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Chacinas urbanas na cidade e na Região Metropolitana de São Paulo (2009-2020)

Resumo

Este artigo analisa as chacinas ocorridas em São Paulo e Região Metropolitana entre 2009 e 2020. Utilizando dados de notícias e entrevistas com jornalistas e agentes de segurança pública, o artigo proporciona uma análise socioespacial, destacando características das vitimizações, dos executores e do modus operandi dessa forma de extermínio. As mortes resultantes das chacinas revelam uma polissemia de conflitos urbanos, predominantemente ligados a disputas de poder, “mercadorias políticas” (Misse, 2014) e vinganças entre grupos criminais, ou entre agentes de segurança pública e esses grupos. As populações periféricas são as principais vítimas das chacinas, que ocorrem em seus locais de moradia e socialização, evidenciando relações de poder nesses territórios.

chacinas; homicídios; periferias; vinganças institucionais; genocídio

Abstract

This article analyzes the slaughters that occurred in São Paulo and its Metropolitan Region between 2009 and 2020. Using data extracted from news and interviews with journalists and public security agents, the article provides a socio-spatial analysis, highlighting features of the victimizations, perpetrators, and modus operandi of that form of extermination. Deaths resulting from slaughters reveal a polysemy of urban conflicts, predominantly linked to disputes over power, “political commodities” (Misse, 2014MISSE, M. (2014). "Mercadorias políticas". In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. G. (orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo, Contexto.), and acts of revenge between criminal groups, or between public security agents and these groups. Peripheral populations are the main victims of slaughters, which occur in their places of residence and socialization and disclose power relations in these territories.

slaughters; homicides; peripheries; institutional acts of revenge; genocide

Introdução

Este artigo aborda as chacinas ocorridas e noticiadas na cidade de São Paulo e nas cidades que compõem a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) no período entre 2009 e 2020, debatendo o Esquadrão da Morte paulista e a militarização urbana como geradores da cotidianidade das chacinas. São analisadas as características socioespaciais desses homicídios e as possíveis formas de modus operandi e motivações para as produções de chacinas ocorridas na cidade de São Paulo e na RMSP entre os anos de 2009 e 2020.

Os dados sobre as chacinas foram coletados para pesquisa de tese de doutorado, possibilitando a construção de uma base de dados. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e relatos de memórias com jornalistas que cobriram/cobrem chacinas, com familiares e amigos de vítimas da Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove1 1 Neste artigo, debato as chacinas entre 2009 e 2020 pelo detalhamento que o banco de dados sobre esses eventos proporciona para as análises. Assim, não trato de modo aprofundado sobre as chacinas em São Paulo e na RMSP entre os anos de 1980 e 2008, assim como não debato a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Essas análises podem ser acessadas na tese de doutorado Quem sangra na fábrica de cadáveres? As chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove (Vedovello, 2022). e com agentes públicos. Além disso, foram realizadas análises socioespaciais das chacinas na cidade de São Paulo e nas cidades que constituem a RMSP.

O debate acerca das chacinas paulistas, tecnicamente chamadas de homicídios múltiplos, está relacionado a temas sobre o que se convencionou chamar de “violência urbana”. No Brasil, o termo chacina aparece nos dicionários significando abate de porcos ou gado e é mobilizado para determinar uma série de conflitos (Sinhoretto e Marques, 2019; Telles, 2010TELLES, V. da S. (2010). A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte, Argumentum.; Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.) que vitimizam três pessoas ou mais, no mesmo território,2 2 Território é aqui considerado um espaço delimitado no qual houve uma produção desse espaço a partir de um trabalho. O território é socialmente construído a partir de relações sociais que se constituem em relações de poder pelos mais diversos sujeitos e grupos que o constroem (Raffestin, 1993, pp. 143-145). ou em locais próximos a partir de determinada motivação e com os mesmos executores. Não existe uma tipificação penal para chacinas, sendo tratadas tecnicamente como “homicídios múltiplos”.

Chacina é uma categoria êmica (Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.) acionada por diversos setores da sociedade e utilizada por ativistas para demonstrar o horror dessa violência letal. O acionamento do termo chacina para a ocorrência de homicídios múltiplos demonstra, por vezes, uma disputa política sobre o significado das mortes. Como exemplo para demonstrar a mobilização política de termos para disputar sentidos de ações violentas letais, De Lucca (2016DE LUCCA, D. (2016). “Morte e vida nas ruas de São Paulo: a biopolítica vista do centro”. In: RUI, T.; MARTINEZ, M.; FELTRAN, G. (orgs.). Nova face da vida nas ruas. São Carlos, EdUFSCAR., p. 26) expôs que, após a execução de seis pessoas no centro de São Paulo, em 2004, os ativistas envolvidos na denúncia de chacina debateram sobre o uso dos termos chacina, assassinato, extermínio ou massacre, até estabelecerem que “massacre” seria o que melhor delimitaria o grau de violência empregado naqueles homicídios.

Ao longo deste artigo, explicito que: 1) as chacinas paulistas, das quais os executores são agentes de segurança pública, emergem da atuação do Esquadrão da Morte e estão ligadas à militarização urbana (Graham, 2016GRAHAM, S. (2016). Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo, Boitempo.; Oliveira, 2013OLIVEIRA, F. de (2013). “O Estado e a exceção ou o Estado de exceção?”. In: BARROS, J.; SILVA, E. B. da S.; DUARTE, L. (orgs.). Caderno de Debates 2. Cidades e conflito: o urbano na produção do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Fase. Disponível em: <https://fase.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Caderno_de_Debates_2.pdf>. Acesso em: 26 nov 2019.
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; Zaverucha, 2005ZAVERUCHA, J. (2005). FHC, forças armadas e polícia: entre o autoritarismo e a democracia (1999-2002). Rio de Janeiro, Record.), às “mercadorias políticas” (Misse, 2014MISSE, M. (2014). "Mercadorias políticas". In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. G. (orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo, Contexto.), às disputas de mercados ilegais e às vinganças estatais que produzem uma política para o extermínio; 2) a configuração socioespacial das chacinas mostra que elas ocorrem preferencialmente em territórios periféricos e com maior proporção demográfica de população negra; 3) as similaridades encontradas nas chacinas entre 2009 e 2020 delimitam que há um modus operandi característico das atuações extralegais de agentes de segurança pública.

Esquadrão da Morte paulista e chacinas

A administração de "mercadorias políticas" e a militarização urbana não são a gênese da existência de mortes múltiplas na cidade de São Paulo e na RMSP. Retomando os homicídios múltiplos historicamente, Fausto (2009)FAUSTO, B. (2009). O crime do restaurante chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo, Companhia das Letras. relata como, em 1938, no bairro do Brás, ocorreu um crime que vitimou três homens e uma mulher, assassinados a golpes de pilão durante o carnaval, em ano de Copa do Mundo.

Esses homicídios fizeram com que os grandes jornais da época veiculassem o crime em grandes manchetes, sendo também explorado nas rádios e se transformando, inclusive, na moda de viola O crime do restaurante chinês, tocada pela dupla Irmãos Laureano. Esse episódio exemplifica como, no final dos anos 1930, homicídios múltiplos eram considerados tragédias que extrapolavam os crimes e as ilegalidades que ocorriam no cotidiano da cidade.

A compreensão da emergência das chacinas como uma forma frequente de produção de mortes na cidade de São Paulo e na RMSP passa pela existência e pela atuação do Esquadrão da Morte paulista, cuja formação estava ligada não somente ao contexto político da Ditadura Civil-Militar, visto que as execuções realizadas por esse grupo estavam relacionadas ao tráfico de drogas e a uma rede de proteção de que esse grupo dispunha para grupos criminais ligados ao narcotráfico.

