Spir,Forschung nach der Gewissheit, p. 13.
Nietzsche, Nachlass/FP 19[242], KSA 7. 495 - 496.
Mas encontramos sem dúvida muitas coisas cuja essência não pode se expressar com o enunciado “A é A”. Que representação alguém poderia ter da essência de um lápis, por exemplo, se lhe fosse dito: o lápis é o lápis? Claramente nenhuma. Para descrever o lápis, se teria de expressar mais ou menos assim: o lápis é uma coisa extensa, longa, fina, cilíndrica, colorida, dura, pesada, etc. Vemos aqui portanto numa unidade (o lápis) conter, incluir, uma grande quantidade de propriedades, todas diferentes entre si.
A unidade do diverso se chama em geral uma síntese, e os enunciados nos quais a essência dessa unidade é expressa se chamam enunciados ou juízos sintéticos. A forma geral dos enunciados sintéticos, a expressão geral de uma síntese, é “A é B”].
A essência da definição: o lápis é um corpo longo, etc. A é B. O que é longo é aqui também colorido. As propriedades contêm apenas relações.
O conceito “lápis” é confundido com a “coisa” lápis. Esse “é” no juízo sintético é falso, ele contém uma transposição, duas esferas distintas, entre as quais uma igualação nunca pode ocorrer, são colocadas lado a lado]11.
Spir, DW 1873, I, p. 377
Nietzsche, Nachlass/FP 19[240], KSA 7.495.
Se por conseguinte o conhecimento empírico contém, contudo, em sua própria essência fundamental algo de falso, se os objetos empíricos, contudo, tiverem de ser tomados como meras aparências, fenômenos, então aqui o elemento de falsidade repousaria nos próprios objetos empíricos e não meramente no próprio pensamento.
O mundo é representação - mas não apenas nós somos causas de que ele apareça. Ele ainda é irreal de um outro ponto de vista.
Spir, DW I, p. 379-80
Nietzsche, Nachlass/FP 11[329], KSA 9.569
Ou seja, aqueles elementos na realidade dada, que são estranhos à verdadeira essência das coisas e do efetivo, não podem evidentemente provir dela. Como estranhos, eles têm de ser acrescidos a ela. Mas já que fora do efetivo não existe nada de onde algo poderia provir ou surgir, então é simplesmente impossível compreender de onde vêm os elementos estranhos. Por conseguinte, podemos tocar aqui na antinomia que jaz na essência do condicionado. Tese e antítese têm aí um mesmíssimo fundamento. Precisamente porque a constituição do efetivo, dada e condicionada, é estranha a sua essência originária, ela tem de ter uma condição externa. Mas justamente porque ela é, em geral, em si estranha ao efetivo, ela não pode ter nem uma condição externa nem outra qualquer, já que fora do efetivo nada existe. Portanto esse mesmo fundamento, que torna necessária uma explicação do mundo, também mostra que essa explicação é impossível.
A antinomia: “os elementos na realidade dada, que são estranhos à verdadeira essência das coisas, não podem provir desta, portanto têm de ser acrescidos”.
“- Mas de onde? Já que fora do verdadeiro efetivo não existe nada”
“- Portanto, uma explicação do mundo é igualmente necessária e impossível”
Spir, DW I, p. 382
Nietzsche, Nachlass/FP 11[321], KSA 9.566 -567
No que diz respeito à falsidade no conhecimento, foi mostrado que o conhecimento em geral, que pressupõe a separação da realidade entre um sujeito e um objeto, é estranho à verdadeira essência mesma, isto é, ao real em si. Também apontei várias vezes que se o conhecimento pertencesse à própria essência das coisas, uma falsidade nele não seria simplesmente possível. Que a existência da falsidade não pode ser deduzida da própria, verdadeira essência das coisas, é algo que qualquer um verá sem dificuldade.44
A falsidade tem de ser dedutível da “verdadeira e própria essência” das coisas: a separação entre sujeito e objeto tem de corresponder ao fato. Não o conhecimento, mas o erro, pertence à essência das coisas. A crença no incondicionado tem de ser dedutível da essência do esse [ser], do ser condicionado em geral!
No que diz respeito enfim ao mal e à imperfeição, aquela tentativa de deduzi-la da natureza própria, normal, das coisas, é justamente um desvario. Pois, como já mostrei acima, a dor e o mal trazem em si mesmos, imediatamente, o atestado de que eles não pertencem à essência das coisas, que encerram uma anomalia, são algo que não deveria existir, que nega e condena a si mesmo].
