Open-access Tradução para o português brasileiro e adaptação cultural da Definição de Pontuações de Componentes (Component Scores Definition) pertencentes ao Modified Barium Swallow Impairment Profile – MBSImP(™)

RESUMO

Objetivo  Traduzir para o português brasileiro e adaptar culturalmente a definição dos componentes e pontuação (Component Scores Definition) pertencentes ao protocolo para videofluoroscopia Modified Barium Swallow Impairment – MBSImPTM.

Método  Esse estudo foi desenvolvido com base nas recomendações internacionais para elaboração, tradução e adaptação transcultural em consonância com publicações nacionais para validação de testes internacionais em Fonoaudiologia. Foi formado um comitê de especialistas, composto por dois médicos otorrinolaringologistas e três fonoaudiólogas conhecedoras do exame de videofluoroscopia. A tradução para o português brasileiro foi realizada por dois otorrinolaringologistas com retrotradução de forma independente por dois nativos norte-americanos. A versão final em português brasileiro foi elaborada pelas fonoaudiólogas certificadas após a revisão das traduções e das retrotraduções com resolução de discrepâncias semânticas, idiomáticas, conceituais, linguísticas e contextuais. Essa versão foi testada pelas fonoaudiólogas membros do Comitê, que avaliaram indivíduos saudáveis, com Câncer de Cabeça e Pescoço e Comprometimento Cognitivo Leve.

Resultados  A tradução da definição dos componentes e pontuação do MBSImP foi realizada de forma independente e os tradutores chegaram a um consenso para a versão final. O protocolo original Modified Barium Swallow Impairment, foi traduzido para “Escala Martin-Harris para videofluoroscopia da deglutição”. Na versão final em português brasileiro alguns termos foram adaptados. A aplicação do protocolo traduzido não apresentou discrepâncias em relação ao protocolo original.

Conclusão  A tradução do excerto do protocolo MBSImP para o português brasileiro foi compatível com a versão original. A certificação de membros do comitê favoreceu a adaptação do material, permitindo a adaptação conceitual.

Descritores Protocolos Clínicos; Tradução; Transtornos de Deglutição; Fluoroscopia; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose  Translate into Brazilian Portuguese and culturally adapt the component scores definition from the Modified Barium Swallow Impairment Profile – MBSImP videofluoroscopy protocol.

Methods  This study was conducted based on international guidelines for creation, translation and transcultural adaptation according to domestic publications for the validation of international speech-language pathology tests. A specialist committee was convened with two otorhinolaryngologists and three speech-language pathologists familiar with videofluoroscopy examinations. Translation into Brazilian Portuguese was carried out by two otorhinolaryngologists with subsequent back translation performed independently by two U.S.-born translators. The final Brazilian Portuguese version was written by speech-language pathologists after revision of translations and back translations resolved semantic, idiomatic, conceptual, linguistic and contextual inconsistencies. This version was tested by committee members, who assessed subjects with no disease, with head and neck cancer and with mild cognitive impairment.

Results  Translation of the component scores definition from MBSImP was performed independently and translators agreed on a final version. The MBSImP protocol was renamed “Martin-Harris scale for swallowing videofluoroscopy”. Some terms were adapted for the final Brazilian Portuguese version. Use of the translated protocol did not reveal any deviations from the original.

Conclusion  Translation of the MBSImP fragment into Brazilian Portuguese was consistent with the original version. Approval from specialist committee members refined the protocol adaptation, allowing precise concepts to be accurately translated.

Keywords Clinical Protocols; Translation; Swallowing Disorders; Fluoroscopy; Speech-Language Pathology

INTRODUÇÃO

A videofluoroscopia da deglutição (VFD) é um exame instrumental que permite avaliar a fisiologia da deglutição, capturando de forma dinâmica o trajeto do alimento nas fases oral, faríngea e esofágica. A VFD é considerada padrão-ouro na avaliação da deglutição(1). Apesar disso, a utilização de protocolos padronizados para a realização e interpretação dos resultados dos exames de deglutição ainda não é realidade na prática clínica ou acadêmica.

