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Terapia miofuncional orofacial aplicada à Síndrome do aumento da resistência das vias aéreas superiores: caso clínico

RESUMO

A literatura contempla publicações sobre o tratamento de pacientes com Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) por meio da terapia miofuncional orofacial, porém não há relatos dessa abordagem para pacientes com Síndrome do Aumento da Resistência das Vias Aéreas Superiores (SARVAS). O objetivo deste trabalho foi verificar o efeito da terapia miofuncional orofacial em um caso de SARVAS em relação aos aspectos morfofuncionais do sistema estomatognático, dados antropométricos e qualidade do sono. O paciente, 61 anos, com o diagnóstico de SARVAS, foi submetido durante três meses a 12 sessões semanais de terapia miofuncional orofacial, com exercícios voltados aos músculos supra-hióideos, da língua e do palato mole. Realizaram-se avaliações antes do início do processo terapêutico e logo após o término, bem como em um, dois, quatro e dez meses após o tratamento, considerando: tonicidade e mobilidade da musculatura supra-hióidea, da língua e do palato mole; grau de Mallampati Modificado; circunferência cervical; Índice de Massa Corpórea e parâmetros de qualidade do sono. Após o processo terapêutico, observou-se diminuição dos escores relacionados à tonicidade do assoalho da boca, mobilidade e tonicidade da língua e do palato mole. O grau de Mallampati foi IV na avaliação inicial e III nas avaliações posteriores. Houve a redução de 2 cm na circunferência cervical e o IMC manteve-se semelhante nos diferentes momentos avaliados. Na análise dos três parâmetros de qualidade do sono, foi obtida melhora em todas as avaliações subsequentes à alta. Portanto, o efeito da terapia miofuncional orofacial em um caso de SARVAS foi positivo para todos os parâmetros avaliados.

Descritores:
Fonoaudiologia; Terapia Miofuncional; Orofaringe; Apneia do Sono Tipo Obstrutiva; Transtornos do Sono

ABSTRACT

The literature presents publications on the treatment of patients with obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) by myofunctional therapy, but there are no reports of this approach to patients with upper airway resistance syndrome (UARS). The objective was to verify the effect of myofunctional therapy in a case of UARS in relation to morphological and functional aspects of the stomatognathic system, anthropometric data, and quality of sleep. Patient, aged 61 years, diagnosed with UARS, underwent 12 sessions of myofunctional therapy for 3 months with exercises aimed at the suprahyoid, the tongue, and the soft palate muscles. Evaluations were performed before the start of the therapeutic process, right after the end, as well as 1, 2, 4, and 10 months after the completion of the treatment, considering: tonicity and mobility of the suprahyoid muscles, the tongue, and the soft palate; modified Mallampati grade; neck circumference; body mass index; and parameters of sleep quality. After the therapeutic process, there was a decrease in scores related to the tonus of the suprahyoid muscles, mobility, and tonus of the tongue and of the soft palate. The Mallampati grade was IV in the initial evaluation, and III in subsequent assessment. There was a reduction of 2 cm in neck circumference and BMI remained similar over time. In analyzing the three parameters of sleep quality, improvement was observed in all evaluations after discharge. Therefore, the effect of myofunctional therapy in a case of UARS was positive for all parameters.

Keywords:
Speech; Language and Hearing Sciences; Myofunctional Therapy; Oropharynx; Sleep Apnea Obstructive; Sleep Disorders

INTRODUÇÃO

A Síndrome do Aumento da Resistência das Vias Aéreas Superiores (SARVAS) é o diagnóstico dado aos casos que não apresentam as mesmas características da polissonografia que os pacientes com Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS).

