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Produção imobiliária em periferias de São Paulo: ilegalismos sob lógica rentista

Resumo

A produção dos territórios periféricos em São Paulo se alterou com a crise do assalariamento, a mudança de perfil socioeconômico, o acesso ao crédito, as políticas públicas de habitação e a formação de ambiente de mercado multiescalar com arbitragem por operadores de mercados ilegais. Redes de negócios empreendedores, entre eles, a produção imobiliária, surgem como oportunidade de investimento para o dinheiro acumulado nesses territórios. Novas edificações em áreas de abertura de fronteira, de uso rentista, indicam novos arranjos de poder, baseados em ilegalismos que articulam escalas de uma produção para mercado, disputando as formas de associativismo político do período anterior. A metodologia se baseia em fontes secundárias e de pesquisa direta de campo em favelas de São Paulo, realizada por equipe multidisciplinar nos últimos cinco anos.

produção imobiliária informal; rentismo; ilegalismos; PCC; empreendedorismo

Abstract

The production of São Paulo's peripheral territories has changed due to the crisis in salaried employment, changes in socio-economic profile, access to credit, public housing policies, and the formation of a multi-scalar market arbitrated by illegal market operators. Entrepreneurial business networks, including real estate, have emerged as an investment opportunity for the money accumulated in these territories. New buildings in border areas with a rent-seeking use point to new power arrangements based on illegalisms that articulate scales in a market-based production, disputing the forms of political association of the previous period. The methodology is based on secondary sources and direct field research in São Paulo's slums, carried out by a multidiscipli nary team over the last five years.

informal real estate; rent-seeking; illegalisms; PCC; entrepreneurship

Introdução

Compreender as formas de produção dos territórios periféricos é uma importante chave analítica na tradição crítica brasileira. O tema articula a disputa pela terra, a formação e a reprodução social das classes populares e trabalhadoras, a dinâmica política em várias escalas, a intervenção estatal e os processos relevantes para a acumulação de capital no país. Partindo do pressuposto analítico da indissociabilidade desses elementos, entendemos que não é possível a compreensão da atual conjuntura de ascensão de grupos armados e das novas disputas das relações de poder que eles engendram, sem uma análise articulada desse fenômeno com a face da atual urbanização intensiva das periferias.

Nossa análise é centrada no contexto paulistano a partir de incursões etnográficas de várias pesquisadoras e pesquisadores em rede de pesquisa do Observatório de Remoções e seus parceiros, com métodos de pesquisa-ação em periferias da cidade de São Paulo ao longo dos últimos cinco anos. Para além das fontes secundárias citadas – responsáveis por dar escala e ajudar a sistematizar o fenômeno –, foi realizada pesquisa de campo diretamente pela pesquisadora na favela São Remo, na zona oeste de São Paulo, entre 2022 e 2024, através de entrevistas semiestruturadas em meio a trabalho de extensão universitária.

Tanto os postos de observação direta quanto as fontes secundárias dão conta de que a produção dos territórios periféricos em São Paulo tem sido atravessada, direta ou indiretamente, por novos atores, formados num contexto de consolidação dessas áreas. Interessa, neste artigo, avançar nessas pesquisas analisando a articulação desses novos atores à dinâmica de operação de mercados ilegais, que têm cada vez mais participado seja das condicionantes para a existência de um mercado imobiliário pujante, seja da sua arbitragem ou diretamente da sua produção, em contextos específicos. Tratamos especificamente da presença direta ou enunciada do Primeiro Comando da Capital (PCC), que tem características próprias e diferentes em relação ao contexto de facções cariocas vinculadas ao tráfico de drogas. Veremos que, no Rio de Janeiro, pode-se falar em domínio territorial de grupos armados, com controle monopolista, inclusive, da atividade imobiliária (Hirata et al., 2022HIRATA, D. V.; CARDOSO, A.; GRILLO, C. C.; DOS SANTOS JUNIOR, O. A.; LYRA, D. A.; DIRK, R. C. (2022). The expansion of milícias in Rio de Janeiro: political and economic advantages. Journal of Illicit Economies and Development, v. 4, pp. 257-271.), o que não é verdade para São Paulo, onde a conformação de um ambiente de mercado informal se dá com concorrência aberta arbitrada de uma variedade de negócios, inclusive o imobiliário. Em novas áreas em disputa, os operadores de mercados ilegais terão papel diferenciado, por tratar-se de atividade que envolve a mobilização de novos ilegalismos: se a autoconstrução já envolvia os jogos com a lei para viabilizar a reprodução social da vida nos marcos da posse da terra (Rolnik, 1997ROLNIK, R. (1997). A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp.), agora se trata da mobilização de ilegalismos para a mercantilização da produção desse espaço, vinculada a formas extrativas que gerem precariedades dentro da conformação de um estado de transitoriedade permanente (Rolnik, 2019ROLNIK, R. (2019). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo Editorial.).

Mostraremos material empírico – próprio e de fontes secundárias – e bibliográfico que mostra que a produção de territórios periféricos está cada vez mais disputada por novas lógicas privatistas e rentistas, que aparecem como tendência crescente principalmente em locais mais valorizados. Argumentamos que essa tendência à forma de produção mercantil de espaços até então autoconstruídos para uso direto ou rendimentos primários das famílias é possibilitada, entre outros elementos, pela presença difusa ou atuação de agentes vinculados aos mercados ilegais. Isso se daria não por domínio territorial (com delimitação e fechamento de fronteiras), mas por domínio da governança do ambiente de negócios populares, capacidade de mobilização de recursos financeiros e políticos e articulação, via ilegalismos, com a lei e seus representantes.

Demonstraremos que tais dinâmicas de rentabilização de territórios periféricos têm diferenças internas, e a participação de operadores de mercados ilegais não ocorre em toda e qualquer situação. Essa participação se dá de maneira específica, principalmente em áreas de abertura de fronteira imobiliária com maior disputa; e tais dinâmicas com participação desses operadores de mercados ilegais não são colocadas em andamento de maneira centralizada e direcionada pelo PCC enquanto organização, pois, por um lado, sua forma de funcionamento não está voltada para esse tipo de atividade; e, por outro, trata-se de dinâmica complexa que envolve diversos atores e uma conjuntura mais ampla, sendo o PCC apenas um de seus agentes específicos de São Paulo, muitas vezes apenas enunciado, sem correspondência necessária com a realidade, ou cuja presença é instrumentalizada pelas disputas internas dos territórios (Lacerda, 2022LACERDA, L. (2022). A produção do espaço em ato: tensões e disputas nas fronteiras urbanas da metrópole paulista. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Mostraremos que a consolidação dos mercados ilegais e a ascensão de mercados rentistas imobiliários nas periferias fazem parte de um quadro analítico mais amplo de alteração da vida popular em meio à crise da sociedade salarial. Nessa conjuntura, veremos, a partir de exemplos empíricos, que há transformação das relações de poder, cada vez mais ancoradas na conformação securitária de uma sociedade da emergência e do risco, na qual forças sociais constroem e disputam a gestão de precariedades nos territórios periféricos, dentro de uma racionalidade empreendedora, vinculada ao rentismo. Segundo Lacerda: “o que está em jogo é a gestão da precariedade e das urgências da vida sob uma lógica mercantil, que se desenvolve em meio a uma conjuntura na qual a insegurança atravessa e constitui os modos de vida de uma quantidade crescente de pessoas” (ibid., p. 277).

Mostraremos, com exemplos, que essa racionalidade empreendedora funciona em meio a uma rede de agentes e negócios articulados, que geram oportunidades de investimento e trabalho – diferente seja do mercado de trabalho regulado pelo Estado da sociedade salarial, seja da autoconstrução. Os negócios imobiliários passam a fazer parte desse ambiente de mercado, fazendo com que a atual urbanização intensiva das periferias de São Paulo se dê na disputa e articulação multiescalar de agentes – entre os quais os irmãos do PCC ou sua enunciação –, com ampliação de processos de formação e monopolização de propriedade privada e relações de poder que articulam alianças locais com redes regionais de poder.

Concluiremos falando sobre a necessidade de complexificar a análise e a atuação sobre periferias no país. O tradicional olhar pelas “faltas” e precariedades desses territórios – como se fossem constituídos apenas pela lógica da necessidade de sobrevivência – tem tido como resposta soluções pontuais ou a solução planificadora totalizante, cujo resultado sempre escapa das intenções e das projeções iniciais, beneficiando forças rentistas ao invés da população residente e suas formas de vida.

Urbanização por rentabilização de precariedades

A tese da funcionalidade de aspectos não modernos (vinculados à necessidade imediata e autopromovida de sobrevivência) para o desenvolvimento brasileiro (Oliveira, 2003OLIVEIRA, F. (2003). Crítica à Razão Dualista e O Ornitorrinco. São Paulo, Boitempo Editorial. Edição original de 1972.), longe de ser descartada, precisaria se atualizar dentro desse cenário; e é necessário acompanharmos suas bases urbanas – na mesma medida em que elas foram consideradas centrais para a formulação da tese de Oliveira, com importante aporte de Kowarick (1979)KOWARICK, L. (1979). A espoliação urbana. São Paulo, Paz e Terra.. Fato é que a autoconstrução – como autopromoção da reprodução social no urbano – precisa hoje ser entendida como uma forma que ganha alcance no mundo social mais amplo: a “viração” (Telles, 2006TELLES, V. da S. (2006). Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP. São Paulo, v. 18, n. 1, pp. 173-195.), como um conjunto de expedientes de sobrevivência, articula mundo do trabalho e de reprodução social sem limites precisos e, também, articula o mundo dos direitos ao mundo popular com vários tons de cinza. Nesse cenário, cabe aqui atualizarmos os sentidos e a materialidade atuais da espoliação urbana, à qual nos parece que se acrescenta uma nova camada: o extrativismo urbano (Gago e Mezzadra, 2017GAGO, V.; MEZZADRA, S. (2017). A critique of the extractive operations of capital: toward an expanded concept of extractivism. Rethinking Marxism, v. 29, n. 4, p. 580.) vinculado a um novo mercado informal, com grande capacidade de produção e expansão, cujo caráter rentista repõe a espoliação ao capturar parte considerável dos rendimentos dos trabalhadores.

