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Da questão filosófica à introdução de uma perspectiva: uma análise do problema do método em Husserl e Feyerabend a partir de Nietzsche

From the philosophical question to the introduction of a perspective: an analysis of the problem of method in Husserl and Feyerabend in light of Nietzsche

Resumo:

Neste artigo propomo-nos mostrar que a formulação da questão filosófica, determinante de uma indagação acerca do mundo ou de algo a ele pertencente, é formulada desde uma resposta que se quer sustentar devido à adoção de uma perspectiva prévia. Em vista disso, utilizaremos o perspectivismo nietzschiano para compreender a diferença nas respostas de Husserl e Feyerabend ao método como problema.

Palavras-chave:
objetividade expressiva; perspectiva; razão; método; ciência.

Abstract:

In this article we propose to show that the formulation of the determinant philosophical question of an investigation about the world or something that belongs to it, is formulated by an answer which wants to sustain itself through the adoption of a previous perspective. In view of this we will use the nietzschean perspectivism to comprehend the difference in the answers of Husserl e Feyerabend to the method as a question.

Keywords:
expressive objectivity; perspective; reason; method; science.

Nesse artigo, utilizaremos o aparato conceptual nietzschiano relativo, em especial, à interpretação e ao perspectivismo, visando a analisar as posições de Husserl e de Feyerabend referentes ao método a fim de mostrar que mesmo que os autores o critiquem e, nesse sentido, o considerem como problema, a seleção de argumentos permite sustentar uma determinada visão filosófica a partir da proposição da pergunta inicial que conduz a investigação, remetendo, em ambos os casos, à defesa e à imposição de uma perspectiva. Em um primeiro momento, apresentaremos a relação entre interpretação e perspectiva em Nietzsche como limite para o sentido e o valor. Na sequência, analisaremos “o problema do método” a partir de duas perspectivas diametralmente opostas no que concerne ao papel e ao sentido dele referente ao conhecimento, tencionando mostrar, a partir da diferença de posição entre os discursos de Husserl e de Feyerabend, as implicações existentes entre a pergunta pelo conhecimento desde a filosofia e sua história e a partir da ciência e sua história. No primeiro caso, na perspectiva de apresentar uma resposta à crise das ciências e da humanidade europeias e, no segundo, na visão de que a ciência é um procedimento anárquico. Não se trata, em momento algum, de adotar uma posição concernente à verdade das proposições ou à validade dos argumentos, mas de pensar a possibilidade de ver leituras diferentes quanto ao método como problema como resultado da perspectiva que se venha a adotar ao olhar a questão do método. Por fim, introduziremos o conceito de objetividade expressiva como horizonte humano para a determinação do sentido.

Partamos do leitmotif do exercício filosófico de Nietzsche que, em nossa avaliação, consistiu em introduzir a interpretação nos domínios do mundo a partir de uma interpretação, visando aniquilar as noções de fato e de fundamento. É a rejeição do fundamento que nos permite reconhecer em seu pensamento a recusa, terminantemente, de conceder à construção filosófica uma resposta última e definitiva, seja à questão do conhecimento seja às concernentes à moral, à política e à estética. Trata-se do empenho de Nietzsche em tentar mostrar que, por detrás daquilo que aparece enquanto interpretação, não há um fundamento oculto ao qual se possa remeter as perspectivas, mas que são as próprias perspectivas que manifestam aquilo que vem a ser como aquilo que é, dotando o mundo de valor nos conservando na vida.

Quando Nietzsche dota o mundo de uma infinita interpretabilidade faz, por um lado, com que as interpretações precedentes sejam uma perspectiva dentre outras e, por outro, com que haja a possibilidade de que outras interpretações sejam introduzidas e confiram ao mundo o caráter infinito, já que não é possível, ao interpretante, precisar as possibilidades do próprio interpretar que se desenrolam no mundo: "Isto porque", responde o filósofo em A gaia ciência,NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2001 "o intelecto humano não pode se ver de outro modo a não ser através das suas formas perspectivistas, e só delas" (FW/GC 374, KSA 3.626) NIETZSCHE, F. . Sämtliche Werke - Kritische Studienausgabe. COLLI, Giorgio; MONTINARI, Mazzino (Org.) Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1967/1978. 15 v..