O quadro clínico da SARVAS caracteriza-se por ronco e fragmentação do sono, despertares eletroencefalográficos breves e aumento da resistência das vias aéreas superiores ao fluxo aéreo inspiratório11. Bower C, Buckmiller L. What´s new in pediatric obstructive sleep apnea. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2001;9(6):352-8., embora não ocorra a redução significativa do fluxo de ar ou a dessaturação da oxihemoglobina, como é observado nos quadros de SAOS. A região em que ocorre a obstrução no momento da apneia ou hipopneia é a orofaringe, que é mais susceptível ao fechamento em pacientes com SAOS e SARVAS22. Singhal P. Upper airway resistance syndrome (uars) - simple snoring or mild obstructive sleep apnea. J Assoc Physicians India. 2010;58:413.. Mesmo com as diferenças polissonográficas, os pacientes com SARVAS podem apresentar sintomatologia de sonolência diurna, dores de cabeça e depressão correlacionada ao distúrbio respiratório noturno33. Gupta RK, Chandra A, Verm AK, Kumar S. Obstructive sleep apnea: a clinical review. J Assoc Physician India. 2010;58:438-41..

A atuação da Fonoaudiologia na área de Motricidade Orofacial consegue atingir resultados positivos importantes, alcançando da mudança do tônus ​​dos músculos que compõem a orofaringe, em casos de distúrbios do sono, principalmente no que se refere a pacientes com o diagnóstico de SAOS44. Guimarães KC, Drager LF, Genta PR, Marcondes BF, Lorenzi-Filho G. Effects of oropharyngeal exercises on patients with moderate obstructive sleep apnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179(10):962-6.. No entanto, não há relatos de atendimento fonoaudiológico de pacientes com SARVAS.

Com a possível semelhança entre a implicação do tônus reduzido em musculatura de orofaringe na ocorrência da obstrução e/ou redução do calibre dessa região anatômica nos casos de SAOS e SARVAS, e conhecendo a possibilidade da terapia miofuncional orofacial nos casos de SAOS, a hipótese é de que tal modalidade de tratamento também pode beneficiar pacientes com SARVAS.

O objetivo do presente estudo foi verificar o efeito da terapia miofuncional orofacial em um caso de Síndrome do Aumento da Resistência das Vias Aéreas Superiores no que se refere aos aspectos morfofuncionais do sistema estomatognático, dados antropométricos e qualidade do sono.

MÉTODOS

Desenho do estudo e aspectos éticos

O desenho da pesquisa é classificado como um estudo analítico de intervenção de relato de caso55. Hochman B, Nahas FX, Oliveira Filho RS, Ferreira LM. Desenhos de pesquisa. Acta Cir Bras. 2005;20(suppl.2):2-9..

O trabalho fundamentou-se em um caso clínico, atendido na Clínica de Fonoaudiologia da Instituição envolvida, sendo que o mesmo assinou o Termo de Autorização para Utilização dos Dados.

Participante

Paciente de 61 anos de idade, gênero masculino, quadro de tensão arterial alta, apresentando o diagnóstico de Síndrome do Aumento da Resistência das Vias Aéreas Superiores. Foi descrito na polissonografia o índice de despertar de 19,5 por hora; aumento da latência do sono em 69 minutos; arquitetura do sono alterada com aumento do estágio N1 em 16,2% do tempo total de sono e diminuição da eficiência do sono em 63,8%. Eventos exclusivamente obstrutivos com predominância de hipopneias, sendo a menor saturação de 88%. Ressaltou-se, ainda, a queixa diurna de sonolência e presença de ronco.

O tratamento indicado pelo otorrinolaringologista especialista em medicina do sono foi o aparelho de avanço mandibular, porém sem sucesso. Com informações da mídia, o paciente descobriu a possibilidade da intervenção fonoaudiológica e procurou a Clínica de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo, com a seguinte queixa: "acordo assustado cerca de 6 vezes durante a noite e eu me sinto cansado durante o dia".

Mediante a avaliação miofuncional orofacial verificou-se Distúrbio Miofuncional Orofacial, caracterizado por redução do tônus e da mobilidade da musculatura do palato mole, da úvula, da língua e da região suprahióidea, tendo sido adotada a conduta de terapia fonoaudiológica, na área de Motricidade Orofacial.

Procedimentos - Terapia Miofuncional Orofacial

Durante 3 meses, foram realizadas sessões semanais de terapia miofuncional orofacial, com duração de 50 minutos cada, totalizando 12 sessões. Além de comparecer às sessões terapêuticas, o paciente foi orientado a realizar todos os dias, por 3 vezes, os exercícios miofuncionais orofaciais orientados.

