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No fascículo de outubro 2006 de Clinics

EDITORIAL

No fascículo de outubro 2006 de Clinics

Mauricio Rocha-e-Silva, Editor

Hospital das Clínicas, São Paulo University Medical School - São Paulo/SP, Brazil. Email: mrsilva36@hcnet.usp.br

Neste número de Clinics pela primeira vez separamos sessões de pesquisa clínica e pesquisa básica, o que apenas se tornou possível por estarmos recebendo uma contribuição maior de pesquisa básica original de boa qualidade .

O destaque deste número vai para Higuchi et al, que demonstraram pela primeira vez, a presença de archaea aparentemente patogênica em lesões orgânicas humanas. Archaea são formas microbianas que ocupam a posição mais elementar na árvore filogenética universal. São seres equipados com poderosas enzimas anti-oxidativos que permitem a detoxificação de radicais livres de tal modo que sua presença pode, em tese, favorecer a sobrevida de microorganismos aeróbicos em ambientes hostis. Higuchi et al descrevem este achado em 29 amostras de placas ateroscloróticas vulneráveis obtidas de 13 produtos de aterotomia estudadas por microscopia óptica e eletrônica. Seis casos foram também submetidos à reação da polimerase em cadeia com oligonucleotídeos de arqueia. Estruturas sugestivas de arqueia foram encontradas nos 13 casos e o PCR foi positivo para 4 dos 6 fragmentos estudados. Os elementos archaea correlacionaram positivamente com a extensão da matriz mixomatosa das placas.

Na Sessão de Pesquisa Clínica publicamos 8 artigos.

Baptista et al avaliaram 20 casos de sarcoma sinovial não metastáticos de extremidades tratados entre 1985 e 1998, a procura de fatores prognósticos com vistas a propor um sistema de pontuação adequado. Os fatores prognósticos desfavoráveis anotados foram alto grau histológico, tumores proximais de joelho ou cotovelo e necrose espontânea de tumor acima de 25%. A recorrência localizada não influiu na sobrevida.

Ribeiro e Azevedo descrevem a soroconversão vacinal da hepatite B em crianças imunizadas segundo o padrão da Organização Mundial de Saúde durante o primeiro ano de vida e sua relação com a soropositividade das mães, bem como a concentração de anticorpos 3 anos após a vacinação. O estudo sorológico foi realizado na cidade de São José dos Campos. Dentre 224 gestantes testadas para marcadores de hepatite B, 13,4% foram positivas. A soroconversão dos seus neonatos foi medida 1 mês após imunização com vacina recombinante, sendo encontrada ausente em 10%, baixa/intermediaria em 24% e satisfatória em 66% dos casos. Soropositividade testada em 101 crianças imunizadas 3 anos antes apresentou nível significativo de soronegativos. A falta de soroconversão apresentou correlação com ausência de marcadores sorológicos nas respectivas gestantes. Os autores sugerem que o esquema de imunização para Hepatite B deve ser revisto para áreas de prevalência baixa ou moderada, para otimizar a soroconversão.

Lobo et al determinaram o alongamento e a resistência de cordas tendíneas primárias de valvas mitrais humanas submetidas a tração em corações dissecados, que forneceram 132 cordas primária. Seus comprimentos e espessuras foram medidas e aplicou-se tração controlada para medir resistência absoluta, resistência relativa (resistência versus espessura) e alongamento. A resistência relacionou-se à espessura e ao alongamento no momento de ruptura, mas não com o comprimento. O alongamento no momento da ruptura relacionou-se à resistência relativa e com a espessura da corda primária, mas não com seu comprimento.

Duque et al mediram os níveis circulantes de fator de crescimento endotelial em 80 pacientes com câncer de próstata, em comparação com 26 indivíduos normais e encontraram níveis elevados em pacientes com doença metastática em comparação a pacientes com doença localizada ou com os normais. A elevação de fator de crescimento correlacionou positivamente com PSA sérico > 20 ng/mL e mostrou tendência de correlacionar com escore de Gleason entre 8 e 10. Não foi encontrada relação entre fator de crescimento endotelial e volume prostático, nos pacientes com câncer localizado.