Ao compreender o conhecimento como um aparelho de abstração e de simplificação que, ao invés de visar ao conhecimento desinteressado, procura o domínio sobre as coisas, Nietzsche o entende desde a imposição de uma perspectiva: "Não existe nenhuma Coisa-em-si, nem nenhum conhecimento absoluto; o caráter perspectivista, ilusório, enganador é intrínseco à existência" (Nachlass/FP 1885, 34[120], KSA 11.460). O homem não tem competência nem para atingir as coisas mesmas, nem para admitir que elas existem. Processa-se a seleção e a reunião de acontecimentos, de fenômenos feitos por quem interpreta. Em busca do conhecimento, o homem retorna a si mesmo no sentido de reconhecer no mundo somente aquilo que nele colocou. Trata-se de uma relação de imposição e de resgate, pois o homem introduz uma perspectiva e, na sequência, retoma essa perspectiva enquanto sentido atribuído. Logo, o mundo que tem valor o tem por ter sido dotado dele por meio de um ser interpretante. Se o reconhecimento disso desvanece o valor absoluto de Deus e da verdade, permite, no entanto, o reconhecimento da infinita interpretabilidade do mundo: "o mundo veio a ser para nós, mais uma vez, 'infinito', na medida em que não podemos ignorar a possibilidade de ele conter um número infinito de interpretações" (FW/GC 374, KSA 3.626).

A palavra explicação, a nosso ver, dá a tônica, já que circunscreve um tipo de procedimento: ou bem se trata de tornar algo inteligível ou de interpretar algo. Em Nietzsche, com certeza, não se tem um mesmo procedimento. No primeiro caso, pode-se dizer, busca-se eliminar pontos ambíguos e obscuros, precisar conceitos, apresentar razões que digam por que ‘q’ é o caso. No segundo, procura-se elaborar ficções, formular “explicações” enquanto o postular de uma interpretação, o impor de uma perspectiva. Há pressupostos diferentes que subjazem aos dois modos de proceder, pois, no primeiro deles, acredita-se na possibilidade de atingir a verdade, já que ela é condicionante de clareza, precisão e justificação. No outro, a própria verdade já é imposta perspectivamente, pois a verdade seria uma ficção. A competência dos órgãos aptos para o conhecimento de algo diferirá em uma e outra forma de abordagem separando diametralmente o explicar do interpretar.

Na visão do autor de Ecce homoNIETZSCHE, F. Ecce homo. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 1995., todas as unidades, em especial o eu, enquanto reduto canalizador das demais, seria uma ficção; logo, não pode ser uma verdade ou uma realidade. Todavia, é uma ficção reguladora, pois ela regula a pretensa ‘cognoscibilidade’ no mundo. Há certa regulação, dado que ele afirma: “Por mais habitual e inevitável que possa ser agora aquela ficção [eu], nada prova contra a sua natureza fantasista: pode ser uma condição da vida e no entanto ser falsa”. (Nachlass/FP 1884, 35[35], KSA 11.526). A falsidade não é um problema, donde se conclui que a verdade também não o será, a regulação, supondo-se que exista, não concerne a questões de verdade, mas a uma condição de vida. Aliás, como afirma o filósofo: “Talvez ninguém tenha sido suficientemente veraz acerca do que é a ‘veracidade’” (JGB/BM 177, KSA 5.103). E, por coerência, entendemos que há uma impossibilidade de inserir a verdade, enquanto absoluto, na esfera do possível, pois isso implicaria a existência da unidade e da fixidez recusadas terminantemente em seu domínio reflexivo.

As explicações, até então formuladas, são interpretações perspectivas que promovem recortes no vir-a-ser, tentando firmá-lo e moldá-lo para, em vista de um dado crescimento, dominá-lo. Por isso, Nietzsche diz: “é justamente o perspectivismo necessário, por meio do qual todo centro de força - e não o homem somente - construiu o resto do mundo” (Nachlass/FP 1888, 14[186], KSA 13.373). Fica patente, em sua afirmação, a recusa imediata de qualquer antropomorfismo, pois são os centros de força que constroem. É tentando estender sua força que os campos procedem e por encontrar resistências que eles se modificam. Através da incorporação e do ter de deixar-se incorporar que se expõem e impõem sua interpretação, “formulam” sua perspectiva. O único modo de conhecer é interpretar. Há uma necessidade pertencente ao homem, enquanto organismo, de construir um aparato conceptual que lhe permita se situar no mundo. Com efeito, na base destes conceitos, estão avaliações, conceitos, ideias, ideais e signos que são valores, isto é, pontos de vista, “condições de conservação e intensificação de complexas formações vitais, de duração relativa, no interior do “vir-a-ser” (Nachlass/FP 1887, 11 [73], KSA 13.36). Por isso, existe, na ótica de Nietzsche, “apenas uma visão perspectiva” e somente “um ‘conhecer’ perspectivo” (GM/GM III, 12, KSA 5.363). A profusão de afetos interfere, ou melhor, determina nossa visão sobre algo e circunscreve as possibilidades de nossa objetividade, já que nosso aparato conceptual, nosso sistema semântico exprime nossos afetos. Daí a relação diretamente proporcional entre a redução de afetos e nossa pretensa objetividade:

“e quanto maior for o número de afetos que permitirmos falar sobre uma coisa, quanto mais números de olhos, de diferentes olhos, soubermos empregar para ver essa mesma coisa, tanto mais completo será nosso ‘conceito’ dela, nossa ‘objetividade’" (GM/GM III, 12, KSA 5.363).

Talvez, para alguns, isso implique recusar critérios para avaliar, precipitando o homem no absurdo, no sem sentido, no nada. O pensador alemão, entretanto, diria que quaisquer critérios já decorreriam de um avaliar, pois mesmo o sentido ou a recusa dele constituem a imposição de uma perspectiva, o introduzir de uma interpretação. Daí afirmarmos que se não se obteve uma resposta conclusiva acerca da produção de significações, é porque não há um domínio obscuro em que elas estejam guardadas, mas sim uma condição a partir da qual elas são estabelecidas. De modo similar, se houvesse uma natureza humana apta a dar conta da significação, da verdade e da realidade, então ela forneceria todas as explicações. No entanto, a partir de Nietzsche, não formulamos nem mesmo explicações, já que elas pressupõem uma fixação do ser que só abstratamente se pode atingir. É porque o valor do mundo está em nossa interpretação que não podemos explicá-lo, mas apenas adentrá-lo a partir de vários ângulos, vê-lo sob diversos enfoques, em suma, ao analisá-lo, “perspectivá-lo”. Se só temos um modo de ver perspectivo, nosso conhecer será perspectivo, e o mundo, “que em algo nos importa”, não poderá jamais ser verdadeiro, mas o resultado de nossa avaliação e, portanto, a imposição de uma interpretação.

Apresentemos nesse momento a perspectiva de Husserl, haja vista que, em A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental, o filósofo considera haver uma crise das ciências enquanto crise da própria humanidade europeia, expressa notadamente no hiato existente entre as ciências e as questões humanas, pois o fazer científico abandou por completo a indagação acerca do sentido desse fazer relacionado à humanidade. Processa-se o advento de uma racionalidade positivista que considera os fatos, ao mesmo tempo em que recusa a indagação sobre os valores. A ciência transformou-se em técnica, supervalorizando a prática em detrimento da discussão referente aos fins que deveriam orientá-la. Encontramos a síntese desse processo em Racionalidade e crise, do interprete Moura:

“Nesse momento, o princípio da utilidade tomará a dianteira diante da ideia clássica de teoria e intelecção, e a ciência ‘tornada teórica’ repousará muito mais sobre a experiência prática do que sobre uma verdadeira ratio de suas operações" (MOURA, 2001MOURA, Carlos Alberto Ribeiro. Racionalidade e crise. São Paulo: discurso editorial; UFPR, 2001., p. 189).

Essa caracterização da crise em Husserl, ainda que grosso modo, visa justamente mostrar como a indagação do pensador sobre o método consistiu em partir da questão proposta em A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental e retraçar o gérmen do problema no advento do método científico de Galileu, quer dizer, a indagação husserliana, em nossa ótica, parte da necessidade de apresentar uma resposta à crise através da fenomenologia e, nesse sentido, verificar o que levou ao que ele denomina de Nova humanidade, com seu projeto de uma filosofia universal portadora de um método genuíno, a comprometer o próprio projeto, uma vez que se seguiu a esse ideal o esquecimento do sentido do fazer da ciência como indicador da crise. Essa necessidade de uma resposta filosófica, enquanto, propriamente, condição de possibilidade de solução da crise, a partir da recusa de uma racionalidade positivista e do retorno ao mundo da vida, do proceder a epoché até atingir uma filosofia universal que, retomando o ideal grego e incluindo nele o ego transcendental, possibilite à fenomenologia fornecer uma solução para a crise, permite-nos compreender a pergunta husserliana acerca do método como sendo elaborada desde questões filosóficas que partem do horizonte de uma racionalidade visando a salvaguardá-la.