Em terapia, o paciente foi posicionado em frente a um espelho para que o feedback visual auxiliasse na realização adequada ou mais aproximada dos exercícios solicitados. O processo terapêutico foi conduzido por uma fonoaudióloga com experiência em atendimentos de pacientes com distúrbios de sono.

Os exercícios miofuncionais orofaciais foram alterados em todas as 12 sessões, buscando-se exigir movimentos mais refinados e adequar a tonicidade muscular, utilizando os exercícios isotônicos e isométricos. Dessa maneira, o Quadro 1 apresenta a relação de exercícios miofuncionais utilizados no processo terapêutico. Ressalta-se que durante cada semana o paciente executou de 3 até, no máximo, 6 tipos de exercícios diferentes. Esse formato de terapia teve como base o modelo proposto por Guimarães (2009)44. Guimarães KC, Drager LF, Genta PR, Marcondes BF, Lorenzi-Filho G. Effects of oropharyngeal exercises on patients with moderate obstructive sleep apnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179(10):962-6..

Quadro 1:
Relação dos objetivos do planejamento terapêutico do caso clínico, os exercícios miofuncionais orofaciais, com respectiva frequência e duração

O recrutamento dos diferentes grupos musculares foi realizado por meio de exercícios isotônicos e isométricos, possibilitando abordar a mobilidade e a tonicidade. Inicialmente, foram priorizados os exercícios isotônicos, sendo que após alcançar coordenação e precisão na execução dos movimentos, os exercícios isométricos passaram a ser executados de modo sequencial aos isotônicos. Adicionalmente, foi abordada a importância do desempenho adequado das funções orofaciais para a manutenção do trabalho miofuncional orofacial.

Uma semana após a 12ª sessão de terapia o paciente foi reavaliado, tendo sido prescritos exercícios miofuncionais orofaciais de manutenção, quatro exercícios no total, abrangendo músculos supra-hióideos, da língua e do palato mole, que deveriam ser feitos apenas uma vez ao dia.

Procedimentos - avaliações

Os dados de avaliação foram coletados antes, após e nos acompanhamentos longitudinais (1 mês, 2 meses, 4 meses e 10 meses após a alta). Assim, foram realizadas as seguintes avaliações:

Avaliações Miofuncionais Orofaciais e Antropométricas

Foram analisados os aspectos da avaliação Motricidade Orofacial, considerando os escores propostos pelo protocolo de avaliação Miofuncional Orofacial MBGR66. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55. para os aspectos de tonicidade e mobilidade de supra-hióideos, língua e palato mole. Assim, para os movimentos da língua foram adotados os índices: 0 para "normal", 1 para "aproximado", 2 para "tenta realizar" e 3 para "não realiza". Na mobilidade de palato mole, o escore 0 foi para "normal", 1 para o "movimento reduzido" e 2 para "movimento ausente". Quanto à tonicidade de supra-hióideos, língua e palato mole foi classificado 0 para "normal", 1 para "aumentado" e 1 para "diminuído".

Em relação à mobilidade de palato mole, foram solicitadas quatro provas: Falar [a] repetidamente, bocejo, movimento voluntário de elevação e sustentação do movimento de elevação. Ressalta-se que apenas o movimento Falar [a] repetidamente está contido no protocolo MBGR.

O grau de Mallampati Modificado foi classificado nas avaliações realizadas77. Friedman M, Vidyasagar R, Bliznikas D, Joseph N. Does Severity of Obstructive Sleep Apnea-Hipopnea syndrome predict Uvulopalatopharyngoplasty outcome? Laryngoscope. 2005;115(12):2109-13.. Para isso, foi solicitado que o paciente deglutisse e em seguida realizasse abertura da boca. Dessa maneira, pode ser classificado grau I, II, III e IV, dependendo da facilidade de visualização da luz orofaríngea, quanto maior o grau, menor a visualização desse espaço.