O mal e a dor pertencem àquilo que é efetivo: mas não como propriedade duradoura do esse [ser]. Pois o mal e a dor são apenas consequências do representar, e o representar é uma propriedade eterna e universal de todo ser, se existirem em geral propriedades eternas, se o vir-a-ser não encerre tudo o que é igual e permanente, a não ser na forma de erro e aparência, enquanto o próprio representar não é um processo sem igualdade e permanência? - O erro surgiu como propriedade do ser? Errar é então um constante vir-a-ser e mudança?
Spir, DW I, p. 26-27
Nietzsche, Nachlass/FP 40[24], KSA 11. 640
Como se sabe, primeiramente Descartes manifestou, com a ênfase necessária para essa questão, que o pensamento, ou a consciência, é imediatamente certo de si mesmo. A existência do pensamento mesmo, assim ele argumentava, não pode ser negada ou duvidada, pois essa negação ou dúvida já são, elas mesmas, estados do pensamento ou da consciência; sua própria existência prova assim aquilo que elas contestam e lhes retira, portanto, aquele significado.
Não se deve edulcorar ou amoldar a ingenuidade de Descartes, como, por exemplo, faz Spir.
A consciência é imediatamente certa de si mesma: a existência do pensamento não pode ser negada ou duvidada, pois essa negação ou dúvida já são, elas mesmas, estados do pensamento ou da consciência; sua própria existência prova assim aquilo que elas contestam e lhes retira, portanto, aquele significado” Spir I, 26. “Pensa-se”, ergo existe algo, a saber, “pensamento”. Foi esse o sentido de Descartes? Teichmüller p. 5 e 40 afirma. “Algo que é imediatamente certo de si mesmo” é um absurdo.
Teichmüller, Die wirkliche und die scheinbare Welt, p. 25
Nietzsche, Nachlass/FP 40[12], KSA 11. 633
Mas é uma inferência quando explicamos as assim chamadas coisas como existentes, pois já temos de saber de antemão que natureza (terminus medius) tem o ser (term. major), para poder adjudicar ou negar esse conceito às coisas, assim como já temos de saber corretamente que características são próprias à Antiguidade ou ao Cinquecento, quando ousamos classificar uma descoberta de tal ou tal modo61.
Teichmüller p. 25 “é uma inferência quando explicamos as assim chamadas coisas como existentes, pois já temos de saber de antemão que natureza (terminus medius) tem o ser (term. major), para poder adjudicar ou negar esse conceito às coisas”. Ao contrário, digo eu: “pensar saber”.
Spir, DW I, p. 76
Assim que virmos que pertence à essência do sujeito relacionar o conteúdo que lhe ocorre aos objetos, formando juízos, segundo sua constituição, sobre a existência e natureza dos objetos, não apenas imediatamente como também mediatamente, por meio de inferências. - fica claro que as leis mesmas do sujeito cognoscente implicam uma relação necessária com os objetos e sua concepção, que já estas mesmas não podem ser nada mais que princípios universais sobre objetos, isto é, uma necessidade interna de acreditar em algo como objetos62. Tais espécies de leis se chamam leis lógicas e estas são diferentes, segundo a essência íntima, das leis objetivas, físicas, às quais também pertencem as leis de associação.
“Leis lógicas” em Spir I p. 76 definidas como “princípios universais de asserções sobre objetos, isto é, uma necessidade interna de acreditar em algo como objetos”
Spir, DW I, p. 278
Nietzsche, Nachlass/FP 40[59], KSA 11.658
No âmbito do incondicionado reina uma calma perfeita, uma ausência completa de mudança, um ser-igual-a-si-mesmo transparente. Pois toda mudança é estranha à essência das coisas. Assim, no próprio incondicionado não pode ocorrer nenhuma mudança, mas também ele não contém o germe ou a causa da mudança no mundo empírico.
Ao contrário, a incerteza, a ambiguidade, o cambiante e a transformação, é nosso mundo, um mundo perigoso -: muito mais, certamente, que o mundo simples, igual-a-si-mesmo, calculável, fixo, que até então os filósofos, como herdeiros dos instintos de rebanho e das valorações de rebanho, prestaram as maiores honras.