A avaliação da função de deglutição é realizada a partir da imagem gerada pelo fluoroscópio, que consiste em um aparelho de raio-X e uma tela que deve capturar as imagens em, no mínimo, 30 frames por segundo. Essa taxa é necessária para garantir a captura dos eventos da deglutição. As imagens geradas podem ser gravadas para possibilitar a análise posterior e a revisão sem necessidade de nova exposição do indivíduo à radiação(2,3). O exame de VFD pode fornecer informações a respeito das estruturas envolvidas na biomecânica da deglutição, além de identificar a ocorrência de episódios de estase, penetração e/ou aspiração em diferentes locais, graus e momentos.

Além do diagnóstico de possíveis alterações na fisiologia da deglutição, o exame possibilita a testagem de estratégias terapêuticas (consistências mais adequadas, utensílios e manobras posturais) e o gerenciamento da disfagia orofaríngea ao longo do processo de reabilitação(4). Devido a essa especificidade, o Conselho Federal de Fonoaudiologia, por meio da Lei nº 6.965/81, do Decreto nº 87.218/82 e do Regimento Interno, recomenda que o fonoaudiólogo que realize a VFD tenha habilidade em “(...) executar avaliação instrumental adequada de acordo com protocolos utilizados”(5).

Um dos primeiros protocolos de videofluoroscopia foi proposto por Logemann, em 1993, e muitos exames continuam seguindo suas recomendações em relação a consistências, volume, forma de administração e posicionamento do paciente(6). Porém, atualmente os avaliadores utilizam metodologias muito variáveis em relação aos aspectos fisiológicos a serem avaliados e interpretados, com modificações pelos serviços de radiologia que realizam a VFD ou mesmo em pesquisas acadêmicas. Dessa forma, observa-se que a seleção dos componentes a serem avaliados e a interpretação dos resultados da VFD não seguem uma terminologia comum entre os profissionais. Um estudo de Resende et al. (2015)(7) realizado no Brasil com a finalidade de analisar e comparar o uso de protocolos brasileiros e norte-americanos para videofluoroscopia da deglutição em pacientes com histórico de acidente vascular encefálico, por exemplo, concluiu que a maioria dos artigos nacionais não descreve suficientemente a metodologia, fato que não ocorre em estudos norte-americanos. Porém, em ambos não houve padronização para os procedimentos de avaliação fluoroscópica(7).

Embora seja um exame instrumental, para interpretar os resultados da VFD o fonoaudiólogo faz julgamentos subjetivos baseados em características visuoperceptivas das imagens gravadas do exame e com base nos componentes da deglutição(1), que diferem conforme o protocolo utilizado. Existem diferentes protocolos para a VFD, o que pode dificultar a comparação entre os resultados da avaliação.

Quando o protocolo de VFD é padronizado, validado e interpretado por clínicos treinados, acredita-se que as estratégias para reabilitação possam ser aplicadas e comunicadas de forma mais consistente entre os diferentes profissionais, impactando positivamente no processo terapêutico. Além disso, a utilização de um protocolo padronizado em pesquisas científicas favorece a reprodutibilidade dos estudos(6). Diante disso, diferentes iniciativas foram desenvolvidas para sistematizar a avaliação e a análise da VFD.

Alguns exemplos dessas ferramentas para avaliação e análise da função da deglutição são “Functional Dysphagia Scale (FDS)”, criada em 2001 por pesquisadores coreanos(8) e que avalia onze componentes da deglutição; “A Videofluoroscopic Dysphagia Scale (VDS)”, elaborada em 2008 pelos mesmos pesquisadores e que analisa quatorze componentes(9); “Modified Barium Swallow Impairment” (MBSImP)”, publicada em 2008 por pesquisadores dos Estados Unidos e que avalia 17 componentes(10) e “Dynamic Imaging Grade of Swallowing Toxicity (DIGEST)”, publicada em 2017 também por pesquisadores estadunidenses e que analisa dois componentes(11). Enquanto os protocolos FDS e VDS foram inicialmente destinados para utilização em pacientes pós AVC e o DIGEST para pacientes com câncer de cabeça e pescoço, o MBSImP foi testado com pacientes adultos ambulatoriais e internados, com diagnósticos médicos e cirúrgicos heterogêneos(12).

