simples transações comerciais, esses contratos institucionalizam o direito sexual masculino.

O uso por Pateman do modelo mestre/subalterna é, nesse caso, tanto literal quanto simbólico. No nível literal, ela parece sustentar que na prostituição o cliente adquire o direito de comando sobre a prostituta. Por um lado, como observa Pateman, a prostituição envolve um "contrato de desempenho específico", quase uma troca simultânea; ao contrário do casamento, ela não estabelece uma relação de dependência a longo prazo. Contudo, Fraser alega, a transação é regida por negociações antecipadas sobre "serviços" específicos, que limitam o poder do cliente (dizer isso não seria negar a vulnerabilidade das prostitutas ao estupro, à coerção e à violência). Ainda, em algumas (embora não todas) culturas masculinas de hoje, o recurso à prostituição é um sinal não de poder ou maestria, mas de vergonha, sufocada com o constrangimento de ter que pagar por "isso".

Fraser ressalta que Pateman tem razão em afirmar que a prostituição contemporânea é marcada pelo gênero; são esmagadoramente os homens que compram sexo de mulheres. Ela ainda argumenta que o que é vendido é uma fantasia de "direito sexual masculino", que implica sua precariedade atual. Longe de adquirir o direito de comando sobre a prostituta, o cliente recebe apenas a representação encenada de tal comando. Uma representação dessa natureza, entretanto, envolve uma contradição performativa (Fraser 1993Fraser, Nancy. 1993. Beyond the master/subject model: reflections on Carole Pateman's sexual contract. Social Text 37: 173-81. https://doi.org/10.2307/466266.
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, 179). Ela resume sua crítica na seguinte frase: "a dominação masculina atual não se encaixa como um velho vinho de mestre/subalterna em novas garrafas contratuais", ou seja, as relações modernas de dominação se dão em termos diferentes daqueles preconizados antigamente, ainda que sejam persistentes às mudanças na organização social.

Walby (1989)Walby, Sylvia. 1989. Theorising patriarchy. Sociology 23 (2): 213-34. https://doi.org/10.1177/0038038589023002004.
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, em sua abordagem sobre o patriarcado, procura dar conta das críticas ao termo, levando em consideração suas distintas manifestações históricas e em diferentes culturas e sociedades. Uma teoria do patriarcado é, para ela, essencial para assimilar a profundidade e o grau de interconexão e difusão entre as diferentes noções de subordinação feminina. Dessa forma, ela desenvolve sua teoria de maneira que as diferentes formas de desigualdade de gênero na história, entre diferentes grupos étnico-raciais e classes sociais, são consideradas. Ela propõe, portanto, a adoção das ideias de "patriarcado privado" para "patriarcado público", postulando que há uma passagem do primeiro para o segundo, no qual as mulheres acessam a esfera pública, mas ocupam uma posição subalterna. O patriarcado é, para ela, composto de seis estruturas: (1) modo patriarcal de produção; (2) relações patriarcais na esfera reprodutiva; (3) relações estatais patriarcais; (4) violência masculina; (5) relações patriarcais na sexualidade; e (6) relações patriarcais nas instituições culturais. Essas estruturas produzem efeitos causais umas sobre as outras.

Walby busca captar as articulações entre as melhorias na situação das mulheres (que ela atribui ao grau de patriarcado) e a exasperação de algumas condições de subordinação associadas à violência (que está relacionada à forma do patriarcado), apontando que há mudanças importantes em ambos os campos. As melhorias na situação das mulheres são observadas na redução das diferenças salariais e de escolarização entre homens e mulheres, o que sinaliza para um processo de arrefecimento do patriarcado. Entretanto, alguns aspectos da manifestação do patriarcado foram intensificados. Este reforço, segundo Walby, está relacionado às mudanças operadas no último século, a partir das quais o patriarcado assumiu uma forma mais pública do que privada. A produção doméstica é o locus principal da opressão das mulheres no patriarcado privado. Já, no patriarcado público, este locus se desloca para o mercado e para o estado (Walby 1989Walby, Sylvia. 1989. Theorising patriarchy. Sociology 23 (2): 213-34. https://doi.org/10.1177/0038038589023002004.
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).

