EDITORIAL
Discussão clínica baseada em evidências
Fabio Biscegli Jatene; Wanderley Marques Bernardo; Sérgio Almeida de Oliveira
Heart Institute (INCOR) Hospital das Clínicas, Faculty of Medicine, University of São Paulo, São Paulo/SP, Brazil. E-mail: fabiojatene@incor.usp.br
Discutir casos clínicos com o objetivo de tomar decisões, em relação ao cuidado com os pacientes é prática de inúmeros grupos de profissionais de saúde em todo o mundo. Tal prática é sustentada, na maioria das vezes, pela experiência dos profissionais que participam das discussões e, portanto, as decisões tomadas também o são. Muitas vezes há concordância da conduta a ser seguida, outras vezes a maioria decide sobre o procedimento a ser aplicado ao paciente e, em outras, a minoria, na dependência de sua relevância. As evidências científicas quando arroladas para as discussões, geralmente, são utilizadas para reforço da opinião de quem as cita, e nunca para apontar controvérsias que se contraponham à sua opinião. Geralmente os trabalhos e autores são citados de maneira incompleta e inatingível, e pior, com conclusões que não fazem parte do estudo citado.
Entretanto, dentro de uma sala onde as discussões estão acontecendo, pode-se contribuir de maneira objetiva e dinâmica, para o fornecimento das melhores evidências disponíveis, relacionadas ao tema da discussão ou, muitas vezes, apontar a ausência de evidências científicas que possam sustentar uma tomada de decisão no cuidado ao paciente.
Com este objetivo demos início, durante os períodos de discussão de casos clínicos do Serviço de Cirurgia Torácica, a um sistema on-line de busca de evidências científicas nas bases de dados disponíveis na Internet, sobretudo as primárias.
Esta busca, como já dito, é motivada por uma dúvida ou controvérsia, em relação a um determinado paciente. É realizada com o uso de um "notebook", conectado à Internet e a uma base de dados primária (principalmente o PubMed). Toda questão clínica é convertida em uma pergunta estruturada, que possa ser respondida, e que possa ser reproduzida no MeSH (PubMed), para a rápida obtenção da resposta.
A utilização da pergunta estruturada passa pela identificação e individualização, na questão e dúvida clínica, dos componentes: P: paciente, I: intervenção, C: controle e O: "outcome", que quando combinados entre si, e interligados pelos operadores booleanos AND, OR ou NOT, são enviados ao PubMed, fornecendo, então, um número variável de artigos científicos. Ao resultado da busca são aplicados alguns filtros, os quais melhoram a qualidade dos estudos obtidos, permitindo um acesso dinâmico e imediato aos melhores estudos disponíveis, que possam responder à pergunta.
Em alguns minutos, pode-se, então, obter evidências de boa qualidade, relacionadas a uma dúvida, permitindo, inclusive, a realização de uma avaliação crítica do desenho de estudo, dos resultados e das conclusões, o que contribui não só para a tomada de decisão, mas também do ponto de vista de ensino, sobretudo nos meios universitários.
As evidências obtidas durante as discussões não são consideradas como o resultado definitivo de uma revisão ampla da literatura e, muito menos, como avaliação crítica final de ensaios clínicos obtidos, uma vez que só os "abstracts" são lidos. Nem tampouco, as evidências obtidas são utilizadas para reforçar opiniões pessoais, determinando quem está certo ou quem está errado, mas sim, são utilizadas para, em associação com as diversas opiniões do grupo, contribuírem com a melhor decisão a ser tomada.
Em aplicação há 6 meses, esta técnica tem revelado resultados interessantes. Tem auxiliado na tomada de decisões clínicas por um lado e por outro estimulado a concepção de vários protocolos baseados em dúvidas e questões relevantes. É apenas o início de um processo, inédito em nosso meio, que busca ter suas condutas discutidas e tomadas, baseadas em evidências científicas, melhorando resultados, evitando danos e formando uma geração de residentes e estudantes, dentro de uma concepção reflexiva.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Mar 2005 -
Data do Fascículo
Fev 2005