Embora a utilização de todos os protocolos seja desafiadora em relação às suas propriedades psicométricas e não haja um consenso para recomendação de uso na interpretação dos exames de VFD(1), sabe-se que o MBSImP é atualmente reconhecido como uma iniciativa que favorece a padronização para avaliação da fisiologia da deglutição, sendo amplamente utilizado por equipes de fonoaudiólogos e radiologistas desde 2008 em vários países do mundo(12,13). O MBSImP inicialmente foi desenvolvido em um estudo americano apoiado pelo National Institutes of Health (NIH), sendo testado em campo por 13 anos(13) e apresentando, em sua validação, concordância de 80% inter e intra-examinador(14).

Conforme os autores do MBSImP, a utilização do protocolo padronizado permite identificar a presença, tipo e gravidade estimada do comprometimento fisiológico da deglutição, determina a eficiência da ingestão oral e a segurança da proteção das vias aéreas, auxilia na observação dos efeitos de intervenções tais como manobras posturais e de proteção de via aérea permitindo estabelecer planejamentos terapêuticos(12,13).

O MBSImP analisa dezessete componentes fisiológicos da deglutição, sendo seis correspondendo à fase oral, dez relacionados à fase faríngea e um à fase esofágica. Para cada componente são atribuídos graus, em escala crescente de alteração, que representam o maior comprometimento observado durante as tarefas de deglutição previstas pelo protocolo. Estes valores são somados, sendo obtido um valor final para cada fase da deglutição, sem que haja um escore geral global. A somatória da fase oral varia de 0 (normal) a 22 (alteração grave), a faríngea varia entre 0 (normal) a 29 (alteração grave) e a esofágica de 0 (normal) a 4 (alteração grave)(14).

No guia para utilização do protocolo são definidas as doze tarefas de deglutição que o paciente deverá realizar. Os autores detalham as consistências a serem ofertadas e a sequência das mesmas, a instrução a ser fornecida, a forma de oferta e o posicionamento para a realização do exame. Também são apresentadas descrições detalhadas para que o fonoaudiólogo possa atribuir os graus seguindo determinados parâmetros relacionados aos eventos fisiológicos da deglutição. Os autores ainda disponibilizam no referido guia orientações relativas a situações específicas, como pacientes com ausência de estruturas anatômicas ou em uso de via alternativa de alimentação, utilização de manobras compensatórias, consistências não ofertadas por situações de segurança e problemas na captura das imagens, entre outros(14).

Com o objetivo de identificar a ocorrência de penetração e aspiração durante o exame, o MBSImP prevê a utilização da escala desenvolvida por Rosenbek e colaboradores(15) em conjunto com o protocolo. Esta escala varia de um a oito, sendo os níveis um e dois considerados normais(16). Já níveis de três a cinco referem-se à penetração laríngea em função da presença de resíduo em via aérea e contato com prega vocal. Os níveis seis a oito referem-se à aspiração laringotraqueal conforme a resposta fisiológica de tosse a essa aspiração(15,16).

Para a efetiva utilização do protocolo MBSImP é necessário o registro como “MBSImP clinician”, adquirido somente após a conclusão e aprovação no curso ministrado pela autora. O treinamento disponibiliza recursos audiovisuais com atividades para balizar a atribuição dos escores para cada um dos componentes sendo possível encontrar uma lista com fonoaudiólogos registrados. De acordo com os registros atualmente existem 3.872 fonoaudiólogos registrados em diferentes países. No Brasil, até o momento, existem apenas quatro fonoaudiólogas certificadas, sendo duas autoras deste presente trabalho(14).

MÉTODO

O objetivo deste trabalho foi traduzir para o português brasileiro e adaptar culturalmente a definição de pontuações dos componentes para o exame de videofluoroscopia pertencentes ao Modified Barium Swallow Impairment Profile – MBSImP. Este estudo foi desenvolvido com base nas recomendações internacionais para elaboração, tradução e adaptação transcultural(17) e também em consonância com publicações nacionais para validação de testes internacionais em Fonoaudiologia(18).

