Resumo
Neste artigo pretendo identificar forças motrizes importantes da financeirização do ambiente construído e do setor imobiliário que estão na raiz da onda de gentrificação turística que está ocorrendo em Lisboa na última década. Será analisada a viragem neoliberal recente na política urbana em Portugal, responsável por ter criado as condições para um urbanismo austeritário, legitimando a ideologia da necessidade "natural" e "inevitável" da turistificação nos bairros históricos de Lisboa, no período do pós-crise capitalista de 2008-2009. Nas narrativas de marketing urbano e racionalidade neoliberal, a viragem neoconservadora no governo da cidade tem como objetivo tornar Lisboa uma cidade mais competitiva, atraindo investimentos estrangeiros, visitantes e turistas, amarrando os fluxos de capital imobiliário ao seu ambiente construído, em um quadro da globalização da concorrência entre cidades e lugares.
gentrificação turística; financeirização; política urbana neoliberal; urbanismo austeritário; Lisboa.
Abstract
In this paper, I intend to identify important drivers of the financialisation of the built environment and of the real state sector that are at the root of the wave of tourism gentrification that has been occurring in Lisbon in the last decade. The recent neoliberal turn in urban policy in Portugal will be analyzed, as it is responsible for creating the conditions for an austerity urbanism, legitimating the ideology of the "natural" and "inevitable" necessity of touristification in Lisbon’s historic districts, in the period of the 2008-2009 capitalist post-crisis. In the rhetoric of urban marketing and neoliberal rationality, this neoconservative turn in city government aims to make Lisbon a more competitive city, attracting foreign investment, visitors, tourists, tying the flows of real estate capital to its built environment, in a frame of globalization of competition between cities and places.
tourism gentrification; financialisation; neoliberal urban policy; austerity urbanism; Lisbon.
Introdução
Em Portugal, os primeiros sintomas da crise do Estado-Providência começaram a manifestar-se por volta de meados dos anos 1980 e 1990. A partir de então, a gradual desagregação do modelo predominante de intervenção pública fez-se paralelamente à superação do fordismo pelo pós-fordismo, tornando cada vez mais difícil para o Estado reunir os recursos necessários para garantir a intervenção da despesa pública ao mesmo ritmo que se atingira em anos anteriores. À inevitável precariedade da situação laboral dos trabalhadores mais desqualificados e dos grupos sociais mais desfavorecidos, acumulou-se a desregulação do mercado de habitação e do uso do solo urbano, que tende a valorizar um padrão mais aleatório na produção temporal e espacial dos acontecimentos urbanos e o fabrico de uma segregação residencial a escalas mais finas, produzindo uma fragmentação socioespacial em microescala. Esse padrão é produto social do jogo do mercado imobiliário pouco regulado, de processos especulativos de valorização fundiária e imobiliária, num contexto de crescente financeirização do ambiente construído. O governo urbano orienta-se por um modelo gestionário (gestão estratégica importada do meio empresarial) em que o uso dos recursos públicos se faz para atrair investimento, o fornecimento dos serviços passa a fazer-se pelo mercado e pelo setor privado e são valorizadas as parcerias público-privadas.
Essas transformações no espaço urbano intensificaram-se em Portugal com a realidade econômica, financeira e orçamental resultante da crise capitalista de 2008-2009, que impôs a adoção de novos modelos de gestão e de desenvolvimento do território, com vista a acautelar o sucesso dos compromissos subjacentes ao Programa de Assistência Financeira Internacional, obviamente condicionadores da atuação do Estado e dos demais setores públicos e privados, enquanto norma transnacional. O Memorando de Políticas Econômicas e Financeiras, também conhecido como Memorando de Entendimento ou Plano da Troika, é um acordo de entendimento celebrado em maio de 2011 entre o Estado Português e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, visando ao equilíbrio das contas públicas e ao aumento da competitividade em Portugal, como condição necessária para o empréstimo de cerca de 80 mil milhões de euros que essas três entidades concederam ao Estado português. O memorando propôs uma série de ações que tinha como metas estabilizar a dívida pública por volta de 2013, acrescentando que tal refletia um apropriado equilíbrio entre as ações necessárias para restaurar a confiança dos mercados e assegurar que esse ajustamento não prejudicava excessivamente o desenvolvimento da economia e do emprego.
O documento, que entrou em vigor a 17 de maio de 2011, é profundamente marcado por um fundamentalismo de mercado e teve ramificações consequentes para o programa do governo português da altura, tendo produzido políticas de forte austeridade financeira (cortes na despesa social, contração do investimento público, aumento de impostos, etc.) e reformas estruturais que resultaram num verdadeiro atentado aos direitos laborais e sociais (facilitação dos despedimentos, redução da duração e dos montantes de subsídios de desemprego, etc.). Uma dessas reformas foi a do novo regime de arrendamento urbano (NRAU) de 2012, alvo de forte contestação social, uma vez que é acusado de ter imposto um mecanismo de atualização de rendas que tem originado valores incomportáveis para muitos inquilinos sem que estejam estabelecidos os apoios sociais adequados e necessários, afetando as famílias de mais baixo estatuto socioeconômico.
O desalojamento tem sido uma marca da nova lei do arrendamento, que nada mais é que o bastião de uma virada neoliberal muito maior na política urbana em Portugal, responsável por ter criado as condições para um urbanismo austeritário e legitimando a ideologia da necessidade "natural" e "inevitável" da turistificação nos bairros históricos de Lisboa, no período do pós-crise capitalista de 2008-2009. Nas narrativas de marketing urbano e racionalidade neoliberal, a viragem neoconservadora no governo da cidade tem como objetivo tornar Lisboa uma cidade mais competitiva, atraindo investimentos estrangeiros, visitantes, turistas, amarrando os fluxos de capital imobiliário ao seu ambiente construído, em um quadro da globalização da concorrência entre cidades e lugares.
É à luz do quadro teórico de produção neoliberal do espaço urbano que pretendemos identificar importantes forças impulsionadoras da financeirização que estão na raiz da onda de turistificação que ocorreu em Lisboa na última década. Lisboa recebe cada dia mais de 37 mil turistas. Em 2015, a capital recebeu 5,25 milhões de visitantes/turistas, o que gera um total de 3.500 milhões de euros por ano em receitas de turismo. O ano de 2015 foi o melhor de sempre para o turismo nacional. No total, Portugal recebeu 17,4 milhões de turistas, 8,6 por cento mais do que em 2014, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O boom turístico que dá vida nova e cria novos negócios em Lisboa e Porto também está a aumentar as tensões latentes e a gerar novos problemas e desafios urbanos e fiscais. Em nome do turismo, realiza-se a reabilitação de prédios desocupados, mas as rendas aumentam exponencialmente, multiplicando expulsões de moradores vulneráveis e fechamentos de lojas históricas, isto é, desalojamentos (deslocamentos) residenciais e comerciais. Além disso, graças ao turismo, muitos portugueses são lançados no negócio de aluguel de quartos, e muitos jovens desempregados dão os primeiros passos no mercado de trabalho, mas isso nem sempre significa empregos com direitos e rendimento acima da média. Em geral, as discussões em torno do turismo dão voz a posições opostas entre aqueles que lucram com o boom das chegadas e saúdam a modernização das avenidas, da cidade e da economia ("turismo como panaceia") e aqueles que estão contrariados com a incapacidade de pegar os transportes públicos já lotados no centro histórico de Lisboa e com o aumento das rendas no mercado imobiliário ou a destruição da tradição e autenticidade nos bairros históricos da cidade ("turismo como desastre") (Mendes, 2016aMENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo).). De fato, é inegável que Lisboa está a viver um pico de projeção internacional, e que as receitas do turismo podem contribuir para a recuperação econômica do país e da cidade, durante e após a crise capitalista. O turismo urbano pode também ser um motor de regeneração urbana para a preservação do patrimônio arquitetônico e a reabilitação de edifícios em estado avançado de degradação, além de contribuir para a criação de emprego. Mas a ausência aparente de qualquer estratégia de planejamento e avaliação do seu impacto e o quase inexistente processo de regulamentação têm consequências esmagadoras. A mais importante será precisamente o foco deste artigo: a gentrificação turística.
Como linha metodológica, gostaríamos de destacar que o texto que apresentamos configura tão e somente um mero ensaio teórico, problematizador e exploratório dessa temática, reconhecendo que carece de referência a casos empíricos concretos. Seguindo uma metodologia hipotético-dedutiva, a construção deste ensaio parte de postulados ou conceitos já estabelecidos na literatura consultada, através de um trabalho lógico de relação de hipóteses explicativas, que configura, a nosso ver, e embora desprovido de trabalho empírico, uma possível perspectiva de interpretação dos fenômenos em estudo e enquadramento à análise de conteúdo dos vários pacotes legislativos que configuram a viragem neoliberal na política de cidades. Assim sendo, foi intencional a não reserva de uma parte do texto à abordagem teórica e outra à ilustração empírica, bem como o enfoque quase exclusivo nas forças motrizes do processo, ao invés da atenção aos impactos sociais e territoriais criados no centro histórico de Lisboa, como se tem tornado evidente nas centenas de casos de desalojamento de moradores dos bairros centrais para áreas periféricas da cidade ou mesmo para municípios fora desta, mas ainda na área metropolitana. Neste artigo, a abordagem da teoria e a da empiria serão abordadas de forma integrada, de modo a facilitar a leitura do fenômeno. Portanto, as questões teóricas serão constantemente intercaladas e ilustradas com referência a pequenos aspetos empíricos que evidenciem o aprofundamento das tendências de privatização, mercantilização, financeirização do mercado de habitação lisboeta, em favor de uma crescente gentrificação pelo turismo.
Produção do urbanismo austeritário no pós-crise capitalista 2008-2009
A depressão econômica experimentada pelas grandes cidades durante a crise capitalista de 2008-2009 foi seguida por políticas urbanas já não apenas de cariz neoliberal, mas verdadeiramente austeritárias, que descolam daquilo que foi o urbanismo neoliberal muito mais orientado para o mercado e, portanto, afetado por filosofias baseadas na promoção do consumo, na competitividade entre cidades e no protagonismo dos atores privados no processo de planejamento e produção da cidade (Ley, 1980LEY, D. (1980). Liberal ideology and the postindustrial city. Annals of the Association of American Geographers, v. 70, n. 2, pp. 238-258.; Hall e Hubbard, 1996HALL, T. e HUBBARD, P. (1996). The entrepreneurial city: new urban politics, new urban geographies? Progress in Human Geography, v. 20, p. 2, pp.153-174.; Hackworth, 2007HACKWORTH, J. (2007). The neoliberal city: governance, ideology and development in american urbanism. Nova York, Cornell University Press.; Peck, 2010PECK, J. (2010). Constructions of neoliberal reason. Oxford, Oxford University Press.; Steger e Roy, 2013STEGER, M. e ROY, R. (2013). Introdução ao Neoliberalismo. Lisboa, Actual.; Rossi e Vanolo, 2015ROSSI, U. e VANOLO, A. (2015). Urban Neoliberalism. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, v. 24. Londres, Elsevier, pp. 846-853.). Num contexto de globalização econômica e de concorrência interurbana, o enquadramento das políticas de habitação e de renovação urbana deverá ser analisado à luz do projeto neoliberal, dos seus recentes desenvolvimentos no contexto da crise econômica e financeira de 2008-2009 e dos efeitos que produziu, por exemplo, na textura socioestrutural nas cidades do Sul da Europa (Mendes, 2013MENDES, L. (2013). Public policies on urban rehabilitation and their effects on gentrification in Lisbon. AGIR, Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas, v. 1, n. 5, pp. 200-218. e 2014MENDES, L. (2014). Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, pp. 487-511.; Santos, Teles e Serra, 2014SANTOS, A.; TELES, N. e SERRA, N. (2014). Finança e habitação em Portugal. Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Observatório sobre Crises e Alternativas.; Eckardt e Sánchez, 2015ECKARDT, F. e SÁNCHEZ, J. (2015). City of crisis. The multiple contestation of southern european cities. Bielefeld, Transcript Verlag.; Tulumello, 2015TULUMELLO, S. (2015). Reconsidering neoliberal urban planning in times of crisis: urban regeneration policy in a “dense” space in Lisbon. Urban Geography, v. 37, pp. 117-140.; Sevilla-Buitrago, 2015SEVILLA-BUITRAGO, A. (2015). “Crisis and the city: neoliberalism, austerity planning and the production of space”. In: ECKARDT, F. e SÁNCHEZ, J. (eds.). City of crisis. The multiple contestation of southern european cities. Bielefeld, Transcript Verlag.; Seixas, Tulumello, Corvelo e Drago, 2015SEIXAS, J.; TULUMELLO, S.; CORVELO, S. e DRAGO, A. (2015). Dinâmicas sociogeográficas e políticas na Área Metropolitana de Lisboa em tempos de crise e de austeridade. Cadernos Metrópole, v. 17, n. 34, pp. 371-399.; Zwiers, Gideon, Van Ham e Van Kempen, 2016ZWIERS, M.; GIDEON, B.; VAN HAM, M. e VAN KEMPEN, R. (2016). The global financial crisis and neighborhood decline. Urban Geography, v. 37, pp. 664-684.; Mendes e Carmo, 2016MENDES, L. e CARMO, A. (2016). State-Led gentrification in an era of neoliberal urbanism: examining the new urban lease regime in Portugal. International Conference Contested Cities “From contested cities to global urban justice – critical dialogues”. Madri, 4-7 July.).