Essa configuração ganha particularidades funcionais em relação à atual predominância financeira na economia – principalmente no que se refere à ampliação de mercados rentistas e empreendedores a partir da crise do assalariamento –, sendo uma delas a articulação entre mercados imobiliários e ilegalismos urbanos (Telles, 2009TELLES, V. da S. (2009). Ilegalismos urbanos e a cidade. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, n. 84, pp. 153-173.) promovida por agentes vinculados ao “mundo do crime” (Feltran, 2011FELTRAN, G. S. (2011). Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo, Editora Unesp.). Isso porque a produção imobiliária não tem a mesma natureza de outros negócios da economia popular, pois a mercadoria imobiliária é também um meio de disputa de poder no urbano. Através da sua produção, adquirem-se não apenas lucros, mas também domínio sobre a forma de apropriação e sobre quem ocupa o espaço. Portanto, uma coisa é a autoconstrução como forma de reprodução social – inclusa a produção de cômodos para aluguel dentro do lote familiar –; e outra coisa é a produção intensiva de empreendimentos imobiliários que expandem fronteiras de espaços para a renda nas periferias em uma conjuntura histórica específica. Diferentemente da primeira, esta última forma de produção do urbano é também uma disputa de poder, ao ampliar as formas de apropriação do espaço por lógicas rentistas, de moradia temporária e desregulada através da qual se pode, por um lado, controlar a permanência de quem se quer e, por outro, manter o uso do espaço atrelado a formas extrativas, e não de reprodução da vida – que incluem a permanência de população vulnerável e não produtiva para o capital, ligada à defesa de direitos. Nessa forma anterior de produção hegemônica do espaço periférico, os ilegalismos compareciam como possibilitadores de modos de vida possíveis apenas a partir do contornamento da lei, utilizando as suas dobras – os “gatos” de energia, a terra não regularizável, a força de trabalho desmercantilizada – como frestas de existência que, ao ganharem o mundo público, fundamentavam a noção de direito social. Já a produção mercantil do espaço urbano periférico mobiliza outros ilegalismos – associação societária com agentes estatais de fiscalização e regulação urbana, pagamento de propina, uso de empresas legais, uso de força de trabalho organizada, empreitada e desregulada, uso de crédito misto formal e informal, entre outras formas mercantilizadas entre o legal e o ilegal – com objetivo de expandir formas extrativas de apropriação do espaço que, por sua vez, ao ganharem o mundo público, embasam formas de poder autoritárias e segregadoras.

Reveladores desse fato são os relatos de campo e os encontrados em bibliografia nos quais alguns recentes empreendimentos imobiliários de cunho rentista são identificados pelos interlocutores como construções “do crime” – cujo diferenciador está principalmente na apropriação violenta da terra por grilagem e/ou por deslocamento compulsório de seus ocupantes, ou por enfrentamentos com poderes anteriores preestabelecidos, ligados à defesa de direitos. Para além do seu caráter de mercadoria em si, tais construções marcam, portanto, uma nova articulação de poder capilarizado em São Paulo, na qual a tomada de terras para produção e gestão de espaços residenciais e comerciais se dá como disputa com outras forças territoriais ligadas a matrizes de poder anteriores, como movimentos sociais, ONGs, partidos e coletivos de esquerda, pastorais católicas, etc. Percebemos, portanto, que há um imbricamento, vinculado às transformações dos ilegalismos, entre a produção empreendedora popular rentista e o desenvolvimento mais recente, que vai se diferenciando como um ramo específico dela, de uma produção imobiliária ligada a operadores de negócios ilegais organizados, responsável principalmente, como veremos adiante, por expandir as fronteiras desses mercados, enfrentando com uso ou ameaça de violência os poderes anteriormente instituídos sobre a terra ocupada para a reprodução social ou reservada para tanto.

A conjuntura das duas últimas décadas na qual essas transformações se dão é bastante complexa, mas elencamos cinco elementos que nos ajudam a entender os motivos da ascensão do fenômeno do rentismo imobiliário nas periferias e, como sua mais recente etapa, a transformação dos ilegalismos mobilizados, articulados a um “mundo do crime” organizado e legitimado nas periferias, para a expansão de suas fronteiras. O primeiro elemento é a intensificação das intervenções e dos investimentos públicos em periferias, sem o combate efetivo do déficit habitacional, com mais remoções do que reassentamentos. Elas promoveram desequilíbrios entre disponibilidade fundiária (que se tornou escassa) e perfil de demanda (com maior atendimento proporcional às faixas de renda não prioritárias do déficit habitacional), resultando numa população sem possibilidade de solução habitacional – nem mesmo por autoconstrução – cada vez maior.

Essa situação foi gerada em grande parte por políticas habitacionais de associação entre o poder público e o mercado privado. Referimo-nos aqui a políticas de provisão habitacional realizadas por meio de empresas de capital aberto que passaram a disputar terras vazias ou ocupadas por população de baixa renda. Já as políticas de urbanização de favelas promoveram diferenciação espacial interna em áreas antes mais homogêneas, gerando valorização, expulsão e, consequentemente, incentivo a mercados rentistas locais que passam a operar e a reproduzir a lógica da renda diferencial (Marx, 1986MARX, K. (1986). O Capital – Crítica da Economia Política. São Paulo, Abril, Volume V (Livro III, Tomo II).). Também as políticas de regularização fundiária que, a partir da Lei de Reurb, n. 13.465/2017, passaram a poder ser realizadas por empresas privadas que intermedeiam a compra da área com o proprietário, evitando sua desapropriação pelo poder público (Milano, Petrella e Pulhez, 2021) – o que resulta também em expulsão da população que não pode pagar pelo que deveria ser seu direito.

Além disso, tais políticas de urbanização e regularização, ao removerem mais pessoas do que atenderam, geraram uma explosão do Auxílio Aluguel em São Paulo – que chegou a mais de 30 mil famílias atendidas em 2016. Essa política passou a garantir um fluxo de recursos ao mercado locatício desregulado, que passa a ser incentivado, crescendo e formando toda uma nova classe de inquilinos e grandes proprietários nas favelas (Guerreiro, 2020GUERREIRO, I. A. (2020). O aluguel como gestão da insegurança habitacional: possibilidades de securitização do direito à moradia. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 729-756.).

A produção imobiliária, no entanto, não acontece só por incentivos: é necessário recurso financeiro seja para construção, seja para o usuário acessá-lo. O segundo elemento importante da conjuntura, portanto, é que há mais riqueza circulando nas periferias, o que enseja disputas em torno da sua apropriação. Isso se deu por conta de políticas econômicas de valorização do salário-mínimo, auxílios, programas de inclusão e de isenção fiscal de mercadorias populares, que alteraram o perfil socioeconômico da população brasileira, em particular sua capacidade de consumo. Na dimensão territorial, essa conjuntura foi ampliada pela questão geracional: filhos e netos das gerações pioneiras da periferia não precisaram mais investir na autoconstrução de suas casas, tendo patrimônio familiar no qual se apoiar.

Também, a “pacificação” (Feltran, 2018FELTRAN, G. S. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) das periferias paulistas pelo PCC abriu uma era de prosperidade, na qual negócios populares variados puderam se desenvolver:

A hegemonia da facção deve garantir paz nos territórios, principalmente nas periferias. [...] Quando a polícia chega a uma quebrada em São Paulo, não é usualmente recebida à bala, como em outros estados. Uma área pacificada é boa para todos, inclusive para os negócios. (Ibid., p. 149)

Há, portanto, mais dinheiro, benefícios estatais e patrimônio nas mãos das classes populares – que passam a empreender e, também, ter maior mobilidade espacial com a opção pelo aluguel em detrimento à coabitação. Essa consolidação social e territorial, no entanto, não elimina precariedades, mas as repõe na forma de maior insegurança habitacional (com avanço de um processo de inquilinização), moradias menores e mais densas – causando problemas de iluminação, ventilação e umidade – e persistência, agora com consequências extremadas pelo adensamento populacional, dos elementos de infraestrutura de subsolo (esgotamento e drenagem). Assim, a mercantilização da produção do território periférico popular realizada por novos ilegalismos se caracteriza pela gestão de precariedades como forma de expansão de lógicas mercantis informais e de seus poderes associados.

Além dessa riqueza acumulada, um terceiro elemento da conjuntura é a crescente disponibilidade de crédito para a população de baixa renda, proporcionado por inédita bancarização popular – advinda, em grande parte, da generalização dos auxílios públicos. Há também maior disponibilidade de crédito informal e recursos em busca de aplicação produtiva seja por conta da prosperidade dos mercados populares (também alavancados pela popularização de plataformas digitais de entregas e serviços); seja por conta da internacionalização dos mercados ilegais, que fizeram a escala desses negócios crescer desmesuradamente. Ambos os negócios passaram a ter necessidade de reinversão produtiva e rentista – o wall of money (Aalbers, 2017AALBERS, M. B. (2017). The variegated financialization of housing. International Journal of Urban and Regional Research. Londres, v. 41, n. 4, pp. 542-554.) da periferia. Tais mercados de crédito, ao acarretarem endividamento em maior escala, são mais um fator de risco para essa população, cuja vida fica nas mãos tanto das instituições financeiras, quanto dos mercados ilegais ou, ainda, de grandes empreendedores populares.

O quarto elemento que compõe a conjuntura é a crise do assalariamento – com sua escassez e baixa remuneração (particularmente na construção civil) –, que gerou uma busca cada vez maior por formas alternativas de rendimentos, inclusive como forma de aposentadoria. Com alta demanda de famílias mais jovens – principalmente monoparentais com filhos, especialmente as lideradas por mulheres – por localizações urbanas que diminuam a dependência de transporte público, a produção imobiliária torna-se, ao mesmo tempo, fonte de rendimentos para famílias pioneiras e oportunidade de negócios para aqueles que têm seus rendimentos de atividades com ganhos instáveis ou mesmo ilegais, que necessitam de formas de aplicação/poupança, mas não podem depender do sistema bancário/financeiro por conta da falta de formalidade dessas entradas – desde atividades comerciais, de serviços ou até de atividades criminais em várias escalas.

Por fim, o PCC aparece como o quinto elemento da conjuntura que abre as possibilidades de existência do empreendedorismo imobiliário, nas periferias paulistanas, tal qual descreveremos a seguir. Como articulação central de agentes que operam os novos ilegalismos populares, o PCC proporciona autoridade e dispositivos pré-constituídos àqueles que enunciam sua vinculação à “irmandade” (Feltran, 2018FELTRAN, G. S. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) para realizar: 1) proteção em relação ao controle policial de fiscalização estatal, por meio de acertos preestabelecidos que regulam o arrego – taxa de corrupção que permite a “pacificação” (ibid.) – tanto para a construção, quanto para o uso de espaços de renda (comerciais ou residenciais); 2) arbitragem das dinâmicas empreendedoras locais e punição no caso de desvios ou resistências, mobilizando ou ameaçando violência seja por acesso às armas, seja por autorização de uso da violência física; 3) disponibilidade e liberdade de uso de recursos financeiros na mão de empreendedores locais, por conta da estabilidade e prosperidade dos mercados populares e ilegais após a “pacificação”. Como articulação dos itens 1 e 2, a autoridade do PCC também é mobilizada por agentes locais que entram ou tomam espaços decisórios ou de organizações local que poderiam resistir ao avanço das atividades empreendedoras imobiliárias. Surge, assim, um ambiente de mercado com recursos, arbitragem e segurança, trazendo confiança para os investidores e empreendedores, com formação de redes de negócios com agentes que circulam entre territórios e disputam a riqueza gerada.