Também foram averiguados os dados antropométricos de circunferência cervical e Índice de Massa Corpórea (IMC). Para a mensuração da circunferência cervical, adotou-se como padrão a medida sob a proeminência laríngea, utilizando uma fita métrica de plástico de comprimento máximo de 150 centímetros (cm) (Figura 1). Para a obtenção do IMC, realizou-se a aferição do peso e da altura na balança Welmy, modelo 110, posteriormente calculou-se a divisão da massa do indivíduo pelo sua altura elevada ao quadrado.

Figura 1:
Escala Analógica Visual referente a qualidade do sono

Parâmetros de Qualidade do Sono

Foi aplicado o Questionário de Berlim88. Vaz AP, Drummond M, Mota PC, Severo M, Almeida J, Winck JC. Tradução do Questionário de Berlim para língua Portuguesa e sua aplicação na identificação da SAOS numa consulta de patologia respiratória do sono. Rev Port Pneumol. 2011;17(2):59-65., contemplando 10 itens, organizados em 3 categorias referentes à: roncopatia e apneias presenciadas (5 itens), sonolência diurna (4 itens) e hipertensão arterial/obesidade (1 item), sendo que duas ou três categorias positivas são indicativas de aumento do risco para que o indivíduo apresente a SAOS.

Também utilizou-se a Escala de Sonolência de Epworth99. Bertolazi NA, Fagondes SC, Hoff LS, Pedro VD, Barreto SSM, Johns MW. Validação da escala de sonolência de Epworth em português para uso no Brasil. J. bras. pneumol. 2009;35(9):877-883. referente a probabilidade de o indivíduo cochilar em 8 situações de vida diária, classificando cada situação de 0 a 3 pontos: quanto maior a pontuação, maior a probabilidade de cochilar. O escore total varia de 0 a 24 pontos, sendo que acima de 10 pontos é sugestivo do quadro de Sonolência Diurna Excessiva.

Para o acompanhamento mais amplo do quadro, de modo subjetivo, foi elaborada uma Escala Analógica Visual de 10 cm em que o paciente assinalou com um traço a qualidade do sono da noite anterior. Colocando o traço mais próximo da extremidade esquerda, o paciente classificou o sono com uma qualidade muito ruim, e quanto mais próximo o traço da extremidade direita, seu sono havia sido o melhor possível. Para a quantificação, posteriormente foi medida da extremidade esquerda até o traçado marcado pelo paciente com uma régua milimetrada.

RESULTADOS

Avaliações Miofuncionais Orofaciais e Antropométricas

Quanto à mobilidade e tonicidade, observou-se evolução após o processo terapêutico, assim como a manutenção desses aspectos. Entretanto, na reavaliação de 2 meses após a alta, obteve-se similaridade dos resultados anteriores, exceto em dois movimentos de língua. Mesmo com o relato do paciente de continuar satisfeito com os resultados (estar dormindo melhor, apresentando poucos episódios de despertar noturno e acordar descansado) realizou-se a adição de um exercício para a melhoria da precisão da mobilidade de língua (Tabela 1).

Tabela 1:
Resultados da mobilidade de língua nas avaliações antes das sessões terapêuticas, imediatamente após a alta, 1 mês, 2, 4 e 10 meses após a alta

Em relação à mobilidade de palato mole, na avaliação antes da terapia, observou-se que no movimento de "falar [a] repetidamente" e para o "bocejo", a pontuação foi de 1; já no "movimento voluntário de elevação" e "sustentação do movimento de elevação", a pontuação foi 2. Para os quatro movimentos no período imediatamente após a terapia, 1 mês da alta, 2, 4 e 10 meses, a pontuação foi 0.

Na avaliação da tonicidade, foi obtida a pontuação de 1 (diminuído) para língua, assoalho da boca e palato mole, na avaliação realizada antes da terapia. A pontuação foi de 0 para a tonicidade de língua, assoalho da boca e palato mole no após imediato à terapia, bem como em 1, 2, 4 e 10 meses após a alta.

Em avaliação fonoaudiológica inicial, verificou-se o grau de Mallampati IV, apresentando discreta melhora nas avaliações subsequentes para o grau III (Tabela 2).

