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O “cerco pelo terror” em territórios em disputa na zona oeste/RJ

Resumo

O objetivo deste artigo é fazer uma análise acerca dos movimentos realizados pelos diferentes atores do mundo do crime em um bairro da Zona Oeste na busca por identificar as múltiplas formas de organização dos grupos criminosos em função do controle territorial e da gestão dos ilegalismos que caracteriza a guerra nos territórios em disputa no Rio de Janeiro. Seguimos pistas oferecidas pelo trabalho de campo realizado na Praça Seca e tentamos estabelecer relações entre as disputas pelo controle territorial, ora pela milícia, ora pelo tráfico, nas favelas do bairro com o seu entorno e identificar estratégias acionadas pelos moradores que experimentam o “cerco pelo terror” para manter suas rotinas mesmo nas constantes situações de violência a que estão submetidos.

milícia; violência; guerra; zona oeste; Rio de Janeiro

Abstract

The objective of this article is to analyze the movements made by different actors in the world of crime in a neighborhood of the West Zone to identify the multiple organization forms of criminal groups based on territorial control and management of illegal activities, which characterize the war in the disputed territories in Rio de Janeiro. We follow leads offered by fieldwork conducted in Praça Seca and attempt to establish relations between the disputes for territorial control, sometimes by militias, sometimes by drug trafficking, in the neighborhood's favelas and their surroundings, and identify strategies activated by residents who experience the "siege by terror" to maintain their routines despite the constant situations of violence to which they are subjected.

militia; violence; warfare; West Zone; Rio de Janeiro

Introdução

Na noite de 6/6/2023, um veículo blindado da polícia militar (PM), conhecido popularmente como caveirão,1 1 Veículo blindado, com pequenas aberturas laterais para o manuseio de armas de fogo, utilizado pelas polícias militar e civil em operações no estado do Rio de Janeiro. Seu nome faz alusão ao símbolo do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e ao alto grau de letalidade produzida. foi alvejado por criminosos ligados à facção do tráfico de drogas que atiraram coquetéis molotov, bombas de fabricação caseira na favela do Bateau Mouche, na Praça Seca, zona oeste do Rio de Janeiro. O vídeo do Caveirão em chamas foi compartilhado em variados perfis nas redes sociais, assim como foi noticiado em sites de grande visibilidade e telejornais diários. Segundo o jornal O Dia, a ação audaciosa dos traficantes foi uma represália ao assassinato, pela polícia militar, do chefe do tráfico da favela na noite anterior (Criminosos, 2023). Como resposta, o governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro postou no seu perfil de uma rede social que o ataque ao blindado por criminosos é uma ação inadmissível e que já havia determinado a ocupação permanente de tropas da PM na favela. Finalizou com a seguinte afirmativa: “É um ataque não só contra a polícia, mas contra toda a sociedade” (Castro, 2023).

O caveirão é utilizado em operações policiais, principalmente pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), em tese, como último recurso para garantir a proteção aos policiais e para atacar os criminosos. Ele se tornou um símbolo de força da PM do Rio de Janeiro e um objeto de terror para os moradores de favelas. O ataque ao veículo blindado representa, então, a ineficiência de uma suposta política de segurança pública nos territórios de favelas sob o domínio de facções do tráfico de drogas.

Contudo, é preciso ajustar a lente analítica e olhar com mais cuidado para o território em que esse ataque foi efetuado. A favela do Bateau Mouche ou apenas Batô é uma das inúmeras favelas de Jacarepaguá que estão vivenciando, desde o final do ano de 2022, um intenso conflito por conta das disputas pelo controle territorial da região. Essas disputas giram em torno de facções do tráfico de drogas e de grupos de milicianos que atuavam desde a primeira década deste século nos bairros da região.

No momento desse ataque à base policial localizada na favela, que resultou no incêndio do caveirão, a Bateau Mouche estava sob o domínio territorial do Comando Vermelho, mas sendo intensamente disputado pelo grupo de milicianos que controlavam anteriormente não só esse território como também a favela vizinha, a Chacrinha.

É importante destacar que, na região, esses conflitos são recorrentemente denominados pela mídia e também por moradores do bairro como a “guerra” da Praça Seca, que tem uma variação temporal, mas acontece desde 2011, quando os primeiros milicianos, moradores da Chacrinha, teriam tomado o Morro da Barão e a favela do Bateau Mouche do tráfico de drogas, com vistas a garantir a proteção e o bem-estar dos moradores.

A novidade nessa empreitada do tráfico se deu não somente pela ocupação da Bateau Mouche, mas, sobretudo, pela invasão ocorrida na favela da Chacrinha, considerada uma favela dominada pela “desde sempre”. As reiteradas tentativas de invasão e tomada do território pelo Comando Vermelho, em áreas de controle da milícia historicamente consolidadas na zona oeste, podem ser o indicativo de uma inflexão e de um reordenamento do mundo do crime no Rio de Janeiro.

A partir dessa perspectiva, nosso objetivo é fazer uma análise acerca dos movimentos realizados pelos diferentes atores desse cenário na busca de identificar as múltiplas formas de organização dos grupos criminosos em função do controle territorial, o que caracteriza a guerra nos territórios em disputa. Seguimos as pistas oferecidas pela pesquisa etnográfica realizada no território ao longo de 2022 e 20232 2 Esse artigo foi escrito a partir do resultado da pesquisa Milícias, facções e precariedade nas periferias cariocas: um estudo comparativo sobre as condições devida nos territórios periféricos frente ao controle operado por grupos armados (2022), realizada pelos autores, com outros pesquisadores, no âmbito do Cidades: núcleo de pesquisa urbana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O trabalho de campo na Praça Seca ainda está em andamento por meio do projeto de pesquisa Dinâmicas da violência urbana nas periferias do Rio de Janeiro: os efeitos do crescimento de grupos armados na vida dos moradores da zona oeste, coordenado por Monique Carvalho, com a participação das bolsistas de iniciação científica (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq) Antonia Coutada e Sara Soares da Silva. e tentamos estabelecer relações entre as disputas nas favelas do bairro com o seu entorno e com as formas que os moradores encontram para tentar manter suas rotinas mesmo com as constantes situações de violência a que estão submetidos.

Para a realização das pesquisas, fonte para a produção deste artigo, utilizamos um enquadramento metodológico qualitativo composto de diferentes técnicas. Foram realizadas dez entrevistas em profundidade com moradores de diferentes localidades da Praça Seca. Um dos pesquisadores é ex-morador do bairro e acionou sua rede de conhecimento para realizar essa comunicação, assim como o outro pesquisador, que nutre relações de amizade com pessoas que moram e moravam no bairro. Essas redes de conhecimento e afeto foram fundamentais para romper o silenciamento que contextos violentos produzem (Rocha, 2013ROCHA, L. de M. (2013). Uma favela "diferente das outras"? Rotina, silenciamento e ação coletiva na Favela do Pereirão. Rio de Janeiro, Faperj/Quartet.). Além das entrevistas, utilizamos também notícias de jornais catalogadas em um banco de dados que reúne material jornalístico sobre a violência na Praça Seca; análises de perfis em redes sociais que acompanham os temas da violência e das milícias; e dados estatísticos e demográficos para mapear, contextualizar e ordenar, sequencialmente, os acontecimentos na Praça Seca.

O artigo está dividido em três seções, além da introdução e das considerações finais. A primeira seção corresponde a uma apresentação do cenário em que as disputas estão acontecendo. Na sequência, realizamos uma análise sobre o bairro e, na terceira seção, relacionamos a guerra com as diferentes estratégias mobilizadas pelos moradores. Ao final, tentamos estabelecer correlações a partir das diferentes formas de produção da violência e de reprodução de ilegalismos nos bairros da zona oeste.

A zona oeste como berço da milícia

De acordo com o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro produzido por pesquisadores do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) e do Instituto Fogo Cruzado (2022), que abarcou o período de 2006 a 2021, entre os territórios identificados como “dominados por grupos armados”, 50% estariam ocupados pelos grupos de milícias, enquanto as facções dividem entre si a outra fatia das áreas controladas.