A consolidação desse ambiente de mercado multiescalar – na medida em que articula agentes locais com uma rede de poder regional, com inserção internacional – tem, no imobiliário, um setor específico de rentabilidade econômica, que é, ao mesmo tempo, meio de reinversão de lucros mercantis extraordinários1 1 O lucro extraordinário (Marx, 1986) refere-se a um rendimento com determinada atividade econômica que está acima do lucro médio do mercado, ou seja, que não entra na equalização de lucro geral da economia. Isso se dá por conta de barreiras que impedem a livre circulação de capitais entre setores, como o monopólio privado da terra como meio de produção ou, no caso, o caráter informal ou ilícito de atividades mercantis. e geração de renda a partir do monopólio privado da terra – que tem caráter diferencial, ao se apropriar de localizações específicas e disputadas pelas classes populares. Como decorrência, há ampliação de domínio de governança sobre territórios antes inseridos em lógicas comunitárias que dificultavam o crescimento dos espaços para os negócios.

Tais atividades imobiliárias são marcadas por algumas características específicas, que diferem muito da produção do espaço periférico observada num momento anterior de desenvolvimento urbano do período industrial. Primeiramente, ao invés do espaço homogêneo das “faltas e precariedades” das periferias, observamos a produção de localizações diferenciais seja por políticas ou intervenções públicas, seja pela diversidade de territorialidades produzidas a partir de arranjos e disputas pelo espaço pelos mercados empreendedores locais. Em segundo lugar, identificamos o fenômeno da verticalização padronizada de edificações, com grande rapidez construtiva, reprodução tipológica e centralização produtiva de maquinário e força de trabalho. Isso decorre de formas variadas de acesso ao consumo de materiais de construção, como crédito direto nas grandes franquias – que contam atualmente com maior gama de produtos industrializados populares –; e recursos e contatos em rede para o acesso a equipamentos como bombeamento de concreto usinado, máquinas de perfuração para fundação, tratores e caminhões, etc. Embora isso não tenha resolvido o financiamento para compra da casa pronta ou do lote para o morador, alterou muito as condições de produção, que se tornaram de maior escala, mais rápidas e padronizadas.

Esse fenômeno se articula com a terceira característica, que é a presença de dinâmicas de rentabilização por locação de espaços (comerciais e residenciais), com formação de monopólios locais e regionais de ativos imobiliários e diversificação de agentes especializados (Zuquim et al., 2018ZUQUIM, M. L.; MEYER, J. F. P.; BARBON, A. L.; SANTOS, G. M. (2018). Mercado imobiliário na favela de Paraisópolis: da autoconstrução à produção mercantil. In: SEMINARIO LATINOAMERICANO TEORÍA Y POLÍTICA SOBRE ASENTAMIENTOS POPULARES. Anais. Buenos Aires, Universidad Nacional de General Sarmiento, pp. 1-23.), não necessariamente moradores do mesmo território (embora necessitem de alianças locais), como veremos em seguida.

Esse processo que gera maior mercantilização e insegurança habitacional nas periferias parece tratar-se, portanto, do resultado de camadas sucessivas de transformações no tecido social desde a década de 1980, com a perda da centralidade da matriz social legitimadora do trabalho (Feltran, 2011FELTRAN, G. S. (2011). Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo, Editora Unesp.) para a atual matriz empreendedora (Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.) – ainda que apoiada na reestruturação e captura neoliberal de décadas de auto-organização popular (Gago, 2015GAGO, V. (2015). La razón neoliberal: economías barrocas y pragmática popular. Buenos Aires, Tinta Limón y Traficantes de Sueños.). A existência do PCC em São Paulo não é, portanto, uma causa única e força motriz e beneficiária direta desse processo, que acontece em vários lugares do País sem a sua presença. Cabe, no entanto, captar em que medida sua presença incide sobre esse processo, caracterizando-o de maneira específica.

Uma produção imobiliária que se diversificou

O estudo sobre mercados informais, ilegais e irregulares de terras urbanas é de longa data e indica que processos mercantis nas periferias urbanas sempre foram uma dinâmica coexistente ou em disputa com a formação de assentamentos precários por necessidade imediata. Na periferia, os loteamentos populares (Rolnik e Bonduki, 1982ROLNIK, R.; BONDUKI, N. G. (1982). "Periferia da grande São Paulo: reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho". In: MARICATO, E. (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Ômega.) e, no centro, os cortiços são formas longevas de rentabilização do espaço de moradia das camadas mais vulneráveis da população, neles se encontram compra e venda e também locação de imóveis inteiros ou suas frações. No entanto, essas transações eram de escala local – familiares ou de agentes de ação territorial limitada –, com acesso direto pela população moradora, que autoconstruía suas casas (Kowarick, 1979KOWARICK, L. (1979). A espoliação urbana. São Paulo, Paz e Terra.; Ferro, 2006FERRO, S. (2006). "A produção da casa no Brasil". In: ARANTES, P. (org.). Arquitetura e trabalho livre. São Paulo, CosacNaify.; Maricato, 1982MARICATO, E. (1982). "Autoconstrução, a arquitetura possível". In: MARICATO, E. (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Ômega.).

Na virada do século XXI, tais mercados parecem ser cada vez mais relevantes no acesso à terra pelas classes populares – ou ao menos há um crescente interesse das análises acadêmicas e empresariais (vide De Soto, 2001DE SOTO, H. (2001). El misterio del capital. Ciudad de México, Diana.) pelo tema. Calderón Cockburn (1998CALDERÓN COCKBURN, J. (1998). Los mercados ilegales e informales de tierra urbana en America Latina: estado de la cuestión. Debates em Sociología, n. 23-24., p. 39) afirma que “Los mercados informales de tierras constituyen actualmente el canal principal por el cual los pobres del tercer mundo acceden a un espacio para edificar su vivienda y desarrollar otro tipo de actividades urbanas”. No entanto, a produção imobiliária empreendedora para além do mercado de terras ainda não aparecia na bibliografia e, se existente, não parecia relevante.

No início dos anos 2010, no entanto, um sinal despontava: a dinâmica de crescimento intensivo da construção de edificações em favelas foi registrada de maneira sistemática, com dados do Censo, no Brasil, por Pasternak e D’Ottaviano (2010). Segundo as autoras, havia naquele momento um processo de verticalização das favelas em todo o País. Em São Paulo, a população em favelas cresceu 4 vezes mais entre 2000 e 2010 do que a população municipal, com grande adensamento: quase 70% das casas nesses territórios tinham mais de um pavimento e, em 84% delas, não havia espaçamento entre os vizinhos; e, naquelas mais próximas da área central, havia densidades muito grandes, de mais de 900 hab/ha, chegando a 97% sem espaçamento e 90% com dois pavimentos. Hoje, mesmo sem os dados do Censo disponíveis, é perceptível, em campo, que as favelas com melhor localização já superam 4 andares; várias delas, principalmente as urbanizadas, com o surgimento de prédios de 6 andares, realizados de maneira padronizada como empreendimentos imobiliários.

Pedro Abramo (2009ABRAMO, P. (2009). Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras. Porto Alegre, Finep. e 2012), nesse no mesmo período, articula uma rede brasileira de pesquisa e também sistematiza dados e modos de produção e agenciamento do que ele denominou Mercados Informais de Solo Urbano – desenvolvendo pesquisas comparativas entre várias cidades, entre 2006 e 2016, e observando as transformações ocorridas. Em São Paulo, a equipe do NapPlac FAU-USP (Zuquim et al., 2018ZUQUIM, M. L.; MEYER, J. F. P.; BARBON, A. L.; SANTOS, G. M. (2018). Mercado imobiliário na favela de Paraisópolis: da autoconstrução à produção mercantil. In: SEMINARIO LATINOAMERICANO TEORÍA Y POLÍTICA SOBRE ASENTAMIENTOS POPULARES. Anais. Buenos Aires, Universidad Nacional de General Sarmiento, pp. 1-23.) ficou responsável pelas pesquisas em Paraisópolis. Segundo tal pesquisa, naquela década essa favela teve incremento de 5,5% de domicílios, enquanto a média municipal foi de 1%. Esse crescimento se deu por processos de verticalização e incremento de domicílios locados – estes passaram de 12% a 30%, (enquanto, na cidade, essa porcentagem ficava em 23,5%), com diminuição da área útil; sendo 70% deles de um cômodo, de cerca de 20m2 2 Essa forma de incorporação também foi acompanhada no Rio de Janeiro, onde Terry (2021) descreveu o processo de construção de “prédios rolo” entre 2008 e 2013. O chamado “rolo” é justamente esse processo de permuta da casa original por unidades de quitinetes dentro de um prédio novo a ser construído no terreno por um empreendedor privado externo à comunidade. . Um dado relevante nessa pesquisa é a detecção da presença de agentes típicos do mercado imobiliário formal:

  1. corretores imobiliários (inclusive com imobiliárias dentro da favela, uma realidade diferente daquela encontrada dez anos antes), responsáveis por intermediações imobiliárias e alguma formalidade dos contratos. Nossa pesquisa em campo acrescentaria, aqui, o novo papel das redes sociais e imobiliárias digitais na ampliação da abrangência do mercado, trazendo, para territórios antes fechados nas famílias pioneiras e em suas redes de sociabilidade, outros moradores, muitas vezes sem nenhuma relação com aquele território;

  2. investidores rentistas: grandes proprietários de unidades de locação (o que já indica processos de monopolização proprietária), moradores ou não do território, que obtêm rendimentos superiores ao mercado formal;

  3. incorporador: ligado ao investidor-rentista, ele promove empreendimentos verticalizados a partir da compra e da demolição de casas térreas ou pouco verticalizadas, sem laje, ou tomada de espaços livres, ou de baixa densidade construtiva, de uso comum;

  4. construtor: presença de grupos contratados de construtores que seguem projeto do incorporador ou são contratados por famílias para empreendimentos próprios – o que marca uma transformação nas antigas formas de autoconstrução por ajuda mútua.

Tais transformações foram observadas justamente nos dez primeiros anos a partir do início das obras de urbanização de Paraisópolis, que se se deu em 2005. Assim, o grupo de pesquisa afirma que “é inquestionável que os enormes investimentos públicos realizados na área trouxeram mais urbanidade à favela; mas eles também contribuíram para uma valorização imobiliária interna e de seu entorno” (Zuquim et al., 2018ZUQUIM, M. L.; MEYER, J. F. P.; BARBON, A. L.; SANTOS, G. M. (2018). Mercado imobiliário na favela de Paraisópolis: da autoconstrução à produção mercantil. In: SEMINARIO LATINOAMERICANO TEORÍA Y POLÍTICA SOBRE ASENTAMIENTOS POPULARES. Anais. Buenos Aires, Universidad Nacional de General Sarmiento, pp. 1-23., p. 2). Além disso, o processo de urbanização de Paraisópolis teve como consequência uma enorme quantidade de remoções na área, e a solução de moradia definitiva demorou ou não foi resolvida até o momento, gerando um grande contingente de famílias que passou a receber o auxílio-aluguel municipal, com pico em 2015, quando cerca de 4.600 benefícios eram pagos para famílias advindas daquele território (Cunha, 2020CUNHA, T. F. S. (2020). "A conta não fecha": O boom do auxílio aluguel em São Paulo, uma análise a partir do caso da favela de Paraisópolis. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), o que representava 27% do total de domicílios da favela naquele momento. Evidentemente, tal aporte de recursos teve um impacto no mercado de locação da região, incentivando a construção de novas tipologias para captá-los – dado que são recursos pouco regulados, cujo uso se dá majoritariamente no mercado informal do solo (Guerreiro, 2020GUERREIRO, I. A. (2020). O aluguel como gestão da insegurança habitacional: possibilidades de securitização do direito à moradia. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 729-756. e 2021). Assim, é relevante considerar o papel das políticas públicas habitacionais na conformação atual desse mercado, seja na valorização das áreas, seja no aporte direto de recursos para o aluguel.