Harvey (1989), de forma visionária, apreende a gênese dessas transformações na governança urbana no capitalismo tardio, como passagem do administrativismo/gerenciamento para a inovação do empreendedorismo/empresariamento urbano no início dos anos 1970, construído a partir do consenso – transversal a fronteiras nacionais e partidos políticos – que a ideologia neoliberal produziu de que as cidades que adotassem uma postura mais empreendedora e proativa em relação ao investimento e ao desenvolvimento econômico obteriam maiores benefícios positivos para as suas populações. Dessa forma, os administradores públicos, além de atuarem no sentido de facilitar os investimentos privados no âmbito local, também procuraram inserir a sua cidade em redes de maior competitividade internacional, explorando vantagens locais, reforçando o grau de atração da cidade com vista, pretensamente, a uma elevação geral da qualidade de vida. Enfrentando a grande mudança econômica e social provocada pela fortíssima reestruturação tecnológica e industrial que acompanhou toda a tendência de desindustrialização e terciarização das cidades do capitalismo avançado nos anos 1970 e 1980, bem como para facilitar a transição geral da dinâmica do capitalismo de um regime fordista keynesiano de acumulação capitalista para um regime dito pós-fordista de acumulação flexível, multiplicaram-se as iniciativas de governo urbano local de imprimir em diversas medidas e ações uma marca empreendedora e empresarial, típica de um modelo gestionário, oferecendo incentivos sob a forma de subvenções, empréstimos a fundo perdido e infraestruturas subsidiadas. Tudo isto de forma a atrair fontes externas de financiamento, novos investimentos diretos ou fontes geradoras de emprego, sem o necessário envolvimento da comunidade.
O empreendedorismo urbano, como diz Harvey (ibid.), tem como ponto central a noção de uma "parceria público-privada" na qual um boosterismo local tradicional é integrado com o uso de poderes governamentais locais para tentar atrair fontes externas de novos investimentos diretos ou de novas fontes de emprego. Em muitos casos, isso significou que o setor público assumia o risco e o setor privado tirava os benefícios. Alguns autores críticos, como o próprio Harvey e Smith chamam isso de "privatização de lucros e socialização de custos", pois é a lógica empresarial e especulativa que orienta a realização de empreendimentos nas cidades, através de novos produtos imobiliários pontuais e de caráter excepcional, tanto em termos econômicos, de alavancagem de investimento público e privado, como de estrutura urbana, rompendo com a continuidade socioespacial da envolvente urbana, agravando a segregação e a fragmentação socioespaciais. Estas são, aliás, inerentes a uma lubrificada divisão social do espaço urbano, motor básico do desenvolvimento capitalista que, novamente, produz desigualdade social urbana que, por si só, reproduz as próprias condições de acumulação capitalista, e assim sucessivamente. Investe-se em áreas urbanas de oportunidade para aproveitar o rent-gap gerado, onde é mais rentável e garanta retornos de capital imobiliário mais rápidos e seguros. Todavia, os custos e as externalidades são compartilhados pelos contribuintes, classe trabalhadora e cidade da maioria, enquanto os benefícios são apropriados apenas pelos promotores associados aos projetos de reestruturação urbana que ocorrem nas cidades, entre outros grupos privilegiados da banca, da finança, da política, à custa do erário público.
As administrações dos governos urbanos assumem como inevitável e natural a narrativa neoliberal da austeridade, reestruturando as suas modalidades ao serviço do paradigma da nova gestão pública, para irem ao encontro a novas engenharias de governança urbana: 1) governo catalítico – tomar o leme em vez de remar; 2) governo pela comunidade – delegar autoridade em vez de servir; 3) governo competitivo – injetar competição na função pública; 4) governo orientando para os resultados – financiar os resultados/outputs e não as entradas/inputs; 5) governo empresarial – ganhar mais do que gastar; 6) governo descentralizado – da hierarquia à participação e ao trabalho de equipe; 7) governo orientado para o mercado – apoiar a mudança através do mercado (Steger e Roy, 2013STEGER, M. e ROY, R. (2013). Introdução ao Neoliberalismo. Lisboa, Actual.)). Nessa medida, as administrações urbanas assumem-se, assim, como entidades estratégicas, agilizadoras e garantidoras da reprodução dos interesses do desenvolvimento capitalista no espaço urbano e no ambiente construído.
Num cenário de pós-crise capitalista 2008-2009, a ideologia neoliberal ortodoxa dominante é cada vez mais questionada, mas a maquinaria política da disciplina de mercado imposta pelo Estado permanece essencialmente intacta; as agendas de políticas sociais e econômicas continuam a ser subordinadas à prioridade de manter a confiança do investidor e uma atmosfera ideal e vibrante para os negócios; e as agendas de políticas como livre comércio, privatização, financeirização, mercados de trabalho flexíveis e competitividade territorial urbana continuam a ser tidas como certas. Como defendem Brenner, Peck e Theodore (2012BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2012). Após a neoliberalização? Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 13, n. 26, pp. 15-39. e 2013BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2013). “Neoliberal urbanism: cities and the rule of markets”. In: BRIDGE, G. e WATSON, S. (eds.). The new blackwell companion to the city. Oxford, Wiley Blackwell.), o resultado mais provável da atual crise geoeconômica é um neoliberalismo e um imperialismo relegitimados. Consequentemente, há maior arraigamento dos arranjos regulatórios disciplinados pelo mercado, maior lubrificação e aceleração dos sistemas neoliberalizados e maior frequência de experimentação regulatória em diferentes contextos, sob o signo do “Deus-Mercado”.
Dessa forma, nos últimos tempos, o neoliberalismo continua a reinar, apesar dos seus espetaculares fracassos, sendo o exemplo paradigmático da crise econômica e financeira do recente período 2008-2009, no qual as políticas de austeridade parecem ser a única solução alternativa (Bourdin, 2011BOURDIN, A. (2011). O urbanismo depois da crise. Lisboa, Livros Horizonte.; Künkel e Mayer, 2012KÜNKEL, J. e MAYER, M. (eds.) (2012). Neoliberal urbanism and its contestations: crossing theoretical boundaries. Nova York, Palgrave Macmillan.; Millet e Toussaint, 2013MILLET, D. e TOUSSAINT, E. (2013). A crise da dívida. Auditar, anular, alternativa política. Lisboa, Temas e Debates, Círculo de Leitores.; Schui, 2014SCHUI, F. (2014). Austeridade. Breve história de um grande erro. Lisboa, Editorial Presença.; Lurdes Rodrigues e Adão e Silva, 2015LURDES RODRIGUES, M. e ADÃO E SILVA, P. (orgs.) (2015). Governar com a Troika: políticas públicas em tempo de austeridade. Coimbra, Almedina.; Eckardt e Sánchez, 2015ECKARDT, F. e SÁNCHEZ, J. (2015). City of crisis. The multiple contestation of southern european cities. Bielefeld, Transcript Verlag.; Clark, Larsen e Hansen, 2015CLARK, E.; LARSEN, H. e HANSEN, A. (2015). Financialisation of built environments: a literature review. Leeds, Fessud.; Rolnik, 2015ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares. A colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.), marcando uma nova fase descrita por Harvey (2010HARVEY, D. (2010). The enigma of capital and the crisis of capitalism. Oxford, Oxford University Press., 2012HARVEY, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. Londres, Verso.
2014HARVEY, D. (2014). Seventeen contradictions and the end of capitalism. Oxford, Oxford University Press.) como "acumulação por espoliação", isto é, a acumulação através da extração direta do lucro de formas públicas ou comuns de riqueza coletiva. Na "cidade empreendedora", os governos locais agem como atores de negócios de redução de custos que administram suas cidades como empresas. Enfrentando cortes de impostos e outros cortes em sua renda, esses governos têm promovido cada vez mais políticas de austeridade, o que resultou em menos serviços para os cidadãos e menos investimento em recursos e equipamentos coletivos e na maior parte da infraestrutura da cidade, especialmente no setor de habitação a preços acessíveis, ao mesmo tempo que a gentrificação vê as suas fronteiras expandidas. Expansão territorial, pluriescalar e glocal da gentrificação, não só a outras áreas da cidade, como também a cidades de todo o mundo, simultaneamente como estratégia ideológica ao serviço de um urbanismo global neoliberal e revanchista (Smith, 2009SMITH, N. (2009). “Ciudades después del Neoliberalismo?” In: SMITH, N.; OBSERVATORIO METROPOLITANO; ROLNIK, R.; ROSS, A. e DAVIS, M. (eds.). Después del neoliberalismo: ciudades y caos sistémico. Barcelona, Universitat Autònoma de Barcelona.; López-Morales, Gasic Klett e Meza Corvalán, 2012LÓPEZ-MORALES, E.; GASIC KLETT, I. e MEZA CORVALÁN, D. (2012). Urbanismo proempresarial en Chile: políticas y planificación de la producción residencial en altura en el pericentro del Gran Santiago. Revista Invi, v. 27, n. 76, pp. 75-114.; Lees, Bang Shin e López-Morales, 2015LEES, L.; BANG SHIN, H. e LÓPEZ-MORALES, E. (eds.) (2015). Global gentrifications: uneven development and displacement. Bristol, Policy Press. e 2016LEES, L.; BANG SHIN, H. e LÓPEZ-MORALES, E. (eds.) (2016). Planetary gentrification. Bristol, Policy Press.; Mendes, 2016cMENDES, L. (2016c), Gentrificação: palavra suja do urbanismo austeritário, Dossier 256 “Turismo: cidade e gentrificação”. Esquerda. Net. [policopiado] Disponível em: http://www.esquerda.net/dossier/gentrificacao-palavra-suja-do-urbanismo-austeritario/44804. Acesso em: 25 maio 2017.
http://www.esquerda.net/dossier/gentrifi...
e 2016eMENDES, L. (2016e). As novas fronteiras da gentrificação na teoria urbana crítica. Cidades, v. 12, n. 20, pp. 207-252.).
Nessa ideia de expansão da fronteira da gentrificação, encontra-se contida uma combinação evocativa e dialética entre capital e território, entre o econômico e o espacial. Os processos de desenvolvimento da cidade ou urbanização são a manifestação espacial do processo de acumulação de capital. De motor de crescimento, a cidade tornou-se um espaço organizado para o (re)investimento de capital, em função de ciclos de valorização e desvalorização constantes; mas, no urbanismo austeritário, estes são comandados a partir de normas transnacionais que servem aos interesses das geografias neoliberais dos fluxos internacionais de capital. As contradições experimentadas no espaço construído são reproduzidas em parte devido aos passos dados para converter o capital financeiro no elo mediador entre o processo de urbanização (em todos os seus aspetos, inclusive a edificação de ambientes construídos) e as necessidades ditadas pela dinâmica subjacente do capitalismo financeirizado. Também na gentrificação como processo de (re)desenvolvimento urbano, o capital imobiliário procura uma estratégia para se expandir, não só para dar resposta às necessidades de realização e descobrir novas frentes urbanas de mercado, mas também para satisfazer as exigências das fases seguintes do ciclo de acumulação.
Numa obra lapidar e de grande envergadura, pondo em diálogo o debate teórico e casos empíricos de diferentes contextos socioespaciais do nosso mundo globalizado, Rolnik (2015)ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares. A colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo. desvenda o nexo Estado-Finanças, assim como também as dialéticas que se produzem entre os mercados, a produção do espaço urbano e os fluxos transnacionais de capital financeiro. A autora dá conta de como o paradigma da financeirização nas políticas urbanas de habitação se infiltra na superestrutura governativa e desce até aos meandros da vida social e econômica do quotidiano, legitimando a violência da destruição criativa e da acumulação por despossessão pela máquina do capitalismo neoliberal contemporâneo:
A propriedade imobiliária em geral e a habitação em particular configuram uma das mais novas e poderosas fronteiras da expansão do capital financeiro. A crença de que os mercados podem regular a alocação da terra urbana e da moradia como forma mais racional de distribuição de recursos, combinada com produtos financeiros internacionais experimentais e “criativos” vinculados ao financiamento do espaço construído, levou as políticas públicas a abandonar os conceitos de moradia como um bem social e de cidade como um artefato público. As políticas habitacionais e urbanas renunciaram ao papel de distribuição de riqueza, bem comum que a sociedade concorda em dividir ou prover para aqueles com menos recursos, para se transformarem em mecanismo de extração de renda, ganho financeiro e acumulação de riqueza. Esse processo resultou na despossessão massiva de territórios, na criação de pobres “sem lugar”, em novos processos de subjetivação estruturados pela lógica do endividamento, além de ter ampliado significativamente a segregação nas cidades. (Ibid., pp. 14-15)
Em estudos recentes, Peck (2012PECK, J. (2012). Austerity urbanism. City, v. 16, n. 6, pp. 626-655., 2015PECK, J. (2015). Austerity urbanism. The neoliberal crisis of american cities. Nova York, Rosa Luxemburg Stiftung.) e Peck e Whiteside (2016)PECK, J. e WHITESIDE, H. (2016). “Financializing the entrepreneurial city”. In: SCHÖNING, B. e SCHIPPER, S. (eds.). Urban austerity: impacts of the global financial crisis on cities in Europe. Berlim, Theater der Zeit. descrevem como o neoliberalismo fortaleceu seu domínio sobre as cidades daquela a que os autores se referem como a Grande Recessão de 2007-2008, trabalhando no conceito de "urbanismo de austeridade". Devido à concentração espacial de trabalhadores sindicalizados, minorias étnicas, grupos socioeconômicos vulneráveis e grupos liberais, as cidades são objetos particularmente desejáveis para a implementação de medidas de austeridade. Os governos urbanos reduzem os serviços sociais e os salários dos trabalhadores do setor público (cada vez mais como forma de negar a esses trabalhadores o direito à negociação coletiva), além de cortar os orçamentos escolares e eliminar unidades habitacionais a preços acessíveis, enquanto privatizam as funções do centro da cidade e subsidiam os investidores privados, numa lógica de mercantilização, privatização e financeirização do setor da habitação em particular.