Ao analisar com mais atenção o mapa citado, podemos perceber que a expansão territorial e populacional das milícias ocorreu, inicialmente, no período de 2006 a 2008; e, mais recentemente, de 2016 a 2018, um novo crescimento desses grupos é identificado. Também se destaca nos dados apresentados nesta pesquisa que a atuação de milicianos na capital se dá hegemonicamente na região da zona oeste. Como demonstrado, no último triênio da série histórica (2019-2021), a concentração territorial chega a quase 95% nessa região (ibid., p. 22).

A zona oeste da cidade do Rio de Janeiro é geograficamente dividida pelos órgãos oficiais da prefeitura em duas áreas de planejamento (AP) numeradas de 4 e 5. Nessa divisão territorial, em que as fronteiras não são tão fixas, a AP4 reúne 19 bairros e tem duas centralidades: Jacarepaguá e Barra da Tijuca. Já a AP5 possui 21 bairros com cinco centralidades: Bangu, Realengo, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba. As duas regiões são separadas pelo maciço da Pedra Branca e representam mais de 70% do território de toda a cidade, onde residem 2.945.963 habitantes segundo o Censo de 2022. Cada um à sua maneira, esses dois lugares ficaram notabilizados por serem o berço das organizações paramilitares, conhecidas, atualmente, como milícias.

A generalização do uso do termo milícia para caracterizar grupos armados com domínio de território que se diferenciavam dos grupos de traficantes por um maior controle das rotinas e moralidades de moradores e pela cobrança de taxas por serviços prestados como a segurança de comerciantes, fornecimento de internet e TV a cabo clandestina, dentre outras práticas de extorsão, ocorreu no início dos anos 2000. A partir de 2005 manchetes de jornais de grande circulação passaram a destacar tanto a expulsão de grupos ligados às facções do tráfico de drogas por grupos de milicianos, especialmente na região de Jacarepaguá, como também a apontar pagamento de taxas e algumas disputas entre os diferentes grupos que então estavam se formando (O Globo on-line e Araújo, 2006).

Até o início da primeira década do século XXI, as milícias eram identificadas como associações de policiais que ofereciam “segurança” aos moradores das localidades, em oposição à violência realizada pelo tráfico de drogas, principalmente relacionada à comercialização de drogas, a assaltos e a conflitos armados entre grupos rivais e destes com a polícia. Financiados por comerciantes locais e moradores, o grupo de policiais, os milicianos, estabeleceu-se como uma espécie de solução comunitária para o problema da violência que assolava os cariocas naquele período. Entretanto, as formas utilizadas para manutenção da “tranquilidade” passavam pelo uso contínuo de violência como forma de exercício de poder e ampliação do domínio dos territórios (Araújo Silva, 2017ARAÚJO SILVA, M. C. de (2017). House, tranquility and progress in an 'área de milícia'. Vibrant, v. 14, pp. 132-148.; Burgos, 2008BURGOS, M. (2008). Cidadania, favela e milícia: as lições de Rio das Pedras. Disponível em: <https://doomar.blogspot.com/2008/06/cidadania-favela-e-milcia-as-lies-de.html>. Acesso em: 20 nov 2023.
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; Cano e Duarte, 2012CANO, I.; DUARTE, T. (2012). No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro [2008-2011]. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll.; Da Motta, 2020DA MOTTA, J. (2020). A experiência do Jardim Batan: regime de incerteza no pós-pacificação. Dissertação de mestrado. Seropédica, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.; Mesquita, 2008MESQUITA, W. (2008). "Tranquilidade sob a ordem violenta: o controle da "mineira" em uma favela carioca". In: SILVA, L. A. M. da. Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Faperj.; Misse, 2011MISSE, M. (2011). Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, v. 19, n. 40, pp. 13-25.; Pope, 2023POPE, N. (2023). Surviving and dying through the urban frontier: everyday life, social brokerage and living with militias in Rio de Janeiro's west zone. Urban Studies. Thousand Oaks, CA, v. 60, n. 2, pp. 343-359.; Rocha e Da Motta, 2020ROCHA, L. de M.; DA MOTTA, J. (2020). Entre luzes e sombras: o Rio de Janeiro dos megaeventos e a militarização da vida na cidade. Interseções. Rio de Janeiro, v. 22, n. 2.; Zaluar e Conceição, 2007ZALUAR, A.; CONCEIÇÃO, I. S. (2007). Favelas sob o controle das milícias no Rio de Janeiro. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 13.).

Com o passar do tempo, esses grupos milicianos se associaram à política, elegendo representantes parlamentares para atuarem como braço institucional dos seus interesses (Alves, 2003ALVES, J. (2003). Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense. [s.l.] Associação de Professores e Pesquisadores de História, CAPPH-CLIO.). Redes de influência e cooperação foram estabelecidas com as polícias, os políticos, os líderes comunitários e os funcionários do Estado, garantindo acessos a recursos, diminuindo conflitos e limitando o combate pelas autoridades estatais (Arias, 2013ARIAS, E. D. (2013). The impacts of differential armed dominance of politics in Rio de Janeiro, Brazil. Studies in Comparative International Development. Berlim, v. 48, n. 3, pp. 263-284.; Arias e Barnes, 2017ARIAS, E. D.; BARNES, N. (2017). Crime and plural orders in Rio de Janeiro, Brazil. Current Sociology. Thousand Oaks, CA, v. 65, n. 3, pp. 448-465.; Manso, 2020MANSO, B. P. (2020). A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo, Todavia.; Mendonça, 2014MENDONÇA, T. (2014). Batan: tráfico, milícia e "pacificação" na zona oeste do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Podemos citar dois importantes marcos na história recente do Rio de Janeiro que deram destaque para as milícias, identificando esses grupos também como categoria no mundo do crime carioca: o sequestro dos jornalistas do jornal O Dia, na favela do Batan, em 2008, e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI das Milícias) presidida pelo deputado estadual à época, Marcelo Freixo, no mesmo ano. A partir de então, pesquisadores do campo da violência urbana passaram a olhar com mais cuidado para esse fenômeno, ao mesmo tempo que a opinião pública prestava alguma atenção a essa nova formação de grupos com domínio de território.

Ao longo desses 20 anos, os conflitos e as disputas territoriais se intensificaram entre os milicianos e as facções do tráfico de drogas, assim como entre grupos diferentes de milicianos que brigavam pelo monopólio do território para a manutenção de seus negócios, que também se modificaram. Ao mesmo tempo, a percepção que moradores tinham desses grupos como “protetores” das localidades foi relativizada, em decorrência, principalmente, dos constantes conflitos armados e da superexploração econômica promovida pelos milicianos (Carvalho, Rocha e Da Motta, 2023DA MOTTA, J. (2023). A atuação do tráfico de drogas no pós-pacificação: notas etnográficas de uma favela do Rio de Janeiro. Revista Campo Minado. Niterói, v. 3, n. 4.; Da Motta, 2024DA MOTTA, J. (2024). As múltiplas faces da milícia Liga da Justiça: reorientação moral e deslocamento político na zona oeste do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 17, n. 1.).

Apesar de termos ampliado os estudos sobre o fenômeno, devido à natureza do tema, às suas especificidades e à sua pouca materialidade, ainda estamos muito aquém de produzir informações no campo dos estudos urbanos e dos ilegalismos que sejam capazes de capturar as dinâmicas e os modos de atuação desses atores no cenário do mundo crime.

Em pesquisa recente sobre o “cerco” experimentado por moradores que vivem em territórios dominados por tráfico ou por milícias, Carvalho, Rocha e Da Motta (2023)DA MOTTA, J. (2023). A atuação do tráfico de drogas no pós-pacificação: notas etnográficas de uma favela do Rio de Janeiro. Revista Campo Minado. Niterói, v. 3, n. 4. destacaram que as formas de presença dos grupos nos territórios, as relações estabelecidas com as instituições locais, a composição social que caracteriza cada agrupamento, os recursos econômicos explorados e as relações estabelecidas com a população local são elementos fundamentais para a compreensão das novas formas de atuação dos grupos e da percepção dos moradores sobre as diferentes experiências de violência vivenciadas em seus cotidianos.