Nesse sentido, Husserl considera fundamental a substituição, que se verifica em Galileu, do único mundo efetivo, caracterizado como “o que é efetivamente devido à medida da percepção, do único mundo alguma vez experienciado e experienciável - o nosso mundo da vida quotidiano - pelo mundo matematicamente subtraído das idealidades” (HUSSERL, 2012HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Trad. Diogo Ferrer. Rio de Janeiro: Forense, 2012., p. 38). Na ótica do fenomenólogo, com Galileu processa-se a substituição da natureza pré-cientificamente intuível pela natureza idealizada. Encontramos isso, por exemplo, no texto O ensaiador em que Galileu faz referências ao mundo como inscrito em caracteres matemáticos e à necessidade de conhecer a língua em que ele está escrito. Mas a questão husserliana consiste em mostrar como a cisão e a transformação que se processaram na visão do mundo, no sentido maior dele, é uma consequência direta do que ele denomina de "a modelaridade do método científico-natural, que foi inteiramente inevitável no começo da Modernidade, ou, em outras palavras, no começo da racionalidade científico-natural” (HUSSERL, 2012HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Trad. Diogo Ferrer. Rio de Janeiro: Forense, 2012., p. 38).

Ora, tanto o mundo quanto a filosofia foram dotados de uma feição nova, uma vez que a racionalidade que os explica e compõe é a matemática; a natureza passa a ser matematizada e a filosofia terá uma formulação more geométrico. Essa mudança na condução do pensamento filosófico, com a introdução e defesa do método enquanto condição para que se obtenha um conhecimento seguro, especialmente em Descartes, é considerada como um divisor do conhecimento claro e distinto e daquele que não o é; levando o filósofo francês a compreender a natureza também de modo matemático, o que explica o tratamento dos corpos em termos mecânicos. O ideal de clareza e distinção, primeira regra do método, faz Descartes retirar todas as qualidades e ficar com as quantidades que são claras e distintas. Na visão de Husserl, esse procedimento cartesiano termina por comprometer a epoché e a investigação do cogito devido ao tratamento matemático da natureza e à influência do método de Galileu. Por isso Husserl afirma em A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: "Ora, ele exclui o corpo somático - juntamente com o mundo sensível em geral, também este entregue a epoché - e assim determina, para Descartes, o ego como mens sive animus sive intellectus" (HUSSERL, 2012HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Trad. Diogo Ferrer. Rio de Janeiro: Forense, 2012., p. 63). A adoção do método preconizado por Galileu, na leitura do fenomenólogo, comprometeu o projeto cartesiano de uma filosofia universal, dado que o projeto cartesiano incorporou a natureza matemática idealizada e, com isso, separou o pensamento da extensão.

Cumpre acrescentar, sob um aspecto, que se Husserl percebe a cisão e a transformação consequente da modelaridade do método científico-natural como inevitável no começo da Modernidade, percebe o resgate da matematização da natureza e do método galilaicos como elementos que terminaram por comprometer todo o projeto de uma filosofia universal naquele momento histórico, sob outro, esses mesmos elementos possibilitam entender que, para o filosofo, não se trata de criticar os resultados obtidos por Galileu, mas de mostrar como o método apresenta-se como problema que compromete o projeto racional moderno, primeiramente, em Descartes e, posteriormente, em Kant. Especialmente, quando o último separa fenômeno e coisa em si, viabilizando o conhecimento do primeiro e vedando por completo o do último, levando Husserl a considerar que:

Assim o mundo intuível de corpos, também o mundo cientifico-natural (e, assim, o mundo a ser conhecido cientificamente de modo dualista) é, em geral, uma configuração subjetiva do nosso intelecto, sendo que o material dos dados sensíveis deriva de uma afecção transcendente por "coisas em si". Estas são principalmente inacessíveis ao conhecimento (objetivo-científico). Porque segundo esta teoria, a ciência humana, como uma realização vinculada à combinação das faculdades subjetivas “sensibilidade” e "razão" (ou, como diz Kant aqui "entendimento”), não node explicar a origem, a “causa” das multiplicidades fáticas dos dados sensíveis. Os pressupostos últimos da possibilidade e da efetividade do conhecimento objetivo não podem ser objetivamente cognoscíveis (HUSSERL, 2012HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Trad. Diogo Ferrer. Rio de Janeiro: Forense, 2012., p. 77).