Walby argumenta haver um duplo processo de transformação no patriarcado público, embora seja difícil mensurar aumentos ou reduções na violência contra as mulheres, em decorrência da fragilidade das fontes de informações e processos metodológicos de registros. Graças à atuação do movimento feminista, que resultou em mudanças políticas e penais, a violência perdeu um pouco da legitimidade social e a violência provocada por parceiros íntimos pode não apresentar mais tanta exclusividade entre os casos de violência que atingem as mulheres. Além disso, a inconsistência e a fragilidade das ações estatais contra a violência, que apresentam relação causal direta com a persistência do problema, apontam, no seu entender, para um deslocamento no locus do controle e na legitimação da violência, em vez de uma redução propriamente dita (Walby 1989Walby, Sylvia. 1989. Theorising patriarchy. Sociology 23 (2): 213-34. https://doi.org/10.1177/0038038589023002004.
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). O problema dessa proposta de Walby é que o conceito de patriarcado moderno de Pateman já dispensa a figura de um patriarca na organização familiar (Miguel 2016Miguel, Luis Felipe. 2016. Carole Pateman e a crítica feminista do contrato. Revista Brasileira de Ciências Sociais 32 (93): 3-17. https://doi.org/10.17666/329303/2017.
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). Há ainda uma crítica que se refere à capacidade de agência das mulheres. Contudo, afirmar a ideia de que os contratos são recíprocos, voluntários e vantajosos, não significa que aqueles que estão em maior vulnerabilidade não possuem qualquer capacidade de barganha.

Em sua formulação do patriarcado, Segato (2003)Segato, Rita Laura. 2003. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes. o define como uma ordem reguladora e hierarquizada do status de gênero, colocado e reproduzido sob a lógica de uma economia simbólica. Essa é uma ordem que determina e designa papéis sexuais, definidos por "atributos" de homens e de mulheres materializados por ideias de masculinidade e feminilidade. Segato atribui à violência contra a mulher, por exemplo, um caráter de universalidade da experiência de violação dos corpos, embora reconheça que há diferenças históricas e culturais nos casos, elas são a mesma manifestação de uma estrutura hierárquica. Outras feministas, contudo, direcionaram boa parte de seus trabalhos em estabelecer e compreender justamente essas diferenças, rejeitando a tese da universalidade.

Interseccionalidade: gênero e outros marcadores de desigualdade

Nesse sentido, a interseccionalidade, conforme formulada pelo feminismo da teoria crítica da raça nos Estados Unidos (Crenshaw 2013Crenshaw, Kimberlé W. 2013. Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color. In The public nature of private violence, organizado por Martha Albertson Fineman e Roxane Mykitiuk, 93-118. New York: Routledge.; Colins 1998; Kantola e Lombardo 2017Kantola, Johanna, e Emanuela Lombardo.2017. Gender and the economic crisis in Europe: politics, institutions and intersectionality. Berlim: Springer.) vem sendo acionada como uma ferramenta teórico-metodológica que nos permite analisar as interações entre gênero e outros marcadores – classe, raça, ocupação, sexualidade e idade, por exemplo –, e como essas clivagens que constituem o sujeito na estratificação social são percebidas, mobilizadas e produzem diferentes formas de assujeitamento.