Nos territórios identificados como “em disputa”, a categoria “guerra” é constantemente acionada, tanto pelos moradores quanto pelos meios de comunicação de massa para explicar os conflitos e justificar as mudanças nas rotinas dos moradores, alteradas e postas em risco de forma constante. A atuação de milicianos e de traficantes nas favelas de alguns bairros da zona oeste tem se alterado nos últimos anos, e percebemos uma simbiose entre as práticas que caracterizavam e distinguiam cada uma delas, entretanto, interessa-nos, aqui, compreender a instabilidade que caracteriza a “guerra” como tecnologia de governo (Grillo, 2019GRILLO, C. (2019). Da violência urbana à guerra: repensando a sociabilidade violenta. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, pp. 62-92.; Magalhães, 2021MAGALHÃES, A. (2021). A guerra como modo de governo em favelas do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 36.) e classificação dos territórios em disputa.

Se, como indicaram Cano e Duarte (2012)CANO, I.; DUARTE, T. (2012). No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro [2008-2011]. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll., as milícias, no início dos anos 2000, vinham “no sapatinho” demonstrar seu poder nos territórios, os milicianos da nova geração estariam mais dispostos a diversificar suas atividades e a disputar territórios para expandir seus domínios. Temos identificado que, em uma série de localidades, facções do tráfico de drogas e grupos de milicianos estariam realizando “operações consorciadas”, em que um agenciaria o controle territorial e a venda do varejo das drogas ilícitas, enquanto o outro exploraria economicamente certos recursos locais, como taxas de segurança, gás de cozinha, TV a cabo clandestina, entre outros (Carvalho, Rocha e Da Motta, 2023DA MOTTA, J. (2023). A atuação do tráfico de drogas no pós-pacificação: notas etnográficas de uma favela do Rio de Janeiro. Revista Campo Minado. Niterói, v. 3, n. 4.).

Essas configurações têm produzido novos “regimes territoriais” em diversas localidades fluminenses. Leite (2014 e 2017) adenda que o processo de instalação da política de pacificação na cidade gerou formas incrivelmente distintas de regulação, resultando em um tipo de governo dos pobres, inscrito no território, que articula diferentes formas de poder. O atual contexto do mundo do crime carioca também tem produzido formas situadas e específicas de atuação e de controle territorial, assim como de negociações e de resistências.

A primeira e clássica experiência desse tipo de controle territorial na zona oeste começou no final dos anos 1960, em Jacarepaguá. Nesse período, formava-se a chamada polícia mineira, um tipo de milícia com forte caráter comunitário. O mito de origem dessa organização se deu a partir de um suposto assalto que feriu um comerciante à bala, fazendo com que moradores e comerciantes se organizassem para acabar com os “vagabundos” que causavam problemas na região, contribuindo para a representação da favela como um lugar inseguro (Mesquita, 2008MESQUITA, W. (2008). "Tranquilidade sob a ordem violenta: o controle da "mineira" em uma favela carioca". In: SILVA, L. A. M. da. Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Faperj.).

Nas décadas seguintes, ainda segundo Mesquita (ibid.), houve um “aparelhamento” da associação de moradores pela polícia mineira, sobretudo após a luta pela moradia na comunidade, orquestrada pela instituição. Após uma série de cisões internas entre os grupamentos políticos e os membros da mineira, um núcleo de poder se coadunou na região, com profundas relações com a polícia civil. A associação de moradores foi transformada em uma espécie de “Leviatã Local” (Burgos, 2008BURGOS, M. (2008). Cidadania, favela e milícia: as lições de Rio das Pedras. Disponível em: <https://doomar.blogspot.com/2008/06/cidadania-favela-e-milcia-as-lies-de.html>. Acesso em: 20 nov 2023.
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), uma mimese, em menor escala do Estado que canalizava demandas comunitárias e exportava serviços e bens de consumo. Esse imbricamento entre a ação coletiva local e o domínio paramilitar da mineira produzia uma espécie de ordenamento policializado que, apesar de extremamente autoritário, garantia para os moradores um estado de “tranquilidade” e alguma garantia do exercício das rotinas cotidianas; e, em contrapartida, a comunidade apoiava os políticos locais (Mesquita, 2008MESQUITA, W. (2008). "Tranquilidade sob a ordem violenta: o controle da "mineira" em uma favela carioca". In: SILVA, L. A. M. da. Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Faperj.).

Esse modo de atuação se expandiu para outros bairros da região que ficaram conhecidos pela “tranquilidade” que essa forma de controle territorial mantinha. Conforme revelou uma interlocutora de campo:

Todo mundo se sentia muito tranquilo em andar na Taquara porque lá tinha a tal da Polícia Mineira. No centro da Taquara sempre teve a segurança particular das lojas ali dominadas por um político da região e que todo mundo sabe quem é. Sempre foi aquele consenso: Taquara é tranquilo porque tem segurança particular. Os nomes foram mudando. Na verdade, sempre foi uma milícia. É que as pessoas não denominavam milícia. A milícia está num foco tão grande que agora todo mundo é miliciano, mas na ocasião a Taquara era tranquila porque tinha uma Polícia Mineira. Era tranquila em relação à violência urbana. A Praça Seca também era. Isso tudo foi mudando com a chegada de uma nova milícia e com a expulsão de alguns moradores daqui. Alguns rapazes que eram da comunidade acabaram indo para o tráfico, também não era uma coisa comum no local. (Entrevista com moradora, branca, 44 anos, 2022)

Na zona oeste AP5, um grupo com retórica e práticas similares surgia no bairro formal de Campo Grande, que se tornaria, paulatinamente, a maior e mais conhecida milícia do Rio de Janeiro, a Liga da Justiça. Podemos identificar quatro momentos da milícia de Campo Grande, segundo Da Motta (2024)DA MOTTA, J. (2024). As múltiplas faces da milícia Liga da Justiça: reorientação moral e deslocamento político na zona oeste do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 17, n. 1.: a primeira, uma espécie de “protomilícia de policiais” que tinha o objetivo de fazer a gestão da ordem e lucrava com as taxas de segurança, evitando que facções do tráfico de drogas invadissem o território. Em seguida, dois irmãos policiais civis unificam esses policiais dispersos em um grupo organizado com o mesmo objetivo de ordenar o território e terminam por lançar suas candidaturas para cargos parlamentares, estratégia que consolidou o poder das milícias no Rio de Janeiro.

A pesquisa de Alves (2003ALVES, J. (2003). Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense. [s.l.] Associação de Professores e Pesquisadores de História, CAPPH-CLIO. e 2008) sobre a atuação dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense, especialmente a formação do Esquadrão da Morte, oferece-nos pistas do que seria um modelo de atuação criminosa que reúne agentes da segurança pública, política local, jogo do bicho, extorsão, homicídio, tráfico de drogas e de armas. Nesse cenário de disputas criminais, três agentes são fundamentais para que essa engrenagem possa funcionar. Para além de traficantes e milicianos, as forças de segurança, especialmente policiais do Batalhão da Polícia Militar (BPM) da área, compõem a tríade que faz a gestão desses conflitos. Imbricados nesse cenário, os moradores das favelas e das áreas vizinhas experimentam um cotidiano de incerteza.

Após a prisão dos irmãos, outras duas lideranças ascendem ao poder da organização, dessa vez, oriundos da polícia militar. Naquele momento, iniciava-se a expansão territorial e o aumento de receitas capitaneadas pelo transporte irregular de vans (Da Motta, 2024DA MOTTA, J. (2024). As múltiplas faces da milícia Liga da Justiça: reorientação moral e deslocamento político na zona oeste do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 17, n. 1.). A CPI das milícias, realizada em 2008, forçou o grupo a reduzir a presença ostensiva nos territórios e a manter a discrição das atividades econômicas para evitar penalizações (Cano e Duarte, 2012CANO, I.; DUARTE, T. (2012). No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro [2008-2011]. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll.).