Foi também durante a Ditadura Civil-Militar que as polícias se militarizaram. O ditador Castello Branco instituiu as polícias militares brasileiras através do Decreto-Lei n. 317, de 1967, consideradas como forças auxiliares do Exército (Brasil, 1967BRASIL (1967). Decreto-Lei n. 317, de 13 de março. Reorganiza as Polícias e os Cargos de Bombeiros Militares dos Estagiados, dos Territórios e do Distrito Federal e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del0317.htm>. Acesso em: 9 mar 2022.
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). Elas tinham por função, conforme o Art. 2°, manter a ordem pública e a segurança interna nos estados, nos territórios e no Distrito Federal, sendo um dos seus encargos reprimir perturbações da ordem e graves subversões, antecipando-se, inclusive, à ação das Forças Armadas. Em 1969, o Decreto-Lei n. 667 associou as polícias à Doutrina de Segurança Nacional (Brasil, 1969BRASIL (1969). Decreto-Lei n. 667, de 2 de julho. Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0667.htm>. Acesso em: 9 mar 2022.
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), ocasião em que as guardas fardadas estaduais foram extintas e originaram-se as polícias militares, controladas pelo Exército e contando com a exclusividade do policiamento ostensivo fardado (Rocha, 2013ROCHA, A. P. da (2013). A gramática das polícias militarizadas: estudo comparado entre a Polícia Militar do Estado de São Paulo - Brasil e Carabineros - Chile, em regimes políticos autoritários e democráticos. Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília.).

Naquele momento, as práticas de combate contra a população, aplicadas anteriormente pelas forças públicas desde, pelo menos, o início da República, alteram-se. No final do século XIX, os alvos preferenciais das polícias eram os escravizados, os estrangeiros e os indigentes, sendo suas atividades cotidianas e culturais focos de repressão (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. (2000). Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Edusp/Ed. 34., p. 145). A partir da militarização das polícias, elas recebem o encargo de fazer as rondas ostensivas nas cidades brasileiras, observando, nas periferias, o possível local no qual estariam os “suspeitos” ou “inimigos de Estado”.

Essa militarização dos agentes de segurança, coadunada com uma intensa urbanização, em processo desde o final dos anos 1950 e da década de 1960, foi dimensionando outro processo em São Paulo: o de uma militarização urbana. Essa militarização pode ser apreendida enquanto a adoção dos modelos, das doutrinas e dos procedimentos militares em atividades civis, como no caso da segurança pública, no qual os valores do Exército vão cercando os valores da sociedade, chegando a se sobrepor aos valores sociais, deslocando para o cotidiano urbano retóricas de “guerra” e “combate” (Zaverucha, 2005ZAVERUCHA, J. (2005). FHC, forças armadas e polícia: entre o autoritarismo e a democracia (1999-2002). Rio de Janeiro, Record.).

Em São Paulo, essa discursividade da guerra é colocada como guerra ao crime organizado, ao Primeiro Comando da Capital (PCC), às drogas, à Cracolândia, dentre outras possibilidades de justificativas das ações e dos modelos ligados a doutrinas militares. Transforma-se o espaço público em um espaço de guerra civil mal disfarçada (Oliveira, 2013OLIVEIRA, F. de (2013). “O Estado e a exceção ou o Estado de exceção?”. In: BARROS, J.; SILVA, E. B. da S.; DUARTE, L. (orgs.). Caderno de Debates 2. Cidades e conflito: o urbano na produção do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Fase. Disponível em: <https://fase.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Caderno_de_Debates_2.pdf>. Acesso em: 26 nov 2019.
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, p. 75), ocorrendo transformações urbanas com o uso de técnicas e tecnologias de repressão de guerra colonial urbana que trazem para esses locais um urbanismo militar (Graham, 2016GRAHAM, S. (2016). Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo, Boitempo.).

Se a militarização urbana se estabelece, dentre outras coisas, por meio de uma presença intensiva de agentes de segurança pública nos territórios, de modo a vigiar condutas e tentar estabelecer o que se consideraria uma ordem social almejada, é essa presença constante e o poder disposto pelos agentes de segurança que propiciam a existência das negociações de “mercadorias políticas”. Essas mercadorias são acionadas nas linhas tênues de relações entre o legal e o ilegal e podem ser compreendidas enquanto serviços e mercantilização de recursos políticos e econômicos oferecidos por agentes de segurança pública e por grupos armados, de modo a manejar determinadas ilegalidades para não serem incriminadas (Misse, 2014MISSE, M. (2014). "Mercadorias políticas". In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. G. (orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo, Contexto.). As “mercadorias políticas” estão, muitas vezes, ligadas a agentes estatais que mercantilizam seus recursos políticos para operar “gestões diferenciais dos ilegalismos”.3 3 As “gestões diferenciais de ilegalismos” são os modos de interpretação e jogos com as leis e jurisprudências, realizadas de maneira a interpretar determinadas ilegalidades como crime ou não, de acordo com o agente que a pratica (Foucault, 2002).

A atuação do Esquadrão da Morte se dava em execuções contra presos que se encontravam encarcerados no Presídio Tiradentes e em execuções de supostos bandidos que poderiam atrapalhar grupos ligados ao tráfico de drogas a quem o Esquadrão conferia proteção. As execuções também se convertiam em chacinas, e os corpos dos executados eram deixados em locais periféricos de São Paulo e da RMSP. Os encarcerados do Presídio Tiradentes eram retirados da prisão para serem executados nas periferias de São Paulo.

O modus operandi do Esquadrão da Morte paulista se organizava a partir de quatro eixos: 1) a instauração de medo por meio de tortura dos executados, que eram posteriormente batizados de “presuntos”; 2) o impacto da opinião pública por meio de letreiros nos cadáveres, com as iniciais E.M. indicando ação do Esquadrão da Morte, além do trabalho de um relações públicas, chamado de Lírio Branco, que acionava os jornais indicando a localidade dos corpos; 3) o assassinato sistemático de pessoas encarceradas no Presídio Tiradentes, trazendo a lógica de que “bandidos” eram sujeitos irrecuperáveis e, portanto, só lhes cabia a morte; 4) a métrica de que, para cada policial morto, dez pessoas deveriam ser executadas como vingança (Bicudo, 1988BICUDO, H. P. (1988). Do esquadrão da morte aos justiceiros. São Paulo, Paulinas., p. 83). O Esquadrão da Morte paulista interrompeu suas atividades de execução no início dos anos 1970, mas trouxe para o cotidiano das cidades paulistas as chacinas e a lógica da vingança por meio da métrica de dez “suspeitos” executados para cada agente de segurança pública assassinado.

Entre as décadas de 1980 e 2020, ocorreram 828 chacinas, ao menos, no estado de São Paulo. Os registros sobre as chacinas demonstram que elas começam a aparecer em notícias de jornais em 1982, primeiramente na cidade de Osasco, aumentando exponencialmente ao longo dos anos. O pico de ocorrência das chacinas se deu no final dos anos 1990, decaindo após 2001.

Esse movimento de intensificação das chacinas corresponde aos momentos de aumento e diminuição dos homicídios e ao que Feltran (2012)FELTRAN, G. (2012). Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011). Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 6, n. 2, pp. 232-255. denominou como “época das guerras”, momento em que, após o Massacre do Carandiru, ocorre a emergência de disputas por poder e a consolidação do PCC como organização criminosa que estabeleceu modificações no “mundo do crime”4 4 Mundo do crime é significante de uma série de relações sociais permeadas por ilicitudes, consideradas legalmente crime ou não, e que, por vezes, também se utilizam de violência. O “mundo do crime” não diz, necessariamente, sobre atividades criminais praticadas pelos sujeitos, mas sobre relações dos sujeitos e identificações com normas e regulações próprias do crime (Feltran, 2008; Ramalho, 1979). e pacificação5 5 “Pacificação”, tanto nas cadeias quanto nas periferias, é entendida como modos de regulação dos usos de violência pelo PCC, como forma de resolução de conflitos (Biondi, 2018; Dias, 2011). das periferias (Biondi, 2018BIONDI, K. (2018). Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São Paulo, Terceiro Nome.; Dias et al., 2015DIAS, C. N. et al. (2015). A prática de execuções na região metropolitana de São Paulo na crise de 2012: um estudo de caso. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 9, pp. 160-179.; Feltran, 2012FELTRAN, G. (2012). Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011). Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 6, n. 2, pp. 232-255.). As chacinas, naquele momento, estavam ligadas a essa dinâmica e, conforme o PCC foi “pacificando” as periferias, principalmente após os anos 2001, houve o declínio dessa forma de homicídio.