A démarche husserliana permite, por um lado, compreender o comprometimento do projeto moderno desde o método preconizado por Galileu e, por outro, a especificidade da questão husserliana no que concerne ao método, já que se trata de resolver a crise das ciências e da humanidade europeias a partir da fenomenologia e, nesse sentido, retomar, desde o comprometimento, a epoché e cogito cartesianos, a unidade da apercepção kantiana e retornar ao mundo da vida para dar continuidade ao ideal de uma razão universal, agora em consonância com a vida, mediante a recusa de toda e qualquer espécie de idealização ou substituição do mundo da vida pelo mundo matemático e congêneres, mas com o recurso ao ego transcendental husserliano.

Ora, começamos por apresentar a posição de Husserl, que consideramos como sendo a partir da ótica da filosofia, já que parte de uma indagação acerca do advento do ideal de uma filosofia universal na Modernidade, ideal esse manifesto no racionalismo que se inicia com Descartes. Apresentamos, recorrendo a Husserl, porque o método é um problema para a Filosofia de Descartes e de Kant, autores considerados, ainda que de forma breve, por nós, tentando mostrar como para Husserl o advento de uma racionalidade positivista que recusa discutir fins, valores e qualquer sentido do fazer, decorre da incorporação do ideal galilaico. Consideramos essa indagação sobre o método como partindo da filosofia, porque não questionou a ciência em termos de seus resultados, isto é, teorias, mas, a nosso ver, dos procedimentos e do sentido deles. Por isso, o método é um problema para a ciência, desde uma indagação pensada pelo ideal de uma filosofia racional, quando ela se torna uma mera prática e não tem nada a dizer sobre a humanidade, perdendo, do ponto de vista da filosofia e da humanidade, o sentido.

De outra parte, a indagação acerca do método como problema a partir da pergunta pelos resultados do fazer científico ou da ciência leva Feyerabend a elaborar uma crítica ao método enquanto defende que ele não interfere nos resultados da ciência, mas, ao contrário, pode se constituir como uma espécie de amarra que impede a obtenção de um determinado resultado que é possível atingir sem o método. Nesse caso, trata-se também de uma indagação filosófica sobre o método como problema, mas a consideramos diferente da de Husserl, na medida em que ela se dirige aos resultados da ciência, ao fazer científico enquanto procedimento que permite a elaboração de uma determinada teoria, fazendo com que Feyerabend introduza outra perspectiva.

Ora, ao escrever Contra o método, Feyerabend procura vivamente defender uma compreensão de ciência como empreendimento anárquico e isso o leva a ver o método como problema sob a ótica da leitura que ele realiza da história da ciência, em que aponta como, por exemplo, os procedimentos de Galileu ao invés de serem conduzidos por um método rígido o são pela inventividade do cientista. Em Contra o método, Feyerabend afirma: "O sucesso científico não pode ser explicado de maneira simples ..." e acrescenta “o êxito da ciência não pode ser usado como argumento para tratar de maneira padronizada problemas ainda não resolvidos" (FEYERABEND, 2003FEYERABEND, Paul. Contra o método. Trad. Cezar Mortari. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2003., p. 20).

Nessa afirmação encontramos a posição que rejeita remeter qualquer êxito científico à padronização de procedimentos, pois, na ótica do autor de Contra o método, a pesquisa histórica concernente à ciência traz sérias dificuldades para explicar os resultados científicos desde a noção da presença de um método com princípios rígidos enquanto aquilo que possibilita atingir o resultado. Nessa perspectiva, o método torna-se um problema, por um lado, por não estar presente na história da ciência como determinante de procedimentos e resultados mesmo em Galileu. Por outro, pelo fato de que a defesa dele compromete a liberdade do cientista em seguir uma intuição qualquer ou inventar uma ideia que possa corroborar o procedimento empregado. Por isso, ele afirma em Contra o método: “Obscurecem o fato de que a experiência na qual Galileu deseja fundamentar a concepção copernicana não passa do resultado de sua própria imaginação fértil, que ela foi inventada” (FEYERABEND, 2003FEYERABEND, Paul. Contra o método. Trad. Cezar Mortari. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2003., p. 99). Para o autor, Galileu chegou mesmo a valer-se de hipóteses ad doc sem a devida comprovação para sustentar a tese copernicana, rejeitando o geocentrismo (Cf. FEYERABEND, 2003FEYERABEND, Paul. Contra o método. Trad. Cezar Mortari. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2003., p. 85-97).