Essa hipótese também está nos trabalhos de Stiphany (Stiphany, 2022 e Stiphany, Ward e Perez, 2023), que pesquisou o ascenso da locação em favelas urbanizadas nos bairros de Heliópolis e São Francisco (São Paulo). A pesquisadora constrói a hipótese de que as pessoas beneficiadas por tais políticas de urbanização estão construindo para sair da favela, não para permanecerem ali como local de moradia da família. Seus dados se aproximam dos de Zuquim et al. (2018)ZUQUIM, M. L.; MEYER, J. F. P.; BARBON, A. L.; SANTOS, G. M. (2018). Mercado imobiliário na favela de Paraisópolis: da autoconstrução à produção mercantil. In: SEMINARIO LATINOAMERICANO TEORÍA Y POLÍTICA SOBRE ASENTAMIENTOS POPULARES. Anais. Buenos Aires, Universidad Nacional de General Sarmiento, pp. 1-23. em relação à locação: segundo ela, entre 2000 e 2010 (dados do Censo), enquanto, em São Paulo, a locação cresceu de 22% para 23%, ela praticamente dobrou em regiões mais periféricas (de 15% para 26%), com maior intensidade em áreas recém- urbanizadas. Em Heliópolis, Stiphany aponta, em 2010, uma maioria das áreas com mais de 50% de domicílios locados e, em 2017, grandes áreas com mais de 75%. Ela caracterizou esse processo de verticalização e consolidação de um submercado informal de aluguéis por meio da historicidade incorporada em cinco tipologias encontradas concomitantemente em campo (que se relacionam com os agentes identificados na pesquisa da equipe de Zuquim). São elas:

  1. “Família mais aluguel”: presença no imóvel dos posseiros/proprietários originais ou de longa data que adicionam lajes sobre a casa, sem alteração do uso familiar do térreo (normalmente residencial com comércio na frente);

  2. “Transição familiar”: a família original passa a ocupar o segundo ou o terceiro andar do imóvel, fazendo modificações específicas para o aluguel, com conversão do térreo, intencionando mudar para fora da favela;

  3. “Associação cooperativa”: espécie de consórcio de investimento, com vários proprietários que alugam, cada um, um andar (podendo cada andar do imóvel ser construído por um proprietário ou por um empreiteiro local que constrói tudo e depois os proprietários dividem);

  4. “Cortiço periférico”: versões modernas e periféricas do cortiço, nas quais há ausência dos proprietários originais, múltiplas unidades com cozinha e banheiro compartilhados, sem comércio, com circulação externa;

  5. “Giro à intimidação”: uma forma de incorporação, tipologia mais próxima às relações de produção do mercado formal, na qual um empreendedor (agente externo, intermediário) demole imóveis de baixa ocupação para construir do “zero”, com tipologia verticalizada padrão, de modo que possa ser replicada no bairro.2 2 Essa forma de incorporação também foi acompanhada no Rio de Janeiro, onde Terry (2021) descreveu o processo de construção de “prédios rolo” entre 2008 e 2013. O chamado “rolo” é justamente esse processo de permuta da casa original por unidades de quitinetes dentro de um prédio novo a ser construído no terreno por um empreendedor privado externo à comunidade. Stiphany chama essa tipologia de “Inversão coação”, pois é um arranjo que “protege” o proprietário original, com o incorporador pagando aluguel para a família sair durante a construção e voltar depois; uma ação semelhante àquela do poder público (auxílio-aluguel) e à de construtoras, porém de caráter, muitas vezes, compulsório.

Esse cenário, presente também no Rio de Janeiro, compõe o que Abramo e Ramos (2022)ABRAMO, P.; RAMOS, F. R. (2022). "Mercado informal de solo nas favelas do Rio de Janeiro: evidências do crescimento do mercado informal de aluguéis nas favelas". In: SANTOS, E. C. (org.). Ensaios e discussões sobre o déficit habitacional no Brasil. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro. identificaram, em favelas representativas da cidade, como um aumento das transações de locação em relação às de compra e venda entre 2002 e 2011: elas passaram de 48% a 79%, sendo hoje a principal forma de acesso às favelas nessa cidade (em 2017, chegou a 81,56%). Com isso, os autores definem uma “nova informalidade”, que não se reproduz através de novos assentamentos, mas na consolidação de antigos, com intensificação das dinâmicas construtivas para verticalização e adensamento, com fragmentação familiar e empobrecimento da população: os novos moradores, a maioria inquilinos, que tinham renda média de até 1 salário-mínimo (sm) em 2006, representavam 20% do mercado de locação e, em 2017, essa fatia cresceu para 35%, com diminuição de extratos acima de 3sm – conformando o que os autores chamam de “precarização do precário”.

Essa precarização das periferias por meio da locação representada no Rio de Janeiro também foi identificada pela equipe de Zuquim e por Stiphany em São Paulo, conformando o que elas definem como um cenário contraditório no qual processos de urbanização e regularização de favelas, ao promoverem valorização imobiliária, acabam acionando mercados ilegais e intensificando a informalização e a precariedade em novas formas de morar: população mais pobre em domicílios menores, edificações mais densas e com muitos inquilinos e uma grande insegurança habitacional, por conta das relações entre locadores e locatários serem arbitradas de maneira unidirecional pelos operadores dos aluguéis monopolizados.

Todo esse cenário faz parte do entendimento da alteração significativa ocorrida no déficit habitacional brasileiro, cujo perfil em São Paulo é ainda mais radical, de início do ascenso do ônus excessivo de aluguel,3 3 Quando famílias de até 3 salários-mínimos gastam mais do que 30% de seus rendimentos com o aluguel. entre 2008 e 2011, e uma subida intensiva desde então, que passa a substituir a coabitação como principal fator do déficit nesse momento, chegando atualmente ao patamar de 52% do déficit nacional. Na Região Metropolitana da São Paulo (RMSP), a situação é ainda mais dramática: em 2022, esse fator representa 70,1% do déficit (FJP, 2021FJP - Fundação João Pinheiro (2021). Déficit habitacional no Brasil - 2016-2019. Belo Horizonte, FJP. e 2024) – com particular componente feminino: 66,2% do fator de ônus excessivo de aluguel é de famílias com chefes de família mulheres. A transferência da predominância da coabitação para o ônus excessivo de aluguel indica tanto uma demanda reprimida que, com maior circulação de dinheiro nas classes populares, passa a conseguir acessar o aluguel; quanto maior oferta dessa alternativa dentro das periferias.

Como visto acima, essa maior oferta pode ser de construção familiar (cujas famílias pioneiras estão deixando o território) ou de novos empreendimentos já feitos para tanto, cujos novos donos ganham cada vez mais centralidade nas disputas por hegemonia no território, dado que monopolizam grande parte dos domicílios e pontos comerciais. Há, aí, uma relação que começa a despontar cada vez mais nos relatos de campo de vários pesquisadores em São Paulo: se, nos primeiros processos de mercantilização, eram as associações de moradores e as várias lideranças locais – ligadas a entidades, igrejas ou legitimadas por fatores diversos – que mediavam a gestão da construção do espaço (preservando certo equilíbrio entre espaços privados e espaços comuns, necessários à vida comunitária), cresce a menção, ainda que muitas vezes desprovida de realidade concreta (Lacerda, 2022LACERDA, L. (2022). A produção do espaço em ato: tensões e disputas nas fronteiras urbanas da metrópole paulista. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), do envolvimento de agentes ligados aos mercados ilegais nessa dinâmica, alterando conformações de poder do período anterior.

As observações em campo utilizadas nesta pesquisa – tanto as realizadas diretamente pela pesquisadora na favela São Remo, quanto as realizadas pelo grupo de pesquisa mais amplo em novas ocupações nas fronteiras urbanas na Serra da Cantareira (Lacerda, 2022LACERDA, L. (2022). A produção do espaço em ato: tensões e disputas nas fronteiras urbanas da metrópole paulista. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.) ou na zona leste (Milano et al., 2021MILANO, G. B.; PETRELLA, G. M.; PULHEZ, M. M. (2021). O anjo caído na terra prometida: Propriedade, regulação e conflitos na reurbanização periférica da São Paulo do século XXI. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, v. 40, n. 1, pp. 81-100.; Prieto, Verdi, 2023) – mostram que há diferença interna na tipologia descrita por Stiphany como “giro à intimidação”, que talvez conforme uma sexta tipologia: mobilizando diferentes formas de ilegalismos, a incorporação de novas terras ao mercado informal por ocupação, por conta do necessário enfrentamento com a fiscalização pública ou proprietária, exige a presença, ainda que possa ser apenas enunciada, de autoridade que use, ameace ou arbitre sobre o uso da violência.

O PCC e os mercados empreendedores

As visões midiáticas – superficiais e espetaculares – tendem a tratar a relação do PCC com a produção imobiliária como uma forma de ganho direto de lucros para a facção e “lavagem de dinheiro” do mercado ilegal de drogas e de outros negócios criminais dos irmãos. Ou seja, haveria interesse e ganhos para a facção em si. Primeiramente, não se pode falar de lavagem de dinheiro do tráfico local, pois trata-se, ainda, de negócios informais. Mas é possível, sim, falar em diversificação de investimentos, em um momento de maior competitividade em mercados cada vez mais pujantes. No entanto, ainda que possa haver eventualmente empreendimentos imobiliários promovidos por faccionados ou comerciantes locais do varejo da venda de drogas, tais empreendedores não transferem ao PCC seus lucros imobiliários nem pagam taxas vinculadas a esse negócio à facção.4 4 Informação colhida em entrevista na favela São Remo, na qual a pessoa, ao tentar impedir uma invasão em uma área comum, acionando níveis hierárquicos superiores do PCC, nos disse: “a torre do PCC nem sabe o que está acontecendo aqui” (sobre o avanço dos empreendimentos imobiliários). Isso porque não há, como no Rio de Janeiro, domínio territorial armado em São Paulo pelo PCC:

[...] um morro no Rio de Janeiro tende a comportar vários pontos de venda pertencentes a um mesmo “dono”, ao passo que em São Paulo cada “firma” movimenta um único ponto de venda. Podem existir “donos de morro” com poucos pontos e “patrões” de vários pontos de venda, mas o que parece ser mais recorrente é a maior extensão territorial e complexidade organizacional no Rio de Janeiro e um comércio dinâmico, fluido e fragmentado no caso de São Paulo. (Grillo e Hirata, 2017GRILLO, C. C.; HIRATA, D. V. (2017). Sintonia e amizade entre patrões e donos de morro: Perspectivas comparativas entre o comércio varejista de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 29, n. 2, pp. 75-97., pp. 81-82)