Em meados dos anos 2000, ambos os grupos agiam de forma muito parecida, focando na gestão da ordem no território e lucrando com serviços, bens e votos. Cada grupo conseguiu expandir seu domínio para áreas próximas: a mineira foi se capilarizando na região de Jacarepaguá; e a Liga da Justiça se expandiu de Campo Grande até Santa Cruz. Ainda que cada milícia, em cada território, tenha autonomia e lideranças locais, de certa forma todas elas estavam subordinadas, em algum sentido, ou possuíam relações de proximidade e amizade por um desses dois polos.

Na história recente das milícias, principalmente na AP5, outros atores entraram em cena. Os irmãos Três Pontes, em diferentes tempos, ampliaram significativamente a atuação das milícias. Após a morte de Carlinhos, o primeiro dos Três Pontes, seu irmão, Ecko, deu continuidade à sua forma de ação, sendo responsável por mudança significativa na dinâmica de atuação dos grupos milicianos. Para além da cobrança de taxas de segurança e de proteção, características que identificavam a atuação desses grupos, conforme a literatura recente apresentou (Cano e Duarte, 2012CANO, I.; DUARTE, T. (2012). No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro [2008-2011]. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll.; Zaluar e Conceição, 2007ZALUAR, A.; CONCEIÇÃO, I. S. (2007). Favelas sob o controle das milícias no Rio de Janeiro. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 13.), os irmãos Três Pontes inovaram a atuação da milícia em três pontos: a) com a permissão da comercialização de drogas em territórios sob o seu domínio – até então exclusividade de facções ligadas ao tráfico de drogas; b) substituindo a narrativa moralizadora que sustentou, por muito tempo, a justificativa de que a milícia seria um mal menor em relação aos traficantes de drogas, por uma atuação permissiva não só com a venda, mas com o uso de drogas nas favelas; e c) e suspendendo os conflitos armados contra facções e milícias rivais (Manso, 2020MANSO, B. P. (2020). A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo, Todavia.; Da Motta, 2024DA MOTTA, J. (2024). As múltiplas faces da milícia Liga da Justiça: reorientação moral e deslocamento político na zona oeste do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 17, n. 1.).

A milícia não queria mais livrar a área do tráfico, mas, sim, fazer acordo com os traficantes e lucrar com isso. “O preconceito contra a venda de drogas ficou no passado, afinal Carlinhos Três Pontes tinha ingressado nas milícias pelo tráfico. As afinidades entre traficantes e milicianos eram bem maiores do que suas diferenças” (Manso, 2020MANSO, B. P. (2020). A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo, Todavia., p. 165).

Carlinhos Três Pontes foi morto em 2017. A tarefa de Ecko, morto em junho de 2021, era continuar expandindo a milícia com seu outro irmão, Luís Antonio da Silva Braga, o Zinho. Manso (2020MANSO, B. P. (2020). A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo, Todavia., pp. 163-164) explica que a estratégia de Ecko para expandir o domínio de seu grupo consistiu em formar uma espécie de parceria com pequenos grupos milicianos:

Ecko e seus bondes se tornaram a principal frente de expansão das milícias para outros territórios. Ele também inovou nas estratégias de crescimento, fazendo parcerias na Baixada Fluminense e no interior do estado, com negócios semelhantes a franquias, nos quais ele oferecia apoio, segurança armada e contatos políticos aos pequenos, em troca de uma parcela dos lucros [...]. A aposta nas parcerias horizontais favoreceu a expansão através do modelo semelhante às franquias, o que rendeu ao grupo de Ecko o apelido de “Firma”. As decisões eram descentralizadas, a não ser as mais relevantes, como assassinatos e novas cobranças de taxas, sobre as quais o chefe devia ser consultado. No caso de conflitos, a depender do armamento do opositor, Ecko poderia oferecer homens e armas para proteger aliados. Em outras palavras, a Firma funcionava como uma milícia guarda-chuva, cobrando taxas de proteção dos pequenos milicianos.

Assim como seu irmão, Ecko não era PM e não tinha ligações formais com as instituições da segurança pública. O Bonde do Ecko inaugurou outra modalidade de atuação da milícia nos territórios, a partir da ampliação do domínio territorial, da diversificação das atividades econômicas e dos acordos entre os mais diversos grupos criminosos. Caso não conseguisse costurar a parceria, a cooptação era um instrumento comumente usado, como ocorrido em favelas de Santa Cruz, sob o controle do Comando Vermelho. Essa forma de atuação contribuiu, também, para um aumento significativo de conflitos armados nas regiões dominadas por essa facção.

Com a diminuição da venda de drogas nas bocas de fumo, o tráfico teve uma perda considerável em seus rendimentos. Como sinaliza Hirata e Grillo (2019)HIRATA, D.; GRILLO, C. (2019). Cidade e conflito: roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll., a crise e a consequente perda de poder de consumo da população afetaram tanto os comércios legais como os ilegais, não se restringindo às dinâmicas do roubo e da receptação, mas também ao tráfico de drogas. Manso (2020MANSO, B. P. (2020). A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo, Todavia., p. 165) complementa:

Ecko passou a aproveitar a mão de obra dos funcionários das bocas de comunidades invadidas, oferecendo salários e tarefas na nova gestão. A medida tentava se valer dos “crias” para lidar com o estranhamento dos moradores com o novo comando, tentando com isso reduzir ameaças de denúncias e traições. Para os traficantes convertidos, o novo plano de carreira representava menos risco, pois não era preciso trocar tiros com a polícia nem enfrentar sucessivas operações.

Carlinhos Três Pontes e Ecko foram fundamentais para a expansão da milícia e para sua reconfiguração. Se, no passado, os “projetos morais” (Cano e Duarte, 2012CANO, I.; DUARTE, T. (2012). No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro [2008-2011]. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll.) eram um dos pilares de sustentação da milícia, inclusive econômico, com a chegada dos irmãos ao poder os “projetos morais” foram substituídos por uma lógica estritamente econômica. O grupo tem cada vez mais se lançado ao mercado imobiliário, seja construindo prédios, seja vendendo proteção – sendo esse empreendimento uma das suas principais fontes de renda. Aproveitando-se do fato de que áreas de controle da milícia sofrem menos repressão policial com as operações e incursões, os milicianos conseguem relativa tranquilidade para fomentar seus negócios ilícitos. Essa “dupla vantagem” da milícia foi fundamental para sua expansão para outras áreas da cidade (Geni e Observatório das Metrópoles, 2021).

Cerca de um mês após a morte de Ecko, o jornal O Globo noticiava uma intensa disputa entre os diferentes grupos que compunham o Bonde do Ecko em áreas de Santa Cruz e Campo Grande (Heringer e Soares, 2021HERINGER, C.; SOARES, R. (2021). Após morte de Ecko, disputa por poder na maior milícia do Rio já pode ter deixado ao menos sete mortos. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/apos-morte-de-ecko-disputa-por-poder-na-maior-milicia-do-rio-ja-pode-ter-deixado-ao-menos-sete-mortos-25102304>. Acesso em: 19 abr 2024.
https://oglobo.globo.com/rio/apos-morte-...
). Para além das disputas dos grupos da milícia com o tráfico, com a morte de Ecko se instituía uma disputa, dentro do próprio grupo, entre o terceiro irmão, Zinho, e o antigo aliado, Danilo Dias Lima, o Tandera. Além disso, outras lideranças das franquias tentavam romper os acordos realizados com o líder assassinado. Nessa disputa, um conjunto de outras mortes aconteceram.

A guerra na Praça Seca

A Praça Seca é um caso bom para analisar as reconfigurações das disputas entre milícia e tráfico de drogas. O bairro está inserido na grande Jacarepaguá, localizada na AP4, com 63.284 habitantes, segundo informações do Censo de 2022. Dezessete favelas estão localizadas na região, que faz fronteira com bairros da zona norte (Vila Valqueire, Campinho, Cascadura e Quintino), além do Tanque, sub-bairro de Jacarepaguá. A principal via de acesso ao bairro é a rua Cândido Benício, por onde passam os ônibus e se localizam as quatro estações do Bus Rapid Transit – BRT Transcarioca (Ipase, Praça Seca, Capitão Menezes e Pinto Teles). Três favelas se apresentam como principais palcos das disputas: a favela São José Operário, conhecida como Morro da Barão, a favela da Chacrinha e a favela do Bateau Mouche ou Batô.