O pré-teste da versão final em português brasileiro (VFPB) foi aplicado em dois estudos de doutorado realizados na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O estudo “Queixa e triagem de risco para disfagia versus resultados fisiológicos da deglutição no câncer de cabeça e pescoço” foi realizado no Departamento de Otorrinolaringologia – Câncer de Cabeça e Pescoço e aprovado pelo comitê de ética sob o número 58313016.6.0000.5404. O segundo estudo, denominado “Correlações entre componentes da deglutição, conectividade estrutural e funcional em adultos e idosos saudáveis, com declínio cognitivo subjetivo e comprometimento cognitivo leve” segue em andamento no Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação, tendo sido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa sob o número 72644417.8.0000.5404. Todos os pacientes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Estágio 1: tradução

Inicialmente foi obtida a permissão por escrito da autora do protocolo original. Após anuência da mesma, foi formado um comitê de especialistas, autores da nova versão em português brasileiro, composto por dois médicos otorrinolaringologistas e três fonoaudiólogas conhecedoras do exame de videofluoroscopia e da proposta deste estudo. Os médicos otorrinolaringologistas, bilíngues em português brasileiro e inglês, nativos no idioma e cultura alvo traduziram o protocolo de forma independente (TP1, TP2) considerando a equivalência conceitual e evitando a tradução literal. Como preconizado pelas diretrizes internacionais(17), um dos profissionais médicos apresentou maior familiaridade prévia com o material, em virtude de sua atuação acadêmica junto a fonoaudiólogos que trabalham com o referido protocolo.

Estágio II: síntese das traduções

Com base na TP1 e TP2, as fonoaudiólogas membros do comitê de especialistas, em consenso, realizaram a síntese das traduções e elaboraram a versão em português brasileiro (VSPB), avaliando as discrepâncias semânticas, idiomáticas, conceituais, linguísticas e contextuais.

Estágio III: retrotradução

Para garantir que a versão traduzida para o português brasileiro refletisse a original de forma consistente(18) foi realizada a retrotradução, ou seja, a tradução da VSPB para o inglês. A VSPB foi encaminhada para dois tradutores nativos em inglês, externos ao Comitê, sem conhecimento da versão inicial do protocolo e sem familiaridade com o conteúdo ou com os conceitos do mesmo.

Estágio IV: análise pelo comitê de especialistas e versão retrotraduzida

As fonoaudiólogas do comitê compararam as retrotraduções (RT1, RT2) ao protocolo original, avaliando as discrepâncias semânticas, idiomáticas, conceituais, linguísticas e contextuais. Após consenso, foi elaborada a versão retrotraduzida (VRT), que foi enviada para ciência da autora do protocolo original.

Estágio V: versão final em português brasileiro

Para elaborar a versão final em português brasileiro (VFPB), as fonoaudiólogas do comitê revisaram todas as traduções (TP1, TP2, VSPB) e as retrotraduções (RT1, RT2, VRT). Após revisão e resolução de discrepâncias, foi elaborada a versão final em português brasileiro (VFPB).

Estágio VI: teste da versão final em português brasileiro

O estágio final do processo de adaptação deve ser o pré-teste da versão traduzida(17) e para isso, a versão final em português brasileiro (VFPB) foi aplicada em dois estudos de Doutorado aprovados pelo comitê de ética em pesquisa desenvolvidos sob a responsabilidade das fonoaudiólogas certificadas pelo MBSImP e membros do comitê de especialistas. Os projetos foram desenvolvidos na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Os estudos utilizaram o protocolo traduzido para avaliar exames de videofluoroscopia relacionados a três conjuntos de indivíduos: sem doença neurológica (N=28), sujeitos com comprometimento cognitivo leve (N=15) e pacientes tratados de câncer de cabeça e pescoço (N=58).

RESULTADOS

As duas traduções para o português brasileiro realizadas de forma independente e a versão síntese (VSPB), resultante das versões traduzidas conforme já descrito no estágio I e II, são apresentadas no quadro 1 (TP1, TP2 e VSPB), seguidas da versão final em português brasileiro (VFPB) apresentada no estágio V.