Quanto aos dados antropométricos aferidos, observou-se redução de 2 cm na circunferência cervical e o IMC manteve-se semelhante durante as avaliações, indicando que o peso do paciente estava adequado à sua altura (Tabela 2).

Tabela 2:
Resultados da classificação de Mallampati, da aferição da circunferência cervical e do cálculo do índice de massa corporal nas avaliações antes das sessões terapêuticas, imediatamente após a alta, 1 mês, 2, 4 e 10 meses após a alta

Parâmetros de Qualidade do Sono

Nos resultados da Escala de Sonolência Epworth, do Questionário de Berlim e da Escala Analógica Visual, foi obtida melhora nos três parâmetros, conforme disposto na Tabela 3.

Tabela 3:
Resultados da Escala de Sonolência Epworth, do Questionário de Berlim e da Escala Analógica Visual nas avaliações antes das sessões terapêuticas, imediatamente após a alta, 1, 2, 4 e 10 meses após a alta

Além dos achados das avaliações, ao longo do tratamento o paciente relatou que sentiu uma melhora importante na qualidade do sono, despertando, no máximo, três vezes e tendo notado estar mais descansado ao longo do dia. Vale ressaltar que nos acompanhamentos longitudinais o relato do paciente foi de permanência dos benefícios, sem apresentar melhora ou piora do quadro.

Durante o processo terapêutico, a fonoaudióloga esteve em contato com o cardiologista, devido ao quadro de tensão arterial alta, e com otorrinolaringologista (médico especialista do sono), que realizou o diagnóstico e indicou o tratamento odontológico. Não houve mudanças nas reavaliações médicas, incluindo os resultados do exame de polissonografia.

A conduta do caso foi a continuidade de três exercícios para língua, músculos suprahióideos e para o palato mole uma vez ao dia para a manutenção das condições obtidas durante o sono.

DISCUSSÃO

A publicação de estudos de casos clínicos envolvendo distúrbios do sono traz a vivência da prática do tratamento miofuncional orofacial, que ainda precisa ser mais compreendido, para que se pontue a atuação da Fonoaudiologia.

Neste estudo, optou-se pela aplicação do protocolo de avaliação Miofuncional Orofacial MBGR66. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55., por sua possibilidade de classificação dos aspectos em escores, além de abranger todas as estruturas e funções miofuncionais orofaciais. Mesmo assim, houve necessidade de adicionar itens na avaliação da mobilidade de palato mole, o que expressa a necessidade de elaboração ou adaptação de protocolos diretivos a esses pacientes.

A terapia foi estruturada mediante a proposta de Guimarães, seguindo as estratégias e quantidades de exercícios, porém houve adaptação mediante a resposta do paciente. Em uma revisão crítica da literatura, verificou-se a escassez de estudos aprofundados sobre os efeitos musculares dos exercícios miofuncionais orofaciais de modo individualizado, sem evidência cientifica que respalde a frequência e quantidade para a execução desses1010. Ferreira TS, Mangilli LD, Sassi FC, Fortunato-Tavares T, Limongi SCO, Andrade CRF. Fisiologia do exercício fonoaudiológico: uma revisão crítica da literatura. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(3):288-96..

A melhora da mobilidade e tonicidade da musculatura orofacial e faríngea após a terapia miofuncional orofacial, neste caso, concorda com os resultados obtidos em pacientes com SAOS44. Guimarães KC, Drager LF, Genta PR, Marcondes BF, Lorenzi-Filho G. Effects of oropharyngeal exercises on patients with moderate obstructive sleep apnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179(10):962-6..

Especificamente a respeito da tonicidade, além de observada melhora após as 12 sessões de terapia, também constatou-se a manutenção de seus resultados até 10 meses após a alta. Essa preocupação se origina dos achados que a força lingual pode reduzir de 2 a 4 semanas após a suspensão dos exercícios miofuncionais orofaciais1111. Clark HM, O´Brien K, Calleja A, Corrie SN. Effects of directional exercise on lingual strenght. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(4):1034-47.. Ressalta-se que os exercícios não foram suspensos no momento da alta, mas sim reduzidos em quantidade e frequência de realização.