Como forma de tentar interromper a escalada das chacinas, foi criada em 1999, na cidade de São Paulo, uma Equipe de Chacinas, composta por um grupo de policiais especializados em investigar esses crimes, ligada ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Antes da sua criação, os homicídios múltiplos eram investigados por diversas equipes das delegacias próximas aos locais em que os crimes ocorriam.

Somente em 2011, por meio do Decreto Estadual n. 57.537, foi instituída a 3ª Delegacia de Polícia de Repressão a Homicídios Múltiplos e Latrocínios (São Paulo, 2011SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Segurança Pública. (2011). Decreto n. 57.537, de 23 de novembro. Altera a denominação do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa – DHPP para Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa – DHPP, dispõe sobre sua organização e dá providências correlatas. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2011/decreto- 57537-23.11.2011.html>. Acesso em: 11 mar 2022.
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) que, naquele momento, investigava tanto chacinas quanto latrocínios. Em 2013, os crimes de latrocínio foram desvinculados, e a delegacia se tornou a 3ª Delegacia de Polícia de Repressão a Homicídios Múltiplos.

Configurações socioespaciais das chacinas

No período entre 2009 e 2020, ocorreram, no mínimo,6 6 A utilização do termo “no mínimo” se dá pela subnotificação das chacinas. 138 chacinas na cidade de São Paulo e nas cidades que compõem a RMSP, resultando em 536 vítimas fatais.

A base de dados sobre chacinas provém de levantamento próprio, a partir de buscas nos acervos dos jornais de circulação nacional Folha de São Paulo e Estadão, além de utilizar os jornais Agora São Paulo, Terra, R7, G1, Brasil Atual, Ponte Jornalismo e jornais mais regionalizados, como O Taboaense, a partir das palavras-chave “chacina”, “chacinas” e “massacres”, mês a mês, para cada ano pesquisado.7 7 As notícias foram armazenadas em um equipamento de pesquisa com uso do Excel que dispunha de colunas para captura das seguintes informações: data; horário da ocorrência; logradouro; bairro; zona da capital/município da RMSP; número de vítimas fatais; número de vítimas não fatais; arma/calibre; suspeitos; número do Boletim de Ocorrência (B.O.)/Inquérito; desfecho; nome das vítimas; sexo; cor/raça; idade; antecedentes criminais; provável motivação; descrição da chacina; jornal de referência; link do jornal. Esses dados propiciaram uma análise mais minuciosa, e os dados das localizações das chacinas entre 2009 e 2020 permitiram a construção de mapas georreferenciados através do software QGis. Também foram utilizados dados sobre homicídios e letalidade policial obtidos no site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, além dos dados obtidos no Atlas e nos Anuários Brasileiros de Segurança Pública divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Outras fontes importantes de dados foram as do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

Os dados sobre números de chacinas e suas vítimas costumam ser subnotificados, dadas as especificidades dessa forma de homicídio e de como as mortes são registradas nos documentos estatais que dão origem aos inquéritos policiais. A utilização de jornais como recurso para construção de base de dados para casos de homicídios múltiplos permite observar quando esses fenômenos são mais ou menos frequentes. Martins (2015)MARTINS, J. de S. (2015). Linchamentos: a justiça popular no Brasil. São Paulo, Contexto., ao pesquisar linchamentos, que também não possuem tipificação penal e são subnotificados, lançou mão do recurso do uso de jornais para a construção de sua base de dados.

Os dados oportunizaram uma possibilidade de análise mais minuciosa, sendo que os relacionados às localizações das chacinas, entre 2009 e 2020, permitiram a construção de mapas georreferenciados, possibilitando debater como as mortes atingem os territórios paulistas e paulistanos e como se dão determinadas dinâmicas de produção de mortes nas cidades.

Não há homogeneidade na distribuição anual dos homicídios múltiplos. O que se percebe é que, em alguns anos, as chacinas "explodem" no cenário dos conflitos urbanos e, em outros, retraem-se. Desse modo, esses homicídios múltiplos podem demonstrar quais disputas e conflitualidades estão ocorrendo em determinado ano, em determinada cidade ou região/bairro desta.

A Tabela 1 revela que, entre 2009 e 2011, há queda no número das chacinas, podendo-se inferir que essa redução pode estar relacionada a uma possível reorganização das chamadas “mercadorias políticas” (Misse, 2014MISSE, M. (2014). "Mercadorias políticas". In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. G. (orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo, Contexto.) nas relações de rotina entre agentes de segurança pública e o “mundo do crime” após as centenas de execuções efetuadas durante uma grande crise entre o PCC e os agentes de segurança pública de São Paulo em 2006. Tal fato é apontado por Feltran (2012FELTRAN, G. (2012). Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011). Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 6, n. 2, pp. 232-255., p. 248) em suas análises sobre queda no número dos homicídios.

Tabela 1
– Número de chacinas e de vítimas fatais na cidade de São Paulo e na RMSP (2009-2020)

Esse momento ficou conhecido como Crimes de Maio,8 8 Para maiores detalhes e análises sobre os Crimes de Maio, ver: Almeida (2021), Justiça Global (2011) e Figueiredo et al. (2018). no qual agentes de segurança pública, ao responder a ataques contra policiais e bases, executaram – segundo dados do Relatório do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp (Caaf/Unifesp) – cerca de 505 civis (Amadeo et al., 2019, p. 68). Esses rearranjos entre agentes de segurança e o “mundo do crime” são frágeis, tendo em vista que, em 2012, há um número alto de chacinas, entrando em declínio em 2013, seguido por novo aumento em 2015. Esses momentos em que houve aumento no número das chacinas foram chamados, respectivamente, de “crise de 2012” (Dias et al., 2015DIAS, C. N. et al. (2015). A prática de execuções na região metropolitana de São Paulo na crise de 2012: um estudo de caso. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 9, pp. 160-179.) ou “onda de violência de 2012” (Biondi, 2018BIONDI, K. (2018). Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São Paulo, Terceiro Nome.) e “ano das grandes chacinas” para os casos de 2015 (Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.).

A Tabela 1 e o Gráfico 1 permitem compreender as variações ao longo do tempo, percebendo as dinâmicas de conflitos existentes que culminaram em homicídios múltiplos. Porém, para além dessas variações, os dados permitiram elaborar um mapa dessas chacinas, viabilizando a construção de uma análise socioespacial desses eventos violentos. Assim, o Mapa 1 detalha a localização das chacinas ocorridas em São Paulo e na RMSP entre 2009 e 2020.

Gráfico 1
– Ocorrência de chacinas em São Paulo e na RMSP (2009-2020)

Mapa 1
– Localização das chacinas ocorridas em São Paulo e na RMSP entre 2009 e 2020

Em 2009 e 2010, há uma dispersão das chacinas para as cidades da Região Oeste e Sudoeste da RMSP. Em 2010, os jornais trazem notícias referentes ao chamado "Matadores do 18", grupo de extermínio organizado por policiais militares (PMs) pertencentes ao 18° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM), localizado no bairro da Freguesia do Ó, na zona norte da capital.

Um dos fatores do alto número de chacinas em alguns territórios, como a zona norte de São Paulo, seria a existência de um “histórico de batalhão”, segundo um dos delegados da 3ª Delegacia de Homicídios Múltiplos de São Paulo (ibid.). Desse modo, a existência de chacinas estaria entrelaçada, nesses territórios, com disputas de poder e de “mercadorias políticas” por agentes de segurança pública.

Os "Matadores do 18" e outro grupo de extermínio da zona leste de São Paulo foram acusados como agentes de mais de 150 execuções, entre 2003 e 2010, na capital paulista. As execuções seriam motivadas por vingança, abuso de autoridade, “limpeza”, cobranças ligadas ao tráfico e cobranças de jogo, de acordo com investigação do DHPP (Merlino, 2012)MERLINO, T. (2012). Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio. Revista Caros Amigos. São Paulo, pp. 10-13..