Considerado um lugar de passagem, porque está no meio do caminho entre os bairros Tanque (zona oeste) e Madureira (zona norte), a Praça Seca nasce a partir da Praça Barão da Taquara, nome oficial dos dois grandes largos, cortados pela rua Cândido Benício e pela estação do BRT. Hoje os dois largos estão cercados por grades colocadas pela prefeitura. O largo do lado direito, no sentido da zona norte, possui um chafariz que foi revitalizado e voltou a funcionar em 2023; e do lado esquerdo há um coreto tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Ambos os monumentos fazem parte da memória do bairro. O nome Praça Seca ficou popularizado devido a uma contração do termo Visconde de Asseca, doador das terras onde o bairro se desenvolveu.3 3 Sobre a formação histórica da Baixada de Jacarepaguá e da Praça Seca, ver: Costa (1986), Magalhães (2017) e Maldonado (2023).

Para construir uma linha temporal da atuação das milícias e do tráfico de drogas no bairro, conjugamos os relatos dos entrevistados, as conversas informais e as notícias de jornais, especialmente do jornal O Globo, entre 2005 e 2007.4 4 Como informado na Introdução, a pesquisa em andamento possui um banco de dados, atualmente, com 200 registros de notícias sobre milícia, tráfico, violência, tiroteio e temas correlatos na Praça Seca, especialmente sobre as favelas Batô, Chacrinha e Barão no período de 2005 a 2023. Identificamos que o tráfico de drogas tem atuação importante nos anos 1990, especialmente nos Morros da Barão e do Batô. Segundo os entrevistados, nesse período essa presença não configurava como um problema para a vida do bairro, especialmente porque essa forma de violência raramente ultrapassava as fronteiras que limitam o espaço dos morros e o espaço do asfalto, nas ruas Barão, Baronesa, Doutor Bernardino e Capitão Menezes, além da própria rua Cândido Benício e da Praça Barão da Taquara. Entretanto, segundo os relatos, havia uma sensação de aumento da violência no bairro, com assaltos a transeuntes e roubos de automóveis.

Por outro lado, nesse mesmo período, na Chacrinha o controle territorial aparece como sendo de outro grupo armado longe da influência do tráfico de drogas. A violência experimentada pelos moradores diz respeito a uma atuação de grupos de extermínio ou da polícia mineira que mantinha relações com a Associação de Moradores e eram vistos como lideranças comunitárias. O grupo oferecia uma espécie de limpeza referente a ladrões, usuários de drogas, moradores em situação de rua e todo tipo de pessoa que não compartilhasse de práticas consideradas moralmente adequadas por eles, mas também garantiam algumas ações de conservação e melhorias na localidade. Essa espécie de “projeto moral” (Cano e Duarte, 2012CANO, I.; DUARTE, T. (2012). No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro [2008-2011]. Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll.) gerou nos moradores um sentimento de segurança e proteção que contrastava com as favelas da região dominadas pelo tráfico de drogas.

Essa divisão territorial do bairro começou a ficar turbulenta nos anos 2000 quando policiais do 18º BPM, responsável pelo policiamento em Jacarepaguá, fizeram uma operação no Morro da Barão e por lá permaneceram. Utilizando-se, principalmente, do argumento da garantia da segurança para os moradores do bairro em oposição ao domínio exercido pelo tráfico de drogas, o grupo se autonomeou os protetores da favela.

Segundo os relatos dos moradores, o grupo de policiais que ocuparam o Morro da Barão tiveram apoio das lideranças comunitárias que atuavam na Chacrinha e estabeleceram uma parceria. Depois de um tempo, a favela do Bateau Mouche também foi ocupada por esse grupo, oferecendo tranquilidade aos moradores do local. Essa capacidade de pacificar o bairro gerou legitimação com a população local, como afirma uma moradora:

O que eu sei é que dizem que ele [se referindo ao chefe da milícia local] foi criado aqui e ele era da polícia e saiu da polícia e virou miliciano. Agora junto com quem eu não sei. Só sei isso só. Mas no tempo dele era muito diferente. Ele não obrigava ninguém. Era muito respeitado no morro. Você não via bagunça. Você não via palavrão. Ele tinha a turma da milícia dele, mas ele respeitava todo mundo. Agora tem turma quando vem praí que não pode passar uma mulher... Se eu passar com uma bermuda desse tamanho, eu velha já desse jeito, eles ficam mexendo com a gente. Na época dele era mais respeitado. Depois virou muita bagunça. Mas depois que os outros tomaram conta virou bagunça. (Entrevista com moradora, branca, 50 anos, 2022)

A consolidação do domínio da milícia também gerou oportunidades políticas para o então líder comunitário Luiz André Ferreira da Silva (Deco), que concorreu para o cargo de vereador e obteve pouco mais de cinco mil votos, ficando na suplência. Em 2006, assumiu a vaga na câmara dos vereadores e legislou entre 1º/2/2007 e 31/12/2008. Ele também concorreu à reeleição e ampliou significativamente o quantitativo de eleitores, recebendo 12.497 votos, mas também ficou na suplência e legislou em 2011, por três meses. Esse período coincidiu com a consolidação do grupo de milicianos na Praça Seca.

Condenado a dez anos de prisão em 2011, conseguiu manter-se em liberdade após recurso. No ano seguinte, perdeu seu cargo legislativo por improbidade administrativa. Em 2016, Deco é preso, acusado por homicídio qualificado e formação de quadrilha. Em seu lugar, ficou outra liderança, conhecida como o 02 da milícia na Praça Seca. Ainda que o sucessor fosse muito respeitado pelos moradores da comunidade, é no final da sua gestão que as coisas começam a mudar no cotidiano local. Segundo uma moradora, o pagamento de taxas não era uma prática dos antigos milicianos que controlavam as favelas do bairro, apenas recentemente essas extorsões foram colocadas em prática pelos milicianos locais.

Essa questão da cobrança de taxa veio um ano antes do [nome do miliciano] ser preso, acho que ele veio sendo influenciado por pessoas de outras comunidades que viviam com essa questão de taxas e de não sei o que e botou isso na cabeça dele e ele passou a cobrar a taxa de água. Ele se achava no direito de cobrar a água já que tinha sido ele quem botou a água na comunidade. Era ele que comprava a bomba então era ele que te cobrava a taxa da bomba porque ele tinha gasto 18 mil reais na bomba pra comunidade ter água, então é justo que você me pague. Não tinha abertamente uma estrutura de: eu estou te cobrando porque o local é meu, eu estou te cobrando a taxa de água porque quem comprou a bomba foi eu. Eles realmente faziam, o que não acontece agora. Agora as pessoas cobram água, taxa de segurança. (Entrevista com moradora, branca, 44 anos, 2022)

Ainda que as taxas sejam inconvenientes para os moradores de favelas, alguns tributos são legitimados por eles. O caso da água, citado pela entrevistada em seu relato, não é questionado e é percebido como melhoria no seu fornecimento. Contudo, ao longo do tempo, a milícia da Praça Seca foi sofisticando sua forma de atuação econômica nas comunidades. Os relatos de outros dois moradores são sintomáticos a esse respeito:

Moradora: Cobrar da gente. Querer que a gente compre gás deles. Quando a gente não tem o dinheiro eles ficam xingando. Eles falam assim: olha vocês não vão pagar esse mês mas mês que vem a gente quer o dobro, que é desse mês e do mês que vem. E como eu moro num Beco eles ficam falando assim: esse pessoal do Beco não se move pra nada, deixa eles, nós estamos de olho neles. Eles fazem isso com a gente, entendeu?

Pesquisadora: Eles vão na casa e batem na porta?

Moradora: Batem... Eles chegam [som de palmas] Morador! Morador! Segurança! Quando a gente tem dinheiro a gente dá, quando não tem não dá.