Recorrendo aos procedimentos dos cientistas em termos históricos, Feyerabend resgata tanto a formulação de um conhecimento que se encontra, muitas vezes, presente em segmentos diferentes do dos cientistas e não considerados por eles, quanto como, por vezes, defende a escuta de pessoas advindas da comunidade, o conhecimento comum e não científico como uma forma de proceder que traz contribuições importantes para a pesquisa científica. Nesse sentido, na visão do autor, o domínio da ciência deveria ser alargado no que concerne às posições ouvidas e consideradas pelos cientistas, permitindo, com isso, a obtenção de respostas mais pertinentes à indagação deles. A defesa de uma visão que compreende a ciência como procedimento anárquico, como a feyerabendtiana, requer que se recuse qualquer procedimento fixo, determinado, constante e universal; ao contrário disso, tal perspectiva procura mostrar como os grandes cientistas da história da ciência como Galileu, Newton e os que se seguiram a eles tiveram de inventar muitas hipóteses e procedimentos que corroborassem a posição adotada inicialmente em defesa de um dado conhecimento que ainda não se constitui como uma teoria, o formulando mesmo através da utilização de afirmações logicamente inconsistentes.

Convém mencionar que a posição de Feyerabend é criticada por muitos autores, principalmente Popper, mas o nosso recurso à leitura feyerabendtiana determina-se pela posição de que a crítica que o autor faz em Contra o método com referência a ele, defendendo a exclusão do mesmo, é formulada em um sentido totalmente diferente da de Husserl. Isso, a nossa ver, pode ser explicado, por um lado, pela ótica do pensador que visa defender a visão anárquica de ciência e, de outro, pelo ponto de partida do autor, pelo pensamento dos procedimentos e resultados da ciência enquanto norteador da pergunta pelo método como problema. Isso explica a maior parte das posições encontradas em Contra o método, inclusive uma alusiva ao dualismo em que lemos:

No que se refere ao problema mente/corpo, a situação é exatamente a mesma. Temos mais uma vez observações, conceitos princípios gerais e regras gramaticais que, tomados em conjunto, constituem uma "forma de vida" que, aparentemente, dá sustentação a algumas concepções como o dualismo, e exclui outras como o materialismo (FEYERABEND, 2003FEYERABEND, Paul. Contra o método. Trad. Cezar Mortari. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2003., p. 166).

Da mesma forma que com referência à exposição acerca dos argumentos husserlianos, não se trata de verificar as fontes a partir das quais Feyerabend constrói sua argumentação, mas justamente pensar como a indagação desde a ciência determina uma construção argumentativa totalmente diferente da husserliana, permitindo-nos, primeiramente, indagar: em que medida a pergunta pelo método não determina a busca de uma resposta para ele? E, na sequência, remeter a diferença de posição alusiva às considerações do método como um problema a uma diferença maior e anterior de perspectiva filosófica adotada em termos da filosofia e sua história e da ciência e sua história, bem como do conceito de razão que norteia a indagação filosófica, reforçando nossa posição inicial de que se trata da imposição de uma perspectiva, afinal, os filósofos partindo do mesmo conceito de método, formulam perspectivas díspares no que concerne ao problema por ele gerado no que concerne ao conhecimento.

De outra parte, estamos diante de dois conceitos de razão que os autores visam a defender. Particularmente, no capítulo quinze de Contra o método, Feyerabend esclarece o sentido da crítica que empreende aos epistemólogos racionalistas e ao conceito de Razão tradicional que ele busca, através do livro, solapar a autoridade em termos de respostas últimas e definitivas acerca da verdade, honestidade, justiça e congêneres, mediante o resgate do humano como limite, notadamente, para o fazer ciência. Uma citação, colhida entre outras possíveis, permite compreender o propósito do anarquismo na ciência para Feyerabend:

Com efeito, não é possível que a ciência tal como atualmente a conhecemos, ou uma “busca pela verdade” no estilo da filosofia tradicional, venha a criar um monstro? Não é possível que uma abordagem objetiva, que desaprova ligações pessoais entre as entidades examinadas, venha a causar danos hipócritas, sem charme nem humor? “Não é possível”, pergunta Kierkegaard (s.d., VII, Pt. I, sec. A, n° 182), “que minha atividade como observador objetivo [ou crítico-racional] da natureza venha a enfraquecer minha força como ser humano?” Suspeito que a resposta a muitas dessas questões seja afirmativa e acredito ser urgentemente necessária uma reforma das ciências que as torne anárquicas e mais subjetivas (no sentido de Kierkegaard) (FEYERABEND, 2003FEYERABEND, Paul. Contra o método. Trad. Cezar Mortari. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2003., p. 203).