No período entre 2010 e meados de 2012, o declínio na taxa de homicídios de civis, que estava ocorrendo há uma década, foi interrompido pelo aumento das mortes de civis e de policiais assassinados. Há emergência de uma crise que evidencia uma desestabilização dos acordos de paz construídos entre o PCC e a polícia, que ocorria nos últimos anos, produzindo, no ano de 2012, alto número de execuções de civis e de chacinas, assim como de execuções de agentes de segurança pública (Dias et al., 2015DIAS, C. N. et al. (2015). A prática de execuções na região metropolitana de São Paulo na crise de 2012: um estudo de caso. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 9, pp. 160-179.).

No ano de 2011, ocorreram 11 chacinas; o local com maior número delas foi a zona sul da capital, com três chacinas, seguido da cidade de Guarulhos, com duas. Nenhuma das chacinas registradas durante o ano excedeu quatro vítimas. Em três locais – cidade de Santo André, bairro do Campo Limpo na zona sul de São Paulo e cidade de Embu – apareceram evidências nas reportagens de que agentes de segurança pública poderiam ser os executores, pois os atiradores haviam afirmado que eram policiais durante as abordagens. Em uma dessas chacinas, ocorrida em um bar no Campo Limpo, zona sul paulistana, testemunhas disseram ao jornal Agora São Paulo que os executores se apresentaram enquanto policiais e que haviam questionado se, dentre as pessoas que se encontravam no bar, alguma “teria passagem pela polícia”.

Em 2012, durante a crise, as chacinas mais do que dobraram em relação ao ano anterior, chegando a 24, com 82 vítimas fatais, estabelecendo-se uma “guerra velada” entre PCC e agentes de segurança pública (Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.). Essa “guerra velada” entre polícia e PCC foi apresentada por Dias et al. (2015)DIAS, C. N. et al. (2015). A prática de execuções na região metropolitana de São Paulo na crise de 2012: um estudo de caso. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 9, pp. 160-179.: de um lado, haveria um planejamento da morte desses policiais e, do outro lado, as chacinas ocorriam em locais próximos às execuções desses policiais.

O elemento desencadeador dessa “crise de 2012” seriam escutas telefônicas que foram transferidas da Polícia Civil para a Polícia Militar, gerando, ao menos, três operações da Rota que culminaram em mortes múltiplas de pessoas consideradas suspeitas de pertencimento ao PCC (Dias et al., 2015DIAS, C. N. et al. (2015). A prática de execuções na região metropolitana de São Paulo na crise de 2012: um estudo de caso. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, v. 9, pp. 160-179., pp. 168-169; Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas., pp. 119-120).

No ano de 2013, ocorreram nove chacinas em sete cidades da Região Metropolitana de São Paulo e sete chacinas em bairros da cidade de São Paulo, totalizando 16 chacinas. Na RMSP, ocorreram uma chacina em Osasco, uma em Carapicuíba, uma em Cotia, uma em Ferraz de Vasconcelos, uma em Itapevi, duas em Guarulhos e duas em Diadema, totalizando sete pessoas feridas e 61 vítimas fatais. Em São Paulo, por sua vez, quatro delas ocorreram na zona sul, duas na zona norte e uma na zona leste, tendo a maior parte ocorrido no primeiro semestre de 2013. Entre janeiro e julho, ocorreram 11 chacinas: cinco a partir de agosto e uma envolvendo uma família de policiais da Rota, que dominou as pautas jornalísticas. Nesse caso, o filho dos policiais foi elencado como o executor da chacina, que ficou conhecida como Chacina da Família Pesseghini

No mês de janeiro de 2013, uma chacina no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, vitimou sete pessoas. Os atiradores, ao se aproximarem do local, gritaram: “Vai, é polícia, ninguém corre!” (Caramante, 2016CARAMANTE, A. (2016). Após três anos, chacina do Jardim Rosana vira símbolo da impunidade dos PMs de SP. Disponível em: <https://noticias.r7.com/sao-paulo/apos-tres-anos-chacina-do-jardim-rosana-vira-simbolo-da-impunidade-dos-pms-de-sp-22012016>. Acesso em: 7 mar 2022.
https://noticias.r7.com/sao-paulo/apos-t...
). Vinte dias após a chacina, a Secretaria de Segurança Pública pediu a prisão provisória de seis PMs do 37° BPM, localizado a cerca de três quilômetros do local da chacina. Os policiais foram inocentados em 2014, e somente um foi pronunciado para ir a júri pelas sete mortes.

O número de chacinas reduziu drasticamente no ano de 2014, ocorrendo duas na capital paulista – uma na zona leste, uma na zona norte – e cinco nas demais cidades da RMSP – duas em Carapicuíba, uma em Jandira, uma em Mogi das Cruzes e uma em Guarulhos. Apesar do número menor de chacinas em relação a anos anteriores, em cinco dessas chacinas registradas é possível observar, nas notícias veiculadas a respeito delas, a divulgação de uma possível participação de agentes de segurança pública nas execuções, sendo que uma em Sapopemba, na zona leste, e uma em Carapicuíba, figurava enquanto provável causa das chacinas a vingança por morte de policiais.

A possível ação de policiais em chacinas ganhou destaque no debate público. O delegado titular da Delegacia de Homicídios de Carapicuíba chegou a afirmar que PMs estariam envolvidos. A linha de investigação apontava para a possibilidade da existência de grupos de extermínio ligados a agentes de segurança pública na execução das chacinas.

Ainda em 2014, outra chacina chamou a atenção. Ocorrida em abril, na Brasilândia, em uma praça chamada 7 Jovens, as execuções vitimaram cinco pessoas, sendo três vítimas fatais e duas feridas. A praça passou a ser assim chamada devido a uma chacina anterior ocorrida no mesmo local, em 2007, vitimando sete pessoas. Houve, portanto, uma reincidência de chacina nessa localidade.

Em 2015, as chacinas voltaram a aumentar, chegando a 19, com 99 vítimas fatais. Foi nesse ano que ocorreu a chamada “maior chacina do estado de São Paulo” (Silva, 2021SILVA, D. E. M. da (2021). O negócio das chacinas: sentidos de justiça, privatização da segurança e corrupção policial em São Paulo. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos.): a chacina de Osasco e Barueri. Nas reportagens sobre oito dessas 19 chacinas, constava que haveria agentes de segurança pública entre os suspeitos das execuções. Embora a chacina de Osasco e Barueri tenha sido a maior registrada durante o ano de 2015, outras chacinas tiveram número elevado de mortos. No Jardim São Luiz, na zona sul da cidade de São Paulo, em março de 2015, dez pessoas foram assassinadas em uma chacina; em abril, seis foram mortas em Parelheiros e, um dia após, oito foram executadas na quadra da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Na cidade de Mogi das Cruzes, também em 2015, ocorreram três chacinas, mas chama a atenção o fato de ocorrerem em série desde 2013, vitimando 26 pessoas ao longo desses anos (Omura, 2019OMURA, R. T. (2019). Chacinas em periferias: subproduto da criminalização da pobreza. Revista Científica UMC. Mogi das Cruzes, v. 4, n. 2, pp. 1-12. Disponível em: <http://seer.umc.br/index.php/revistaumc/article/view/632>. Acesso em: 24 mar 2021.
http://seer.umc.br/index.php/revistaumc/...
). Um PM foi a júri popular por execuções em diversas dessas chacinas.

O número de chacinas voltou a reduzir em 2016, com sete chacinas reportadas: uma em Guarulhos, uma em Embu, uma em Mogi das Cruzes, uma em Itaquaquecetuba, uma na zona leste paulistana e duas na zona norte, nos bairros do Jaçanã e Parque Edu Chaves. Dentre elas, as ocorridas em Guarulhos e em Mogi das Cruzes constavam com a possível participação de agentes de segurança pública. Uma delas ganhou destaque nos jornais devido ao modo como foi executada. O caso ficou conhecido como a Chacina dos 5 de Mogi ou Chacina dos 5 da Leste.