As autoridades urbanas em muitas cidades foram forçadas a reduzir os serviços essenciais, despedir funcionários do setor público, controlar os gastos e reduzir a dívida, a fim de satisfazer as obrigações fiscais atuais e futuras e atender às restrições impostas por níveis mais altos de governo, muitas vezes supranacional, como foi o caso da Troika em Portugal. A austeridade está, definitivamente, tornando-se uma característica generalizada do urbanismo neoliberal hoje em dia. Longe de incitar a mudança institucional orientada para uma reforma progressiva do sistema, o resultado em termos de política é um esforço redobrado para ampliar ainda mais a agenda neoliberal, ao ponto de a financeirização estender-se a todos os campos do corpo social, atingindo a plenitude da totalidade espacial e temporal do quotidiano. A recuperação econômica nunca foi o ponto, a austeridade foi sobre usar a crise para reproduzir o capital, não a resolver (Harvey, 2012HARVEY, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. Londres, Verso. e 2014HARVEY, D. (2014). Seventeen contradictions and the end of capitalism. Oxford, Oxford University Press.; Sevilla-Buitrago, 2015SEVILLA-BUITRAGO, A. (2015). “Crisis and the city: neoliberalism, austerity planning and the production of space”. In: ECKARDT, F. e SÁNCHEZ, J. (eds.). City of crisis. The multiple contestation of southern european cities. Bielefeld, Transcript Verlag.; Jonas, McCann e Thomas, 2015JONAS, A.; MCCANN, E. e THOMAS, M. (2015). Urban geography. A critical introduction. Oxford, Wiley Blackwell.).
A financeirização, conceito cunhado pela economia política para designar a mais importante transformação estrutural do capitalismo desde a crise da década de 1970, designa, assim, a crescente influência desses mercados financeiros (de seus atores, processos e produtos) na atividade geral do tecido social e econômico, a todas as escalas, desde o indivíduo e sua família, às empresas, às economias nacionais até às geografias neoliberais dos investimentos glocais e transnacionais. No quadro da globalização capitalista contemporânea, na qual a finança é uma das forças motrizes mais fortes, a autonomia que parece caracterizar o movimento insaciável de acumulação de capital e a predominância que a economia financeira parece ter sobre todas as restantes esferas da vida social se acentua de forma qualitativa (Santos, 2012SANTOS, A. (2012). “Financeirização”. In: SOUSA SANTOS, B. (ed.). Dicionário das crises e das alternativas. Coimbra, Almedina.). Veja-se, por exemplo, que, para acompanhar o esforço de hiperconsumo, em detrimento da poupança, as famílias recorrem cada vez mais ao crédito, tanto para os bens de consumo como para a aquisição de habitação. Uma consequência genérica dessa linha de evolução é o endividamento das empresas e das famílias que cresceu consideravelmente e representa uma das características dominantes de nossas economias e sociedades.
Na história recente da imbricação entre finança, setor da construção e mercado de habitação em Portugal, Rodrigues, Santos e Teles (2016)RODRIGUES, J.; SANTOS, A. e TELES, N. (2016). A financeirização do capitalismo em Portugal. Lisboa, Actual. defendem que a construção do Mercado Único e da União Econômica e Monetária no seio da União Europeia permitiu à Banca nacional ter acesso aos mercados de capitais internacionais, abrindo caminhos para a convergência entre as práticas do setor bancário português e a banca internacional. O setor financeiro beneficiou-se também do florescimento do mercado privado de provisão de habitação e da expansão da concessão de crédito para a compra de casa própria, o que reforçou o crescimento do endividamento das famílias portuguesas, ao ponto de o peso da dívida contraída pelas famílias em crédito hipotecário ganhar relevância relativamente ao crédito às empresas, desde finais de 1990. A própria política de habitação promovida pelo Estado, assente num modelo de provisão de habitação baseado no mercado, beneficiou, assim, o setor financeiro e o setor da construção. Mas os ganhos da Banca são duplos: consegue capturar partes dos lucros dos construtores na esfera da produção, como também consegue extrair, ainda, uma parte dos salários dos trabalhadores com o endividamento hipotecário.
Como já desenvolvemos noutras publicações (Mendes e Carmo, 2016MENDES, L. e CARMO, A. (2016). State-Led gentrification in an era of neoliberal urbanism: examining the new urban lease regime in Portugal. International Conference Contested Cities “From contested cities to global urban justice – critical dialogues”. Madri, 4-7 July.), no Sul da Europa, especialmente em Portugal, os efeitos da crise urbana foram sentidos mais intensamente devido ao colapso do mercado imobiliário já frágil, baseado no incentivo a aquisição e compra de casa sustentada por um acesso fácil ao crédito barato paralelamente ao desenvolvimento de um modelo de expansão urbana baseado na produção em massa de novas construções, especialmente nos subúrbios das grandes cidades, consolidando as áreas metropolitanas e levando a um endividamento gradual dos indivíduos no acesso ao crédito para aquisição de moradias. Evidentemente, esses fatos relacionados com o início de uma recessão econômica muito forte desde 2008 e contínua até 2013, acompanhados por aumento do desemprego, impostos sobre a classe trabalhadora e cortes no apoio social aos grupos social e economicamente mais vulneráveis, resultaram num acentuado aumento do incumprimento das prestações por parte das famílias portuguesas aos seus bancos credores. Com o agravar da atual crise – ela própria fortemente enraizada em processos especulativos – o direito à habitação encontra-se por isso cada vez mais comprometido. A subida do desemprego, a quebra acentuada dos rendimentos das famílias e o aumento do custo de vida têm vindo a conduzir a um aumento muito significativo das situações de não cumprimento bancário, existindo hoje cerca de 140.000 famílias portuguesas sem capacidade para pagar a prestação da casa. Essa situação de crise levou a que milhares de pessoas, aproveitando a procura internacional que a cidade de Lisboa tem registado como atração turística, disponibilizassem os seus apartamentos para alojamento turístico, conseguindo, com isso, arrecadar algum capital que lhes permitisse ultrapassar com maior facilidade o quadro de austeridade econômica e social pelo qual todo o país passou nos últimos anos.
E é precisamente nessa inflexão que se afirma e legitima a turistificação como panaceia para a crise social e urbana. A crise financeira portuguesa (2009-2013) foi uma grande crise política e econômica, relacionada com a crise da dívida soberana europeia e o seu forte impacto em Portugal. Essa crise começou a registar-se nas primeiras semanas de 2010 e só veio a desaparecer com o início da recuperação econômica portuguesa no fim de 2013. Foi a recessão mais grave da economia portuguesa desde os anos 1970, e o turismo definitivamente ajudou a criar emprego e a atenuar as consequências e os impactos da crise e da austeridade junto das famílias portuguesas. Por isso, mesmo em Lisboa, a gentrificação turística tem sido privilegiada como estratégia política de revitalização urbana promovida pelo Estado Capitalista, alicerçando-se no argumentário neoliberal e no ideário do urbanismo austeritário que legitimam a hegemonia da turistificação enquanto panaceia no contexto de pós-crise capitalista. Nesse sentido, o Estado Neoliberal e Garantidor leva-nos a ver para além da linha divisória “Estado/Economia” e considerar a gentrificação tanto como uma estratégia governamental, como uma estratégia de acumulação capitalista, que assegura a extração e a apropriação privada do excedente coletivo, através de socialização dos custos e privatização dos lucros.
No caso das políticas públicas de reabilitação urbana em relação a um turismo residencial na cidade/centro, podemos dizer que, ao invés da destruição sistemática da provisão pública de bens e serviços, o neoliberalismo influencia a governação urbana no sentido de uma recomposição sofisticada da figura do Estado no nível local, tornando-o um instrumento de mercadorização da vida urbana. Portanto, e embora a ideologia neoliberal pareça apontar para a redução do Estado a uma espécie de Estado Mínimo, não devemos confundir o neoliberalismo com o regresso ao puro laisser-faire e aos mercados livres que dispensam e até repudiam a intervenção do Estado na Economia. O projeto neoliberal depende da capacidade coerciva, transformadora e mediadora do Estado para injetar competição nos processos sociais e econômicos e, como tal, reestruturar os espaços da cidade contemporânea em torno do mercado como princípio único organizador da vida urbana coletiva e social. Portanto, o neoliberalismo não se concentra necessariamente na amputação das funções sociais das instituições públicas ou na destruição do Estado Social, mas converte essas funções em mecanismos que servem aos seus interesses através de uma seletividade estratégica, um “intervencionismo de mercado” (Rodrigues e Teles, 2015RODRIGUES, J. e TELES, N. (2015). “O neoliberalismo como intervencionismo de Mercado”. In: BERNARDO, L. (org.). Correntes invisíveis: neoliberalismo no século XXI. Lisboa, Deriva.; Santos, Teles e Serra, 2014SANTOS, A.; TELES, N. e SERRA, N. (2014). Finança e habitação em Portugal. Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Observatório sobre Crises e Alternativas.; Rodrigues, Santos e Teles, 2016RODRIGUES, J.; SANTOS, A. e TELES, N. (2016). A financeirização do capitalismo em Portugal. Lisboa, Actual.; Dardot e Laval, 2013DARDOT, P. e LAVAL, C. (2013). The new way of the world: on neo-liberal society. Londres, Verso.; Brown, 2015BROWN, W. (2015). Undoing the demos: neoliberalism´s stealth revolution. Nova York, Zone Books.; Storper, 2016STORPER, M. (2016). The Neo-liberal city as idea and reality. Territory, Politics, Governance, v. 4, n. 2, pp. 241-263.; Bauman e Bordoni, 2016BAUMAN, Z. e BORDONI, C. (2016). Estado de Crise. Lisboa, Relógio d’ Água.; e Jessop, 2012JESSOP, B. (2012). “Neoliberalism”. In: RITZER, G. (ed.). The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Globalization. Oxford, Blackwell. e 2016HARVEY, D. (2014). Seventeen contradictions and the end of capitalism. Oxford, Oxford University Press.). Não se trata tanto de reduzir o peso da despesa pública, mas, sim, de promover a entrada dos privados em múltiplas áreas da sua esfera tradicional – sendo a da reabilitação urbana um exemplo paradigmático – para, dessa forma, favorecer a sua mercadorização mais ou menos gradual. No nível da regeneração e da reabilitação urbanas, essa privatização envolve complexas engenharias financeiras com recurso a fundos de investimento imobiliário, parcerias público-privadas nem sempre transparentes, complexas subcontratações ou dispendiosos subsídios e incentivos fiscais, garantidos pelo domínio público, envolvendo um ativismo estatal permanente e constante. Construir um mercado nacional da regeneração e da reabilitação urbanas e, sobretudo, garantir seu funcionamento e expansão progressivos são bastante dispendiosos e exigem, dada a natureza do setor em causa, uma poderosa maquinaria estatal (Brenner, Peck e Theodore, 2013BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2013). “Neoliberal urbanism: cities and the rule of markets”. In: BRIDGE, G. e WATSON, S. (eds.). The new blackwell companion to the city. Oxford, Wiley Blackwell.; Rossi e Vanolo, 2015ROSSI, U. e VANOLO, A. (2015). Urban Neoliberalism. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, v. 24. Londres, Elsevier, pp. 846-853.; Harvey, 2010HARVEY, D. (2010). The enigma of capital and the crisis of capitalism. Oxford, Oxford University Press. e 2014HARVEY, D. (2014). Seventeen contradictions and the end of capitalism. Oxford, Oxford University Press.; Penny, 2016PENNY, J. (2016). “The (post)politics of fiscal retrenchment. Managing cities and people in a context of austerity urbanism”. In: SCHÖNING, B. e SCHIPPER, S. (eds.). Urban austerity: impacts of the global financial crisis on cities in Europe. Berlim, Theater der Zeit.).
Nesse contexto, o papel do Estado Neoliberal é exatamente criar, manter e conservar uma estrutura institucional apropriada às práticas do mercado, apesar de, depois de criadas, as condições não mais requererem intervenções que ultrapassem as de um Estado mínimo. Nesse sistema, ganha relevo a forma como a produção do espaço se realiza cada vez mais como condição geral da (re)produção capitalista, não só na produção de infraestrutura, como no ambiente construído, formando o aparato necessário à reprodução ininterrupta do sistema. O objetivo do Estado Capitalista não é eliminar as contradições do sistema, mas atenuá-las, reproduzindo, no tecido social, a dinâmica da acumulação capitalista extraída da produção de ambiente construído. Cabe ao Estado, inserido na lógica do sistema capitalista, garantir a reprodução do capital, gerindo conflitos e contradições produzidos pelo próprio sistema e que podem interferir na plena realização do ciclo de capital, seja pela produção de infraestruturas, seja pelo controle dos salários de modo a mantê-los baixos, seja pelas políticas de concorrência e de regulação que formula (Lojkine, 1997LOJKINE, J. (1997). O Estado Capitalista e a questão urbana. São Paulo, Martins Fontes.; Lefebvre, 1974LEFEBVRE, H. (2000 [1974]). La production de l’espace. Paris, Anthropos.; Bourdieu, 2014BOURDIEU, P. (2014). Sobre o Estado. Lisboa, Edições 70.; Carlos, 2015CARLOS, A. F. A. (org.). (2015). Crise Urbana. São Paulo, Contexto.; e Avelãs Nunes, 2013AVELÃS NUNES, A. (2013). O Estado capitalista e as suas máscaras. Lisboa, Edições Avante. e 2016AVELÃS NUNES, A. (2016). O Keynesianismo e a Contra-Revolução Monetarista. Lisboa, Página a Página.).