Ribeiro et al investigaram o uso de antiinflamatórios não esteróides (amplamente usados no Brasil) entre 533 pacientes entrevistadas (idade >17 anos) submetidos a endoscopia alta no Hospital das Clínicas da UFMG, Belo Horizonte. Mais de 2/3 dos entrevistados relataram o uso da medicação no mês anterior ao exame (mais usados: ácido acetilsalisílico e diclofenaco); uma nítida associação foi demonstrada entre o uso destes agentes e as lesões encontradas no exame. O uso de antiinflamatórios por períodos superiores a 15 dias resultou na ocorrência de lesões com odds ratio mais elevado. Os autores apontam para a necessidade de aprofundamento no estudo desta questão no Brasil.

Matos et al compararam a quantificação obtida por um método computacional digitalizado com uma análise semiquantitativa bem estabelecida em 25 casos de carcinoma de tireóide diferenciado. Três parâmetros foram avaliados: (1) porcentagem de células marcadas, (2) intensidade de imunomarcação e (3) índice de expressão digital. O método proposto permite, em tese, uma análise numérica da intensidade de imunomarcação. Uma forte correlação entre a intensidade de imunomarcação avaliada pelos dois métodos foi encontrada. Os autores afirmam que (i) os resultados obtidos com o método proposto são concordantes com os da análise semiquantitativa clássica; (ii) dados digitais permitem resolver discordâncias entre observadores pois o método fornece um valor numérico para cada caso individual; (iii) a sensibilidade e o valor prognóstico da analise imunoquímica são enaltecidos.

Canzian et al avaliaram os efeitos de biópsias pulmonares cirúrgicas na precisão diagnóstica, alteração de estratégia terapêutica e na sobrevida de 63 pacientes com infiltrados difusos, a maioria com insuficiência respiratória aguda, biopsiados entre 1982 e 2003. Os dados clínicos e histopatológicos foram cotejados. Dados epidemiológicos e laboratoriais foram avaliados bem como sua relação com sobrevida hospitalar. Todos os espécimes histológicos apresentaram alterações, geralmente com etiologias inflamatórias benignas. Um fator etiológico foi determinado em 15 casos, geralmente Mycobacterium tuberculosis. O diagnóstico pré-operatório foi retificado em 37 pacientes. Dados de autópsia obtidos para 25 pacientes confirmaram os dados de biópsia em 72% dos casos. O procedimento terapêutico foi alterado em 65% dos casos, com base nos dados de biópsia. Tiveram alta hospitalar 49% dos pacientes e as características diferenciais entre sobreviventes e não sobreviventes foram sexo, presença de comorbidade, SpO2 e presença de lesão alveolar difusa à biopsia. Os autores salientam que a biópsia pulmonar cirúrgica fornece diagnóstico específico e etiológico em grande número de pacientes com infiltrado difuso, especialmente quando não se observa melhora clínica após instituição de terapia convencional. O diagnóstico específico indicando alteração de estratégia terapêutica torna-se possível com provável impacto sobre a mortalidade.

Bahia et al investigaram a relação entre adipocinas, fatores metabólicos, marcadores inflamatórios e reatividade vascular para inferência da função endotelial em 19 pacientes obesos e compararam-nos aos dados obtidos em 8 controles magros. A reatividade vascular foi avaliada por pletismografia de oclusão para medida de fluxo sangüíneo antebraquial e pelas respostas resistivas observadas a infusões intra-arteriais de vasodilatadores endotélio-dependentes (acetilcolina) ou endotélio-independentes (nitroprussiato de sódio). Proteína C reativa, o inibidor do ativador do plasminogênio 1, fibrinogênio, adiponectina, resistina e o perfil lipídico foram dosados em amostras sangüíneas. Os pacientes foram classificados em termos de resistência à insulina através do índice HOMA-IR. Os autores relatam que a proteína C reativa, o inibidor do ativador do plasminogênio 1 e o fibrinogênio estavam elevados enquanto a adiponectina estava reduzida nos pacientes com síndrome metabólica. Estes exibiram também reatividade vascular comprometida. Demonstraram ainda que a adiponectina e o inibidor do ativador do plasminogênio 1 estavam associados a insulina, enquanto HOMA-IR, triglicérides, HDLc e resistina associam-se à proteína C reativa. A adiponectina associou-se à reatividade vascular à insulina na população como um todo, mas a resistina associou-se a incremento de fluxo antebraquial pos acetilcolina apenas no grupo com síndrome metabólica. Uma interação entre adipócitos e endotélio pode representar mecanismo importante de inflamação e disfunção vascular.