O jornal Folha de S.Paulo destacou o caso, que, primeiramente, era tratado como desaparecimento dos jovens, visto que eles haviam saído de carro rumo a uma festa e sumiram. Antes de sumirem, porém, um dos jovens enviou áudio para uma amiga relatando um enquadro9 9 O termo enquadro é popularmente utilizado como sinônimo para abordagens policiais que podem ser seguidas de revistas pessoais. policial. Os corpos dos cinco jovens foram encontrados com sinais de tortura, e desvelou-se que foram executados por agentes de segurança pública por vingança devido à suspeita da participação de um dos jovens na morte de um policial.

As chacinas ocorridas no bairro do Jaçanã, entre 2016 e 2017, fizeram com que o local fosse chamado de “bairro das chacinas”. Em 2017, há registros de oito chacinas na cidade de São Paulo e na RMSP: três na zona sul, três na zona norte, uma em Osasco e uma em Guarulhos, com total de 32 vítimas fatais. Nas duas últimas chacinas desse ano, ocorridas na zona norte paulistana (Pirituba e Tremembé), constam indícios de participação de agentes de segurança pública.

O número de chacinas na zona norte de São Paulo aumentou entre 2016 e 2018. Se, em 2015, ano das grandes chacinas, ocorreu somente uma chacina na zona norte, atingindo o bairro do Jaçanã, em 2016 esse número subiu para duas; em 2017, para três; em 2018, para quatro uma em Pirituba, duas na Brasilândia e uma no Jaçanã, aparecendo apenas uma com agentes de segurança pública enquanto suspeitos.

A partir de 2019, as chacinas diminuíram drasticamente, com quatro chacinas registradas: uma em Suzano, uma no Jardim Peri Alto (zona norte), uma em Sapopemba (zona leste) e uma em Paraisópolis (zona sul), no chamado Baile da DZ7.

A chacina de Suzano foi um ataque a uma escola pública estadual, em que um aluno e um ex-aluno da E.E. Raul Brasil entraram na instituição, vitimando oito pessoas e se suicidando em seguida. Esse fato foi chamado pelas mídias de ataque, chacina e massacre.

Nas chacinas de Sapopemba e de Paraisópolis, agentes de segurança pública aparecem como suspeitos das execuções. Em Paraisópolis, as mortes não foram causadas por disparos de arma de fogo de modo direto, mas, sim, por asfixia mecânica indireta ocasionada pela tentativa de dispersão do baile funk pela PM paulista, que justificou a ação relatando que havia uma perseguição contra dois homens armados que adentraram as ruas do baile em uma moto. Imagens da ação que culminou na chacina, divulgadas posteriormente na mídia, demonstram, no entanto, policiais agredindo frequentadores do baile durante a tentativa de encerramento do evento. Azevedo et al. (2022)AZEVEDO, D. et al. (2022). O Massacre do Baile da DZ7, Paraisópolis. Relatório 1: Chacina Policial, Institucionalização do Caso e a Dinâmica dos Fatos Segundos as Evidências. São Paulo, Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Universidade Federal de São Paulo., em relatório sobre o Massacre de Paraisópolis, elenca o caso como uma chacina policial ligada a uma “estatização das mortes”, que ocorre quando uma chacina é realizada durante uma Operação Policial, sendo, portanto, “desencapuzada”.10 10 Levando em conta que as chacinas, quando executadas por agentes de segurança pública em momentos em que não estão em horário de trabalho, possuem a característica de os executores usarem capuz. A perspectiva de “desencapuzamento” está ligada a ações com ampla letalidade, realizadas durante Operações Policiais nas quais os agentes não cobrem o rosto, pois as ações possuiriam uma possibilidade de aval estatal.

Em 2020, foram registradas, nos veículos de imprensa, cinco chacinas: duas na zona leste (Vila Jacuí e Sapopemba), duas na zona sul (Capão Redondo e Chácara Santo Antônio) e uma em Embu. As chacinas no Capão Redondo e na Chácara Santo Antônio ocorreram entre o final de janeiro e o início de fevereiro de 2020. De acordo com as notícias veiculadas na imprensa, na Chácara Santo Antônio havia suspeita de participação de policiais civis. Entre março e meados de junho, houve um interregno em que nenhuma chacina foi registrada. Duas chacinas ocorreram em junho e, de julho a meados de setembro, também não houve registros de chacinas. A última chacina de 2020 ocorreu em 16 de setembro, no bairro de Sapopemba.

Entre 2009 e 2020, as cidades da RMSP que concentraram maior número de chacinas foram: Guarulhos, Osasco, Taboão da Serra, Embu, Carapicuíba, Mauá, Santo André e Diadema. Já na cidade de São Paulo, ocorreram chacinas em todas as zonas: uma na zona oeste, uma no centro; as zonas norte e sul tiveram o maior número de homicídios múltiplos do período, 24 ocorrências em cada uma delas; a zona leste contabilizou cerca de 13 chacinas no período. Os bairros dessas zonas de São Paulo que mais tiveram mortes múltiplas foram: Brasilândia, Jaçanã, Campo Limpo, Jardim São Luiz, Parelheiros, Sapopemba e Itaim Paulista.

Embora a análise socioespacial traga cidades com grande densidade populacional, como Guarulhos, as chacinas não possuem uma relação direta com a densidade demográfica dos territórios em que mais ocorrem. De acordo com dados da Prefeitura da Cidade de São Paulo (2022)PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO (2022). População recenseada – Região Metropolitana de São Paulo e Municípios – 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 e 2022. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/tabela_pop_municipios_rsmp_evol_1950-2022_1698773663.htm>. Acesso em: 8 out 2021.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
, no período entre 2009 e 2020, das cidades citadas somente Guarulhos contava com mais de 1 milhão de habitantes; as demais tinham entre 200 mil e 600 mil habitantes. Já os bairros da cidade de São Paulo com maior número de chacinas possuem entre 150 mil e 300 mil habitantes (ibid.).

Se a densidade demográfica não é um elemento preponderante para o território ser atingido por chacinas, a característica de população residente por raça/cor se revelou importante na análise socioespacial dos territórios em que ocorreram chacinas nesse período. Dados do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) trouxeram que os territórios em que mais ocorreram chacinas são aqueles com maior número de população preta e parda (Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas., pp. 139-140).

Os territórios em que mais ocorreram chacinas têm, em sua composição demográfica, a predominância de população parda e preta11 11 Embora pretos e pardos perfaçam a população negra, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos mapas do CEM há separação da população entre grupos de pretos e de pardos e, por isso, a separação é observada desse modo neste artigo. (Mapas 3 e 4), como a zona sul de São Paulo; Taboão da Serra; Embu; Carapicuíba; Osasco, zona norte da cidade de São Paulo; Guarulhos, zona leste da cidade de São Paulo; Mauá; Santo André; Diadema. A região central da cidade de São Paulo possui maior concentração de população branca e, no caso das cidades da RMSP, a maior concentração de população branca está nas cidades de São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul (Mapa 2). Dados da Ouvidoria das Polícias (2020), apontaram que das 599 denúncias de mortes decorrentes de intervenção policial, cerca de 56,2% das vítimas eram negras (ibid.). Embora a letalidade policial e as chacinas estejam em chaves de análises distintas, esses dados mostram a importância da raça/cor para investigar as vitimizações.

Mapa 2
– Percentual de população branca na cidade de São Paulo e na RMSP – 2010

Adão (2017)ADÃO, C. R. (2017). Territórios de morte: homicídios, raça e vulnerabilidade social na cidade de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. já havia debatido que espaços periféricos, majoritariamente habitados pela população negra, são mais atingidos pela violência letal, e não é diferente no caso das chacinas. Sobre como as chacinas atingem, majoritariamente, territórios periféricos e com maior concentração de população negra, um ex-ouvidor das polícias relatou: “O que é comum é que as chacinas sempre ocorrem na periferia; esse é o dado” (Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas., p. 141).