A emergência e o recente desenvolvimento extraordinário do setor do turismo em Lisboa têm, portanto, de ser compreendidos nesse contexto de governança urbana neoliberal, promotora de estímulos ao mercado e à iniciativa privada, mas também nas geografias neoliberais dos fluxos transnacionais de capitais à escala global que comandam, hoje mais do que nunca, os destinos das microgeografias de (des)investimento e reinvestimento no parque imobiliário do espaço intraurbano. Todavia, torna-se também necessária uma leitura da retrospectiva das políticas municipais de reabilitação urbana, cujo percurso, no caso da cidade de Lisboa, tem sido, à semelhança de Portugal, marcado por um caro desígnio de liberalização e de desbloqueio do mercado de habitação português.
Turistificação, o turismo como panaceia ou… em direção a uma definição de gentrificação turística
A partir da teoria crítica nos estudos urbanos de cerca dos últimos 40 anos, percebemos que a gentrificação se refere a um processo de aburguesamento de certos bairros e áreas da cidade com história de desinvestimento de capital e degradação urbanística. Corresponde, nos seus mais variados moldes, a um fenômeno de substituição social classista e de reapropriação pela burguesia – e da própria e respetiva ideologia neoliberal e ordem simbólica subjacentes – dos espaços de habitat populares das áreas antigas centrais. É um processo de mudança urbana, no qual a reabilitação de imóveis residenciais situados em bairros da classe trabalhadora ou de gênese popular/tradicional atrai a fixação de novos moradores relativamente endinheirados, levando ao desalojamento e à expulsão de ex-residentes que não podem mais pagar o aumento dos custos de habitação que acompanham a regeneração urbana que o processo comporta, culminando com um aprofundamento da segregação residencial e divisão social do espaço urbano (Smith, 1979SMITH, N. (1979). Toward a theory of gentrification: a back to the city movement by capital not people. Journal of the American Planning Association, n. 45, pp. 538-548.). Essas tendências são muito evidentes, sobretudo numa extensão do conceito de gentrificação a recentes casos de grandes operações urbanísticas de renovação e regeneração, levadas a cabo por diversos agentes de produção do espaço urbano, já caracterizados por Lefebvre (1974)LEFEBVRE, H. (2000 [1974]). La production de l’espace. Paris, Anthropos.: os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado, as empresas e os cidadãos.
A gentrificação é uma questão ideológica, política, e é o processo de mudança urbana que melhor materializa a luta de classes no palco cidade na/da contemporaneidade. As relações socioespaciais estruturadas pela gentrificação são reguladas pelas estruturas capitalistas, de forma a reforçar e a reproduzir a riqueza e o poder da classe dominante, por via da acumulação por despossessão, expropriação, desalojamento e expulsão da classe dominada. Todavia, os processos subjacentes à gentrificação e às mudanças materiais que se produzem parecem ter sido esticados ao longo do tempo e do espaço. A gentrificação contemporânea tornou-se cada vez mais complexa, pois diferentes atores e lugares se envolveram, e as paisagens produzidas mudaram. Uma série de transformações derivadas de um novo contexto político e econômico imposto pela globalização gerou uma nova forma de gentrificação significativamente diferente da que se observou durante décadas, do ponto de vista de protagonistas e demandas, como modalidades e estrutura de oferta. O que era causal, marginal e local passa a ser sistemático e é verdadeiramente global para todas as regiões do planeta, assumindo uma dimensão estratégica na cena do urbanismo neoliberal contemporâneo (Smith, 2005SMITH, N. (2005). “El redimensionamiento de las ciudades: la globalización y el urbanismo neoliberal”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. (eds.). Capital financiero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autònoma de Barcelona.). Mediada pela dialética entre os movimentos cíclicos de capital financeiro à escala transnacional e a produção de ambiente construído imobiliário à escala local intraurbana, e alavancada por processos ditos de “regeneração urbana”, a gentrificação não se resume hoje apenas ao setor residencial e à habitação, abrangendo também a geografia funcional da cidade, englobando igualmente o comércio, o turismo e a governança. Por isso se tem vindo a falar também em gentrificação turística, comercial e até ideológica/moral (Lees, Bang Shin e Lóppez-Morales, 2016LEES, L.; BANG SHIN, H. e LÓPEZ-MORALES, E. (eds.) (2016). Planetary gentrification. Bristol, Policy Press.; e Mendes, 2016eMENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo).).
Mas por que podemos falar de gentrificação turística? Em Lisboa, por exemplo, os fluxos de capital no mercado imobiliário combinados com a mudança econômica e política para o turismo (turistificação) parecem atualmente explicar melhor a gentrificação contemporânea comparativamente às teses tradicionais que se concentram na demanda gerada pelo gentrifier enquanto consumidor ou nas preferências culturais de uma nova classe média para bairros históricos do centro da cidade. Especialmente no contexto de pós-crise financeira, a estrutura urbana, social e econômica de Lisboa foi profundamente transformada para acomodar a crescente demanda do turismo internacional. O turismo no centro de Lisboa parece ser percepcionado pelos poderes públicos e pela própria iniciativa privada como uma espécie de "panaceia" que pode curar todas as doenças da crise urbana. Tem havido alguma discussão ultimamente sobre se a turistificação é uma espécie de gentrificação, uma vez que os processos muitas vezes compartilham características comuns um com o outro.
Assim, em primeiro lugar, não podemos compreender essa febre turística que a cidade experimenta sem compreender a ancoragem da gentrificação nas malhas imbricadas dos sistemas globais de finanças imobiliárias e bancárias, bem como a ideologia do mercado livre, o regime urbano de austeridade, a financeirização da sociedade e da economia que curiosamente se tem assumido uma cura para os problemas criados pela crise capitalista 2008-2009, quando, na verdade, são a própria causa de todo o problema da desregulamentação financeira criada.
O ponto importante a salientar aqui é que a literatura observa que ambos os processos se alimentam um ao outro e se sobrepõem no tempo e no espaço. Embora em alguns casos a proliferação de espaços gentrificados faça com que se tornem destinos turísticos, em outros casos é o próprio turismo que, orientado por estratégias de promoção urbana para produzir um novo ambiente construído, por sua vez, atrai novos residentes com rendimentos mais elevados e, portanto, incentiva processos de gentrificação. De fato, os dois processos coexistem e não se distinguem no mundo empírico, estando geralmente interligados e reforçando-se mutuamente. Independentemente do processo que encoraja o outro, conclui-se que ambos tendem a coexistir no mesmo ambiente urbano, resultando na chamada gentrificação turística (Cocola Gant, 2015CÓCOLA-GANT, A. (2015). Tourism and commercial gentrification. RC21 International Conference on “The Ideal City: between myth and reality. Representations, policies, contradictions and challenges for tomorrow's urban life”. Urbino (Italy), pp. 27-29.). Um dos primeiros trabalhos seminais sobre o assunto é o estudo de Gotham (2005)GOTHAM, K. (2005). Tourism gentrification: the case of New Orleans' Vieux Carre (French Quarter). Urban Studies, v. 42, n. 7, pp. 1099-1121. do Vieux Carré de Nova Orleans, que inventa o conceito de gentrificação turística para explicar o engajamento dialético do processo de turistificação e gentrificação:
to highlight the role of state policy in encouraging both gentrification and tourism development, and the actions of large entertainment corporations. […] transformation of a middle-class neighbourhood into a relatively affluent and exclusive enclave marked by a proliferation of corporate entertainment and tourism venues. (pp. 1100-1102)
Expandindo a definição de Gotham (ibid.) e abrindo as fronteiras do quadro conceitual para a realidade empírica de Lisboa, neste ensaio, entendo a "gentrificação turística" como a transformação dos bairros populares e históricos da cidade/centro em locais de consumo e turismo, mediante a expansão da função de recreação, lazer ou alojamento turístico (como, por exemplo, apartamentos turísticos e arrendamento de curta duração – short rental), que começa a substituir gradualmente as funções tradicionais da habitação para uso permanente, arrendamento a longo prazo e comércio local tradicional de proximidade, agravando tendências de desalojamento e segregação residencial, esvaziando os bairros de sua população original ou impedindo população de baixo estatuto socioeconômico de aceder a habitação nessas áreas (Mendes, 2016aMENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo). e 2016bMENDES, L. (2016b). “What can be done to resist or mitigate tourism gentrification in Lisbon? Some Policy Findings & Recommendations”. In: GLAUDEMANS, M. e MARKO, I. (eds.). City making & tourism gentrification. Tilburg, Stadslab.). Historicamente, o centro tradicional de Lisboa foi o lar de diversos grupos de pessoas. No entanto, ao longo dos últimos dez anos, especialmente, os valores da propriedade imobiliária e do solo urbano aumentaram. Isso, aliado à crise econômica, à austeridade financeira e à nova lei do arrendamento urbano (baluarte de uma virada neoliberal no marco legal urbano), legitimou a "panaceia turística" no centro da cidade. O aumento galopante do preço da habitação para uso permanente ou temporário (arrendamento ou aluguel) tem empurrado para fora as pessoas pobres e os imigrantes, de modo que atrações turísticas, restaurantes, bares de entretenimento e lojas para visitantes e turistas dominam agora grande parte dos distritos centrais. Argumentamos que essa mudança nos fluxos de capital para o mercado imobiliário de alojamento turístico combinada com o crescimento da procura turística e, ultimamente, com uma tendência neoliberal crescente nas políticas de regeneração urbana reforçam a importância das atividades destinadas ao consumo turístico e encorajam o desalojamento/deslocamento, aprofundando a segregação residencial e elevando a gentrificação em Lisboa para uma fase mais agressiva do processo.
Como em Berlim, Barcelona, Veneza ou Amesterdã, assim foi também em Lisboa. Na última década a fronteira da gentrificação tem vindo a avançar e muito, por efeito de uma aceleradíssima turistificação. Não só se tem expandido em escala como tem mudado de contornos, de formas e de protagonistas. Sabemos que, até início do século XXI, o processo era marginal e embrionário nas duas grandes cidades portuguesas de Lisboa e Porto. Designei-a de pocket gentrification ou “gentrificação embrionária” (Mendes, 2006MENDES, L. (2006). A nobilitação urbana no Bairro Alto: análise de um processo de recomposição socio-espacial. Finisterra, v. 41, n. 81, pp. 57-82., 2008MENDES, L. (2008). A nobilitação urbana no Bairro Alto: análise de um processo de recomposição sócio-espacial. Tese de Mestrado. Lisboa, Universidade de Lisboa. e 2014MENDES, L. (2014). Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, pp. 487-511.). Apelidava-se assim, pois tratava-se de uma marginal gentrification, o seu estádio era primário, tanto que o seu crescimento era lento e esporádico, manifestando-se no espaço urbano de forma pontual e fragmentada, numa pequena e leve escala circunscrita e limitada a apenas alguns apartamentos ou, quando muito, a alguns quarteirões de bairro. O desalojamento era diminuto ou mesmo inexistente. Isto aconteceu, pois todas as políticas de reabilitação urbana assumidas desde os anos 1970 até início do século XXI eram muito protetoras dos inquilinos e das populações mais vulneráveis que viveram durante décadas no centro histórico, procurando fixá-los em contracorrente com o intenso processo de despovoamento sofrido, à medida que, pela expansão suburbana, consolidava-se a área metropolitana. Para isso também contribui a lei do congelamento das rendas de 1948, que manteve o valor das rendas pagas a um nível muito baixo, como já vimos.
Neste momento, Lisboa vive um novo estádio de gentrificação em todo diferente do anterior, muito devido à explosão de diversas formas de alojamento turístico, promovidas, sobretudo, pelo grande investimento estrangeiro injetado por proprietários de peso e grandes grupos econômicos de promoção imobiliária. Enquanto os marginal gentrifiers (os gentrifiers “pioneiros”) continuam a influenciar a área, a gentrificação torna-se frequentemente acompanhada por agentes imobiliários de maior envergadura, e a reabilitação urbana começa a afigurar-se como estratégia política e econômica prioritária para a revitalização do centro histórico. Como resultado do aumento do volume de intervenções imobiliárias, as melhorias físicas e arquitetônicas tornam-se cada vez mais visíveis nessa fase, pelo que, consequentemente, os preços das casas nos bairros históricos começam a subir galopantemente. Sem regulação ou controle moderado sobre a subida das rendas, o processo de desalojamento direto e indireto expande-se para formas mais agressivas, à medida que os valores imobiliários dos bairros também aumentam e o Estado aprova legislação facilitadora da iniciativa privada e do despejo de habitantes e comerciantes locais. As melhores propriedades habitacionais e comerciais mantidas tornam-se parte do mercado da classe alta e média-alta, à proporção que os proprietários procuram tirar proveito da notoriedade reforçada da área, o que acaba, por sua vez, a conduzir a um maior desalojamento.