Pesquisadora: E quanto é?

Moradora: 50 reais de morador, comércio é mais caro, depende do comércio ... Vamos supor, eu faço uma unha aí eu pago 50 reais por semana, se eu tenho um brechó, aí já é outro valor.

Pesquisadora: A taxa de segurança é toda semana?

Moradora: Não, por mês. Agora o comércio é toda semana. Dinheiro. Dinheiro, minha filha. (Entrevista com moradora, branca, 50 anos, 2022)

No momento, se eu não me engano, quem está comandando não é a milícia. Está acontecendo uma guerra para a milícia tomar a Praça Seca. Coisa que eu acho que ela ainda não conseguiu. Então no momento os moradores não pagam taxa, os comércios não estão pagando taxa. Mas no passado, assim, até dois anos atrás, se eu não me engano, meu namorado falava muito sobre o galpão, onde ele trabalha de distribuição de cerveja. Eles eram abordados constantemente... Eles eram abordados e sim, os milicianos eles pediam taxas e quando eles percebiam que era um comércio que provavelmente poderia lucrar bastante, e eles... cobravam taxas exorbitantes, cobravam taxas de moradores. E sim, eles fazem essa diferenciação dependendo da casa, dependendo do comércio, o valor de taxa sobe. (Entrevista com moradora, branca, 28 anos, 2023)

Entendemos que esse tipo de atuação econômica se configura como tecnologia de governo destinada à população mais pobre e tem sido nomeada de “empreendedorismo parasitário” (Carvalho, Rocha e Da Motta, 2023DA MOTTA, J. (2023). A atuação do tráfico de drogas no pós-pacificação: notas etnográficas de uma favela do Rio de Janeiro. Revista Campo Minado. Niterói, v. 3, n. 4.; Da Motta, 2024DA MOTTA, J. (2024). As múltiplas faces da milícia Liga da Justiça: reorientação moral e deslocamento político na zona oeste do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 17, n. 1.). Tal iniciativa é uma capacidade racional e criativa de produzir novos arranjos econômicos e lucros. Tráfico de drogas e milícia empreendem um tipo de lógica econômica que se manifesta em suas práticas territoriais, impondo-se por meio da força e da capacidade de mobilização da violência. Essa imposição se configura como parasitária, porque se aproveita de iniciativas e inovações de outras pessoas ou grupos, obtendo lucro por meio delas. Ao se colocar no lugar de autoridade normativa local, esses grupos criminais impõem, de forma autoritária e violenta, uma espécie de “imposto” sobre empreendimentos econômicos e ações políticas e culturais.

Para os moradores de favela e de periferia, esse processo de superexploração ao qual estão submetidos contribui ainda mais para o seu empobrecimento, especialmente no contexto político-econômico de aumento dos preços e desemprego em massa, como se encontra no Brasil. Isso tem criado cada vez mais descontentamentos entre os moradores, contribuindo para desgastes e conflitos com a governança local.

Na perspectiva dos milicianos, existe um campo de oportunidade diretamente relacionado à capacidade racional e criativa de produzir novos arranjos econômicos e lucros. Não à toa, como mostra uma interlocutora da pesquisa, a milícia cobra de forma diferente os moradores e o comércio. Estabelecimentos que possuem maior movimento pagam uma quantia maior, assim como casas maiores pagam valores maiores.

A sensação de que a Praça Seca está em guerra não é de hoje; os primeiros registros na mídia de intensos tiroteios entre integrantes do tráfico de drogas e grupos de milicianos, pelo controle das favelas na região da Praça Seca, datam de 2013. A matéria “Milícia deu golpe no tráfico”, veiculada no jornal O Dia, em novembro de 2013, revela que, desde o começo daquele ano, as disputas pelo controle do Morro da Barão já haviam deixado um rastro de homicídios por conta de uma traição cometida pelos milicianos. De acordo com a reportagem, os milicianos teriam feito um acordo com os traficantes, mas não o cumpriram e, além de ficarem com o dinheiro da venda do morro, denunciaram os locais de boca de fumo para a PM (Antunes, 2013ANTUNES, T. (2013). Milícia deu golpe no tráfico. Disponível em: <https://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2013-11-04/milicia-deu-golpe-no-trafico.html>. Acesso em: 14 dez 2023.
https://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-ja...
). Os milicianos constituíram, ainda, um local que ficou conhecido como UPP da Milícia.

Após esse conflito pontual, um evento crítico remodelou a paisagem do conflito urbano no bairro da Praça Seca. Em 2017, houve uma cisão entre duas lideranças na milícia da Praça Seca. Apesar de fazerem parte da mesma organização, a relação entre elas nunca foi boa. Segundo a reportagem do jornal Extra, após a prisão de Dande, Lica tentou dominar a região da Chacrinha, área controlada por Dande. Contudo, outras lideranças de áreas próximas se opuseram a tal atitude, impedindo que Lica anexasse o território do comparsa (Soares, 2018SOARES, R. (2018). Expulso por paramilitares, miliciano preso se aliou a traficantes para retomar Praça Seca. Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/expulso-por-paramilitares-miliciano-preso-se-aliou-traficantes-para-retomar-praca-seca-22700476.html>. Acesso em:19 abr 2024.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Em 2018, eles expulsaram Lica e sua família da favela do Bateau Mouche, sacramentando a cisão do grupo. Desde então, Lica teria se aliado ao Comando Vermelho para retomar seu território. Ainda segundo a reportagem, o ex-miliciano aglutinou outros milicianos insatisfeitos para a organização. Lica e os traficantes do Comando Vermelho invadiram o Batô em fevereiro de 2018 e inauguraram um período de conflitos cotidianos no bairro, como revela a notícia no G1:

Ainda de acordo com policiais, uma espécie de consórcio se formou com criminosos de comunidades como Formiga, Cidade de Deus, Barão e Covanca para a invasão da favela do Bateau Mouche na última sexta-feira. A invasão aconteceu durante a tarde e foi flagrada em vídeo (veja no alto da reportagem). Nas imagens, mais de 20 pessoas de preto e com fuzis chegam à comunidade. (Martins, 2018MARTINS, M. A. (2018). Apontado como responsável por confrontos na Praça Seca foi libertado pelo STF após 4 meses preso. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/apontado-como-responsavel-por-confrontos-na-praca-seca-foi-libertado-pelo-stf-apos-4-meses-preso.ghtml>. Acesso em: 19 abr 2024.
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/n...
)

Podemos apontar o ano de 2018 como marco temporal que caracteriza as favelas da Praça Seca como territórios em disputa. A partir daí, os conflitos que já existiam na região se intensificaram de forma alarmante. Entre 2018 e 2023, o bairro figurou nas estatísticas e nas manchetes dos jornais como um dos mais perigosos da cidade do Rio de Janeiro devido à quantidade de tiroteios que ocorriam nas favelas e na principal via de acesso ao bairro, a rua Cândido Benício.5 5 Os dados podem ser encontrados no Instituto Fogo Cruzado (www.fogocruzado.org.br) e em registros de jornais, tais como: “Fogo Cruzado: Praça Seca é o bairro com mais tiroteios em março” (O Dia, 31/3/2019); “Praça Seca teve 11 dias seguidos de tiroteios em março, indicam dados do Fogo Cruzado” (Portal de Notícias G1, 31/3/2021); “Com guerra de bandidos, número de tiroteios na Zona Oeste dobrou em 2023, aponta Fogo Cruzado” (Portal de Notícias G1, 19/6/2023).