A distribuição socioespacial das chacinas indica que elas ocorreram em maior número em territórios considerados periféricos. A periferia é tomada, muitas vezes, enquanto uma categoria analítica e acusatória que predefine esses territórios como subalternos, onde convivem trabalhadores e bandidos, estereotipando e produzindo sujeição (Feltran, 2010FELTRAN, G. (2010). Periferias, direito e diferença: notas de uma etnografia urbana. Revista de Antropologia. São Paulo, v. 53, n. 2.). A sujeição e estereótipos produzidos sobre territórios são elementos facilitadores de uma ação letal contra quem habita e circula por eles.

As periferias são mais atingidas por chacinas, mas elas não são determinadas por mortes e execuções. Não são em todas as periferias que ocorrem as chacinas, assim como, para além de mortes, os territórios são marcados por vivências múltiplas dos sujeitos periféricos (D’Andrea, 2013).

Os levantamentos mostram que, em 14 cidades, não existiram registros de chacinas entre os anos de 2009 e 2020. As cidades em que não ocorreram chacinas no período foram: Pirapora de Bom Jesus, Cajamar, Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Mairiporã, Santa Izabel, São Lourenço da Serra, Juquitiba, Rio Grande da Serra, Guararema, Salesópolis, Biritiba-Mirim e Vargem Grande Paulista. Esses dados mostram que, nesse período de 11 anos, ocorreram chacinas em cerca de 64% das cidades que compõem a RMSP.

A maioria das chacinas ocorreu em locais públicos, de passagem e de circulação nas cidades e bairros – como ruas, avenidas, becos e vielas. Um dado, no entanto, chamou a atenção: em pelo menos 24 chacinas, as vítimas estavam dentro ou em frente a bares; em oito, estavam em frente a outros comércios locais, como restaurantes, padarias e pizzarias, ou confraternizando dentro de salões, quadras de torcida organizada e quadras de futebol; três chacinas ocorreram em bailes funks; duas, em praças.

Assim, dentre as características espaciais dos homicídios múltiplos, temos que, para além de espaços de circulação urbana, esses homicídios também ocorreram em locais de sociabilidade nas periferias, como os bares ou outros espaços em que as pessoas se reúnem no período da noite para confraternizar e que foram, muitas vezes, alvos de ataques armados que perfizeram mais de três vítimas.

Executores, vitimizações e modus operandi

Os dados sobre as chacinas evidenciam mais similaridades do que disparidades quando se observa a ação dos executores, a vitimização e o encadeamento dos atos de execução.

Na análise das chacinas, constatou-se que, em 70,28% delas, não havia qualquer descrição acerca das prováveis motivações das execuções. Apenas em 31 casos havia descrições sobre possíveis causas; entre estas, em cinco casos foram identificadas múltiplas motivações. Destaca-se que, em 16 casos, as execuções foram associadas a vinganças ou ações perpetradas por policiais; em 12, a disputa pelo tráfico de drogas se mostrou determinante; em cinco foram mencionadas brigas ou vinganças pessoais; em três casos houve referências a facções criminosas ou atividades vinculadas ao crime organizado.

Chacinas e execuções ligadas a vinganças institucionais (Hirata e Grillo, 2019HIRATA, D. V.; GRILLO, C. C. (2019). Operações policiais no Rio de Janeiro. Disponível em: <https://br.boell.org/pt-br/2019/12/21/operacoes-policiais-no-rio-de-janeiro>. Acesso em: 14 mar 2022.
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) não são um dado novo em São Paulo. O Esquadrão da Morte paulista, por exemplo, atuava de forma ilegal entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, com um modus operandi em que, para cada agente de segurança pública morto, dez pessoas consideradas como “marginais” deveriam morrer (Bicudo, 1976BICUDO, H. P. (1976). Meu depoimento sobre o esquadrão da morte. São Paulo, Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo., pp. 76-77).

Em 93 das chacinas noticiadas por veículos de imprensa, não existiam indicações de suspeitos das execuções, o que indica que, em 67,3% das notícias, não havia nenhuma indicação sobre os executores. Em 34 das notícias, apareciam como suspeitos PMs, ex-PMs, guardas civis metropolitanos e policiais civis, perfazendo um total de 24,6%. Isso indica que, em cerca de um quarto das chacinas, já existiam, em um primeiro momento, elementos que traziam para o centro das execuções a ação de agentes de segurança pública.

No caso das chacinas executadas por agentes de segurança pública fora de serviço, os dados de São Paulo e da RMSP estão próximos dos dados trabalhados por Silva (2021)SILVA, D. E. M. da (2021). O negócio das chacinas: sentidos de justiça, privatização da segurança e corrupção policial em São Paulo. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos. em relação ao Brasil, já que, nas análises do autor, em 23,8% das chacinas analisadas, havia suspeita de participação policial nas execuções. Silva (2021)SILVA, D. E. M. da (2021). O negócio das chacinas: sentidos de justiça, privatização da segurança e corrupção policial em São Paulo. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos. ainda destaca que em São Paulo, entre 2015 e 2019, a participação policial em chacinas aparecia em 43,5% dos casos. Em cinco destes, o suspeito era familiar ou conhecido das vítimas; em outros seis, havia alguma pista dos suspeitos, seja nome ou retrato falado.

Ao serem realizadas fora de serviço, ou seja, em momentos em que os agentes de segurança já haviam encerrado seus expedientes de trabalho, as chacinas se apresentam como uma forma de produção de execuções sumárias, considerando-as como:

[...] todo e qualquer homicídio praticado por forças de segurança do estado (policiais, militares, agentes penitenciários, guardas municipais) ou similares (grupos de extermínio, justiceiros), sem que a vítima tenha tido a oportunidade de exercer o direito de defesa num processo legal regular, ou, embora respondendo a um processo legal, a vítima seja executada antes do seu julgamento ou com algum vício processual; ou, ainda, embora respondendo a um processo legal, a vítima seja executada sem que lhe tenha sido atribuída uma pena capital legal. (Lima Júnior et al., 2001, p. 16)

As ações realizadas durante expediente de trabalho, chamadas de Operações Policiais, planejadas em São Paulo e na RMSP, que vitimam mais de três pessoas, costumam não receber o nome de chacina, seja pela imprensa, seja pelos operadores de justiça. Essas mortes são enquadradas pelas instituições de segurança pública paulistas na categoria das “mortes decorrentes de intervenção policial”.

A chamada Operação Castelinho é um exemplo de ação realizada durante expediente de trabalho por agentes de segurança pública, com mais de três vítimas, em que há disputa de sentido sobre ser operação legal ou chacina. Esse evento foi uma ação da Polícia Militar de São Paulo, realizada em março de 2002, que interceptou carros com integrantes do PCC na praça do pedágio rodovia José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho, resultando na morte de 12 integrantes. Nenhum PM se feriu. Na disputa sobre os sentidos das mortes efetuadas, movimentos sociais como as Mães de Maio denunciavam que a operação seria uma chacina ou um massacre, enquanto o sistema de justiça considerou uma operação legal, absolvendo os policiais envolvidos.12 12 Em 2024, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), pertencente à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Estado brasileiro pelas execuções realizadas pela Polícia Militar paulista.

Ao chamar de Operação uma ação com alta letalidade, é colocada sobre essas mortes uma perspectiva de legitimidade em relação às execuções múltiplas realizadas. De modo a explicitar a ilegitimidade de ações chamadas de Operações Policiais que geram alta letalidade nos territórios, Hirata et al. (2022)HIRATA, D. V. et al. (2022). Chacinas policiais. Relatório de Pesquisa. Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos – GENI. Rio de Janeiro. Disponível em: <https://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2022/05/2022_Relatorio_Chacinas-Policiais_Geni_ALT2.pdf>. Acesso em: 9 jun 2022.
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elaboraram o termo “chacinas policiais” para as ações denominadas de Operações com alto número de mortos no Rio de Janeiro. Azevedo et al. (2022)AZEVEDO, D. et al. (2022). O Massacre do Baile da DZ7, Paraisópolis. Relatório 1: Chacina Policial, Institucionalização do Caso e a Dinâmica dos Fatos Segundos as Evidências. São Paulo, Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Universidade Federal de São Paulo. também utilizaram o termo chacina policial para analisar o Massacre de Paraisópolis.