Recorrendo à indagação kiekegaardiana, o filósofo da ciência deixa claro o que o leva a jogar o jogo da razão a fim de demolir as bases dela, pois, no limite, é em nome da humanidade do ser humano que Feyerabend recusa a rigidez do método, mostrando vários exemplos da história da ciência em que ele não é empregando.

Husserl, por seu turno, concebe a razão como única doadora de sentido justamente porque confere a ela a referência necessária à verdade desde o conceito de ego transcendental. Ao fazê-lo, resgata, em outra dimensão, o sentido grego não só de razão, mas de filosofia, fazendo dela a raiz maior de toda existência humana; com isso, salvaguarda o papel da filosofia como instância suprema da cultura, evitando convertê-la em crítica da filosofia. A solução de Husserl, a nosso ver, tem a intenção de conferir à filosofia, como fenomenologia, a instância maior do sentido do conhecimento e da vida ao promover a reconciliação entre razão e vida recusada pela razão instrumental. Ao ver a fenomenologia como sapientia universalis que reorganiza as ciências por lhes conferir a unidade da razão de que necessitam, Husserl retoma o ideal grego de cultura guiada pela razão, cujas questões de ordem prática teriam referência às questões de conhecimento e os fins, os valores e as ações seriam remetidos à verdade, cabendo à fenomenologia determiná-la enquanto alternativa adequada que visa, em restaurando o sentido da razão, solucionar a crise das ciências e da humanidade europeias. Nesse estágio, a fenomenologia transcendental husserliana propõe um retorno ao mundo da vida para, posteriormente, realizar a epoché e mediante a redução atingir à subjetividade trancendental como instância doadora de sentido ao mundo, ao homem e à ciência. Em suma, na consideração de Husserl:

...começa assim a descoberta da intersubjetidade absoluta (objetivada, no mundo, como humanidade inteira) como aquela em que a razão, seja no obscurecimento ou na elucidação, está em infinito progresso no movimento de autocompreensão clara como o dia; a descoberta do modo de ser necessariamente concreto da subjetividade absoluta (a subjetividade em sentido transcendental último) uma vida transcendental de permanente “constituição do mundo” e, assim, correlativamente, a nova descoberta do “mundo que é”... (HUSSERL, 2012HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Trad. Diogo Ferrer. Rio de Janeiro: Forense, 2012., p. 219).

Em que pese a preocupação pela humanidade do homem nortear as investigações dos dois pensadores, a posição adotada por cada um deles remete à diferença de perspectiva adotada desde a proposição da pergunta até a formulação da resposta, permitindo compreender a diversidade exposta por eles a partir do perspectivismo nietzschiano, pois trata-se do introduzir uma perspectiva, do impor uma interpretação que, se remetesse à verdade, não encontraria possibilidade de construção pertinente nos argumentos de ambos os autores. Nesse sentido, propomos o conceito de objetividade expressiva, mostrando que ele manifesta uma singularidade em termos de produção, que remete, ao mesmo tempo, à busca de certa objetividade, em termos de percepção do mundo, e à impossibilidade de atingir uma convergência perceptiva, haja vista que a perspectiva do leitor desse mundo está necessariamente presente, configurando-o como interpretação singular, dotando a observação de valor e, nesse caso, unindo objetividade e expressão. Propomos, assim, o predicado expressivo como complemento inseparável do conceito de objetividade desde a admissão do perspectivismo nietzschiano, já que toda produção humana expressa uma interpretação e a expressividade presente na leitura que se faz manifesta a conferência do valor humano à produção. Trata-se da inscrição de perspectivas provisórias conferidas na criação valor, que terminam por dotá-lo de sentido e de valor.

Convém acrescentar que a complementaridade conceitual proposta remete os conceitos a certa fusão que requer o abandono de designações usuais definidoras de um e de outro enquanto tomados isoladamente. Se a expressividade requer a vivacidade, a animação e a energia, supondo ainda a vinculação de emoções e de valores e a expressão do que se pretende relatar, a objetividade define-se pela possibilidade de uma percepção compartida por todos e, por conseguinte, livre de interesses pessoais, isenta e imparcial. Tomamos aqui as definições usuais nas mais diversas línguas. Todavia, como o aparato filosófico nietzschiano, do qual partimos, inviabiliza a ausência de interesses, bem como a isenção e a imparcialidade, a condição de salvaguardar a objetividade é mesclá-la com a expressividade. Enquanto humanos, temos uma percepção valorativa que, fazendo recortes no observado, o manifesta como valor. A perspectiva e a interpretação são apresentadas como limite dos sentidos possíveis em qualquer relato. Daí a exigência de ou se transformar o conceito de objetividade ou abandoná-lo devido à inexistência de referente, supondo que a interpretação de Nietzsche tem sentido, o que supomos e defendemos.