A vida sob o “cerco do terror”

Nos últimos anos, o bairro da Praça Seca se tornou palco de guerra onde grupos milicianos se digladiam com facções do tráfico de drogas por controle territorial. Operações policiais se tornaram rotina na vida dos moradores, com a finalidade de atenuar a guerra ou ajudar um dos lados, enfraquecendo os inimigos. Autores como Grillo (2019)GRILLO, C. (2019). Da violência urbana à guerra: repensando a sociabilidade violenta. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, pp. 62-92. e Magalhães (2021)MAGALHÃES, A. (2021). A guerra como modo de governo em favelas do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 36. defendem que a ideia de guerra passou a ser institucionalizada como única resposta política para o problema da segurança pública. Além do aumento dos confrontos armados entre diferentes quadrilhas do crime organizado, atualmente, o Estado entende a “guerra às drogas” ou ao “crime”, materializada nas operações policiais, não como um recurso repressivo entre outros, mas, sim, como a principal política. Isso tem gerado o que Menezes (2015)MENEZES, P. V. (2015). Entre o "fogo cruzado" e o "campo minado": uma etnografia do processo de pacificação de favelas cariocas. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. chamou de sobreposição com variações de intensidade entre o regime do “fogo cruzado” e do “campo minado”. Ou seja, em certos momentos, são as trocas de tiros que capturam a atenção dos moradores de favelas; após o cessar-fogo, a preocupação em monitorar e não se contaminar com nenhum dos dois lados da guerra alicerça a subjetividade dessa população.

Viver em áreas como a Praça Seca, que presencia, cotidianamente, diversas trocas de tiro, operações policiais, invasões de quadrilhas inimigas e afins, faz com que os moradores dessas áreas criem mecanismos antecipatórios para “ler o clima” da comunidade (Cavalcanti, 2008CAVALCANTI, M. (2008). Tiroteios, legibilidade e espaço urbano: notas etnográficas de uma favela carioca. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 1, n. 1, pp. 35-59.) e minimizar os riscos à sua “segurança ontológica”: a garantia da continuidade da autoidentidade do indivíduo e a constância dos ambientes de ações social e material que os cercam (Giddens, 1991GIDDENS, A. (1991). As consequências da modernidade. São Paulo, Editora Unesp.). Os moradores dessa região da cidade criaram uma série de estratégias para conseguirem viver e exercer suas rotinas em um contexto profundamente violento.

Principalmente pelo fato de já estar habituado e conforme a gente vai se habituando também a gente foi criando estratégias e manobras e percepções em relação ao ambiente que a gente está inserido. Para poder... sair de alguma situação quando é necessário ou saber que a gente pode estar ali naquele local e que é tranquilo, enfim. Então, assim, pra evitar no momento esses conflitos, na verdade a gente não evita muito, porque a gente precisa viver, a gente precisa estar em movimento. Então, assim, a gente precisa sair pro trabalho, a gente precisa voltar do trabalho. Meu namorado, por exemplo, ele trabalha com entrega de shopp e o comércio, principalmente esse comércio de delivery, ele é muito na hora e assim, às vezes você não pode recusar um cliente, alguma coisa. Então você acaba indo mesmo estando escutando um tiro e assim, é muito, a gente desenvolve essa percepção de... Por exemplo, acordei de manhã escutando tiros. Ah, os tiros não parecem ser tão próximos. Então eu sei que nas ruas em que eu vou passar até chegar ao ponto de ônibus para ir para o trabalho, a situação vai estar tranquila. Então, mesmo assim, a gente sai. (Entrevista com moradora, branca, 28 anos, 2023)

O relato dessa interlocutora que mora próximo do Morro da Barão elucida as estratégias necessárias para poder viver em contextos de conflito agudo. Ainda que haja a imprevisibilidade do conflito e a necessidade material de se arriscar, como no caso do seu namorado que trabalha com entrega e não pode recusar pedido, ao longo do tempo os moradores foram criando diversas formas de se manterem atentos ao ambiente e de tentarem, quando possível, minimizar esses conflitos. A dimensão sensorial como o barulho dos tiros é uma pista que ajuda os moradores a se orientarem e a navegarem sobre esse território conflituoso.

Então eu percebo que aqui, meio que as pessoas se fortalecem através de pessoas, né? Então assim, se você vê que tem quatro, cinco pessoas ali no bar. Ah, tem gente na rua, então eu vou sair pra caminhar, vou sair pra levar meu cachorro. Mas se você passa numa rua onde não tem ninguém, você evita aquela rua, então é basicamente isso, a gente sabe mais ou menos onde são os pontos específicos onde tem tiroteio. Por exemplo, os tiroteios que sempre acontecem na minha proximidade são na rua Capitão Menezes. Então eu sei que aqui, de certa forma, eu estou protegida. Mas pode acontecer, como aconteceu, por exemplo, no dia dos professores que teve um tiroteio e eu tava no meio, tava no momento na rua voltando de uma entrega com meu namorado. Foi um dia depois do dia dos professores. E aí a rua estava tranquila, não teve tiro de manhã, não teve tiro em nenhum momento, mas enfim, os policiais que geralmente ficam num determinado local da rua, escutaram tiros e foram e ultrapassaram esse local que eles só ficam ali, eles geralmente não ultrapassam aquela barreira, mas eles ultrapassaram e foram atrás dos tiros e começaram a ter troca de tiro e eu e meu namorado no meio contornando para entrar com o carro dentro da vila. E aí isso foi uma situação assim que eu me surpreendi, porque a minha rua, como disse, ela é uma rua bem tranquila e é um ponto que eu sei que não vai ter problemas se eu sair com meu cachorro às 10 horas da noite (Entrevista com moradora, branca, 28 anos, 2023)

Em outra parte do relato, a moradora explica a importância, novamente, da dimensão sensorial; dessa vez, da visão. Orientar-se por meio de pessoas é uma estratégia eficaz, já que, se a rua está movimentada, então está tudo calmo; mas, se estiver deserta, pode simbolizar que algo está acontecendo ou está prestes a acontecer. Viver em uma região “em guerra” significa ficar refém de situações imprevisíveis como a narrada pela interlocutora. Ainda que haja uma dimensão sensorial que ajuda na manutenção das rotinas, situações imprevisíveis também fazem parte do cotidiano desses moradores e, nessas horas, não há muito o que fazer, apenas tentar sair da linha de tiro como ocorrido com a interlocutora que entrou em uma vila para sair do fogo cruzado.

A perspectiva da guerra é a todo momento acionada quando os interlocutores se referem aos tiroteios e as estratégias perpassam a identificação sonora (de onde está vindo), a sensorial (ruas desertas, pouco movimento), e as redes sociais são utilizadas como local de irradiação das informações como nos revela um dos entrevistados:

É engraçado isso. Lembra até guerras oficiais de países porque é regional. Não é o bairro. Aí o bairro todo não fica sabendo. O bairro todo só escuta. Ah, teve um negócio ali na Chacrinha. Agora, hoje em dia, quando tem por exemplo a invasão do tráfico de drogas para a retirada da milícia, há bastante tiroteio, teve agora recente no Campinho. E depois tem a polícia subindo pra tirar o tráfico e aí volta a milícia. Isso sim atinge a população. Mesmo a pessoa aqui do asfalto sente. Pra tu ter uma ideia, foi terça feira que teve essa briga... O tiroteio começou e eu falei, é na Menezes, galera acho melhor a gente parar porque a bala pode vir aqui. Aí a gente começou a ver rede social e a Praça Seca toda tava falando mas o negócio foi no Campinho. Aqui não vai pegar de jeito nenhum, aqui onde a gente tá não vai pegar, no centro da Praça Seca não vai pegar mas não adianta, quando é uma briga assim entre tráfico e milícia parece que é a Praça Seca envolvida, vira uma guerra da Praça Seca. (Entrevista com morador, negro, 40 anos, 2022)

Uma das características do conflito na Praça Seca é o fato de as trocas de tiro não estarem restritas apenas às favelas que compõem aquele cinturão. Cada vez mais temos um transbordamento do conflito para as áreas formais do bairro, o que tem gerado um aumento significativo na sensação de insegurança e riscos no bairro como um todo. Outro interlocutor, que mora do outro lado da Praça Seca, próximo da rua Quiririm, localizada em outro bairro, narra como se orienta para viver no bairro.