No que se refere à vitimização, em 58% das chacinas noticiadas havia três vítimas fatais; 25% contavam com quatro vítimas. No período entre 2009 e 2020, ocorreram oito chacinas com cinco vítimas; oito com seis vítimas fatais; duas com sete vítimas; duas com 8; uma com 9; uma com 10 vítimas. Com a chacina de Osasco e Barueri, ao todo, houve 19 vítimas fatais.

Das 536 vítimas fatais das chacinas que ocorreram entre 2009 e 2020, 419 eram do sexo masculino, configurando 78,17% das vítimas fatais; 37 eram do sexo feminino, perfazendo 6,90% do total de vítimas. Para 79 vítimas, não havia identificação de gênero nas matérias e uma das 536 vítimas era uma travesti.

A faixa etária mais atingida por chacinas foi entre 18 e 24 anos, totalizando 110 pessoas executadas; 52 pessoas vítimas de chacinas tinham entre 25 e 29 anos. As maiores vítimas das chacinas ocorridas entre 2009 e 2020 foram pessoas entre 18 e 29 anos, contabilizando um total de 162 pessoas. Cabe ressaltar que, na faixa etária entre 13 e 17 anos, 51 adolescentes morreram nesse período vitimados por chacinas. Assim, ao computar a idade das vítimas, tem-se que são jovens, em sua maioria. Sobre as demais faixas etárias, encontram-se: seis vítimas entre 0 e 12 anos; 80 vítimas entre 30 e 40 anos; 27 vítimas entre 41 e 50 anos; dez vítimas entre 51 e 60 anos e duas vítimas acima de 61 anos.

Dentre todos os elementos analisados, foi constatado que as informações sobre cor e raça não apareciam nas notícias sobre chacinas. Silva (2021)SILVA, D. E. M. da (2021). O negócio das chacinas: sentidos de justiça, privatização da segurança e corrupção policial em São Paulo. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos. também elenca o problema na obtenção desses dados no caso do Brasil. O que se percebe, portanto, é uma lacuna no que tange a essa informação. A composição sociodemográfica dos territórios com maior número de chacinas, contudo, evidencia que as chacinas ocorrem em locais nos quais a concentração de população preta e parda é maior.

Os dados sobre as vitimizações das chacinas paulistas e a configuração socioespacial desses homicídios múltiplos, sintetizados no Quadro 1, apontam ocorrências preferenciais em territórios periféricos e racializados. As vítimas são, em sua maioria, homens jovens e moradores de periferias. Esses elementos da vitimização provocada pelas chacinas coadunam com as denúncias de movimentos sociais e ativistas de que essas produções de morte e extermínio são modos de genocídio da juventude negra.

Quadro 1
– Características predominantes das chacinas na cidade de São Paulo e na RMSP (2009-2020)

Se desde a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, há o uso do termo genocídio para denunciar a violência policial, é a partir de 2007, no 1° Encontro da Juventude Negra e na Conferência Nacional da Juventude, que o termo genocídio se coloca de modo mais fortalecido nas denúncias sobre modos de violência letal contra a população negra e periférica, em especial no que diz respeito à violência policial (Ramos, 2014RAMOS, P. C. (2014). Contrariando a estatística: a tematização dos homicídios pelos jovens negros no Brasil. Dissertação de mestrado. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos. e 2021).

No debate sobre genocídio e violência policial, os movimentos de familiares de vítimas, como o Movimento Mães de Maio, elaboram as chacinas como um traço do genocídio da juventude negra. Para delimitar esse genocídio, o movimento cunhou o termo "Democracia das Chacinas", expondo a sucessão de chacinas que ocorrem, cotidianamente, no período posterior à abertura democrática (Mães de Maio, 2012, p. 299).

Sobre as possibilidades de modus operandi das chacinas, em quase a totalidade dos casos, as execuções foram realizadas a partir de disparos de armas de fogo; em poucos casos, foram utilizadas facas, paus e outros instrumentos que serviram de armas para as execuções.

Em 48 dos casos, os executores chegaram em carros e desceram atirando ou atiraram de dentro dos veículos contra as vítimas; em sete desses casos, os carros estavam escoltados por motos; em 18, os executores chegaram aos locais em motos; em apenas quatro casos, testemunhas relataram que os executores chegaram aos locais das chacinas a pé.

A maioria dos executores é vista como desconhecida, chegando com capuzes, toucas ninjas, bonés e capacetes para o não reconhecimento. Quando a chacina é efetuada por agentes de segurança pública, aparecem, nas descrições, o uso de coturnos, a passagem de viaturas antes das execuções, além da verbalização dos executores sobre serem policiais.

As cenas das chacinas são descritas com a chegada de um carro, ou moto, ou carros escoltados por motos com executores de capuz, toucas ninjas e coturnos, que gritam "é a polícia" ou questionam se “alguém ali tem passagem” ou se “ali vende drogas”. Nesse momento, a ação de questionar ou inferir que quem está na localidade em que ocorrerá a chacina é suspeito, traficante, bandido, expõe como há uma mobilização da sujeição criminal (Misse, 2010MISSE, M. (2010). Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria "bandido”. Lua Nova. São Paulo, n. 79, pp. 15-38. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ln/a/sv7ZDmyGK9RymzJ47rD5jCx/?lang=pt>. Acesso em: 21 fev 2022.
https://www.scielo.br/j/ln/a/sv7ZDmyGK9R...
) para que as chacinas possam ser efetivadas.

A “sujeição criminal” não é meramente um estigma, mas um processo que constitui subjetividades, identidades e subculturas nos indivíduos. Há três dimensões que incorporam esse processo: 1) a trajetória criminal, ou seja, o caminho percorrido pelo sujeito no crime; 2) a experiência com “bandidos” e/ou com vivência prisional; 3) a crença de que o sujeito que passou por uma prática criminal sempre recairá nela. Esse processo de sujeição criminal é também de subjetivação, de construção de um self, sendo assim, ao mesmo tempo, um assujeitamento e uma sujeição (ibid.).

Desse modo, além de posturas criminalizadoras sobre pessoas que estão em espaços periféricos, os questionamentos sobre “ter passagem”, ou “vender droga” no local ao se efetivar uma chacina sugerem que a “sujeição criminal” (ibid.) é posta como um processo alimentador das chacinas como modo de resolução de conflitos.

Posteriormente aos questionamentos ou falas como “é a polícia”, os executores seguem atirando a esmo ou rendem e executam quem estiver na rota de ação, em sua maioria, grupos de jovens do gênero masculino que se encontram nas calçadas, em bairros das periferias da metrópole, por vezes em frente a locais de sociabilidade durante o período da noite. Após as execuções, há o recolhimento de cápsulas e de estojos de munição que possam ficar espalhados no local depois das execuções.

Os elementos destacados constituem a grande parte das cenas das chacinas que agentes de segurança pública, fora do horário de serviço, praticaram entre 2009 e 2020, na cidade de São Paulo e nas demais cidades da RMSP, que foi apresentada nas notícias como cerca de um quarto das chacinas ocorridas no período.

Esses elementos, que se repetiram ao longo de muitas das 138 chacinas analisadas, permitiram a elaboração de uma forma de modus operandi dessa execução. O Quadro 2 detalha uma sequência de ação de chacina que se repetiu entre as chacinas ocorridas no decorrer dos 11 anos analisados.