Quadro 1
Tradução para o português brasileiro tradutor 1 (TP1), tradução para o português brasileiro tradutor 2 (TP2), síntese das versões para o português brasileiro (VSPB) e versão final para o português brasileiro (VFPB)

As versões retrotraduzidas de forma independente deram origem a versão final retrotraduzida (VFRT) descritas nos estágio III e IV são apresentadas no quadro 2 em conjunto com a versão original do MBSImP.

Quadro 2
Retrotradução tradutor 1 (RT1), retrotradução tradutor 2 (RT2), versão original do MBSImP e síntese das retrotraduções

DISCUSSÃO

Ao analisar estudos nacionais e internacionais que utilizaram a VFD como parte da avaliação da deglutição, evidencia-se a grande heterogeneidade na realização dos procedimentos de avaliação(7). Como já mencionado, os avaliadores, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, conduzem o exame de maneiras bastante distintas em relação ao posicionamento do paciente, volume ofertado, consistências e utensílios. O mesmo ocorre em relação à análise dos resultados: 71,42% dos artigos brasileiros não fazem uso da escala de penetração e aspiração laringotraqueal e não há descrição de parâmetros para avaliação da fisiologia da deglutição(7). Embora a discussão não seja recente e alguns autores nacionais tenham elaborado propostas para indicar de maneira geral os elementos a serem observados no exame(7), não há conhecimento de instrumentos que permitam classificar os achados fisiológicos em graus de comprometimento com base em parâmetros bem estabelecidos para diferenciá-los.

Essa realidade, associada à importância da disseminação de um protocolo padronizado para a realização e interpretação dos resultados da VFD(7) motivou a realização do processo de tradução dos componentes e escores do protocolo Modified Barium Swallow Impairment Profile. Embora a efetiva aplicação do protocolo na prática clínica exija a certificação do profissional por meio do curso(14), a proposta de tradução e adaptação cultural de excerto do protocolo reside no incentivo à padronização desse exame no âmbito da Fonoaudiologia brasileira. Assim, reforça-se que o presente estudo não tem como proposta substituir a formação dos fonoaudiólogos para aplicação do referido protocolo, mas sim demonstrar possibilidades para aprimoramento das práticas.

Embora a autora tenha denominado o protocolo de Modified Barium Swallow Impairment Profile, o comitê de especialistas reunido para este trabalho considerou que em português o material foco deste estudo seria traduzido para “Escala Martin-Harris para videofluoroscopia da deglutição”. A adaptação foi sugerida com o objetivo de singularizar, padronizar e facilitar sua utilização no Brasil, identificando-o pelo nome da autora, pois outros instrumentos utilizados na literatura fonoaudiológica nacional apresentam nomes genéricos(19). Essa modificação contou com a aprovação da autora do protocolo original.

Observando as versões traduzidas para o português brasileiro (TP1 e TP2), foram identificadas diferenças entre os autores, sendo algumas sutis e sem possíveis impactos e outras que necessitaram de revisão. Serão apresentadas apenas as considerações que suscitaram discussões entre os especialistas do comitê para a produção da versão em português brasileiro (VSPB), desconsiderando-se os detalhes que não precisaram ser discutidos por não se associarem a possíveis prejuízos semânticos, idiomáticos, conceituais e/ou contextuais.

Enquanto no TP1 os termos “Oral Impairment”, “Pharyngeal Impairment” e “Esophageal Impairment” foram traduzidos para “Deficiência Oral”, “Deficiência Faríngea” e “Deficiência Esofágica”, em TP2 os termos utilizados foram “Alteração Oral”, “Alteração Faríngea” e “Alteração Esofágica”. Considerando a polissemia da palavra “Deficiência” no português brasileiro, optou-se em VSPB pelo uso dos termos “Alteração”.