Crenshaw (2013)Crenshaw, Kimberlé W. 2013. Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color. In The public nature of private violence, organizado por Martha Albertson Fineman e Roxane Mykitiuk, 93-118. New York: Routledge. argumenta que os discursos feministas e antirracistas contemporâneos, até então, não conseguiram adequadamente identificar os pontos de convergência entre o racismo e o patriarcado. Diante dessas lacunas, ela introduz o conceito de interseccionalidade, que desdobra em três dimensões distintas. A primeira dessas dimensões se concentra na interseccionalidade estrutural, que diz respeito à posição das mulheres negras, cuja experiência de violência doméstica, estupro e os esforços para abordá-los são qualitativamente distintos daquelas vivenciadas pelas mulheres brancas, devido à interseção de raça e gênero. Nesse contexto, a interseccionalidade estrutural nos convida a examinar como as políticas sociais e econômicas contribuem para a manutenção de disparidades históricas e desigualdades entre grupos, como se evidencia em exemplos como a falta de recursos em escolas de bairros desfavorecidos e discrepâncias nas sentenças do sistema de justiça criminal. O segundo aspecto da interseccionalidade aborda a dimensão política, especificamente a marginalização da questão da violência contra mulheres negras pelos movimentos feministas e antirracistas. Aqui, a autora explora a política de identidade tanto dentro como entre grupos, examinando situações em que subgrupos dentro de movimentos marginalizados são estigmatizados até mesmo por suas próprias comunidades mais amplas, destacando a situação de subalternização das mulheres negras nos Estados Unidos, vítimas de uma dupla marginalização tanto por parte do movimento feminista quanto do movimento negro (Crenshaw 1995). A terceira dimensão, chamada de interseccionalidade representativa, focaliza as implicações da representação pública inadequada e a estereotipagem de grupos raciais e étnicos na mídia.

Portanto, a autora propõe a interseccionalidade como uma ferramenta essencial para uma compreensão mais profunda das complexas interações entre raça e gênero no contexto da violência contra as mulheres negras (Crenshaw 1995). Esse conceito revela como o racismo e o patriarcado se entrelaçam e se influenciam mutuamente, destacando a situação única das mulheres negras, que são submetidas simultaneamente a sistemas de opressão que se sobrepõem e que são marginalizadas pelos movimentos feministas e antirracistas. A autora enfatiza a importância de reconhecer a experiência das mulheres negras como central para o avanço das agendas relacionadas à violência contra as mulheres e às políticas antirracistas, uma vez que essas mulheres enfrentam o que ela descreve como uma "dupla marginalização" (Crenshaw 1995, 12), o que as priva da oportunidade de vincular suas próprias experiências às experiências de outras mulheres. Logo, o conceito oferece uma aproximação entre as reivindicações da identidade múltipla e uma política de identidade.

Já Colins (1998) estabelece uma discussão sobre a família como um primeiro lugar de produção de hierarquias e estruturas de poder que serão reproduzidas socialmente. Ela propõe primeiro uma reflexão sobre os valores familiares2 2 No original em inglês, o termo usado pela autora é "familyvalues". idealizados – frequentemente evocados em discursos políticos americanos, que tomam espaço no debate público – e questiona sobre quais são eles. Também destaca que, apesar do gradiente de perspectivas políticas que podem contemplar os tais valores familiares, uma coisa é clara: a ideia de família e desses valores que ela carrega parece central para o bem-estar de uma nação. O termo "valores familiares" evoca sentimentos profundos quanto ao significado de família.

Para a autora, o ideal de família consiste em casais heterossexuais com filhos biológicos. Essas famílias têm uma estrutura específica de autoridade: o pai, chefe da família e provedor financeiro, a esposa, dona de casa, e os filhos. Aqueles que idealizam a família como um paraíso privado, em detrimento de um mundo público, a veem como unida por laços emocionais de amor e cuidados. Assumindo o desenho da divisão sexual do trabalho, na qual o papel primário da mulher é definido pela domesticidade e o do homem pelo mundo público do trabalho, o ideal tradicional de família também assume a separação entre ela e o mundo do trabalho. No entanto, como a família constitui um princípio fundamental de organização social, a sua importância também contempla o paradigma emergente da interseccionalidade (Collins 1998Collins, Patricia H. 1998. It's all in the family: intersections of gender, race, and nation. Hypatia 13 (3): 62-82. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.1998.tb01370.x.
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).

Em sua discussão, Collins (1998)Collins, Patricia H. 1998. It's all in the family: intersections of gender, race, and nation. Hypatia 13 (3): 62-82. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.1998.tb01370.x.
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lista as dimensões interseccionais importantes para se pensar família: classe social, etnicidade e religião, sexualidade, idade – e todas essas dimensões dialogam com gênero, raça e nação. Ainda assim, a ênfase é em como a família liga hierarquias sociais de gênero, raça e nação e, no relacionamento contraditório na esfera doméstica, entre hierarquia e igualdade.