Quadro 2
– Elementos frequentes das chacinas na cidade de São Paulo e na RMSP (2009-2020)

Os elementos do Quadro 2 demonstram cenas de chacinas, na cidade de São Paulo e na RMSP, que se repetiram ao longo de nove anos. Essas cenas tratam do que foram as chacinas “encapuzadas”, ou seja, aquelas em que as ações eram realizadas de modo a esconder a identidade dos executores, ao mesmo tempo em que outros elementos simbólicos apontam para uma ação vinculada a uma perspectiva de vingança institucional. As chacinas analisadas, que ocorreram nesse período, apontam como as ações eram realizadas em uma espécie de “jogo” em que os executores escondiam o rosto, mas deixavam à mostra signos institucionais, como coturnos ou falas “é a polícia”, ocultando as identidades individuais ao mesmo tempo em que destacavam a instituição à qual pertenciam.

Considerações finais

Os elementos discutidos neste artigo destacam como as chacinas na cidade de São Paulo e na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), entre os anos de 2009 e 2020, têm raízes históricas nas atividades do Esquadrão da Morte paulista, demonstrando uma forma de produção de extermínio urbano por meio de uma reelaboração das ações de agentes de segurança pública pela dinâmica ampliada da militarização urbana, principalmente pela subordinação da segurança pública a uma lógica militar.

As ações que resultam em chacinas estão relacionadas às diversas conflitualidades nos territórios. Quando ocorrem por meio de execuções perpetradas por agentes de segurança pública, estão atreladas a "mercadorias políticas", criminalizações e "sujeições criminais", apresentando elementos similares para um modus operandi.

As características socioespaciais dos homicídios múltiplos indicam que determinados bairros, determinadas zonas da cidade de São Paulo ou cidades específicas da RMSP possuíram número mais elevado de chacinas em comparação com outros territórios. Essas violências letais ocorreram, predominantemente, em territórios considerados periféricos, com predominância de população negra. As chacinas ocorreram, majoritariamente, em locais públicos, de circulação urbana e espaços de sociabilidade, afetando principalmente jovens. Dessa forma, revelaram-se como uma forma de produção do extermínio associada ao “genocídio da juventude negra”.

Grande parte dos elementos analisados refere-se ao que se considera como chacinas "encapuzadas", ou seja, realizadas de modo a ocultar a identidade dos executores, ao mesmo tempo em que elementos simbólicos, como o uso de coturno ou gritar “é a polícia”, são colocados de modo a evidenciar a instituição dos executores.

Apontou-se, no entanto, para mudanças nesse padrão por meio de ações que resultam em mortes múltiplas e que têm ocorrido de forma "desencapuzada", como o Massacre de Paraisópolis, em 2019, analisado por Azevedo et al. (2022)AZEVEDO, D. et al. (2022). O Massacre do Baile da DZ7, Paraisópolis. Relatório 1: Chacina Policial, Institucionalização do Caso e a Dinâmica dos Fatos Segundos as Evidências. São Paulo, Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Universidade Federal de São Paulo., e as Operações Escudo e Verão, ocorridas entre meados de 2023 e início de 2024, na Baixada Santista. Essas ações, marcadas pela grande letalidade, foram causadas por agentes de segurança pública durante o horário de trabalho, denominadas de Operações para conferir uma legitimidade estatal.

As chacinas "desencapuzadas", nominadas de Operações, podem indicar possíveis modificações em curso no que tange a essas formas de execução no contexto urbano paulista.

Mapa 3
– Percentual de população parda na cidade de São Paulo e na RMSP – 2010

Mapa 4
– Percentual de população preta na cidade de São Paulo e RMSP – 2010

Nota de agradecimento

Agradeço a Arlete Moysés Rodrigues, Rodrigo Cruz Lopes, Amanda Rafael Martins e Israel Souza a interlocução e leitura preliminar deste artigo.

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Notas

  • 1
    Neste artigo, debato as chacinas entre 2009 e 2020 pelo detalhamento que o banco de dados sobre esses eventos proporciona para as análises. Assim, não trato de modo aprofundado sobre as chacinas em São Paulo e na RMSP entre os anos de 1980 e 2008, assim como não debato a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Essas análises podem ser acessadas na tese de doutorado Quem sangra na fábrica de cadáveres? As chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove (Vedovello, 2022VEDOVELLO, C. de L. (2022). Quem sangra na fábrica de cadáveres?: as chacinas em São Paulo e RMSP e a Chacina da Torcida Organizada Pavilhão Nove. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.).
  • 2
    Território é aqui considerado um espaço delimitado no qual houve uma produção desse espaço a partir de um trabalho. O território é socialmente construído a partir de relações sociais que se constituem em relações de poder pelos mais diversos sujeitos e grupos que o constroem (Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo, Ática., pp. 143-145).
  • 3
    As “gestões diferenciais de ilegalismos” são os modos de interpretação e jogos com as leis e jurisprudências, realizadas de maneira a interpretar determinadas ilegalidades como crime ou não, de acordo com o agente que a pratica (Foucault, 2002FOUCAULT, M. (2002). Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes.).
  • 4
    Mundo do crime é significante de uma série de relações sociais permeadas por ilicitudes, consideradas legalmente crime ou não, e que, por vezes, também se utilizam de violência. O “mundo do crime” não diz, necessariamente, sobre atividades criminais praticadas pelos sujeitos, mas sobre relações dos sujeitos e identificações com normas e regulações próprias do crime (Feltran, 2008FELTRAN, G. (2008). Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.; Ramalho, 1979RAMALHO, J. R. (1979). Mundo do crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro, Graal.).
  • 5
    “Pacificação”, tanto nas cadeias quanto nas periferias, é entendida como modos de regulação dos usos de violência pelo PCC, como forma de resolução de conflitos (Biondi, 2018BIONDI, K. (2018). Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São Paulo, Terceiro Nome.; Dias, 2011DIAS, C. N. (2011). Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.).
  • 6
    A utilização do termo “no mínimo” se dá pela subnotificação das chacinas.
  • 7
    As notícias foram armazenadas em um equipamento de pesquisa com uso do Excel que dispunha de colunas para captura das seguintes informações: data; horário da ocorrência; logradouro; bairro; zona da capital/município da RMSP; número de vítimas fatais; número de vítimas não fatais; arma/calibre; suspeitos; número do Boletim de Ocorrência (B.O.)/Inquérito; desfecho; nome das vítimas; sexo; cor/raça; idade; antecedentes criminais; provável motivação; descrição da chacina; jornal de referência; link do jornal. Esses dados propiciaram uma análise mais minuciosa, e os dados das localizações das chacinas entre 2009 e 2020 permitiram a construção de mapas georreferenciados através do software QGis. Também foram utilizados dados sobre homicídios e letalidade policial obtidos no site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, além dos dados obtidos no Atlas e nos Anuários Brasileiros de Segurança Pública divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Outras fontes importantes de dados foram as do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).
  • 8
    Para maiores detalhes e análises sobre os Crimes de Maio, ver: Almeida (2021)ALMEIDA, M. A. (2021). Do luto à luta: o movimento Mães de Maio da baixada santista de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo., Justiça Global (2011)JUSTIÇA GLOBAL; INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS CLINIC (2011). São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência institucional em maio de 2006. Disponível em: <http://hrp.law.harvard.edu/wp-content/uploads/2011/05/full-with-cover.pdf>. Acesso em: 16 ago 2021.
    http://hrp.law.harvard.edu/wp-content/up...
    e Figueiredo et al. (2018).
  • 9
    O termo enquadro é popularmente utilizado como sinônimo para abordagens policiais que podem ser seguidas de revistas pessoais.
  • 10
    Levando em conta que as chacinas, quando executadas por agentes de segurança pública em momentos em que não estão em horário de trabalho, possuem a característica de os executores usarem capuz. A perspectiva de “desencapuzamento” está ligada a ações com ampla letalidade, realizadas durante Operações Policiais nas quais os agentes não cobrem o rosto, pois as ações possuiriam uma possibilidade de aval estatal.
  • 11
    Embora pretos e pardos perfaçam a população negra, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos mapas do CEM há separação da população entre grupos de pretos e de pardos e, por isso, a separação é observada desse modo neste artigo.
  • 12
    Em 2024, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), pertencente à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Estado brasileiro pelas execuções realizadas pela Polícia Militar paulista.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2023
  • Aceito
    22 Fev 2024
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