Para cada um dos componentes, os autores do protocolo original trazem sucintas orientações para o fonoaudiólogo em relação ao momento em que o escore deve ser atribuído ou qual aspecto deve ser considerado para tal (exemplo relativo ao Componente 1: “Judge at any point during the swallow”). Enquanto em TP1 foi utilizada a palavra “Julgue”, em TP2 utilizou-se “Avalie”. A elaboração da versão em português brasileiro considerou o termo “Julgue” com o objetivo de aproximar-se do conceito de atribuição de valor inerente ao termo em inglês. Tendo em vista que a utilização efetiva do protocolo envolve a certificação prévia do profissional, o comitê considerou que o termo “Julgue”, semanticamente, pressupõe e reforça a existência de arbitragem qualificada.

Na tradução do escore 1 (“Slow prolonged chewing/mashing with complete re-collection”) do componente 3 (“Bolus Preparation/Mastication”), a versão TP1 foi “1 = Mastigação/trituração lenta prolongada com re-coleção completa”. Já em TP2, a tradução foi “1 = Mastigação/trituração lenta, prolongada com organização completa do bolo”. O termo “re-coleção” foi considerado tradução literal e inapropriada semanticamente, uma vez que em português brasileiro é sinônimo de “vida austera”. O conhecimento do conteúdo completo do protocolo permitiu que as fonoaudiólogas, membros do comitê de especialistas, compreendessem que esse escore, além da mastigação, inclui a funcionalidade da língua na captação do bolo já triturado na cavidade oral. Assim, a versão em português brasileiro foi adaptada para “1 = Mastigação/trituração lenta e prolongada, com reunião completa do bolo”.

O conhecimento do protocolo também embasou a versão em português brasileiro dos componentes 12 (“Pharyngeal Stripping Wave”) e 17 (“Esophageal Clearance Upright Position”). Em TP1, a tradução do componente 12 foi “Onda faríngea uniforme” e em TP2 o tradutor utilizou o termo “Onda de decapagem faríngea”. Conforme os autores do protocolo, esse componente permite avaliar a sequência de contrações faríngeas que se estende da nasofaringe até o segmento faringo-esofágico e favorecem a limpeza do bolo. Em português brasileiro, observa-se tanto o uso de “onda de contração faríngea”(20) quanto “onda de pressão faríngea”(21). Diante da proposta dos autores em identificar a funcionalidade da contração faríngea na visão lateral, esse componente foi traduzido para “Onda de limpeza faríngea” em português brasileiro. Esse componente se diferencia do componente 13 (“Pharyngeal Contraction”), que no referido protocolo representa a combinação entre a funcionalidade da contração faríngea e da limpeza do bolo em visão anteroposterior. O termo “decapagem” foi considerado tradução literal, não sendo adequado cultural e semanticamente.

No escore 0 (“Complete clearance; esophageal coating”) do componente 17, tanto em TP1 quanto em TP2 foram utilizados os termos “revestimento esofágico” na tradução de “esophageal coating”. A discussão do comitê de especialistas consistiu no questionamento da necessidade de adaptação cultural neste caso, tendo em vista o conceito de “revestimento esofágico” entre os fonoaudiólogos brasileiros. Embora a princípio o termo isoladamente indique referência ao interior do esôfago, sua menção no escore 0 complementa a observação qualitativa do trânsito do bolo. Conforme os autores do protocolo original, o paciente receberá um escore 0 caso haja limpeza completa do conteúdo esofágico, ainda que haja resíduo capaz de permitir a observação do contorno do esôfago, revestindo-o.

A instrução (“Judge after first swallow or after the last swallow of the sequential swallow tasks”) do componente 5 (“Oral Residue”) também precisou de ajustes para a versão em português brasileiro. Em TP1, o autor elaborou “Avalie após a primeira deglutição ou depois da última deglutição numa sequência de tentativas de deglutição”. Já em TP2, a versão consistiu em “Julgue após primeira tentativa de deglutição ou após última tentativa de deglutição na sequência de exercícios de deglutição”. Com base no treinamento realizado para utilização do MBSImP, as fonoaudiólogas membros do comitê produziram a versão em português brasileiro com a instrução “Julgue após a primeira deglutição ou após a última deglutição nas tarefas de deglutições sequenciais”, pois o protocolo pressupõe a realização de 12 tarefas de deglutição pré-definidas (e não tentativas), com deglutições em gole único e goles sequenciais (apenas para bolos líquidos). O termo “exercícios de deglutição” foi desconsiderado por favorecer a interpretação relacionada à reabilitação e não ao processo de avaliação.