O presente estudo resultou em pequena variação do grau de Mallampati Modificado, entretanto essa avaliação deve ser considerada em estudos posteriores devido sua correlação com a gravidade da apneia obstrutiva do sono, sendo, assim, o grau de Mallampati um possível indicador da ocorrência de obstrução nas vias aéreas superiores77. Friedman M, Vidyasagar R, Bliznikas D, Joseph N. Does Severity of Obstructive Sleep Apnea-Hipopnea syndrome predict Uvulopalatopharyngoplasty outcome? Laryngoscope. 2005;115(12):2109-13. 1212. Karakoc O, Akcam T, Gerek M, Genc H, Ozgen F. The upper airway evaluation of habitual snorers and obstructive sleep apnea patients. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2012;74(3):136-40., além da sua correlação com a habilidade em elevar, abaixar e lateralizar a língua1313. Colak A, Yilmaz A, Sut N, Memis D, Ulucam E, Cigali BS, et al. Investigation of the availability of tongue movements in Mallampati classification. Saudi Med J. 2011;32(6):607-11..

A associação do IMC com o agravamento do nível de obstrução das vias aéreas superiores1212. Karakoc O, Akcam T, Gerek M, Genc H, Ozgen F. The upper airway evaluation of habitual snorers and obstructive sleep apnea patients. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2012;74(3):136-40. é um fator que pode interferir nos resultados da terapia miofuncional orofacial, o que não ocorreu no caso deste paciente, pois seu IMC manteve-se dentro dos parâmetros de normalidade durante todo o processo.

Para pacientes com SARVAS, não há a definição de tratamento de padrão ouro1414. Pépin JL, Guillot M, Tamisier R, Lévy P. The upper airway resistance syndrome. Respiration. 2012;83(6):559-66., o que implica na necessidade de se acompanhar parâmetros de qualidade do sono, averiguando a eficácia do tratamento adotado. Dessa maneira, foi adotado em todas as avaliações o uso de três mensurações de qualidade do sono, sendo duas dessas, Escala de Sonolência Epworth e Questionário de Berlim, instrumentos padronizados e frequentemente aplicados em casos de distúrbios do sono. A terceira mensuração, por meio da escala analógica visual, demonstrou aumento da qualidade do sono, assim como os dois outros instrumentos, sendo que houve um estudo em que pacientes com SARVAS e SAOS de nível leve e moderado responderam a uma escala analógica visual antes e após a cirurgia de uvulopalatoplastia, mas referente ao ronco1515. Balsevicius T, Uloza V, Vaitkus S, Sakalauskas R, Miliauskas S. Controlled trial of combined radiofrequency-assisted uvulopalatoplasty in the treatment of snoring and mild to moderate OSAS (pilot study). Sleep Breath. 2013;17(2):695-703., diferenciando-se à utilizada neste estudo, pois a queixa do paciente era o frequente despertar.

Foi imprescindível o contato com os dois médicos que já acompanhavam o caso para o respaldo em exames quantitativos, garantindo que a resposta subjetiva do relato positivo do paciente, somada às avaliações realizadas pela fonoaudióloga, iriam de encontro à saúde geral e bem-estar do paciente.

A comprovação da atuação benéfica da Fonoaudiologia nos casos de SARVAS requer mais pesquisas, com uma casuística maior e com a utilização de métodos de avaliação quantitativos, possibilitando correlacioná-los aos parâmetros qualitativos, como o relato do paciente. A presente pesquisa contou com a participação de apenas um paciente, limitando o nível de evidência, porém o mesmo apresentou alta adesão ao tratamento. Sugere-se a realização de estudos com amostras mais amplas, adotando-se tal controle de exercícios aplicados e avaliações longitudinais.

CONCLUSÃO

O efeito da terapia miofuncional orofacial demonstrou-se efetivo em um caso clínico com o diagnóstico de Síndrome de Aumento da Resistência das Vias Aéreas Superiores devido à melhora da mobilidade e tonicidade orofacial, diminuição do grau de Mallampati e da circunferência cervical, além do aumento da qualidade do sono após o processo terapêutico.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo − USP - São Paulo (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2014
  • Aceito
    15 Abr 2015
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