As principais forças motrizes: financeirização do mercado de habitação e a virada neoliberal nas políticas urbanas
Comumente tem-se considerado que a expansão exponencial da turistificação no centro histórico da cidade de Lisboa reside na conjugação de vários elementos decisivos: 1) o recurso a plataformas online como o Booking.com, Airbnb, Windu, Homeaway, etc.;1 (1) O recurso a estas plataformas online permitem uma hiperescolha pelo lado da procura, bastante individualizada se pensarmos nas estadias organizadas via internet, mas também, do lado da oferta, a emergência de um micro-capitalismo rentista baseado no aluguel informal, que vai muito além da simples “economia de partilha” que parecia caracterizar o fenômeno no seu início, aliás, característica comum a quase todas as cidades do mundo com economias financeirizadas no pós-crise. É interessante denotar que este tipo de oferta tem vindo a criar tensões sobretudo junto dos grandes operadores da indústria hoteleira (AHP, 2016). 2) o contínuo embaratecimento da mobilidade internacional, nomeadamente através das companhias aéreas low cost; 3) a tendência em nível global de aumento da procura por estabelecimentos turísticos alternativos, localizados em bairros históricos e típicos, conferindo maior autenticidade urbana e mais experiência local à estadia, indo ao encontro do desejo de cosmopolitismo do turista/visitante personificando objetivos de distinção social, que só a qualidade urbana de estadia e alojamento no centro histórico pode emprestar; 4) a falta de oferta hoteleira no centro histórico da cidade, onde havia um elevado número de edifícios devolutos; 5) a percepção de rentabilidades mais elevadas no alojamento turístico que no arrendamento de longo prazo; 6) o investimento de milhões de euros em campanhas publicitárias que afirmam internacionalmente Lisboa como cidade europeia predileta para o city-break, reforçando a ideia de cidade enquanto lugar cosmopolita, rico de patrimônio e de dinamismo, vibrante, sobretudo, para jovens criativos de aspiração boêmia e investidores imobiliários. Daí também a congratulação com diversos prêmios turísticos em nível internacional. Esses fatores desencadearam a entrada de novos operadores, muitos deles individuais e informais, criando um mercado desregulado de alojamento turístico. Além disso, o aumento inesperado do turismo em Portugal deriva em grande parte do declínio da procura turística, por questões de segurança internacional, em vários países árabes – Egito, Tunísia, Marrocos.
Contudo, em boa verdade, essa mudança revela causas mais profundas e estruturais do que as que têm sido divulgadas. Começou com uma viragem neoliberal nas políticas urbanas desde 2004 (criação das sociedades de reabilitação urbana),2
(2)
Decreto-lei nº 104, de 7 de maio de 2004, que criou o Regime Jurídico Excecional de Reabilitação Urbana de Zonas Históricas e de Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística.
com a aprovação de uma série de pacotes de leis que foram surgindo sucessivamente defendendo uma visão pró-mercado no que respeita à habitação, favorecendo a iniciativa privada, as parcerias público-privadas e a competitividade no setor. Essa viragem neoliberal culminou com a aprovação da Nova Lei do Arrendamento Urbano em 2012 (Mendes, 2014MENDES, L. (2014). Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, pp. 487-511.), em conjunto com a simplificação da Lei do Alojamento Local em 2014, com os pacotes para atração de investimento estrangeiro, tais como o regime fiscal muito favorável para os Residentes Não Habituais (já desde 2009) e para os Fundos de Investimento Imobiliário, bem como com o programa dos Golden Visa ou Autorização de Residência para Atividade de Investimento3
(3)
Que dá a possibilidade de investidores estrangeiros (nacionais de Estados terceiros) requererem uma autorização de residência para efeitos do exercício de uma atividade de investimento mediante o preenchimento de determinados requisitos, nomeadamente a realização de transferência de capitais, a criação de emprego ou compra de imóveis em áreas de necessária regeneração urbana.
e, ainda, com o regime excepcional e temporário4
(4)
Decreto-lei nº 53/2014, de 8 de abril.
da reabilitação urbana de 2014, no sentido de agilização e dinamização, flexibilizando e simplificando os procedimentos de criação de áreas de reabilitação urbana e de controle prévio das operações urbanísticas (Mendes, 2016aMENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo). e 2016cMENDES, L. (2016c), Gentrificação: palavra suja do urbanismo austeritário, Dossier 256 “Turismo: cidade e gentrificação”. Esquerda. Net. [policopiado] Disponível em: http://www.esquerda.net/dossier/gentrificacao-palavra-suja-do-urbanismo-austeritario/44804. Acesso em: 25 maio 2017.
http://www.esquerda.net/dossier/gentrifi...
).
Todo esse quadro criou um contexto fiscal e legal que facilitou imensamente a financeirização do imobiliário, forma acabada de fossilização, acumulação e reprodução do capital no ambiente construído; bem como os despejos, tendo agravado o desalojamento e a segregação residencial. Nesse contexto, é expectável um crescimento contínuo do mercado de alojamento turístico, pois investidores e promotores nacionais e internacionais continuam a comprar edifícios no centro histórico de Lisboa para os reabilitar para esse uso específico. Até porque, a conversão desses ativos para o uso de apartamentos turísticos permite maior rentabilidade para os investidores, comparativamente ao arrendamento tradicional e de longa duração, tendência cada vez mais tida em conta pelos investidores Golden Visa e pelos Residentes Não Habituais que tiram, assim, mais facilmente rendimento dos seus ativos.
Uma combinação de fatores levou a enormes novas pressões sobre o mercado imobiliário, alavancado pela combinação da liberalização da lei de arrendamento urbano (NRAU), os ganhos de alojamento turístico de curto-aluguel e amplos benefícios do investimento imobiliário internacional. Tais pressões resultaram num aumento muito elevado da especulação imobiliária e financeira em nome de uma suposta regeneração urbana que parece não beneficiar a população local. Os preços dos imóveis subiram e tornou-se cada vez mais difícil de encontrar habitação a preços acessíveis em Lisboa. Apenas em 2015, os preços da habitação no centro de Lisboa aumentaram 23%, e em toda a cidade cerca de 12%. Uma tendência que parece durar até 2016 (Seixas, 2016SEIXAS, J. (2016). “Ten Theses upon the Historical Centre of Lisbon”. In: GLAUDEMANS, M. e MARKO, I. (eds.). City making & tourism gentrification. Tilburg, Stadslab.). Em Lisboa, o Índice de Rendas Residenciais atingiu, no 1º trimestre de 2016, o ponto mais alto desde que o indicador elaborado pelo SIR (Sistema de Informação Residencial) começou a recuperar em meados de 2013. Assim, desde este último período, as rendas habitacionais já cresceram 22% na cidade de Lisboa, situando-se o índice praticamente no nível registado no início da série em 2010 (Confidencial Imobiliário, 2016CONFIDENCIAL IMOBILIÁRIO (2016). Portuguese Housing Market Sourvey. Relatório Mensal, outubro. Lisboa (mimeo).).
Os problemas de acesso à habitação nas zonas históricas de Lisboa e Porto relacionados com o boom do turismo têm de ser entendidos no contexto de uma virada neoliberal registada em Portugal no nível das políticas urbanas e fiscais desde o início do século XXI, promovendo o estímulo ao mercado e à iniciativa privada. No entanto, é também necessária uma retrospectiva das políticas municipais de reabilitação urbana, que, no caso de Lisboa, foi marcada, como Portugal, por um caro plano de liberalização e desbloqueamento do mercado imobiliário português, elaborada já em Mendes (2008MENDES, L. (2008). A nobilitação urbana no Bairro Alto: análise de um processo de recomposição sócio-espacial. Tese de Mestrado. Lisboa, Universidade de Lisboa. e 2014MENDES, L. (2014). Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, pp. 487-511.).
À exceção da última década, todos os programas de reabilitação urbana levados a cabo pelo Estado, desde meados dos anos 1970, fomentaram a reabilitação urbana e a conservação do edificado existente no centro histórico das cidades portuguesas de acordo com o interesse público e coletivo e de acordo com o interesse das populações autóctones já residentes nos bairros da cidade/centro, contra a segregação produzida por eventuais casos de gentrificação. A associação direta da gentrificação enquanto consequência linear da reabilitação urbana merece, desse modo, maior discussão, sobretudo no caso português, que é marcado por uma grande rigidez do mercado de habitação e por uma evolução de sucessivos pacotes legislativos, desde meados do século XX, que estabilizaram o mercado de arrendamento e limitaram fortemente a proliferação do fenômeno da gentrificação. Beneficiando, em particular, as famílias de baixo estatuto socioeconômico e privilegiando a manutenção e a fixação da população autóctone, ou seja, já residente nos bairros antigos, os sucessivos pacotes legislativos relativos a conservação e reabilitação do parque habitacional funcionaram como um pesado constrangimento ao avanço da gentrificação, limitando o processo de substituição social inerente ao desalojamento dos grupos socioeconomicamente mais debilitados, que, entretanto, estariam em risco de serem deslocados pelos gentrifiers, os novos moradores, pertencentes a uma nova classe média alta e relativamente endinheirada (filtering up).
Esse mesmo Estado, que nos anos 1970, 1980 e 1990 apresentava preocupações sociais na política de reabilitação urbana, foi marcado, doravante e a partir do início do século XXI, por um quadro de referências neoliberal: uma nova política urbana de reabilitação, muito mais orientada para o mercado e, portanto, marcada pelas lógicas da promoção do consumo, da competitividade entre metrópoles, do protagonismo dos atores privados no processo de planejamento e de produção da cidade. As administrações centrais têm procurado uma redução gradual dos poderes executivos de todo o setor público, tentando transferir para o setor privado todos aqueles que não tinham necessidade absoluta de ser pelo Estado executados. A maior parte dos governos urbanos assume posições neoliberais, partindo da convicção de que o investimento privado, quando fomentado pelo mercado, gera emprego e riqueza, produz diretamente bem-estar social na cidade. Reconhecem-se, nas áreas urbanas abandonadas ou em processo de declínio, áreas-oportunidade, para atrair investimento privado e garantir a reprodução de capital imobiliário. Na reabilitação urbana evidencia-se o papel de relevo do marketing territorial na gestão estratégica da imagem da cidade, de forma a levar a que cada cidade se diferencie das outras, valorizando-se e projetando-se no contexto internacional, atraindo o investimento desejado.
Essa virada neoliberal nas políticas urbanas, marcada por uma profunda valorização das perspectivas do mercado na produção do espaço urbano, iniciou-se com a promulgação do decreto-lei nº 104, de 7 de maio de 2004, que criou o Regime Jurídico Excepcional de Reabilitação Urbana de Zonas Históricas e de Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística. Entretanto, o decreto-lei nº 307, de 23 de outubro de 2009, assumiu a reabilitação urbana como uma componente indispensável da política de cidades e da política de habitação em Portugal, prolongando o regime de incentivos fiscais ao investimento privado no mercado da reabilitação urbana. Esse regime passa também a incumbir, aos privados, o dever público de requalificação do parque habitacional e de outras componentes do espaço público.
Tudo isso ao abrigo da figura de um “Estado de Exceção”, como é o caso do decreto-lei nº 53, de 8 de abril de 2014, que estabelece um regime excepcional e temporário no sentido de agilização e dinamização, flexibilizando e simplificando os procedimentos de criação de áreas de reabilitação urbana e de controle prévio das operações urbanísticas. Tem, como principal objetivo, dispensar as obras de reabilitação urbana da sujeição a determinadas normas técnicas aplicáveis à construção, quando elas, por terem sido orientadas para a construção nova e não para a reabilitação de edifícios existentes, puderem constituir um entrave à dinamização da reabilitação urbana.
Mais recentemente, a promulgação do decreto-lei nº 31, de 14 de agosto de 2012, institui a nova lei do arrendamento urbano, também conhecida por Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), e que entrou em vigor em novembro de 2012, ao abrigo do Memorando de Políticas Econômicas e Financeiras, também conhecido como Memorando de Entendimento ou Plano da Troika – Acordo de Entendimento celebrado em maio de 2011 entre o Estado Português e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, visando ao equilíbrio das contas públicas e ao aumento da competitividade em Portugal. De acordo com Lavadinho (2013)LAVADINHO, R. (2013). A Nova Lei do Arrendamento. Seara Nova, n. 1724, pp. 21-24., trata-se, essencialmente, de um diploma que tem como objetivo primeiro a extinção dos contratos de arrendamento celebrados antes da década de 1990, sem garantia de direitos aos inquilinos. A crescente procura de arrendamento em consequência da crise do mercado da construção e do imobiliário e a ausência de oferta de arrendamento a preços acessíveis determinaram que a reforma do arrendamento urbano fosse assumida como um objetivo prioritário no domínio da habitação. De fato, a reforma do arrendamento urbano de 2006 não conseguiu dar uma resposta suficiente aos principais problemas com que se debate o arrendamento urbano, especialmente os relacionados com os contratos com rendas anteriores a 1990, com a dificuldade de realização de obras de reabilitação em imóveis arrendados e com um complexo e moroso procedimento de despejo.