O ideal de família projeta um modelo de igualdade. Uma família funcional protege e pondera os interesses de todos os seus membros: os fortes cuidam dos fracos, e todos contribuem e se beneficiam de serem membros da família. Em particular, as hierarquias de gênero, dinheiro, sexualidade e idade estão, na unidade familiar, correlacionadas com hierarquias sociais. Os indivíduos aprendem seu lugar nas hierarquias de raça, gênero, etnicidade, sexualidade, nação e classe social em suas origens familiares. Ao mesmo tempo, eles aprendem a ver tais hierarquias como arranjos sociais naturais e não construídos socialmente. Nesse sentido, a hierarquia se torna naturalizada, pois se confunde com a hierarquia "natural" do processo familiar. Logo, a hierarquia cor, gênero, idade, estabelecida nas famílias, se reproduz na sociedade americana: as complexidades atreladas a esses relacionamentos de idade, gênero e raça unem-se a essa hierarquia "natural" decretada pelo ideal de família tradicional, apresentando estreita semelhança com as hierarquias sociais presentes na sociedade. Homens brancos dominam em posições de poder, ajudados pelas mulheres brancas, ambos trabalhando juntos para administrar "pessoas de cor" supostamente menos qualificadas, que também se deparam com a mesma retórica familiar (Collins 1998Collins, Patricia H. 1998. It's all in the family: intersections of gender, race, and nation. Hypatia 13 (3): 62-82. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.1998.tb01370.x.
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).

Para Collins (1998)Collins, Patricia H. 1998. It's all in the family: intersections of gender, race, and nation. Hypatia 13 (3): 62-82. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.1998.tb01370.x.
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, a palavra "lar" estabelece espaços de privacidade e de segurança para as famílias, raças e estados-nação, e serve como santuário para membros de determinado grupo. Cercado de indivíduos que dividem objetivos semelhantes, o lar representa um espaço privado e idealizado, onde os seus membros podem se sentir bem. Essa perspectiva do lar requer algumas ideias sexualizadas de gênero sobre os espaços público e privado. Como as mulheres são frequentemente associadas à família, o espaço doméstico passa a ser visto como privado, feminizado, o que o distingue do espaço público, masculinizado. Com essas esferas sexualizadas do espaço público e privado, mulheres e homens assumem, novamente, papéis distintos. Portanto, é esperado que as mulheres permaneçam no lugar doméstico.

Dessa forma, o desenvolvimento das teorias interseccionais foi útil não apenas para as análises da interação entre sistemas de opressão na busca por direitos, mas também no campo de estudos da família. Few-Demo e Allen (2020)Few-Demo, April L, e Katherine R. Allen. 2020. Gender, feminist, and intersectional perspectives on families: A decade in review. Journal of Marriage and Family 82 (1): 326-45. https://doi.org/10.1111/jomf.12638.
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propõem a aproximação entre a epistemologia feminista que designa as separações entre mundo público e privado e as teorias interseccionais, a partir de uma extensa revisão da literatura de estudos sobre família. As autoras estruturam o estudo em três eixos de pesquisa: (1) o enquadramento de gênero como um sistema de estratificação social e desigualdades; (2) a aplicação de perspectivas feministas interseccionais para apontar e transformar disparidades de poder nas esferas pública e privada e (3) a aplicação de perspectivas interseccionais para examinar e designar desigualdades sociais, privilégios e opressões.

No seu artigo "Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão", Collins (2015)Collins, Patricia H. 2015. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In Reflexões e práticas de transformação feminista, organizado por Renata Moreno, 13-42. São Paulo: SOF aponta para a necessidade de primeiro evocar novas visões sobre o que é opressão e como ela é produzida. Como gênero, classe e raça são estruturas de opressão imbricadas, apesar de distintas, elas formam dimensões interligadas da relação mais fundamental de dominação e subordinação. Sua teoria é orientada por duas questões básicas: (1) como podemos redefinir raça, classe e gênero como categorias de análise; e (2) como podemos transcender as barreiras criadas através das nossas experiências com as opressões de raça, classe e gênero para que possamos construir os tipos de coalizões essenciais para câmbios sociais?