E, cara, o que que eu fazia? Eu saía dali pra levar a [nome da esposa] no trabalho, de manhã cedo, às seis da manhã, cara, cada dia era uma surpresa. Primeiro que eu já acordava, botava na TV, esperava começar aquele Fachel [repórter da TV Globo], né, de manhã pra poder ter um panorama de como tava a região. Porque todo santo dia ele tava lá, isso era óbvio. E aí, cara, já aconteceu coisas bizarras, mano, de tipo, eu estar indo na Cândido Benício de manhã com as crianças e com ela no carro. E do nada o trânsito parava, o policial mandava parar o trânsito, eu parei, quando eu olhei lá pra frente, pô, os policiais deitados no chão, dando de fuzil pra dentro do beco, né, dali da Chacrinha. E o pessoal correndo e eu ver nego da Chacrinha dando pra cima dos policiais também, batendo na pista, no vidro do BRT, mano, vidro estourando, entendeu? É, faísca na parede, do confronto, irmão, surreal. Isso 6 e pouca da manhã, Irmão. Cara, eu já vi muita coisa ali, já vi muita coisa, todo dia de manhã era uma surpresa diferente. Sem contar que, meu irmão, é Blitz toda hora porque já começa a fechar o cerco ali. Então toda hora passava numa Blitz, era parado, meu carro chamava um pouco de atenção é... Tipo assim, a parada é realmente mano, o clima é muito tenso você não tem um dia de sossego, irmão, não tem. Pô, já várias vezes tive que voltar porque fecharam a rua lá. Tipo tô indo lá na frente fechou a rua, tive que voltar porque tacaram fogo nas paradas. Já passei em meio a tiroteio mesmo. De ter que acelerar o carro e passar correndo, porque na rua que eu cruzei tava varando o tiro pra pista. Surreal, irmão. Ali é realmente, mano. Assim, cara, existem favelas que dizem ser muito piores, só que, por mais que sejam piores, o confronto, o conflito ali, acho que nenhum lugar no Rio de Janeiro tem. Sinceramente, eu nunca vi falar. (Entrevista com morador, negro, 32 anos, 2023)

Circular cotidianamente pelas ruas do bairro da Praça Seca tem se tornado um grande risco de morte. A intensidade e a magnitude dos conflitos são entendidas como algo exclusivo da Praça Seca, ainda que haja várias outras regiões do Rio de Janeiro que também sofrem com o problema das trocas de tiro, nada se compara com o que acontece atualmente na região. A incerteza e o risco são tão grandes que fizeram com que esse interlocutor se mudasse do bairro em que viveu a maior parte da vida, nutrindo diversos sentimentos afetivos. O medo de colocar a família em perigo o fez tomar tal decisão.

Ainda que possamos ver um repertório de ações que busca minimizar os riscos e garantir a segurança, a Praça Seca, atualmente, é definida por uma forte indeterminação e incerteza que capturam o cotidiano local. Ainda que os interlocutores desta pesquisa tenham sido categóricos com o fato de que as trocas de tiro se concentram em áreas específicas, como nos morros da região, ainda assim, tais eventos conseguem transpassar as fronteiras e se derramar no bairro como um todo. Defendemos que a Praça Seca, atualmente, passa por um tipo de “cerco pelo terror” (Rocha, Carvalho e Da Motta, no prelo).

Inspirados pela reflexão do sociólogo francês Boltanski (2013)BOLTANSKI, L. (2013). Sociologia da crítica, instituições e o novo modo de dominação gestionária. Sociologia & Antropologia, v. 3, pp. 441-463., ao explicar que a dominação pelo terror é um tipo de dominação em que as pessoas se encontram, total ou parcialmente privadas de liberdade, amalgamadas em profundas assimetrias, tendo a violência explicita como elemento fundamental. Nessas situações de opressão, a crítica e a possibilidade de questionar são excluídas dos oprimidos; e as ações dos dominadores não precisam ser justificadas; a violência e o medo são os elementos de coordenação da vida social nesse contexto. Ainda que o autor esteja usando uma conceituação típica-ideal, a descrição nos parece muito pertinente à realidade vivenciada pelos moradores da Praça Seca.

O cerco pelo terror, que identificamos neste trabalho, é um tipo de experiência de vida que submete os moradores a condições de vida marcadas pelo medo, pela insegurança e pela imprevisibilidade. A violência irrompe a qualquer momento, transformando qualquer área do bairro em “cenário de guerra”.

Conclusão

Este trabalho buscou mostrar como o bairro da Praça Seca passou de uma região tranquila, controlada por regimes territoriais tradicionais, para um campo de guerra em que facções criminosas, grupos milicianos e policiais disputam a região e a gestão da paz. Nessa trama, percebeu-se que, ao longo do tempo, uma série de mudanças pode ser constatada na atuação dos grupos criminais locais, modificando as formas de vida tradicionalmente estabelecidas no bairro. A guerra, assim nomeada pelas pessoas, por quem convive cotidianamente nesses territórios, tem-se generalizado para todas as regiões da Praça Seca, em maior ou menor grau, e tem produzido o que chamamos de cerco pelo terror.

Nessa conjuntura, os moradores são forçados a desenvolverem um repertório de mecanismos antecipatórios com a finalidade de se adiantarem a situações de irrupção da violência, garantindo a manutenção da sua integridade física e mitigando riscos. Apesar desse esforço, uma das principais características do cerco pelo terror que assola as comunidades em disputa é a imprevisibilidade dos momentos de violência. A qualquer momento, as ruas da Praça Seca podem se tornar palcos de guerra, aprofundando aquilo que a filósofa Butler (2022)BUTLER, J. (2022). Vida precária: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte, Autêntica. denominou como precariedade. Ou seja, os moradores da Praça Seca são submetidos a um tipo de conjuntura em que a morte é um dispositivo necessário para a manutenção dos que detêm uma vida digna. Seja pelas operações policiais, seja pela governança das facções criminosas ou dos grupos milicianos, os moradores da região se sentem expostos a violações, violências e à morte.

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Notas

  • 1
    Veículo blindado, com pequenas aberturas laterais para o manuseio de armas de fogo, utilizado pelas polícias militar e civil em operações no estado do Rio de Janeiro. Seu nome faz alusão ao símbolo do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e ao alto grau de letalidade produzida.
  • 2
    Esse artigo foi escrito a partir do resultado da pesquisa Milícias, facções e precariedade nas periferias cariocas: um estudo comparativo sobre as condições devida nos territórios periféricos frente ao controle operado por grupos armados (2022), realizada pelos autores, com outros pesquisadores, no âmbito do Cidades: núcleo de pesquisa urbana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O trabalho de campo na Praça Seca ainda está em andamento por meio do projeto de pesquisa Dinâmicas da violência urbana nas periferias do Rio de Janeiro: os efeitos do crescimento de grupos armados na vida dos moradores da zona oeste, coordenado por Monique Carvalho, com a participação das bolsistas de iniciação científica (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq) Antonia Coutada e Sara Soares da Silva.
  • 3
    Sobre a formação histórica da Baixada de Jacarepaguá e da Praça Seca, ver: Costa (1986)COSTA, W. (1986). O Vale do Marangá. Rio de Janeiro, edição do autor., Magalhães (2017) e Maldonado (2023)MALDONADO, K. (2023). As ações culturais na Praça Seca: um olhar sobre a produção cultural em quatro espaços culturais. Monografia de especialização. Nilópolis, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro..
  • 4
    Como informado na Introdução, a pesquisa em andamento possui um banco de dados, atualmente, com 200 registros de notícias sobre milícia, tráfico, violência, tiroteio e temas correlatos na Praça Seca, especialmente sobre as favelas Batô, Chacrinha e Barão no período de 2005 a 2023.
  • 5
    Os dados podem ser encontrados no Instituto Fogo Cruzado (www.fogocruzado.org.br) e em registros de jornais, tais como: “Fogo Cruzado: Praça Seca é o bairro com mais tiroteios em março” (O Dia, 31/3/2019); “Praça Seca teve 11 dias seguidos de tiroteios em março, indicam dados do Fogo Cruzado” (Portal de Notícias G1, 31/3/2021); “Com guerra de bandidos, número de tiroteios na Zona Oeste dobrou em 2023, aponta Fogo Cruzado” (Portal de Notícias G1, 19/6/2023).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2023
  • Aceito
    11 Abr 2024
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