Os empreendedores desse “comércio dinâmico, fluido e fragmentado”, no caso da produção imobiliária, são responsáveis pela tomada ou compra da terra ou de imóveis de maneira intimidatória (diferentemente de outros empreendedores que incorporam através de propostas de compra, eventualmente com uso de permuta) e posterior contratação e proteção da construção. Em tais casos específicos, não se trata, portanto, apenas de ter grande soma de recursos, algo que outros comerciantes locais também têm, atuando no mercado imobiliário como diversificação de investimentos – nesses casos, com uma produção mais típica de mercado, com relações de troca monetária em todas as etapas, ainda que informais e precárias. Estes últimos buscam principalmente localizações mais seguras: áreas mais consolidadas, nas quais haja menos perigo de perderem seus investimentos. No entanto, a produção imobiliária com envolvimento de operadores de mercados ilegais, embora parecida com esta do ponto de vista construtivo, coloca-se, de modo diferente da primeira, de maneira pioneira em áreas de abertura de fronteiras, ainda instáveis e de maior visibilidade e controle seja pelo poder público, seja pelos proprietários originais. É necessário certo poder para acessar terra ou imóveis ocupados por pessoas que não querem sair, ou terra vazia em disputa, ou espaços comuns da comunidade arbitrados por outras forças locais. Trata-se da formação de novos ativos imobiliários, que incorporam a terra que estava fora do mercado – uma dinâmica típica de renda absoluta, e não diferencial (Marx, 1986MARX, K. (1986). O Capital – Crítica da Economia Política. São Paulo, Abril, Volume V (Livro III, Tomo II).), que mobiliza dinâmicas mais brutais de formação de valor, como as formas de acumulação primitiva.

Argumentamos, aqui, que a presença do PCC na reestruturação dos territórios periféricos passa, portanto, por outros caminhos que não os ganhos diretos advindos de domínio territorial soberano, como no Rio de Janeiro. Primeiro, sua relevância está na conformação de um ambiente de mercado multiescalar, com agentes empreendedores variados e com tendência de deslocalização (não são necessariamente moradores do território, mas têm alianças locais), que têm confiança dos negócios assegurada pela arbitragem da facção e, no limite, pela possibilidade do uso da violência. O segundo elemento é a criação de um ambiente de “mercado aberto”5 5 Fala de empreendedor entrevistado em campo, na favela São Remo. Ele não é morador do local e ingressou ali como provedor de TV a Cabo, depois de internet. Com a “abertura de mercado” e todos os “debates” para sua implantação realizados pelo PCC, teve a ampliação de seu negócio limitada e então iniciou a diversificação de investimentos no ramo imobiliário, a partir da compra de imóveis de baixa ocupação em localizações consolidadas. com competitividade, permitindo diversificação de negócios, possibilitando a presença de agentes variados de crédito e investimento através da consolidação de um mercado pujante – criminal ou não – nos territórios, “pacificados” e estabilizados pela sua normatividade e controle da violência, o que gera acumulação de capital em busca de reinvestimento.

Mais recentemente, identificamos um terceiro elemento – que acaba configurando essa nova tipologia ligada à ampliação de fronteiras, criando novas localizações – foi a ampliação de sua hegemonia nas periferias por meio da disputa com outras normatividades locais, principalmente vinculadas à defesa da melhoria da qualidade de vida, redes de solidariedade e permanência no território. Esse processo se dá materialmente por meio da tomada compulsória de espaços comuns, físicos e decisórios, que impedem ou limitam a atuação de outras lógicas, acarretando a transformação do território de espaço de reprodução comunitária da vida em espaços de extração de rendas variadas. Há produção ativa de insegurança habitacional dos territórios já consolidados – ampliando a inquilinização –, na medida em que a gestão de precariedades (Lacerda, 2022LACERDA, L. (2022). A produção do espaço em ato: tensões e disputas nas fronteiras urbanas da metrópole paulista. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.) mantém e reproduz a hegemonia da facção.

Tais hipóteses se apoiam no fato de que as periferias estão passando por transformações profundas nas suas dinâmicas desde os anos 2000, e o fenômeno da ascensão do PCC precisa ser considerado nesse contexto, no qual Feltran (2011)FELTRAN, G. S. (2011). Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo, Editora Unesp. identifica a coexistência, no cotidiano das famílias das classes populares, da figura do “trabalhador” e a do “bandido”. Feltran (ibid.) descreve a tensão na fronteira entre os dois mundos, que passam a ser atravessados por princípios ordenadores, compartilhados de confiança e respeito ao próximo, promovendo a sobrevivência cotidiana em territórios precários.

A organicidade entre mundo do trabalho e “mundo do crime” vai se desenvolver e consolidar a partir da organização do PCC como uma “sociedade secreta”: “O território para uma sociedade secreta é muito diferente do que é para uma empresa ou um comando militar. [...] O PCC não domina territórios pela força das armas, não exibe suas armas nas fronteiras das quebradas [...]” (Feltran, 2018FELTRAN, G. S. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras., p. 147). Diferentemente de uma empresa centralizada que comanda força de trabalho e centraliza ganhos, ele proporciona rede de apoio, instrumentos (acesso a armas), serviços (advogados), assim como um código de ética a ser seguido e uma estrutura de julgamento própria, fortalecendo o ambiente de negócios ilegais e proporcionando prosperidade aos seus membros e àqueles que “correm no mesmo ritmo”. Segundo Rodrigues, Feltran e Zambon (2023), estaríamos diante da ascensão de um regime de poder de “redes faccionais”, caracterizadas por:

  1. uma instância normativa difusa nos cotidianos populares que propaga valores acerca de como a vida dos mais pobres poderia ser próspera se o “sistema” fosse confrontado e que, por isso, se legitima em parcelas minoritárias dos estratos mais jovens e mais baixos da força de trabalho;

  2. uma articulação transnacional de saberes especializados e redes de operadores de mercados ilegais, que passam a ter capacidade de regular e/ou operar diretamente, de modo articulado, uma enorme acumulação de capital;

  3. uma estrutura de governança dessa normatividade e dessa acumulação centradas na lógica da sociedade secreta (PCC) e de empresas-rede (CV), ao mesmo tempo descentralizadas a ponto de permitir grande liberdade econômica e de decisão aos operadores, mas com forte capacidade de coordenação central para julgar e punir desvios internos e fragmentação potencial;

  4. uma estrutura política capaz de integrar ao governo desde interesses econômicos e ideologias até uma base material de acumulação que, em última instância, provém da posse de armamento pesado. (Ibid., p. 12; grifos nossos)

Essa estrutura de sociedade secreta do PCC, longe da forma centralizadora de uma organização empregadora ou de domínio territorial – como as milícias e facções cariocas –, cria condições para a existência de um mercado para formas empreendedoras de trabalho, no qual cada sujeito faz o seu “corre”, dentro de um ambiente de conexões de rede que propicia a ele potencializar seu negócio e diversificar investimentos em um “mercado aberto”. Assim, parece passar a existir uma segunda coexistência: a do “bandido” com a figura do empreendedor. Essa aproximação não seria a de confusão de identidades – pois, inclusive, permanece a divisão entre os irmãos (batizados pela organização) e aqueles que “correm junto”. A aproximação é bastante pragmática – no sentido de possibilidade de fazer um negócio prosperar – e, com o domínio hegemônico do PCC nos territórios paulistas, cada vez mais necessária ou compulsória, nem que seja de consentimento tácito. Nesse sentido, a forma de governo instaurada é muito vinculada a formação, manutenção e gestão de um ambiente de mercado arbitrado e “pacificado” (protegido dos agentes de fiscalização e regulação pública). Seu poder, portanto, cresce com o fortalecimento do empreendedorismo que, por sua vez, é muito baseado em redes de alianças territoriais.

Saberes e tecnologias compartilhados em rede, portanto, permitiram às facções – e em especial ao PCC, cuja estrutura favorece a expansão por meio de alianças locais – uma enorme ampliação da capacidade de conectar as pessoas certas para cada ação ou projeto de empreendimento criminal, mas também lavar e fazer render o dinheiro obtido nas atividades econômicas de seus membros. (Ibid., p. 12)

Para que a atividade imobiliária possa se realizar, é necessária uma grande rede de agentes, como foi visto acima, além de alianças locais que abram espaços de atuação. Tal setor econômico, mais do que uma atividade produtiva qualquer, altera as dinâmicas dos territórios na medida em que insere e organiza usos do espaço e modos de vida específicos, conformados pela forma de produção desse espaço construído. O imobiliário, portanto, é uma rede que articula atividades produtivas, de extração de renda e relações de poder. Assim, mais do que a intervenção ou participação direta de irmãos do PCC nessas atividades (que podem eventualmente ocorrer como diversificação de negócios), importa aqui a formação dessa rede multiescalar de saberes, tecnologias – e recursos financeiros e políticos – compartilhados, com capacidade de conectar pessoas e de se expandir por alianças locais, com normatividade própria e capacidade de governança com controle da violência.

Isso porque essa rede altera significativamente a lógica de produção e os modos de vida de territórios autoconstruídos em torno de relações locais de trocas, cuja escala se limitava aos recursos e repertórios familiares ou interpessoais. O ganho de escala conseguido durante a redemocratização foi a articulação com movimentos sociais, assessorias técnicas, universidades, ONGs e entidades sociais e empresariais que, na disputa por fundos públicos, colocaram esses territórios para dentro do “mundo dos direitos” que fazia sentido na articulação com o “mundo do trabalho” – um mundo estável, de segurança habitacional e de benefícios da sociedade salarial, cuja permanência e o desenvolvimento das comunidades se articulavam com redes de poder capilarizadas entre esses atores e o Estado democrático de direitos sociais.

É o fim, inclusive, da expectativa por esse mundo sempre distante que altera esse cenário com a entrada de lógicas rentistas, nas quais as redes de poder e os agentes de extração de renda podem estar fora do território (com alianças locais), e seus interesses deixam de ser a coesão, a permanência e a estabilidade das famílias pioneiras no território. A prosperidade é conquistada com a expansão de mercados empreendedores em rede, cuja escala de agentes e recursos não é mais apenas local.

A forma de extração de rendas por locação (habitacional ou comercial) serve bem a esses princípios, na medida em que usa a produção do espaço como âncora de rendas que não necessariamente ficarão no território. Assim, a fase mais recente dos processos de produção imobiliária descritos acima é o de monopolização de unidades de locação e tomada de terras e espaços de uso comum das comunidades consolidadas, com recursos de ameaça ou violência direta. O ambiente econômico, normativo e político para que isso aconteça é atravessado pela presença enunciada ou concreta dos irmãos do PCC nos territórios – o que mais importa é a possibilidade de seu acionamento como árbitro de práticas vinculadas ao novo ambiente de negócios – e pelas redes reais de alianças regionais, nacionais e internacionais, entre empreendedores e financiadores que a facção proporciona.