Essas abordagens são tipicamente baseadas em duas premissas-chave. A primeira é que elas dependem do pensamento dicotômico, como, por exemplo, negro ou branco; homem ou mulher; razão ou emoção; fato ou opinião. Contrariamente a isso, a autora ressalta que todos possuem identidades "ambas", construídas por diversas categorias, que determinam sujeitos definidos por várias identidades: sexo, cor, classe social e idade. Essa é uma dimensão importante, que possibilita que, na análise empírica, nenhum indivíduo seja tomado exclusivamente como oprimido ou como opressor. O pensamento dicotômico, no entanto, sugere justamente isso, o que o torna especialmente problemático para pensar a opressão, pois inviabiliza a condição de "ambos".

Uma segunda premissa das análises somatórias da opressão é que diferenças dicotômicas têm de ser hierarquizadas. As análises somatórias pressupõem tanto o pensamento dicotômico quanto a necessidade de somar e hierarquizar as opressões para referenciar onde aquele indivíduo se localiza socialmente. Em diferentes contextos, uma categoria pode ter primazia sobre as outras, o que não anula a relevância de gênero, classe e raça como marcadores importantes de desigualdades, estruturantes de todas as relações sociais (Collins 2015Collins, Patricia H. 2015. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In Reflexões e práticas de transformação feminista, organizado por Renata Moreno, 13-42. São Paulo: SOF). A autora argumenta que a opressão de gênero é estruturada ao longo de três dimensões: a institucional, a simbólica e a individual. Para Collins (2015)Collins, Patricia H. 2015. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In Reflexões e práticas de transformação feminista, organizado por Renata Moreno, 13-42. São Paulo: SOF, isso oferece um instrumental para analisar as opressões de raça, classe e gênero, já que o racismo, o elitismo e o machismo podem ser observados em instituições.

De fato, as instituições ainda são espaços privilegiados, em que os princípios da perpetuação da dominação masculina são engendrados e instituídos, muito embora as ações da dimensão institucional da opressão sejam, com frequência, apagadas com reivindicações de igualdade de oportunidades e aparente neutralidade. O argumento-chave está na instituição da escravidão, por ser ela uma estrutura de dominação que envolvia raça, classe e gênero. Segundo a autora, as três categorias são elementares para compreender essas relações de dominação e subordinação. Apoiada no princípio da autoridade do homem branco e em sua propriedade, a escravidão era uma instituição patriarcal, que trazia as esferas políticas e econômicas para o interior da instituição familiar.

Um dos instrumentos principais para a escravidão foi o controle sobre os corpos e a sexualidade das mulheres brancas abastadas, uma vez que esse controle estava intimamente atrelado à manutenção das relações de propriedade. O controle sobre os corpos das mulheres negras se materializava pelo controle sobre a fertilidade dessas mulheres, sendo ele medular, dado o caráter comercial – as crianças nascidas de mães escravas eram, também, escravas. Sobre a dimensão simbólica da opressão, o uso manipulado de imagens de grupos de raça, classe e gênero diversos é central nesse processo. Aqui está uma das críticas mais básicas que o feminismo negro americano fez ao feminismo nos anos 1970: o que parecem ser categorias universais que representariam todos os homens e mulheres são, na verdade, produzidas e, portanto, aplicadas somente a um grupo (homens e mulheres brancos). Ou seja, as imagens da feminilidade branca necessitam das imagens depreciadas da feminilidade negra para manter credibilidade (Davis 2016Davis, Angela. 2016. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editorial.).

Ao ampliar a análise para além do marcador de raça, pode-se ver os diferentes níveis de rejeição e sedução disponíveis para cada indivíduo, de acordo com identidade de raça, classe ou gênero. Cada pessoa vive com uma porção designada de privilégios ou punições e com níveis variados de rejeição, inerentes às imagens simbólicas a ela atribuídas (Collins 2015Collins, Patricia H. 2015. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In Reflexões e práticas de transformação feminista, organizado por Renata Moreno, 13-42. São Paulo: SOF). Quanto à dimensão individual da opressão, Collins afirma que, no status simbólico e institucional, todas as escolhas se tornam atos políticos. Para a autora, é necessário transcender as barreiras criadas pelas experiências de opressão de raça, classe e gênero, para que seja possível construir tipos essenciais de coalização para a mudança social.