Em TP2, foram identificados termos técnicos (região mentoniana, na tradução do componente 1 e vestíbulo nasal e rinorreia, na tradução do componente 7) que, embora possam ser frequentes no âmbito da Otorrinolaringologia, não são comuns na prática clínica fonoaudiológica em disfagia. Na versão em português brasileiro, optou-se pela utilização dos termos queixo, narina e saída alimentar, respectivamente. Por fim, na tradução do componente 6 (“Initiation of Pharyngeal Swallow”), ambos os tradutores utilizaram o termo “iniciação da deglutição”. Embora a palavra “iniciação” seja encontrada na literatura científica da Fonoaudiologia brasileira, optou-se pela utilização de “início da deglutição faríngea”, como também visto em outros autores(22).

As versões retrotraduzidas (RT1 e RT2) indicaram que, apesar das diferenças entre os tradutores, o conteúdo traduzido para o português brasileiro respeitou a versão original dos autores do protocolo, sem prejuízos conceituais que implicassem em outras revisões. Esse aspecto foi verificado na aplicação da versão final para o português brasileiro (etapa V), uma vez que não houve discrepâncias na utilização desta versão em comparação à versão original em nenhum dos três grupos de indivíduos avaliados.

CONCLUSÃO

A tradução do excerto do protocolo Modified Barium Swallow Impariment Profile foi realizada para o português brasileiro, sendo observada compatibilidade com a versão original. A certificação de membros do comitê favoreceu a adaptação do material, permitindo a adaptação conceitual e cultural.

  • Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP - Campinas (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