O NRAU impõe um mecanismo de atualização de rendas que tem originado valores incomportáveis para muitos inquilinos sem que estejam estabelecidos os apoios sociais adequados e necessários, afetando as famílias de mais baixo estatuto socioeconômico, sobretudo nos centros históricos das grandes cidades de Lisboa e Porto, áreas-oportunidade para o capital imobiliário, sobretudo pela intensa desvalorização do parque habitacional e do edificado nas décadas passadas, funcionando como verdadeira oportunidade de investimento lucrativo e de reprodução do capital mobilizado pelo aproveitamento do rent gap existente. O desalojamento tem sido uma marca da nova lei do arrendamento, uma vez que se permite a facilitação da ação de despejo caso o senhorio/proprietário alegue pretender a casa para sua habitação própria ou para de seus descendentes ou, ainda, quando alega desejar realizar obras mais estruturais. A verdade é que a legislação não exige nem define que os alojamentos tenham de reunir as condições necessárias de habitabilidade, embora permita a ordem de despejo sem custos adicionais para o senhorio (Mendes, 2014MENDES, L. (2014). Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, pp. 487-511., 2016aMENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo)., 2016eMENDES, L. (2016e). As novas fronteiras da gentrificação na teoria urbana crítica. Cidades, v. 12, n. 20, pp. 207-252.; Alves, Pereira e Rafeiro, 2015ALVES, R.; PEREIRA, M. e RAFEIRO, M. (2015). “O Memorando de Entendimento e as reformas no mercado de arrendamento e na reabilitação urbana”. In: LURDES RODRIGUES, M. e ADÃO E SILVA, P. (orgs.). Governar com a Troika: políticas públicas em tempo de austeridade. Coimbra, Almedina.; Mendes e Carmo, 2016MENDES, L. e CARMO, A. (2016). State-Led gentrification in an era of neoliberal urbanism: examining the new urban lease regime in Portugal. International Conference Contested Cities “From contested cities to global urban justice – critical dialogues”. Madri, 4-7 July.). Através da legitimidade de mecanismos de despejo/desalojamento mais simplificados e rápidos da possibilidade de assegurar coercivamente o cumprimento dos contratos, sobretudo em caso de incumprimento do pagamento de rendas por parte dos inquilinos, reforçou-se a confiança dos proprietários na ideia de que o investimento em arrendamento e em produtos de alojamento turístico seria agora um investimento mais seguro para reprodução de capital imobiliário. A Nova Lei das Rendas foi a alavanca legal necessária que o mercado encontrou para desbloquear as dezenas de milhares de edifícios devolutos no centro histórico e que albergavam populações desfavorecidas a pagar rendas baixíssimas. Esses edifícios apresentam uma localização central privilegiada, e o fato de apresentarem elevados graus de má conservação conduz a oportunidades de especulação imobiliária tremenda, pois os promotores imobiliários e as construtoras vendem, depois do restauro, os imóveis a um preço muito acima do qual o compraram ainda devoluto, maximizando o princípio do rent gap (Mendes, 2016aMENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo).; Mendes, 2017MENDES, L. (2017). Gentrificação, financeirização e produção capitalista do espaço urbano. Cadernos Poder Local, v. 40, n. 155, pp. 56-86.; Paulo, 2017PAULO, L. (2017). A questão da habitação, Portugal 2017. Cadernos Poder Local, v. 40, n. 155, pp. 11-25.).
O mercado residencial sofreu grandes dificuldades durante a crise, provocando graves consequências devido à falta de financiamento bancário e ao grande impacto exercido sobre os rendimentos dos portugueses. Na tentativa de superar tais tempos difíceis, o governo lançou dois programas para atrair investimentos estrangeiros: os Golden Visa ou Vistos Gold e o Regime de Impostos para Residentes Não Habituais. O Programa Golden Visa, lançado em 2012 pelas autoridades portuguesas, é uma via rápida para que investidores estrangeiros de países não comunitários (extra União Europeia) obtenham uma autorização de residência válida em Portugal. No âmbito desse programa, cidadãos não comunitários simplesmente precisam realizar um dos investimentos no imobiliário estabelecidos na lei para se qualificar para obter uma autorização de residência em Portugal. Essa autorização de residência permitirá ao investidor e aos seus familiares entrar e/ou viver em Portugal e viajar livremente pela grande maioria dos países europeus (Espaço Schengen). Visando a atrair investimentos estrangeiros para Portugal, o Golden Visa é um programa simples e flexível, com requisitos legais bastante acessíveis e claros para a elite capitalista internacional. Com requisitos de estadia mínima extremamente reduzida, o Golden Visa tem sido claramente considerado um dos programas de residência mais atraentes para investidores de todo o mundo.
No 1º semestre de 2016, os golden visa atribuídos permitiram a captura de €509 milhões, um aumento de 111% em comparação aos 241 milhões de euros obtidos no mesmo período do ano passado. Desde o início do programa, calcula-se que o ambiente construído já encaixou 1.985 milhões de euros através dessa ferramenta. Também no 1º semestre desse ano foram concedidos 821 vistos, superando os 766 concedidos em 2015. Em termos de nacionalidades, os chineses continuam a ser os estrangeiros que mais investem em Portugal através desse mecanismo, com um total de 2.743 vistos concedidos, seguidos por brasileiros, com 180; pelos russos, com 120; sul-africanos, com 109; e libaneses com 58.5 (5) Disponível em: http://vidaimobiliaria.com/noticia/golden-visa-atribu-dos-no-1-semestre-rendem-509m. Acesso em: 10 jul 2016.
Esse programa fiscal, ao proporcionar vantagens fiscais extraordinárias para a fixação de capital financeiro internacional no ambiente construído, impulsionou o desenvolvimento de diversos formatos de alojamento turístico (várias casas de hóspedes, albergues e apartamentos turísticos), geralmente localizados no centro histórico de Lisboa, onde havia falta de oferta desse tipo de alojamento, um enorme stock de edifícios devolutos e em mau estado de conservação, e, ao mesmo tempo, avoluma-se uma procura turística cada vez maior que prima por uma estadia local, acolhedora, típica e mais “autêntica” de um bairro histórico. Simultaneamente, investidores que procuram a obtenção do Golden Visa viram, nesse mercado, uma oportunidade de obter rendimento nos seus ativos imobiliários. Com toda essa dinâmica, atualmente podemos assistir a um grande dinamismo na reabilitação de edifícios no centro histórico da cidade, o que contribui para o aumento contínuo da oferta desse tipo de alojamento, verdadeiramente subsidiado por uma crescente financeirização do mercado de habitação, mas, ao mesmo tempo, desalojando a população mais pobre já residente no centro histórico.
A orientação do capital imobiliário, no âmbito do programa Golden Visa para a produção de produtos de habitação ou alojamento de luxo, demonstra claramente que este é um caso de supergentrificação – tal como cunhado por Lees (2003)LEES, L. (2003). Super-gentrification: the case of Brooklyn Heights, New York City. Urban Studies, v. 40, n. 12, pp. 2487-2509. e desenvolvido, por exemplo, por Atkinson et al. (2017) e Mendes (2017)MENDES, L. (2017). Gentrificação, financeirização e produção capitalista do espaço urbano. Cadernos Poder Local, v. 40, n. 155, pp. 56-86. –, quando áreas específicas constituem foco de intenso investimento e consumo ostentatório por uma nova geração de "financiadores" super-ricos, uma verdadeira classe de elite capitalista transnacional, alimentada pelas fortunas das indústrias globais de finanças e serviços corporativos. Fernandez, Hofman e Aalbers (2017)FERNANDEZ, R.; HOFMAN, A. e AALBERS, M. (2017). London and New York as a safe deposit box for the transnational wealth elite. Environment & Planning A (forthcoming)., num estudo dedicado à análise das elites de riqueza transnacional que compram imóveis residenciais em Nova York e Londres como investimento e não como residência principal, apresentam um incrível paralelo com o que acontece precisamente em Lisboa, embora, nesse caso, em uma escala menor certamente. A elite da riqueza transnacional é um grupo de pessoas que têm sua origem em uma localidade, mas que investem suas riquezas transnacionalmente, de acordo com fluxos de capital transfronteiriços, fazendo uso de reescalonamento nas geografias neoliberais do investimento financeiro. Eles focalizam a atenção na intercessão entre suas oportunidades de investimento e as redes legais e as condições produzidas pelas políticas fiscais de atração de investimentos estrangeiros, ao invés de empreendedores imobiliários, associações de habitação ou investidores institucionais, a que o grande capital imobiliário recorria tradicionalmente.
Lisboa, como Nova York e Londres, novamente, em uma escala diferente, registrou esse processo acelerado de financeirização no mercado de habitação e no setor do imobiliário em geral. Lisboa continua a ser um destino prioritário para investimento em imóveis. Um estudo publicado em junho de 2016, pela consultora internacional Savills,6 (6) Disponível em: http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/Lisboa-Um-destino-prioritario-para-investir-em-imobiliario. Acesso em: 2 jul 2016. em Londres, faz um raio-x no mercado português e revela que a capital portuguesa é um excelente exemplo de uma cidade europeia rica em patrimônio e que está se recuperando de uma crise econômica e revitalizando o mercado imobiliário. Há muitos lugares atraentes para investir em Lisboa, preços baixos para o setor imobiliário, tornando-a particularmente atraente para os investidores, acompanhado de bons produtos com alta qualidade.7 (7) O ano de 2016 fecha com um investimento de 18,1 mil milhões de euros resultantes de transações imobiliárias, sendo 4 mil milhões de investimento estrangeiro. Valores ligeiramente acima do ano de 2015, quando foram alcançados 15 mil milhões de euros, dos quais 3,3 mil milhões de investimento externo. Esses números foram avançados por Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário – CPCI, que refere esse ano como muito positivo, resultado de um renovado interesse dos investidores nacionais e estrangeiros e de maior dinâmica na Reabilitação Urbana. No terceiro trimestre, as transações de imóveis, em número, registaram um crescimento de 15,8% em comparação ao ano passado, e o licenciamento de obras cresceu 13,4%. O mercado imobiliário, nesee ano, manteve-se, na opinião do responsável, atrativo sobretudo devido à baixa atratividade dos produtos financeiros oferecidos pelos bancos, dado o atual nível das taxas de juro, a procura dos investidores estrangeiros, o programa dos Golden Visa, o Regime de Tributação de Residentes Não Habituais, impulsionados pelo bom momento que as atividades ligadas ao turismo atravessam. Mesmo assim, é necessário incentivar mais o setor, defende Reis Campos. Disponível em: http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/18-1-mil-milhoes-de-euros-investidos-em-imobiliario-este-ano. Acesso: 31 dez 2016. Lisboa tem vindo a ser reconhecida como um centro turístico internacional e um centro de crescimento para start-ups, ao mesmo tempo que o programa Golden Visa é reconhecido como uma oportunidade cada vez mais relevante, tendo em conta a complexa conjuntura internacional. Portugal tem ativos imobiliários de elevada qualidade, a um preço internacionalmente muito competitivo, excelentes infraestruturas, um clima ameno, segurança e um ambiente social único. Estas são algumas das qualidades referidas. Além de muitas outras atrações tradicionais, os preços residenciais de Lisboa correspondem a dois terços de Madrid, a um terço de Berlim e a um décimo de Londres. Mesmo os preços Prime são mais favoráveis em comparação a outras cidades europeias. Lisboa também oferece a mais alta qualidade de vida de dez cidades referenciadas no estudo, com base no seu baixo custo de vida, baixas criminalidade e poluição, ambiente social único, clima agradável, entre outras.
Essas amenidades da cidade, somadas à forma como o mercado imobiliário e o seu segmento de profissionais são organizados, e acrescentando, ainda, o funcionamento do quadro legal e fiscal reestruturado durante o período de austeridade, (re)produzem a função imobiliária como um ativo específico de classe, que dirige o “ajuste espacial” do capital, como estudado por Harvey (1978HARVEY, D. (1978). The urban process under capitalism. International Journal of Urban and Regional Research, n. 2, pp. 101-131., 1982HARVEY, D. (1982). The limits to capital. Blackwell, Oxford., 1985HARVEY, D. (1985). The urbanization of capital. Blackwell, Oxford., 2001HARVEY, D. (2001). Spaces of Capital. Towards a critical geography. Routledge, Londres.), num contexto de crise capitalista como a que tivemos em 2008-2009. Para sobreviver e multiplicar-se às suas crises, o capital tem que construir um espaço fixo (produzir “paisagem”) necessário para seu próprio funcionamento em um certo ponto de sua história, apenas para destruir esse espaço (destruição criativa e desvalorização de grande parte do capital investido), a fim de dar lugar a uma nova “fixação espacial” (abertura para novas frentes de acumulação em novos espaços e territórios) em um ponto posterior de sua evolução. O capital está sempre representado na forma de uma paisagem física e de uma determinada organização do espaço que, embora criada como valor de uso e condição de garantia de acumulação e reprodução, coroa o desenvolvimento expansível do capital na forma de capital fixo e imobilizado, mas inibe a expansão adicional futura da acumulação, funcionando, simultaneamente, como barreira espacial. A história do desenvolvimento capitalista, sobretudo na sua geografia, demonstra como ele precisa superar constantemente o delicado equilíbrio entre preservar o valor dos investimentos passados de capital fixo na produção de ambiente construído e destruir esses investimentos para abrir espaço novo para a acumulação. Persiste a contradição entre o capital fixo necessário à absorção de excedentes pela produção de espaço urbano e o capital móvel em constante rotatividade, movimento e circulação. E, se é verdade que toda a forma de mobilidade geográfica do capital requer infraestruturas espaciais fixas e seguras para funcionar efetivamente, tal não põe em causa todo o gênero de tensões e contradições inerentes ao processo de circulação de capital produzidas pela capacidade diferencial de distintos tipos de destruição criativa de ambiente construído responderem ao desafio da constante mobilidade geográfica do capital.
Rodrigues, Santos e Teles (2016)RODRIGUES, J.; SANTOS, A. e TELES, N. (2016). A financeirização do capitalismo em Portugal. Lisboa, Actual. argumentam, em seu estudo sobre a financeirização do capitalismo português, que o impacto desse processo no setor imobiliário não é exclusivamente derivado da liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros. Trata-se, de fato, de um processo de financiar toda a economia e a sociedade portuguesas, como produto social e histórico. Os autores sublinham o papel central que o Estado desempenha na sua condução ou posição e na integração internacional da economia portuguesa. A condição semiperiférica de Portugal, combinando características dos países desenvolvidos e menos desenvolvidos, torna o país particularmente vulnerável a pressões externas (incluindo as decorrentes do processo de integração europeia), condicionando a sua trajetória de evolução na financeirização do capitalismo. De fato, as fraquezas históricas da economia e da sociedade portuguesas, bem como o contexto de um Estado-Providência insuficiente, favoreceram a opção de criar um mercado privado de habitação, dominado pelas finanças, em que o Estado nunca deixou de desempenhar um papel decisivo.