A Seção de Ciência Básica inclui 4 artigos:

La Falce realizaram uma investigação quantitativa relativa à artéria pudenda externa, como base para enxertos de pele em 25 regiões inguinais esquerdas e direitas de cadáveres do sexo masculino. Os vasos femorais e as junções safeno-femorais foram expostas e os seguintes aspectos foram observados: (i) artérias pudendas superficiais externas foram encontradas em 46 dos 50 lados; (ii) estes vasos originaram da artéria femoral em 45 casos, da femoral profunda em 1 caso; (iii) artérias duplicadas foram encontradas em 21 casos, como um tronco comum em 11 casos e como artéria única em 14 casos; (iv) a distância da artéria pudenda superficial ao ligamento inguinal variou de 0,8 a 8,5 cm; do tronco comum, a distância variou de 3,5 a 6,7 cm; (v) o diâmetro da artéria variou de 1,2 a 3,8 mm; (iv) o diâmetro do tronco comum variou de 1,35 a 5,15 mm. Não foram observadas diferenças entre os lados esquerdo e direito.

Perin et al estudaram os efeitos de hemodiluição normovolêmica a diferentes níveis de hemoglobina sobre a perfusão esplâncnica de 21 cães anestesiados para testar a hipótese de que durante hemodiluição normovolêmica moderada ou grave os parâmetros sistêmicos e esplâncnicos, as variáveis derivadas de oxigênio e os marcadores bioquímicos de metabolismo anaeróbio não refletem a presença de perfusão mucosa gástrica adequada. Hemodiluição moderada (hematócrito 15% ± 3%, n = 7) e grave (hematócrito 15% ± 3%, n=7) provocaram elevações de débito cardíaco e de fluxo venoso portal (comparado com controles não diluídos, n=7), com manutenção do consumo regional de oxigênio ns grupos diluídos, graças a aumentos na taxa de extração. No entanto, um nítido aumento do valor de PCO2-gap foi observado no grupo submetido a hemodiluição grave, levando os autores a notar que a hemodiluição grave provocou acidose metabólica na vigência de estabilidade hemodinâmica, e a sugerir que a monitorização do CO2 da mucosa gástrica pode ser aconselhável durante grandes intervenções cirúrgicas pós-trauma.

Narazaki et al investigaram a ação da neurotrofina-3, um novo fator neurotrófico sobre lesões medulares induzidas em 33 ratos, produzidas por meio do New York University Impactor, um instrumento padrão para produção deste tipo de lesão. Usando a escala de Basso, Beattie e Bresnahan os autores observaram que a curva de recuperação locomotora para a neurotrofina-3 foi superior à do grupo controle; notaram que 28,5% dos ratos controle morreram após o trauma, contra zero no grupo tratado, indicando que existe uma nítida relação entre o uso da neurotrofina-3 com melhor recuperação após uma lesão medular.

Rezende et al compararam os efeitos condroprotetores da diacereina e glicosamina em relação a alterações degenerativas e rigidez articular num modelo murino de artrite. Uma menisectomia medial foi realizada no joelho direito de 20 ratos, dos quais 10 receberam diacereina e 10 glicosamina, do dia 1 ao dia 90, pós cirurgia. Os joelhos operados mostraram limitação de extensão e alterações degenerativas em comparação aos joelhos contra laterais não operados. O grau de rigidez foi menor no grupo tratado com diacereina, mas as alterações degenerativas foram semelhantes.

Ferreira et al avaliaram (em 30 ombros dissecados de cadáveres frescos) a amplitude do espaço sub-coracóide sob rotações máximas, interna e externa, da cabeça do úmero e mediram as distâncias entre as seguintes estruturas: (i) entre o ápice do processo coracóide e o ponto de entrada do nervo musculocutâneo e seus ramos na musculatura coracobraquial e na cabeça curta do músculo bíceps brachii; esta distância foi de 49,2 mm (em todos os espécimes, um ramo proximal do nervo foi identificado a 34,2 mm do ápice do processo coracóide), sem diferenças devidas a sexo ou lateralidade; (ii) entre o ápice do processo coracóide e a artéria acromial, que foi de 12,4 mm, sem diferenças devidas a sexo ou lateralidade; (iii) entre o ápice do processo coracóide e o tubérculo menor do úmero, que foi de 10,6 mm para homens e 8,6 mm para mulheres. Os autores notam que esta última distância, com o braço em rotação interna sugere a possibilidade de invasão entre as estruturas ósseas, em mulheres.

Publicamos também uma revisão sobre o dimorfismo sexual na resposta ao choque e à sepse e 1 relato de caso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2006
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