Assim, a valorização imobiliária das periferias é disputada em um ambiente de mercado multiescalar, seja de seus produtores, seja de seus usuários – pois moradores e comerciantes passam a ter maior mobilidade entre diversos territórios. Essa abertura dos territórios à mobilidade populacional e de riquezas – que, ao não permanecer no território, o mantém precário – é acompanhada de maior sensação de insegurança pelos moradores (com a circulação de “pessoas de fora”), e a “pacificação” (Feltran, 2018FELTRAN, G. S. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) vai se matizando em “confiança de mercado”, transformando-se numa nova forma de governo apoiado em formas mercantis que disputam cotidianamente cada milímetro do espaço – com novas formas de violência, mais vinculadas à extração rentista.

Alguns casos exemplificam essa dinâmica, como demonstrado no trabalho de Campolim (2022)CAMPOLIM, J. B. (2022). A produção capitalista do espaço nas brechas da formalidade: a favela do Jd. Panorama. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. no jardim Panorama, localizado em bairro nobre de São Paulo e vizinho de um megaempreendimento de luxo (shopping, torres residenciais e corporativas). Campolim mostra que o processo de implantação desse megaempreendimento se deu com um processo de usucapião coletivo realizado pela associação de moradores. Isso gerou, primeiramente, disputas por terras (descritas por D’Andrea, 2008) e, na sequência, uma dinâmica de crescimento conjunto dos dois espaços, na qual a comunidade passou a suprir necessidades do complexo, com verticalização de espaço altamente limitado: restaurantes populares e moradia própria ou de aluguel para os operários da construção e depois dos funcionários, além de serviços variados – desde provimento de força de trabalho até estacionamento a custos acessíveis. O mercado pujante foi sendo cada vez mais arbitrado por pessoas ligadas à venda de drogas local, ligadas à disciplina do PCC. Tal grupo acaba tomando o espaço da associação de moradores e dominando as relações com entidades parceiras e toda a rede de trabalhos sociais empresariais da vizinhança abastada.

A partir desse domínio político, normativo e de gestão da entrada de recursos empresariais na favela, começam a crescer empreendimentos imobiliários nas suas áreas de fronteira ainda vazias; estes, além das rendas, promovem expansão do domínio territorial do grupo, necessária para consolidar sua presença ante outros atores de gestão comunitária (internos e externos). Toda uma área comum da favela é tomada por barracos para aluguel: um nível de precariedade que, do nosso ponto de vista, demonstra não falta de recursos, mas uma situação de disputa territorial ainda em curso. Ou seja, há toda uma população inquilina que é mantida em insegurança habitacional para resguardar uma nova área em disputa e garantir a consolidação de poder da facção no território como um todo – chamado ali de Quarto Setor (Campolim, 2022CAMPOLIM, J. B. (2022). A produção capitalista do espaço nas brechas da formalidade: a favela do Jd. Panorama. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), certamente numa alusão, em disputa, às entidades do terceiro setor atuantes ali (D’Andrea, 2008).

Situação semelhante se vê também na favela São Remo e no assentamento vizinho, Sem Terra (mais regular e valorizado), ao lado da Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP) no Butantã, onde realizamos diretamente pesquisa de campo. Com localização estratégica e consolidação no seu núcleo mais antigo, a área já apresentava verticalização de cerca de quatro andares antes da pandemia, com uma grande porcentagem de domicílios de aluguel, alguns deles em prédios de 6 andares:

Na São Remo e na Sem Terra, 34% dos domicílios são de aluguel. [...] Dentre os imóveis alugados na São Remo, 55% pertencem a moradores ou moradoras que moram no mesmo território. A proporção na Sem Terra é de 48%. Os números sugerem que parte dos domicílios disponíveis para locação é resultado do investimento local de famílias, que construíram novas moradias, possivelmente, como meio para obter uma renda extra mensal. Mas também é possível que a outra parte disponível para locação corresponda a um mercado de aluguéis bastante ativo, a ponto de estimular pessoas de fora a investir na construção de novos domicílios nas duas favelas. (Silva, Peçanha e Gonçalves, 2021, p. 63; grifos nossos)

Durante a pandemia, a crise econômica e o afastamento da fiscalização pública, articulados com a boa localização da área, deram ensejo à ocupação da última quadra livre entre as duas comunidades. A área não foi reintegrada por conta da crise sanitária e, entre a necessidade e os negócios, a dinâmica imobiliária ali foi central para o fortalecimento – econômico e político – de grupos ligados ao varejo de drogas que, antes, se limitavam ao seu espaço comercial. Com maior área e população sob seu domínio normativo, tais grupos passam por cima das relações de poder historicamente construídas na comunidade – associação de moradores, igrejas, entidades sociais e culturais – e começam a irradiar o mercado de locação (residencial e comercial) a partir da nova área ocupada, tomando espaços comuns (calçadas e passagens), espaços de lazer, praças e áreas verdes ou pouco adensadas, principalmente aquelas de uso de populações mais vulneráveis, como crianças e idosos, mantidas por mulheres. Em uma dessas áreas – uma praça ao lado de um talude de 9 metros – a terra foi retirada para uma construção, no entanto o dinheiro acabou e o barranco ficou desestabilizado, transformando-se em área de risco. A praça deixou de ser lugar seguro para as crianças, que agora são proibidas de estarem ali. Pelos relatos, parte da enorme soma foi gasta para afastar a fiscalização, dentro de acordos anteriormente constituídos pelos operadores dos mercados ilegais locais.

Os edifícios que surgem nessas novas áreas tomadas são de porte, construídos de forma muito rápida – com uso de concreto usinado e bombeamento. O investimento é claramente muito grande e, por meio de entrevistas, aferimos que é proveniente de consórcios que contam com investidores locais (a maioria ligada ao varejo de drogas) e externos. Alguns empreendedores imobiliários da favela entrevistados disseram não investir naquela frente por se tratar de alto risco, por estar em área ainda instável de ocupação, podendo ser reintegrada – ou seja, trata-se de um negócio que envolve mais do que recursos necessários para a construção, envolve o poder advindo da ameaça de uso da violência. Em entrevista, um morador comentou: “não é só que eles têm dinheiro, eles podem [construir ali], eles têm poder”. Há disputa entre os diversos comerciantes do varejo de drogas para a tomada de espaços para a construção de edifícios para locação e para encabeçar esses investimentos externos. Os moradores e comerciantes que alugam os novos espaços vêm majoritariamente de fora da comunidade.

Assim, vai-se conformando um espaço físico disputado regionalmente para negócios e de grande circulação de pessoas. É somente após a consolidação da área dominada pelas novas construções de aluguel que o baile funk vem para o local, a partir de empresários da Vila Nova Jaguaré – um evento que articula rentismo e jogos de poder com a polícia a partir de agentes regionais. Os moradores mais antigos, principalmente aqueles que têm projetos comunitários com uso de espaços comuns, ressentem-se da nova realidade e mobilizam estratégias de contenção do avanço dessa lógica rentista, com dispositivos físicos que “guardam” os espaços.

Essa mesma dinâmica é observada na vila Nova Jaguaré por Nazareth (2017)NAZARETH, M. B. F. (2017). Vila Nova Jaguaré entre favela, comunidade e bairro. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; inclusive a articulação dos mercados através do baile funk (cujo organizador levou o evento para a São Remo, ambas próximas à USP), responsável por abrir a comunidade à circulação externa. Logo após a finalização das obras de urbanização do território, na primeira metade da década de 2010, todas as áreas livres deixadas pelo projeto público – novas áreas de fronteira – foram sendo tomadas por construções para venda ou locação – inclusive aquelas que antes eram áreas de risco que foi mitigado pelas obras do município, como grandes taludes.

As primeiras construções em áreas de domínio público foram observadas nessa encosta onde se encontrava a academia ao ar livre, local bastante escondido e com muitas áreas disponíveis. No decorrer da pesquisa, apontaram-nos que se tratava de ocupações lideradas pelo crime, que passou a comercializar terrenos de domínio público, além de alugar e vender unidades habitacionais prontas. Também, relataram-nos histórias de moradores que as haviam denunciado e foram expulsos da comunidade como forma de retaliação. (Ibid., p. 97; grifos nossos)

A reocupação é muito intensa, com prédios de seis andares que tomam, inclusive, as passagens de pedestres e escadas de acesso, formando túneis; o largo principal, assim como as praças, teve todo o mobiliário urbano retirado e foram tomados por novas construções; pequenas garagens já construídas como “puxadinhos” das edificações públicas foram verticalizadas.

Com o tempo, passei a identificar mais facilmente quais eram as construções do crime. Apresentavam tipologia semelhante, com unidades autônomas e metragem bastante reduzida, e horários de trabalho que coincidiam com a jornada formal. Aparentemente, sua produção envolvia relações de trabalho. Apresentavam técnicas construtivas mais elaboradas e contavam inclusive com trabalhadores que vestiam uniformes com o logo de uma empresa de engenharia. Principalmente, demonstravam um processo detalhado de planejamento e gestão das obras. [...] As edificações do crime apresentam mais de uma unidade por piso e chegam a até seis pavimentos construídos de uma vez só. [...] A rapidez e o nível de organização das obras e a presença de moradias de aluguel eram os principais indícios que apontavam para construções do crime. (Ibid., pp. 104-105)

Os moradores dos condomínios de produção pública passaram, então, a cercar os acessos aos edifícios como forma de conter a expansão desses negócios imobiliários; assim também fizeram outros moradores que passaram a ocupar espaços livres com plantas e usos coletivos, mostrando que a disputa pela produção do espaço é uma disputa de poder por lógicas distintas de seu uso. Sem poder de reação, com medo do uso da violência, os moradores

“lamentavam o esgotamento das melhorias trazidas pela urbanização. Sentiam-se tolhidos de sua voz, pois não podiam opinar sobre usos alternativos para o espaço. No caso das construções sobre estruturas de contenção, ponderava-se também o retorno das situações de risco, que ameaçava também as moradias adjacentes. (Ibid., p. 115; grifos nossos)

A partir desses exemplos, vemos que o cenário descrito no item anterior, de crescimento dos mercados imobiliários em periferias, ganha outras camadas, quando adicionamos a ele o elemento da expansão de mercados vinculados a agentes de controle da violência e domínio territorial pela gestão imobiliária: a mobilização de mercados empreendedores, que escalam o espaço comunitário antes limitado a sua escala local, incide diretamente nas relações de poder do território. Em relação aos períodos anteriores – nos quais era relevante o trabalho das associações de moradores (1970), depois movimentos populares (1980) e, em seguida, a forte presença de entidades do terceiro setor (1990 e 2000) –, a ascensão do PCC como agente de disputa e articulação dessas várias normatividades traz novos elementos, centrados em lógicas rentistas responsáveis por expandir as fronteiras desses espaços de “mercado aberto” baseados em ilegalismos – jogos de poder baseados em arbitragem local entre o legal e o ilegal – que vão alterando o equilíbrio de forças políticas e as lógicas de produção do espaço vinculadas à reprodução social da vida existentes no período anterior. Não exatamente para o ganho direto da facção, mas como fortalecimento de poderes locais cujo interesse é expandir mercados empreendedores com diversificação de agentes que extraem as riquezas daquele território, mantendo-o precário apesar de todo o novo investimento ali colocado.