O regime fiscal para os Residentes Não Habituais (RNH) é outro mecanismo de atração de investimento estrangeiro, introduzido em 2009, e atribui algumas vantagens fiscais às pessoas que solicitem a residência fiscal em Portugal. O objetivo desse regime especial é atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how (a dita classe criativa de Florida, 2002FLORIDA, R. (2002). The rise of the creative class. And how it’s transforming work, leisure, community and everyday life. Nova York, Basic Books.), bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro. Podem recorrer a esse estatuto os cidadãos que se tornem residentes fiscais em Portugal e que não tenham sido considerados residentes em território português nos cinco anos anteriores ao do pedido. Isto aplica-se, quer a cidadãos estrangeiros, quer a cidadãos portugueses que estavam vivendo fora do país e pretendam regressar a Portugal. Para ser considerado residente em Portugal, terá de permanecer mais de 183 dias em Portugal ou ter um imóvel que faça supor a intenção de manter a permanência e ocupá-lo como residência habitual.
O regime RNH representa um passo importante para tornar Portugal uma jurisdição livre de impostos (leia-se “paraíso fiscal” ou offshore) para os indivíduos que recebem um rendimento não residente qualificado. Os rendimentos qualificados incluem pensões, dividendos, royalties e rendimentos de juros. Esse status é concedido por 10 anos e não incorre em nenhum custo. Um dos principais objetivos desse regime é atrair indivíduos e suas famílias para Portugal, sendo benéfico, do ponto de vista fiscal, tornar-se residente fiscal em Portugal. Como resultado, os RNH têm a capacidade de: aumentar sua riqueza em uma jurisdição branda em nível fiscal; ganhar renda em um ambiente favorável ao imposto; alienar os seus ativos e os beneficiar de isenções fiscais; passar a sua riqueza sem impostos sobre herança ou doações, nomeadamente para crianças ou cônjuge; e desfrutar da sua aposentadoria sem imposto sobre as suas pensões. Combinado com as boas condições de vida que Portugal oferece, esse regime tem atraído vários estrangeiros, principalmente pensionistas e profissionais com atividades de alto valor acrescentado. Na prática, em relação às pensões obtidas no estrangeiro, mesmo que não sejam tributadas no país de origem, por não serem consideradas obtidas em território português, beneficiam do método da isenção. Esses contribuintes que aqui auferiram rendimentos do trabalho dependente ou independente em atividades definidas como de alto valor acrescentado são tributados a uma taxa autônoma, altamente favorável, de 20%. As retenções na fonte são efetuadas igualmente à taxa de 20%. O estatuto de residente não habitual é uma medida fiscal de discriminação positiva, sendo esmagadoramente mais favorável do que o regime fiscal dos residentes, tendo levantado ultimamente questões de justiça e equidade fiscal. O estatuto de RNH tem atraído principalmente franceses e escandinavos e resultou em investimentos no setor imobiliário, nomeadamente no segmento residencial. Em Lisboa, tal como acontece com os Golden Visa, a procura deu-se essencialmente no centro da cidade (John Lang Lasalle, 2015bJOHN LANG LASALLE – JLL (2015b). Portuguese Real State Market. Lisboa (mimeo).).
Prosseguindo a análise dessa política neoliberal de produção de espaço urbano no contexto da ideologia de austeridade, no que diz respeito às finanças públicas e ao Estado português impostas por regras transnacionais, deve-se notar o novo regime tributário dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII). No que diz respeito às questões fiscais, é dada especial importância ao novo regime aplicado aos impostos cobrados sobre os FII que são criados e operam nos termos estipulados na legislação nacional (decreto-lei 7, de 13 de janeiro de 2015). Esse novo regime geralmente significa que os FII não serão mais tributados na maior parte dos rendimentos auferidos. Os rendimentos típicos dos FII, em especial os imobiliários e as mais-valias (que estavam sujeitos às taxas de 25% e 12,5%, respetivamente), deixaram de estar sujeitos à tributação. Todos esses programas fiscais permitiram a Portugal criar um paraíso offshore que oferece condições únicas de retorno sobre o investimento imobiliário, desprovido de quaisquer obrigações de pagamento de contrapartidas e impostos ao Estado. Não surpreende que, nos primeiros três meses de 2016, o mercado imobiliário português tenha realizado 570 milhões de euros, um aumento significativo de mais de 225% diante dos 175 milhões de euros investidos no mesmo período de 2015.8 (8) Vide http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/Portugal-investimento-imobiliario-aumenta-225-face-a-2015. Acesso em: 20 abr 2016.
Outra causa importante para o desencadear da gentrificação é a enorme quantidade de propriedades vagas, revelando uma condição física em avançado estado de degradação e abandono, o que potencia o aumento do rent gap no centro de Lisboa, uma vez que a desvalorização imobiliária produzida pela degradação e pela escassa manutenção dos edifícios serve como oportunidade lucrativa de (re)investimento imobiliário. O movimento de saída de capital para a periferia durante o período de formação da metrópole de Lisboa – a partir da segunda metade do século XX – provocou uma alteração inversamente proporcional dos níveis de renda do solo dos próprios subúrbios e dos bairros centrais. Enquanto o valor do solo nos subúrbios aumentou significativamente com o crescimento de novas construções e infraestruturas, e com a consequente introdução nesses espaços periféricos e novas centralidades de uma multiplicidade de atividades, durante a formação da área metropolitana de Lisboa (desde 1950), o valor fundiário dos bairros centrais, ao invés, sofreu uma progressiva diminuição, sendo cada vez menor a quantidade de capital canalizado e investido na manutenção, reparação e recuperação do parque habitacional dessas áreas no centro da cidade de Lisboa, com a agravante do congelamento das rendas, tal como já foi referido anteriormente, que acabou por não facultar, aos proprietários e senhorios, os recursos financeiros necessários para a reabilitação do edificado.
Desse fenômeno resultou o que Smith (1979SMITH, N. (1979). Toward a theory of gentrification: a back to the city movement by capital not people. Journal of the American Planning Association, n. 45, pp. 538-548. e 1987SMITH, N. (1987). Gentrification and the rent gap. Annals of the Association of American Geographers, v. 77, n. 3, pp. 462-465.) denominou emergência do rent gap nos bairros históricos do centro da cidade – acentuando-se a diferença entre a atual renda capitalizada ante o presente uso do seu solo e a renda que potencialmente poderá vir a ser capitalizada tendo em conta a sua localização central. É precisamente o movimento de saída de capital para os subúrbios e o consequente surgimento do fenômeno rent gap no espaço urbano central que, segundo o autor, criam maiores oportunidades econômicas para a reestruturação urbana dos bairros centrais e para o investimento público e privado, na reabilitação e na recuperação do seu parque habitacional. Corresponde a um fenômeno de ocorrência quase universal em todas as cidades das sociedades de capitalismo avançado, e Lisboa não é exceção.
Lisboa tem quase 5.000 edifícios vagos, em mau estado ou devolutos. Afinal, tem 2.812 prédios na categoria de "parcialmente devoluto" (degradado e com frações desabitadas) e 1.877 na categoria de "totalmente devoluto" (abandonado e sem licença de recuperação), segundo um levantamento da Câmara Municipal de Lisboa, datado de 2009 (CML, 2012CML (2012). Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa: 2011-2024. Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa.). Esses 4.689 edifícios decadentes equivalem a 8% do total de 60 mil prédios existentes na capital. Ou seja, praticamente um em cada dez imóveis é considerado devoluto. O inquérito realizado no âmbito das atividades de supervisão do município de Lisboa mostra que a maioria desses edifícios – 65% – pertence a entidades privadas (particulares ou empresas). Chega a ser de quase 1/3 a proporção de edifícios em ruínas sobre os quais ninguém tem informações acerca da identidade do proprietário – 32,3% –, o que bem revela o grau de ignorância existente sobre essa realidade. Os edifícios muito degradados estavam principalmente nas freguesias do centro da cidade, variando entre 33% e 18%. Lestegás (2016)LESTEGÁS, I. (2016). “Foreign investment and the commodification of Lisbon’s Historic Center under austerity”. In: GLAUDEMANS, M. e MARKO, I. (eds.). City making & tourism gentrification. Tilburg, Stadslab., num trabalho de outubro, seguindo muito de perto o quadro teórico-conceitual originalmente estabelecido por Mendes (2016a)MENDES, L. (2016a). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification, Master Class Tourism Gentrification and City Making, Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa, 16th April. (mimeo). apresentado em abril, diz que:
Em 2011, quase 27% das habitações familiares convencionais na freguesia da Misericórdia; mais de 32% daqueles em Santa Maria Maior; 23% daqueles em Santo António; e 20% daqueles em São Vicente, estavam vazios. Uma vez que a maioria dos moradores do Centro Histórico de Lisboa eram arrendatários, tornou-se necessário alterar o regime de arrendamento para os expulsar rápida e facilmente e permitir que os investidores privados se envolvessem na transformação rentável da área. (p. 44)
Esta é uma condição extremamente favorável para o desenvolvimento do rent gap, associada ainda à política fiscal altamente atrativa para investimento estrangeiro no imobiliário devoluto do centro da cidade.
Considerações finais
A relação entre o turismo e as áreas urbanas não é, de modo algum, recente (Ashworth e Tunbridge, 1990ASHWORTH, G. e TUNBRIDGE, J. (1990). The tourist-historic city. Londres, Belhaven.; Mullins, 1991MULLINS, P. (1991). Tourism urbanization. International Journal of Urban and Regional Research, v. 15, n. 3, pp. 326–342.; e Law, 2002LAW, C. M. (2002). Urban tourism. The visitor economy and the growth of large cities. Londres, Mansell.). No entanto, hoje em dia o turismo urbano está em plena expansão devido a um urbanismo neoliberal e austeritário, a uma sociedade de consumo cada vez mais profusa e a internacionalização mundial dos sistemas financeiros que reconhecem as mais-valias retiradas do novo impulso econômico criado pelos investimentos em regeneração urbana, apoiados por políticas urbanas e de governança neoliberais. Isso acompanha as mudanças nas motivações para a procura do turismo urbano e os importantes investimentos feitos na preservação do patrimônio construído e na promoção de ambientes cosmopolitas, especialmente nos bairros históricos dos centros das cidades (Ashworth e Page, 2011ASHWORTH, G. e PAGE, S. (2011). Urban tourism research: recent progress and current paradoxes. Tourism Management, n. 32, pp. 1-15.; Wilson e Tallon, 2012WILSON, J. e TALLON, A. (2012). “Geographies of gentrification and tourism”. In: WILSON, J. (ed.). The routledge handbook of tourism geographies. Londres, Routledge.; Hiernaux e González, 2014HIERNAUX, D. e GONZÁLEZ, C. (2014). Turismo y gentrificación: pistas teóricas sobre una articulación. Revista de Geografía Norte Grande, n. 58, pp. 55-70.; e Delgadillo, 2015DELGADILLO, V. (2015). “Patrimonio urbano, turismo y gentrificación”. In: DELGADILLO, V.; DÍAZ, I. e SALINAS, L. (orgs.). Perspectivas del estudio de la gentrificacíon en México y América Latina. Coyoacán, Instituto de Geografía, UNAMp.).
O turismo urbano nas suas diversas modalidades tem conhecido grande expansão no início do século XXI, mas o excesso turístico como fenômeno massificador, hegemônico e dominante nas grandes cidades de Lisboa e Porto é recente. Paralelamente aos hotéis de luxo, tem aumentado a oferta de alojamentos para turistas jovens e pouco endinheirados, através de hostels, da oferta privada no airbnb ou de outras plataformas online, ou dos apartamentos de short rental, alguns instalados em imóveis reabilitados do centro histórico de Lisboa e Porto. Essa procura massificada de Lisboa como destino turístico está acelerando a gentrificação, entre outros impactos sociais e econômicos no tecido urbano. Fala-se de turistificação, fenômeno para o qual não existe ainda uma definição conceitual clara, em termos científico. Digamos que é uma noção que tem sido muito divulgada nos círculos acadêmicos e que exprime a expansão significativa do turismo num território, quer do ponto de vista da oferta de serviços e equipamentos, incluindo alojamento turístico nas suas diversas modalidades, quer do ponto de vista da procura da cidade como destino turístico. Quando aplicado, o conceito de turistificação designa uma hiperespecialização da economia de um território no setor do turismo. Em Portugal em geral, como nas cidades de Lisboa e Porto em particular, o turismo tem ganho um peso significativo nos últimos anos, com um crescimento ininterrupto (pelo menos na última década), registrando aumentos consideráveis de chegadas de turistas, dormidas e receitas diárias, com impacto direto e indireto na economia nacional, tanto em nível de riqueza criada como de empregos assegurados.