Para dar conta dos marcadores de desigualdade, Silvia Walby (2007)Walby, Sylvia. 2007. Complexity theory, systems theory, and multiple intersecting social inequalities. Philosophy of the social sciences 37 (4): 449-70. https://doi.org/10.1177/004839310730766.
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desenvolveu uma esquematização que ela chamou de "Teoria de complexidade" na qual ela concebe um conceito de sistema na teoria social. Nesse sistema, ela aponta para o desafio de teorizar a interseção de múltiplas iniquidades complexas. Para tanto, é preciso dar conta da profundidade dos sistemas de relações sociais de desigualdade nos domínios institucionais da economia, política, violência, e sociedade civil, em vez de acentuar dimensões únicas de cultura ou economia (Kantola e Lombardo 2017Kantola, Johanna, e Emanuela Lombardo.2017. Gender and the economic crisis in Europe: politics, institutions and intersectionality. Berlim: Springer.). Walby aponta a impossibilidade de tratar a interseção das desigualdades como coisas que se adicionam, se apresentando empilhadas, porque elas também podem se alterar, interagindo umas com as outras. Ela, então, apresenta cinco abordagens da interseccionalidade: a primeira é a crítica ao que Walby chama de falsa generalização (divisão de mulheres por classe, etnia e nação).

A segunda abordagem das desigualdades múltiplas é a do reducionismo a um único eixo primário de desigualdade social. Uma forma de reducionismo, encontrada especialmente, mas não apenas, na teoria social de inspiração marxista, é o foco na categoria classe ou no capitalismo. Uma gama de desigualdades sociais pode ser empiricamente observada, e explicada como resultado de um sistema abrangente de desigualdade. Em resposta a essa forma de reducionismo, houve muitas tentativas de constituir gênero e classe como sistemas articuladores (Hartmann 1976Hartmann, Heidi. 1976. Capitalism, patriarchy, and job segregation by sex. Signs: Journal of women in Culture and Society 1 (3) 2: 137-69. https://doi.org/10.1086/493283.
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; Walby 1989Walby, Sylvia. 1989. Theorising patriarchy. Sociology 23 (2): 213-34. https://doi.org/10.1177/0038038589023002004.
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) ou como sistemas que eram parcialmente subordinados a um único sistema. Esses desenvolvimentos sofreram críticas que foram tão orientadas para os problemas do conceito de sistema quanto para qualquer outro aspecto do trabalho. A terceira é o microrreducionismo, estratégia que vai no sentido de identificar e estudar interseções negligenciadas, para analisar grupos nos pontos das interseções, muito usado em estudos de caso, etnografias, e se tornou uma estratégia de procurar categorias de interseção puras. A quarta abordagem consiste na rejeição de todas as categorias. A quinta e última estratégia pode ser descrita como reducionista segregacionista, na qual cada filamento é identificado e reduzido a uma base única e separada. Em vez de rejeitar categorias, prioriza-se analisar cada um dos conjuntos de desigualdades sociais como parte do processo de análise de sua interseção. Cada conjunto de relações sociais é tido como idêntico ou paralelo e possui uma base ontológica diferente. Por exemplo, as divisões de classe são fundamentadas em relação aos processos econômicos de produção e consumo; gênero deve ser entendido não como uma diferença social "real" entre homens e mulheres, mas como um modo de discurso que se relaciona com grupos de sujeitos cujos papéis sociais são definidos por sua diferença sexual/biológica (Walby 2007Walby, Sylvia. 2007. Complexity theory, systems theory, and multiple intersecting social inequalities. Philosophy of the social sciences 37 (4): 449-70. https://doi.org/10.1177/004839310730766.
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).