Nesse aspecto, a produção e o uso do espaço – diferentemente daqueles das milícias cariocas, que fecham fisicamente seus territórios de domínio – precisam ser no sentido de expansão de fronteiras, com captação privada de valorização e fluxos de renda monopolizados daí originados, assegurados por formas de poder centradas nas disputas de normatividades, que conformam estruturas políticas e de governança alicerçadas no controle do uso da violência. Como vimos nos relatos, a consequência política disso é, ao contrário da expansão, o fechamento de possibilidades de organização comunitária em torno de seus interesses e necessidades de reprodução da vida, cada vez mais limitados pelo medo de represálias e perda de espaços físicos e decisórios comuns – que passam a ser voltados para formas privadas de rentismo com maior insegurança e precariedade habitacional para os novos moradores.

Gestão de ilegalismos sob a lógica rentista

Esse cenário, muito diferente daquele encontrado pelos autores que olharam para a autoconstrução na era industrial, durante as décadas de 1960 e 1970, relaciona-se com transformações profundas no mundo social a partir da crise do trabalho assalariado e ascensão de formas rentistas de acumulação extraídas de parte dos expedientes de sobrevivência. Essas formas rentistas, nas suas várias tipologias, aproximam o formal do informal – esfumando, inclusive, a separação estreita entre esfera produtiva e reprodutiva – em modos de funcionamento cada vez mais semelhantes. Encontram-se, nos empreendimentos imobiliários que descrevemos, também mecanismos rentistas e seus agentes, com tendência de monopolização de propriedade; busca de maior produtividade construtiva a partir de centralização da força de trabalho, padronização tipológica e introdução de maquinário; articulação em rede de negócios empreendedores e investidores num mercado competitivo; e, inclusive, promoção ativa de insegurança habitacional, com promoção de deslocamento populacional, constituindo um contexto de urgência no qual a gestão do risco promove fluxos de recursos e garante relações de poder ancoradas em ilegalismos – algo que também ocorre com frequência nos processos de reestruturação territorial promovidos pela associação entre poderes públicos e privados formais.

Essa análise parte do pressuposto de que, para que agentes vinculados ao mercado formal entrem efetivamente em determinado negócio, é necessário um amoldamento anterior desse negócio a sua lógica. Parece-nos que estamos nesse momento, no qual os vínculos diretos com o mercado imobiliário formal ainda representam uma fronteira para esses negócios, cuja rentabilidade pressupõe a informalidade. No entanto, delineia-se uma lógica que, primeiramente, favorece a entrada desses agentes, abrindo o caminho, na medida em que promove as disputas iniciais, mais violentas e sem regulação pública; e, de maneira mais imediata, já implanta uma lógica rentista de produção e de gestão do espaço, com as mesmas consequências sociais do processo formal: formas violentas de despossessão, precarização, perda de espaços comuns e laços comunitários, empobrecimento, etc.

Entre os agentes e as tipologias descritas, vemos, inclusive, uma diferença entre os empreendedores locais que investem no imobiliário como forma de diversificação de seus negócios ligados às necessidades do mercado consumidor local – armazéns, padarias, restaurantes, serviços de internet, etc.; e os agentes ligados aos mercados ilegais, que tomam novas terras com uso ou ameaça de violência. No caso dos primeiros, há uma aproximação maior com a lógica da formalidade, em que o processo de troca mercantil se dá desde a compra da terra, ainda que informal, buscando captar rendas diferenciais; enquanto, no caso dos segundos, conformam-se ilegalismos de fronteira, que gerem as articulações com a lei para expandir a lógica mercantil ao criar, do início, novos territórios amoldados a sua lógica – processo no qual é fundamental o uso ou a ameaça de violência, em um processo de acumulação primitiva de tomada de novas terras, vinculado à renda absoluta.

Essa forma de produção do espaço está não apenas ancorada, mas é um dos (potentes) dispositivos a partir dos quais se dá a gestão dos ilegalismos nos territórios: a nova trama de relações de poder que emerge dessa forma rentista específica de produção e disputa pela circulação de riquezas define quem pode e quem não pode construir, onde, com quais recursos e redes e, em seguida, quem gere a distribuição e a apropriação desses espaços – que não são apenas físicos, mas também decisórios. Se é a presença da normatividade do PCC que redefine a fronteira do legal e do ilegal nesses territórios, interessa-nos não apenas o momento exato da vinculação nesses negócios imobiliários com a formalidade – o que aumentaria mais a escala de suas consequências do que a sua forma –, mas, antes disso, a diferenciação interna entre o que é e o que não é permitido ser feito, pois parece que é nesse jogo que formas comunitárias ou familiares de produção e gestão do espaço são dificultadas, impedidas de ocorrer ou controladas em face da produção rentista e monopolizada. Segundo Telles, sobre os ilegalismos:

Ao cunhar essa noção em Vigiar e punir (1975), Foucault desloca a discussão da tautológica e estéril binaridade legal-ilegal, trazendo para o centro da investigação os modos como as leis operam, não para coibir ou suprimir os ilegalismos, mas para diferenciá-los internamente, “riscar os limites de tolerância, dar terreno para alguns, fazer pressão sobre outros, excluir uma parte, tornar útil outra, neutralizar estes, tirar proveito daqueles”. [...] Não seria arriscado dizer que [...] do século XX para o XXI, há um deslocamento considerável na “economia interna dos ilegalismos populares”, acompanhando as atuais reconfigurações do capitalismo contemporâneo. (Telles, 2009TELLES, V. da S. (2009). Ilegalismos urbanos e a cidade. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, n. 84, pp. 153-173., p. 171)

Talvez não seja demais associar esse cenário à ascensão de novas formas de governo que nascem do mundo popular – que cada vez mais parecem estruturar o mundo político no lugar dos direitos sociais vinculados à sociedade salarial. Em São Paulo, a forma de governo que emerge das periferias é vinculada a uma rede de poder estruturada através de mercados competitivos – políticos, inclusive. Está mais ligada a formas de governo de populações em territórios em expansão de mercados e não a fechamento de fronteiras, como as milícias cariocas, que têm domínio soberano sobre seus territórios – e, portanto, exercem prioritariamente poder disciplinar sobre suas populações (Foucault, 2008FOUCAULT, M. (2008). Segurança, território, população. São Paulo, Martins Fontes.). Em territórios com mercados e população em expansão, desenvolvem-se, ao invés disso, formas de poder securitário, de gestão de populações, que instrumentalizam os riscos aos quais elas estão submetidas para manterem-se no poder (ibid.). Por isso a necessidade de conformação de insegurança habitacional em contraposição às forças sociais anteriores (como movimentos sociais e associações de moradores), que lutavam por estabilidade e moradia digna.

Esse cenário indica transformações relevantes para se pensar as periferias atualmente em relação às três forças sociais vinculadas à forma de governo constituída desde a redemocratização: o lugar dos movimentos sociais e de suas assessorias técnicas na intermediação do acesso às políticas públicas urbanas; a gestão do social das entidades do terceiro setor; e a ação de agentes empresariais de produção do urbano. Trata-se dos agentes que capilarizam a ação do Estado – ou sua forma de governo – diretamente nos territórios. Ou seja, os agentes que trabalham na própria constituição da fronteira entre formal e informal que, por estar justamente em disputa por novas formas de governo, são aqueles que têm seus espaços físicos e decisórios ou minados, ou fortalecidos dentro da gestão dos ilegalismos.

Em relação aos movimentos sociais e a suas assessorias técnicas (jurídicas e urbanísticas), temos acompanhado uma mudança substantiva nas formas de presença de operadores dos mercados ilegais – e a enunciação de sua vinculação com o PCC, seja ela verdadeira ou não – em territórios em disputa, como ocupações ou comunidades ameaçadas de remoção. Há cerca de dez anos, tal presença era apenas uma espécie de coexistência no mesmo território: se as relações de respeito aos papéis de cada agente se mantivessem, produzia-se uma dinâmica de troca – quase sempre indireta – entre repertórios para a consolidação de comunidades, cada um mobilizando seus recursos específicos (proteção, contatos, articulações com o poder público ou outras forças). Havia uma espécie de hegemonia compartilhada (Prieto e Verdi, 2023PRIETO, G.; VERDI, E. F. (2023). Irmãos na Terra Prometida: crime, igreja e regularização fundiária em São Paulo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, n. 85, pp. 55-73.), a partir da qual a comunidade estabelecia uma pragmática estratégia de permanência do território, acionando, à medida que a interessava, repertórios de um ou de outro poder.

No entanto, tal dinâmica tem se alterado em territórios mais disputados e valorizados, e parece-nos que não é mera coincidência que isso tenha se dado concomitantemente ao ganho de domínio territorial por meio da produção imobiliária agenciada por empreendedores ligados aos mercados ilegais. Segundo dados da Secretaria de Habitação, o número de ocupações na cidade de São Paulo acompanhadas pelo Núcleo de Solução de Conflitos Fundiários da Prefeitura foi de 206 (quase 46 mil famílias), em 2018,6 6 Ver em Santiago (2018). para 567 (mais de 115 mil famílias) em 2023;7 7 De acordo com documento oficial da Secretaria de Habitação. apresentado em reunião ordinária do Conselho Municipal de Habitação de São Paulo. e essa realidade acompanhada de perto nos mostra que a grande maioria dessas ocupações não é mediada por movimentos organizados de luta pela moradia que têm, ao contrário, retraído a estratégia de novas ocupações justamente por conta dessa conjuntura.

Assim, temos observado a conformação de consórcios de agentes que aportam recursos variados (não apenas financeiros) – inclusive com mobilização de repertórios de luta dos movimentos de moradia, que se autonomizam e são instrumentalizados – para a realização de novas ocupações (Lacerda, 2022LACERDA, L. (2022). A produção do espaço em ato: tensões e disputas nas fronteiras urbanas da metrópole paulista. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), nas quais empreendedores ligados aos mercados ilegais estão presentes, assim como a enunciação do poder normativo do PCC é utilizada como dispositivo de legitimação (podendo ser realidade ou não). Mais do que isso, tais empreendedores têm de fato acionado mecanismos de julgamento do PCC (os debates) para disputar legitimidade normativa nos territórios, instaurando um contexto de risco constante para a atuação política dos movimentos sociais, que veem suas lideranças serem ameaçadas, bem como suas assessorias – principalmente as jurídicas – serem contestadas e expulsas de comunidades que passam a acionar – e resolver – seus conflitos com a lei por ilegalismos variados, e não pela via do direito. Vemos, então, que a arbitragem de mercados rentistas passa a substituir a lógica política em arenas públicas de disputa, destituindo de sentido a luta por direitos sociais: ao invés de atendimento universal, a linguagem do mercado atende, de forma muito mais direta, as necessidades imediatas de uma população em situação constante de urgência. A permanência dessa população em situações de precariedade é, portanto, relevante para manter tais mercados rentistas – que conformam novas formas de governo – e não para a reprodução da vida dentro da lógica da moradia digna e segura.