Com toda essa dinâmica, atualmente podemos assistir a um grande dinamismo na reabilitação de edifícios e revitalização do espaço público no centro histórico da cidade, o que contribuí para o aumento contínuo da oferta desse tipo de alojamento, embora, ao mesmo tempo, desaloje a população mais pobre já residente no centro histórico, tais como imigrantes e idosos. A destruição do mercado de arrendamento e o desalojamento e despejo de antigos moradores são uma realidade para dar origem a diversas formas de alojamento turístico, muitas vezes de luxo. Os proprietários de imóveis apostam fortemente no alojamento turístico local, por considerarem ser um investimento mais rentável e seguro, devido à instabilidade geral do regime de arrendamento clássico/habitacional de longo prazo. Nesse momento, muitos proprietários acham que o investimento em alojamento local/turístico é mais seguro e permite a reprodução do capital imobiliário, de modo mais eficaz e rápido, em comparação com o que sucede com o arrendamento habitacional. Na perspectiva dos inquilinos, a aposta dos proprietários no alojamento local prejudica a oferta de casas para arrendar e faz aumentar o preço das rendas para valores insuportáveis e incomportáveis para a maior parte das famílias. A verdade é que o investimento também é mais rentável também por força do regime fiscal existente até recentemente. O regime de tributação fazia discriminação entre o arrendamento clássico e o arrendamento a turistas. O arrendamento normal/clássico tinha uma taxa de imposto sobre os rendimentos de 28%, enquanto o arrendamento a turistas, aquele que é praticado pelo alojamento local, apenas tinha uma taxa de imposto sobre 5% do valor recebido. Como a rentabilidade do arrendamento turístico é significativamente superior à do arrendamento permanente, muitos proprietários acabam por escolher essa opção.
Mas no caso de Lisboa, foram a virada neoliberal dos sucessivos pacotes legislativos para uma reabilitação urbana mais pró-mercado, os programas Golden Visa e RNH, a nova lei de arrendamento urbano, o novo regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário, a nova lei do alojamento local (turístico), a disponibilidade de um imenso parque habitacional devoluto e acumulador de um grande rent gap, juntamente com o forte crescimento da procura turística na cidade, que geraram uma “tempestade perfeita” que introduziu mudanças significativas no mercado residencial, que passou de uma pausa abrupta para um alto nível de demanda de forma muito rápida, com a oferta agora começando a ficar aquém de satisfação daquela. Essa situação levou a um rápido esgotamento do stock residencial novo e de boa qualidade que estava disponível, localizado principalmente no centro histórico da cidade, mas não apenas no segmento residencial de luxo. Despertou igualmente o interesse de muitos promotores imobiliários nacionais e internacionais, levando a uma remodelação de edifícios nos bairros históricos de Lisboa, com vista ao desenvolvimento massivo e desregulado do alojamento turístico. Tal como noutras capitais europeias, em Lisboa, esse tipo de estabelecimentos tem sido considerado, cada vez mais, uma alternativa à oferta mais tradicional e “massiva” das cadeias hoteleiras nas áreas modernas da cidade. A mudança nos hábitos dos hóspedes, que começaram a procurar estadias mais econômicas e “autênticas”, capazes de lhes proporcionar novas experiências de consumo visual turístico e um estilo de vida mais local, teve um grande impacto nesse mercado. Essas mudanças levaram ao surgimento de diversas guest houses, hostels e apartamentos turísticos, localizados maioritariamente no centro histórico, onde a oferta hoteleira tem sido reduzida.
O caso de gentrificação turística em Lisboa mostra, em concreto, como a produção de espaço em geral, e em particular a (re)urbanização, tornou-se um negócio importante no sistema capitalista, sendo uma das principais formas de absorver excedentes. Uma proporção significativa da mão de obra global trabalha na construção e manutenção do ambiente construído. O processo de desenvolvimento urbano mobiliza grandes quantidades de capital, associado geralmente sob a forma de empréstimos de longo prazo. Esses investimentos baseados na dívida tornam-se frequentemente epicentros para a formação de crises capitalistas, como ocorreu em 2007-2008. O lado mais sombrio da absorção de excedentes pela reestruturação do espaço urbano implica, no entanto, repetidos surtos de transformação e restauração através da destruição criativa, enfatizando a importância desses momentos de reforma periódica do ambiente construído na coincidência com crises capitalistas. Esse processo tem uma dimensão de classe, pois geralmente são os pobres, os desfavorecidos e os marginalizados pelo poder político e econômico que mais sofrem com isso (Harvey, 2010HARVEY, D. (2010). The enigma of capital and the crisis of capitalism. Oxford, Oxford University Press. e 2014HARVEY, D. (2014). Seventeen contradictions and the end of capitalism. Oxford, Oxford University Press.; e Gottdiener, 1985GOTTDIENER, M. (1985). The social production of urban space. Austin, University of Texas.).
Sabe-se que a reabilitação urbana envolve quase sempre grandes investimentos que dificilmente podem ser suportados por uma só entidade, pública ou privada. O que acontece é que o desafio da revitalização do centro histórico é de tal forma ambicioso nos objetivos, no conjunto dos stakeholders, nos investimentos que envolve e na extensão temporal que implica, que torna praticamente inviável ser levado a cabo individualmente ou apenas pelo Estado. Dessa forma, as novas tendências das políticas urbanas, desde o início do século XXI, orientadas sobretudo para cativar uma atração do investimento estrangeiro que mobilizasse esforços de redinamização da reabilitação do edificado em Lisboa, acabaram por desembocar na turistificação hegemônica nos bairros históricos da cidade, fomentando a emergência de formas mais agressivas de gentrificação turística e comercial, que têm levado ao deslocamento direto e indireto e ao agravamento da segregação residencial e fragmentação socioespacial. A estrutura física e as condições ambientais conheceram melhorias, mas a população pobre, imigrante e idosa foi deslocada do centro da cidade, e os grupos de maior rendimento ocuparam a área. Com essa transformação, a área foi reestruturada de acordo com as expectativas da autoridade local e nacional, e o aumento das rendas para aluguel foi facilitado, ao mesmo tempo que o mercado de habitação e de arrendamento conhece fortes distorções, num esforço de responder à procura imobiliária de uma elite capitalista transnacional, como oportunidade lucrativa de especulação imobiliária e reprodução do capital investido. Essas conclusões reforçam a ideia de que a gentrificação é eficaz no processo de regeneração urbana e que está evoluindo no centro de Lisboa para outro nível de paradigma, agora fortemente acelerada por via de uma intensa turistificação, que a aproxima de um modelo mais expansionista e violento, de formas agressivas, típico dos moldes do protótipo desenhado na literatura anglo-saxônica e do Sul Global.
Nesse momento, todo esse quadro legal e fiscal é, desde o início do século XXI, responsável por esvaziar a habitação do seu estatuto de direito para ganhar o de mercadoria, à luz da turistificação e da financeirização do setor imobiliário. Pelo contrário, o poder público devia assumir um papel regulador e estabilizador do mercado imobiliário, que continua a seguir ao sabor dos grupos mais privilegiados, menosprezando os direitos da população e dos comerciantes locais.
Existem várias medidas que devem ser adotadas, nesse momento, para mitigar os impactos de uma gentrificação pelo turismo e que passam por adotar uma política de cidade que se faça de uma reabilitação urbana para e pelas pessoas, ao mesmo tempo que se combate a especulação imobiliária e promove o mercado social de arrendamento; ao invés do investimento em edifícios emblemáticos de grande projeção internacional ou de uma política de regeneração urbana única e exclusivamente cativa das dinâmicas predatórias do grande capital imobiliário, ao abrigo da contínua financeirização do mercado de habitação.9 (9) Desde abril de 2016, tenho desdobrado esses dois pilares de luta em três níveis de atuação (do mais geral para o mais particular: i) inovação crítica na concepção e implementação de processos locais de regeneração urbana; ii) princípios, políticas e práticas para impedir o desalojamento e a expulsão; iii) tomada de medidas e iniciativas concretas para assegurar o “direito à habitação”, em detrimento da “gentrificação pelo turismo”) num documento que contém diversas medidas de combate e mitigação dos efeitos da turistificação e da gentrificação turística em Lisboa, de forma a manter e fixar a população nos/dos bairros do centro histórico de Lisboa, uma das cidades europeias com a menor densidade populacional. Vide Mendes (2016d).
Todavia, a Câmara Municipal de Lisboa e o atual Governo de Portugal têm-se demonstrado atentos ao que se está a passar no centro histórico de Lisboa, até porque diversos movimentos locais (como comissões de moradores, associações de bairro, organizações não governamentais, etc.) e o meio universitário, em particular, a sociedade civil e a opinião pública, em geral, com o apoio da comunicação social, têm se manifestado, de forma a que se comecem a tomar medidas de regulação da intensa turistificação que se regista. No início deste ano, lançou-se o Programa de Rendas Acessíveis PRA (Lisboa PRA todos), um Fundo Nacional de Reabilitação Urbana, o Programa das “Lojas com História” e a aplicação da Taxa Turística em Lisboa. São medidas importantes e necessárias, todavia, tem-se revelado insuficientes, pois não influenciam diretamente o direito à habitação na cidade/centro. As várias medidas até agora tomadas pelo Governo e pela Câmara Municipal de Lisboa são uma condição importante para manter uma estrutura residencial e comercial sustentável e resiliente nos bairros históricos (aliás, importante fator de atratividade turística pela autenticidade que representa para o turista e visitante), mas não suficientes se não forem articuladas estruturalmente com uma política de habitação justa que garanta o direito à cidade. Só por via da fixação da população nos bairros, valorizando a função de residência permanente e não a de alojamento turístico ou short-rental, garantiremos uma procura constante que mantenha vivos o comércio local e a própria vida social nesses bairros.
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Notas
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(*)
O autor gostaria de agradecer aos avaliadores, pela análise imparcial que este artigo lhes mereceu, e pelos comentários críticos e pelas sugestões avançadas que permitiram melhorar o manuscrito inicial, embora reconheça que todo o conteúdo publicado seja da sua única e inteira responsabilidade.
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(1)
O recurso a estas plataformas online permitem uma hiperescolha pelo lado da procura, bastante individualizada se pensarmos nas estadias organizadas via internet, mas também, do lado da oferta, a emergência de um micro-capitalismo rentista baseado no aluguel informal, que vai muito além da simples “economia de partilha” que parecia caracterizar o fenômeno no seu início, aliás, característica comum a quase todas as cidades do mundo com economias financeirizadas no pós-crise. É interessante denotar que este tipo de oferta tem vindo a criar tensões sobretudo junto dos grandes operadores da indústria hoteleira (AHP, 2016).
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(2)
Decreto-lei nº 104, de 7 de maio de 2004, que criou o Regime Jurídico Excecional de Reabilitação Urbana de Zonas Históricas e de Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística.
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(3)
Que dá a possibilidade de investidores estrangeiros (nacionais de Estados terceiros) requererem uma autorização de residência para efeitos do exercício de uma atividade de investimento mediante o preenchimento de determinados requisitos, nomeadamente a realização de transferência de capitais, a criação de emprego ou compra de imóveis em áreas de necessária regeneração urbana.
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(4)
Decreto-lei nº 53/2014, de 8 de abril.
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(5)
Disponível em: http://vidaimobiliaria.com/noticia/golden-visa-atribu-dos-no-1-semestre-rendem-509m. Acesso em: 10 jul 2016.
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(6)
Disponível em: http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/Lisboa-Um-destino-prioritario-para-investir-em-imobiliario. Acesso em: 2 jul 2016.
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(7)
O ano de 2016 fecha com um investimento de 18,1 mil milhões de euros resultantes de transações imobiliárias, sendo 4 mil milhões de investimento estrangeiro. Valores ligeiramente acima do ano de 2015, quando foram alcançados 15 mil milhões de euros, dos quais 3,3 mil milhões de investimento externo. Esses números foram avançados por Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário – CPCI, que refere esse ano como muito positivo, resultado de um renovado interesse dos investidores nacionais e estrangeiros e de maior dinâmica na Reabilitação Urbana. No terceiro trimestre, as transações de imóveis, em número, registaram um crescimento de 15,8% em comparação ao ano passado, e o licenciamento de obras cresceu 13,4%. O mercado imobiliário, nesee ano, manteve-se, na opinião do responsável, atrativo sobretudo devido à baixa atratividade dos produtos financeiros oferecidos pelos bancos, dado o atual nível das taxas de juro, a procura dos investidores estrangeiros, o programa dos Golden Visa, o Regime de Tributação de Residentes Não Habituais, impulsionados pelo bom momento que as atividades ligadas ao turismo atravessam. Mesmo assim, é necessário incentivar mais o setor, defende Reis Campos. Disponível em: http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/18-1-mil-milhoes-de-euros-investidos-em-imobiliario-este-ano. Acesso: 31 dez 2016.
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(8)
Vide http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/Portugal-investimento-imobiliario-aumenta-225-face-a-2015. Acesso em: 20 abr 2016.
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(9)
Desde abril de 2016, tenho desdobrado esses dois pilares de luta em três níveis de atuação (do mais geral para o mais particular: i) inovação crítica na concepção e implementação de processos locais de regeneração urbana; ii) princípios, políticas e práticas para impedir o desalojamento e a expulsão; iii) tomada de medidas e iniciativas concretas para assegurar o “direito à habitação”, em detrimento da “gentrificação pelo turismo”) num documento que contém diversas medidas de combate e mitigação dos efeitos da turistificação e da gentrificação turística em Lisboa, de forma a manter e fixar a população nos/dos bairros do centro histórico de Lisboa, uma das cidades europeias com a menor densidade populacional. Vide Mendes (2016d)MENDES, L. (2016d). Manifesto Anti-Gentrificação. Seara Nova, n. 1737, pp. 19-24..
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Aug 2017
Histórico
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Recebido
18 Jan 2017 -
Aceito
30 Mar 2017