Few-Demo e Allen (2020)Few-Demo, April L, e Katherine R. Allen. 2020. Gender, feminist, and intersectional perspectives on families: A decade in review. Journal of Marriage and Family 82 (1): 326-45. https://doi.org/10.1111/jomf.12638.
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ressaltam o aspecto de que a aplicação da análise de interseccionalidade transcende a mera obtenção de uma amostra que seja diversificada em termos de raça e etnia, bem como a realização de uma análise comparativa que ignore o contexto histórico dos comportamentos de indivíduos e famílias. Uma segunda preocupação que se apresenta é a constatação de que alguns acadêmicos estavam utilizando uma abordagem despolitizada da interseccionalidade, um fenômeno que Bilge (2013)Bilge, Sirma. 2013. Intersectionality undone: saving intersectionality from feminist intersectionality studies 1. Du Bois review: social science research on race 10 (2): 405-24. https://doi.org/10.1017/S1742058X13000283.
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denominou de "interseccionalidade ornamental". Seria enganador considerar a interseccionalidade ornamental como inofensiva, uma vez que ela contribui para neutralizar e, até mesmo, desarticular ativamente as políticas radicais de justiça social. A aplicação superficial da interseccionalidade mina a sua credibilidade e prejudica o seu potencial para abordar as complexas estruturas de poder interligadas, bem como para desenvolver uma ética que promova a formação de coalizões não opressivas e de reivindicações (Bilge 2013Bilge, Sirma. 2013. Intersectionality undone: saving intersectionality from feminist intersectionality studies 1. Du Bois review: social science research on race 10 (2): 405-24. https://doi.org/10.1017/S1742058X13000283.
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, 468).

As perspectivas de gênero, feministas e interseccionais são teorias críticas que têm sido empregadas para reformular o campo da pesquisa sobre famílias, explorando não o que as famílias deveriam ser, mas sim como elas efetivamente vivem. Na última década, estudiosos das dinâmicas familiares aplicaram essas perspectivas críticas a um leque cada vez mais amplo de estruturas e processos familiares, abrangendo interações entre indivíduos, grupos e instituições. Esses estudos têm focalizado questões que incluem relações de gênero, equilíbrio entre trabalho e vida familiar, divisão de tarefas domésticas, cuidado, parentalidade, violência doméstica, socialização de gênero e racial, desigualdades sociais, disparidades na saúde e dinâmicas familiares LGBTQIA+, entre outros tópicos que abordam a complexidade, ambiguidade e tensões inerentes à vida em famílias contemporâneas.

Considerações finais

Tanto o patriarcado quanto a interseccionalidade são correntes teóricas frequentemente mobilizadas nos estudos de gênero. Além da negação da universalidade, há em ambas a presença da dicotomia entre o público e o privado na produção das diferentes clivagens sociais e sistemas de opressão. Enquanto as teorias interseccionais focalizam as estruturas de opressão que, integradas, produzem diferentes formas de assujeitamento; as do patriarcado marcam a ordem de gênero que opera na dominação das mulheres e no acesso limitado ao espaço público.

Entre as atualizações do patriarcado, há na divisão entre patriarcado público e patriarcado privado proposta por Sylvia Walby, a tentativa de incorporar diferentes clivagens de opressão e dominação em ambas essas esferas. Neste artigo, situo, entre as teorias do patriarcado em suas diversas formulações e interseccionalidade, pontos de convergência e complementaridade, principalmente no que se refere aos mundos da família e da política como locus basilar de reprodução da confluência dos sistemas de opressão. A interseccionalidade supera as limitações da estratégia de identificação de grupos em interseções específicas e, em particular, a análise de identidade, que levaram à estratégia de desenvolvimento de categorias. As categorias analíticas foram vistas não apenas como representações inadequadas do mundo vivido, mas como de fato potencialmente perniciosas em seu potencial de falsa sedimentação dessas categorias na prática. Assim, interseccionalidade foca na diferença, em detrimento da identificação.

  • 2
    No original em inglês, o termo usado pela autora é "familyvalues".
  • Os textos deste artigo foram revisados pela SK Revisões Acadêmicas e submetidos para validação da autora antes da publicação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2023
  • Aceito
    26 Out 2023
  • Publicado
    05 Abr 2024
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