Tal disputa dentro de ilegalismos também mina a ação de entidades sociais do terceiro setor, que faziam parte dessa hegemonia compartilhada nas periferias. Tanto nos trabalhos de Nazareth e Campolim, quanto na observação direta na favela São Remo, aparecem disputas pelos espaços decisórios da comunidade (associação de moradores ou fóruns de entidades) nas quais o terceiro setor tem perdido espaço para agentes vinculados ao empreendedorismo imobiliário com laços variados com os mercados ilegais – seja na presença direta de representantes do setor, seja na expulsão e no fechamento desses espaços, seja, ainda, na tomada completa deles. Os trabalhos comunitários do terceiro setor, que aportavam financiamentos às comunidades, vão perdendo hegemonia na medida em que o aporte de recursos dos novos empreendedores é muito mais pragmático e vinculado às necessidades diretas de reprodução individual das famílias por meio do mercado, muitos desses recursos advindos do domínio sobre a produção do espaço: aluguel (residencial e comercial), acesso a serviços e mercadorias, lazer na escala de bailes funk, segurança e desenvolvimento de clientela, além de variados exemplos de resolução de conflitos e situações de crise familiar com aporte de verbas e serviços diretos. É toda uma lógica que passa por soluções de mercado e relações violentas de poder, mas que alcançam uma escala e uma eficiência pragmática difíceis de competir.

Tal competição tem passado pela emergência de novas entidades sociais que centralizam forças articuladas em torno da extração de recursos dos territórios periféricos, sejam eles financeiros, de votos ou de redes de influência. Tais entidades agregam articulações bem pouco transparentes entre: práticas políticas clientelistas com o corpo legislativo e outros agentes estatais de ação executiva e fiscalizatória local; agentes locais de articulação comunitária; entidades sociais de escala regional; partidos políticos; coletivos culturais; bem como empreendedores locais ligados à produção do território e a agentes dos mercados ilegais. Esses hubs se denominam “movimentos” e se associam a práticas “renovadas” de ativismo jovem, dando “soluções” para o território bastante pragmáticas. Lacerda (ibid.) descreve a emergência de um desses movimentos em territórios da zona norte da cidade, mostrando sua conexão com agentes da zona sul e vereadores, articulados com a ação normativa do PCC: ou seja, trata-se da formação de redes regionais de poder, com ação local através de empreendedores e articuladores sociais – que redefinem o significado da organização comunitária em um espaço de mercado multiescalar, que gere precariedades – e não direitos – como forma de poder.

Dessa maneira, outros agentes ganham relevância na disputa pelo domínio dos fluxos de recursos (não apenas financeiros) das periferias, como empresários vinculados à privatização e à financeirização dos direitos sociais,8 8 Um começo dessa vinculação pode ser visto na chamada pública de fomento do BNDES para Blended Finance no final de 2022, da qual foram vencedoras empresas de regularização fundiária e melhorias habitacionais que desenham soluções habitacionais a partir de Fundos de Investimento e Certificados de Recebíveis Imobiliários. que também trabalham com a lógica rentista. Novamente: não necessariamente há vinculação direta deles com o PCC. Nossa hipótese aqui é a de que o crescimento da presença desses empresários nessas comunidades se apoia na alteração de lógicas comunitárias em lógicas rentistas apoiadas na permanência ou reprodução de territórios de precariedade. Isso faz, eventualmente, com que agentes de mercado (formal e informal) se apoiem em empreendimentos e negócios específicos, numa coexistência dentro de um mesmo meio de mercado que se beneficia de uma governança violenta.

Tais empresários estão cada vez mais presentes, por exemplo, em processos de regularização fundiária após a Lei de Reurb de 2017 e sua abertura para agentes privados, como visto anteriormente. Em meio ao cenário acima descrito, tais processos de regularização acabam articulando agentes de mercado de terras, finanças e fundos públicos garantidores a agentes locais que arbitram e executam a extração direta de recursos da população, inclusive removendo moradores que não podem pagar e, em algumas situações, destituindo associações de moradores e suas assessorias que se colocam em defesa da comunidade (Costa, 2019COSTA, A. D. (2019). Luta social e a produção neoliberal do espaço: As trajetórias das ocupações Vila Soma, Zumbi dos Palmares e Pinheirinho. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). A recente inserção do mecanismo financeiro da alienação fiduciária na Reurb (Lei n. 14.620/2023) promoverá, certamente, a articulação dos interesses desses agentes locais com os de investidores: os despejos por não pagamento poderão ser feitos sem passar pelo poder judiciário, ou seja, por articulações locais que passam pela gestão dos ilegalismos.

Assim, constrói-se um circuito multiescalar de agentes vinculados ao rentismo, mobilizando políticas públicas que promovem e garantem a valorização do capital investido e articulam investidores, formais ou informais – caráter jurídico que interessa menos do que a sua consequência no território, que é a de recriação, manutenção e gestão de precariedades por meio da expansão da insegurança habitacional e do aumento da despossessão por acionamento ou ameaça de violência direta. A relação desses vários agentes com o PCC pode não ser direta, mas o que importa aqui é o papel da facção na constituição de um ambiente de negócios que expande a lógica rentista ao território periférico, que tem, na produção imobiliária, um importante vetor no processo de reestruturação de domínio territorial, de dinâmicas de mercado e de relações de poder baseadas na extração de recursos (não apenas financeiros, mas também políticos) dos territórios e de suas populações.

Conclusão

Retomado as questões iniciais, vemos que se transformou a relação entre a produção de periferias e a conformação da força de trabalho no País, que antes se dava em relações de assalariamento, e a casa era estritamente um meio de reprodução social – sendo pontualmente comercializada. Foi nesse arcabouço de entendimento que cabiam políticas públicas de acesso à moradia própria ou urbanização com regularização fundiária como direito: ambas como formas de acesso à propriedade familiar como segurança habitacional. Na gestão dos ilegalismos populares, a possibilidade de autoconstruir mantinha a força de trabalho desvalorizada e submetida à necessidade de auto-organização para conseguir melhoramentos urbanos. Essa situação deu ensejo ao crescimento dos movimentos de moradia e sua legitimidade na luta por reforma urbana e políticas participativas, incluindo a autogestão habitacional.

Parece-nos que todo esse cenário está em transformação, na medida em que não é mais possível olhar para as periferias a partir da lógica estrita do valor de uso da moradia por uma classe trabalhadora assalariada. Falamos de um contexto de crise do assalariamento e do seu lugar como centro das relações políticas no marco do direito social. O ambiente de mercado no qual o empreendedorismo viceja constrói outras formas de arbitragem, circulação e apropriação de riqueza, não escapando a produção do espaço de suas necessidades. Nesse sentido, a produção e a gestão de territórios periféricos atualmente compõem a formação de uma nova classe popular cujos expedientes de sobrevivência são subsumidos às necessidades de capitais rentistas que acumulam riqueza e poder justamente na gestão da fronteira da legalidade. Os ilegalismos, nesse contexto, conformam uma trama de poder na qual poderes rentistas ganham espaço – físico e decisório – em meio à disputa com poderes baseados em lógicas familiares ou comunitárias, ligadas ao valor de uso do espaço.

Nesse cenário, é necessário repensar as políticas públicas e as formas de organização política desses territórios, pois a sua continuidade com modelos anteriores, sem levar em conta esses novos elementos, tem levado à perda dos benefícios da urbanização e da regularização, perda de acesso a unidades habitacionais para agentes ligados a essas novas formas de governo, maior insegurança habitacional em formas variadas de locação, endividamento e empobrecimento em meio à despossessão.

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  • ZUQUIM, M. L.; MEYER, J. F. P.; BARBON, A. L.; SANTOS, G. M. (2018). Mercado imobiliário na favela de Paraisópolis: da autoconstrução à produção mercantil. In: SEMINARIO LATINOAMERICANO TEORÍA Y POLÍTICA SOBRE ASENTAMIENTOS POPULARES. Anais Buenos Aires, Universidad Nacional de General Sarmiento, pp. 1-23.

Notas

  • 1
    O lucro extraordinário (Marx, 1986MARX, K. (1986). O Capital – Crítica da Economia Política. São Paulo, Abril, Volume V (Livro III, Tomo II).) refere-se a um rendimento com determinada atividade econômica que está acima do lucro médio do mercado, ou seja, que não entra na equalização de lucro geral da economia. Isso se dá por conta de barreiras que impedem a livre circulação de capitais entre setores, como o monopólio privado da terra como meio de produção ou, no caso, o caráter informal ou ilícito de atividades mercantis.
  • 2
    Essa forma de incorporação também foi acompanhada no Rio de Janeiro, onde Terry (2021)TERRY, T. (2021). Favela quitinete: transformações sócio-espaciais em favelas cariocas consolidadas e o caso de Rio das Flores/Rio Novo na Favela de Rio das Pedras - RJ. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. descreveu o processo de construção de “prédios rolo” entre 2008 e 2013. O chamado “rolo” é justamente esse processo de permuta da casa original por unidades de quitinetes dentro de um prédio novo a ser construído no terreno por um empreendedor privado externo à comunidade.
  • 3
    Quando famílias de até 3 salários-mínimos gastam mais do que 30% de seus rendimentos com o aluguel.
  • 4
    Informação colhida em entrevista na favela São Remo, na qual a pessoa, ao tentar impedir uma invasão em uma área comum, acionando níveis hierárquicos superiores do PCC, nos disse: “a torre do PCC nem sabe o que está acontecendo aqui” (sobre o avanço dos empreendimentos imobiliários).
  • 5
    Fala de empreendedor entrevistado em campo, na favela São Remo. Ele não é morador do local e ingressou ali como provedor de TV a Cabo, depois de internet. Com a “abertura de mercado” e todos os “debates” para sua implantação realizados pelo PCC, teve a ampliação de seu negócio limitada e então iniciou a diversificação de investimentos no ramo imobiliário, a partir da compra de imóveis de baixa ocupação em localizações consolidadas.
  • 6
    Ver em Santiago (2018)SANTIAGO, T. (2018). Cidade de São Paulo tem 206 ocupações onde moram 45 mil famílias. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/cidade-de-sao-paulo-tem-206-ocupacoes-onde-moram-45-mil-familias.ghtml. Acesso em: 27 nov 2023.
    https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici...
    .
  • 7
    De acordo com documento oficial da Secretaria de Habitação. apresentado em reunião ordinária do Conselho Municipal de Habitação de São Paulo.
  • 8
    Um começo dessa vinculação pode ser visto na chamada pública de fomento do BNDES para Blended Finance no final de 2022, da qual foram vencedoras empresas de regularização fundiária e melhorias habitacionais que desenham soluções habitacionais a partir de Fundos de Investimento e Certificados de Recebíveis Imobiliários.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2023
  • Aceito
    24 Maio 2024
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