Se tentarmos definir o ato de observar, diremos, em princípio, que é uma atividade que envolve diversas nuanças, pois exige uma espécie de envolvimento completo com o objeto observado. Há diversos sentidos relacionados e implicados na observação. Como observar sem, por exemplo, ver, ouvir, tocar, etc.? Mas todas essas formas de acesso ao mundo observado e relatado, objetivado no discurso filosófico remetem a um modo de o sentir mediante a explicitação das perspectivas variadas que se observa. Diferentes pontos de vista mostram o observado e explicitam suas variações, fazendo com que o relato, seja através da fala, da escrita ou até de um desenho, não atinja uma unanimidade isenta de controvérsias, no mínimo, de diferentes perspectivas manifestas neles. O que queremos reivindicar para esse modo de proceder é o perspectivismo como forma de acesso do homem ao mundo e modo de o mundo ter valor. Assim, na base da observação estaria a imposição de uma perspectiva, o introduzir de uma interpretação que singulariza a atividade de observar e que se manifesta objetivada, por exemplo, nas leituras de Husserl e Feyerabend.

Seria possível o estabelecimento de medidas que contemplem a objetividade sem descurar a expressividade? No limite, impõe-se a pergunta: é possível relatar uma observação, fazer uma leitura do mundo ou da história dele sem, ao mesmo tempo, introduzir uma perspectiva, impor uma interpretação? Na ótica nietzschiana, que compartimos completamente, a resposta à pergunta será negativa, pois temos apenas um ver e um conhecer perspectivo, determinado pela nossa profusão de afetos. Falar em objetividade, em captação de uma possível identidade, que independa do nosso olhar avaliador, carece de sentido ou constitui-se como a imposição dele. Em ambos os casos, trata-se do introduzir de uma visão que fixa perspectivamente o que seja a objetividade do relato oral, escrito e congêneres a partir de uma observação. A questão está justamente em entender que a completude de nossa compreensão acerca de algo requer um maior número de olhos sobre ele. Metáfora dos afetos, essa pluralidade de olhos nos permite atingir uma maior objetividade, mas entendida esta última dentro dos domínios da possibilidade, quer dizer, circunscrita ao ver e conhecer perspectivos. Trata-se, ao mesmo tempo, de reproduzir e avaliar o objeto/mundo observado, dotando-o de sentido e de valor. Ao captar suas nuanças, buscamos certa objetividade perceptiva e reprodutiva. Todavia, nossa perspectiva avaliadora a atravessa, fazendo da produção um ato, simultâneo de pôr, propor e impor, que confere à objetividade o predicado de expressividade. Por isso, não há um estado terminal a ser atingido. Destituem-se, assim, os lugares fixos do intérprete e do interpretado e do signo, do significado e do significante, que passam a ser intercambiáveis. Eis, a nosso ver, o novo horizonte para toda produção humana, da leitura à exposição, da observação do objeto à expressão escrita dele, no limite, do horizonte em que se compreende e se produz o sentido. Afinal, como afirma Nietzsche em um fragmento póstumo:

Que o valor do mundo está em nossa interpretação (que são possíveis talvez em algum lugar ainda outras interpretações além das simplesmente humanas), que as interpretações até agora existentes são avaliações perspectivas por meio das quais nós nos conservamos na vida, isto é, na vontade de potência, de crescimento da potência, que cada elevação do homem traz consigo a superação de interpretações mais estreitas, que todo o fortalecimento alcançado e todo alargamento de potência abre novas perspectivas e faz crer em novos horizontes - isto percorre meus escritos. O mundo, que em algo nos importa, é falso, ou seja, não é nenhum fato, mas uma composição [Ausdichtung] e arredondamento [Rundung] sobre uma magra soma de observações. O mundo é “em fluxo”, como algo que vem a ser, como uma falsidade que sempre novamente se desloca, que jamais se aproxima da verdade - pois não existe nenhuma verdade”. (Nachlass/FP 1886, 2 [108], KSA 12.114).

Referências bibliográficas

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  • NIETZSCHE, F. A gaia ciência Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2017
  • Aceito
    10 Ago 2017
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