  • 1 Swan K, Cordier R, Brown T, Speyer R. Psychometric properties of visuoperceptual measures of videofluoroscopic and fibre-endoscopic evaluations of swallowing: a systematic review. Dysphagia. 2019;34(1):2-33. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-018-9918-3 PMid:30019178.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-018-9918-3
  • 2 Logemann JA. Manual for videofluorographic study of swallowing. 2nd ed. Austin: ProEd; 1993.
  • 3 Costa MMB. Videofluoroscopy: a radiological method indispensable for medical practice. Radiol Bras. 2010;43(2):VII-VIII.
  • 4 ASHA: American Speech and Hearing Association. Knowledge and skills needed by speech-language pathologist providing services to individuals with swallowing and/or feeding disorders. Rockville: ASHA; 2004. p. 81-88. (ASHA Supplements; 22).
  • 5 Brasil. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Recomendação CFFa nº 17, de 18 de fevereiro de 2016 [Internet]. Diário Oficial da União; Brasília; 18 fev. 2016 [citado em 2020 Ago 23]. Disponível em: https://www.sbfa.org.br/portal2017/themes/2017/departamentos/artigos/resolucoes_28.pdf
    » https://www.sbfa.org.br/portal2017/themes/2017/departamentos/artigos/resolucoes_28.pdf
  • 6 Martin-Harris B, Jones B. The videofluorographic swallowing study. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):769-85, viii. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06.004 PMid:18940640.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06.004
  • 7 Resende PD, Dobelin JB, Oliveira IB, Luchesi KF. Disfagia orofaríngea neurogênica: análise de protocolos de videofluoroscopia brasileiros e norte-americanos. Rev CEFAC. 2015;17(5):1610-9. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151754315
    » http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151754315
  • 8 Han TR, Paik NJ, Park JW. Quantifying swallowing function after stroke: a functional dysphagia scale based on videofluoroscopic studies. Arch Phys Med Rehabil. 2001;82(5):677-82. http://dx.doi.org/10.1053/apmr.2001.21939 PMid:11346847.
    » http://dx.doi.org/10.1053/apmr.2001.21939
  • 9 Han TR, Paik N, Park J, Kwon BS. The prediction of persistent dysphagia beyond six months after stroke. Dysphagia. 2008;23(1):59-64. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-9097-0 PMid:17602263.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-9097-0
  • 10 Martin-Harris B, Brodsky MB, Michel Y, Castell DO, Schleicher M, Sandidge J, et al. MBS measurement tool for swallow impairment - MBSImp: establishing a standard. Dysphagia. 2008;23(4):392-405. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-008-9185-9 PMid:18855050.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-008-9185-9
  • 11 Hutcheson KA, Barrow MP, Barringer DA, Knott JK, Lin HY, Weber RS, et al. Dynamic Imaging Grade of Swallowing Toxicity (DIGEST): scale development and validation. Cancer. 2017;123(1):62-70. http://dx.doi.org/10.1002/cncr.30283 PMid:27564246.
    » http://dx.doi.org/10.1002/cncr.30283
  • 12 Martin-Harris B, Humphries K, Garand KL. The modified barium swallow impairment profile (MBSImP™©): innovation, dissemination and implementation. Perspectives. 2017;2(13):129-38.
  • 13 Martin-Harris B, Steele CM, Peterson J. Stand up for standardization: Collaborative clarification for clinicians performing Modified Barium Swallowing Studies (MBSS) [Internet]. Dysphagia Café’s; 16 jan. 2020 [citado em 2020 Ago 23]. Disponível em: https://dysphagiacafe.com/2020/01/16/stand-up-for-standardization-collaborative-clarification-for-clinicians-performing-modified-barium-swallowing-studies-mbss/
    » https://dysphagiacafe.com/2020/01/16/stand-up-for-standardization-collaborative-clarification-for-clinicians-performing-modified-barium-swallowing-studies-mbss/
  • 14 NSS: Northern Speech Services [Internet]. Modified barium swallowing impairment: MBSImP on-line course. Gaylord: NSS; 2020 [citado em 2020 Ago 23]. Disponível em: https://www.northernspeech.com/dysphagia-assessment-adult/introduction-to-mbsimp-a-standardized-protocol-for-assessment-of-swallowing-impairment
    » https://www.northernspeech.com/dysphagia-assessment-adult/introduction-to-mbsimp-a-standardized-protocol-for-assessment-of-swallowing-impairment
  • 15 Rosenbek JC, Robbins J, Roecker EB, Coyle JL, Wood JL. A penetration-aspiration scale. Dysphagia. 1996;11(2):93-8. http://dx.doi.org/10.1007/BF00417897 PMid:8721066.
    » http://dx.doi.org/10.1007/BF00417897
  • 16 Robbins J, Coyle J, Rosenbek J, Roecker E, Wood J. Differentiation of normal and abnormal airway protection during swallowing using the penetration-aspiration scale. Dysphagia. 1999;14(4):228-32. http://dx.doi.org/10.1007/PL00009610
    » http://dx.doi.org/10.1007/PL00009610
  • 17 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014 PMid:11124735.
    » http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
  • 18 Pernambuco L, Espelt A, Magalhães HVJ, Lima KC. Recommendations for elaboration, transcultural adaptation and validation process of tests in Speech, Hearing and Language Pathology. CoDAS. 2017;29(3):e20160217. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782 PMid:28614460.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782
  • 19 Bilton TL, Lederman HM. Descrição da padronização normal da videofluoroscopia da deglutição. Distúrb Comun. 1998;10(1):111-6.
  • 20 Luchesi KF, Campos BM, Mituuti CT. Identificação das alterações de deglutição: percepção de pacientes com doenças neurodegenerativas. CoDAS. 2018;30(6):e20180027. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018027 PMid:30517269.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018027
  • 21 Lemos EM. Tempo de fechamento faríngeo correlacionado com consistências, volumes, gênero e idade em videoendoscopia da deglutição [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2011.
  • 22 Zancan M, Luchesi KF, Mituuti CT, Furkim AM. Locais de início da fase faríngea da deglutição: meta-análise. CoDAS. 2017;29(2):e20160067. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016067 PMid:28327783.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016067

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2020
  • Aceito
    02 Out 2020
location_on
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro