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Sintomas vocais e autoavaliação do desvio vocal em diferentes tipos de disfonia

Resumos

OBJETIVOS:

Identificar a relação entre o tipo de disfonia, o grau de desvio vocal autoavaliado e a presença de sintomas vocais em indivíduos adultos.

MÉTODOS:

Participaram do estudo 164 indivíduos de ambos os gêneros (58 homens e 106 mulheres, média de idade de 42,89 anos) com diagnóstico médico otorrinolaringológico de disfonia, divididos em três grupos, de acordo com o tipo de disfonia. Ao todo 87 indivíduos com disfonia funcional, 35 com disfonia organofuncional e 42 com disfonia orgânica responderam a versão validada para o Brasil da Voice Symptom Scale (VoiSS) (Escala de Sintomas Vocais - ESV), composta por 30 questões, com quatro escores: Limitação, Emocional, Físico e Total, e autoavaliaram suas vozes em excelente, muito boa, boa, razoável ou ruim.

RESULTADOS:

Houve diferenças na ESV de acordo com o tipo de disfonia para as médias dos resultados nos escores Limitação, Emocional e Total, o que não foi verificado no escore Físico. As médias dos resultados nos escores Limitação, Emocional e Total da ESV foram maiores nas disfonias orgânicas, seguidas pelas organofuncionais e pelas funcionais. Quanto pior a autoavaliação, maior o desvio nos escores Limitação, Emocional e Total da ESV.

CONCLUSÕES:

Indivíduos com disfonias orgânicas relataram maior percepção de sintomas vocais, seguidos pelos sujeitos com disfonias organofuncionais e com disfonias funcionais. De forma geral, os indivíduos disfônicos apresentaram sintomas vocais físicos independente do tipo da disfonia. Por fim, existem correlações diretas entre os escores Limitação, Emocional e Total da ESV com a autoavaliação vocal.

Disfonia; Qualidade de Vida; Distúrbios da Voz; Questionários; Autoavaliação; Fonoaudiologia


PURPOSE:

To identify the relationship among the type of dysphonia, vocal deviation self-assessed and the presence of voice symptoms in adults.

METHODS:

One hundred sixty-four subjects of both genders (58 males and 106 females, mean age 42.89 years) diagnosis of dysphonia, divided into three groups according to the type of dysphonia: 87 individuals with functional dysphonia, 35 individuals with organofunctional dysphonia and 42 individuals with organic dysphonia, answered the Brazilian validated version of Voice Symptom Scale (VoiSS) (Escala de Sintomas Vocais - ESV), that consists of 30 questions with four scores: Impairment, Emotional, Physical and Total, and self-assessed their voices as excellent, very good, good, fair or poor.

RESULTS:

According to the dysphonia type, there were differences in ESVImpairment, Emotional and Total mean scores, which was not found in the Physical score. The Impairment, Emotional and Total mean scores were higher in organic dysphonia, followed by organofunctional dysphonia and finally functional dysphonia. When the vocal self-assessment is poor, the higher are the deviations in the Impairment, Emotional and Total ESV scores.

CONCLUSIONS:

Individuals with organic dysphonia reported higher perception of voice symptoms, followed by subjects with organofunctional dysphonia and finally individuals with functional dysphonia. In general, individuals with dysphonia presented physical voice symptoms, regardless of the type of the dysphonia. Finally, there are direct correlations between Impairment, Emotional and Total ESV scores and the vocal self-assessment.

Dysphonia; Quality of Life; Voice Disorders; Questionnaires; Self-Assessment; Speech, Language and Hearing Sciences


INTRODUÇÃO

Disfonia pode ser definida como um distúrbio caracterizado por alteração na qualidade, frequência, intensidade ou no esforço vocal que limite a comunicação ou cause impacto negativo na qualidade de vida relacionada à voz por meio de um decréscimo autopercebido no estado físico, emocional, social ou econômico do indivíduo( 11. Schwartz SR, Cohen SM, Dailey SH, Rosenfeld RM, Deutsch ES, Gillespie MB, et al. Clinical practice guideline: hoarseness (dysphonia). Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;141(3 Suppl 2):S1-S31. ). As disfonias podem ter diferentes etiologias, relacionadas ou não ao comportamento vocal( 22. Behlau M, Azevedo R, Pontes P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M, organizadora. Voz: O livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.;2:53-79. ), produzindo impactos diversos na qualidade de vida, cuja avaliação é realizada por questionários.

Durante a última década, tem-se destacado a importância de se analisar os sintomas vocais em conjunto a outros dados de impacto da disfonia; associar essas duas informações em um único instrumento oferece uma vantagem sobre os protocolos de autoavaliação que não investigam tais sintomas( 33. Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K. VoiSS: a patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9. ). Porém, pouco se sabe se o tipo de disfonia e a relação com o comportamento vocal interferem na autopercepção destes sintomas vocais. Outro aspecto a ser levado em consideração é o grau de desvio vocal percebido pelo sujeito, que pode ter relação direta com o número de sintomas vocais.

Dos protocolos de qualidade de vida na área de voz elaborados originalmente em inglês, a Voice Symptom Scale (VoiSS) ( 33. Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K. VoiSS: a patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9. ) é considerada robusta quanto às suas propriedades psicométricas por seu rigoroso processo de desenvolvimento( 44. Branski RC, Cukier-Blaj S, Pusic A, Cano SJ, Klassen A, Mener D, et al. Measuring quality of life in dysphonic patients: a systematic review of content development in patient-reported outcomes measures. J Voice. 2010;24(2):193-8. ), além de ser a única que engloba a percepção de sintomas vocais( 33. Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K. VoiSS: a patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9. ).

Desta forma, o objetivo deste estudo foi identificar a relação entre o tipo de disfonia, o grau de desvio vocal autoavaliado e a presença de sintomas vocais.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) sob parecer no 1.946/10, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participaram deste estudo 164 indivíduos (58 homens e 106 mulheres, média de idade de 42,89 anos) com diagnóstico otorrinolaringológico de disfonia, divididos em três grupos, de acordo com o tipo de disfonia( 22. Behlau M, Azevedo R, Pontes P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M, organizadora. Voz: O livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.;2:53-79. ): 87 com disfonia funcional (DF), 35 com disfonia organofuncional (DOF) e 42 com disfonia orgânica (DO). Todos os sujeitos preencheram a versão traduzida, culturalmente adaptada e validada para o Português Brasileiro do protocolo VoiSS, intitulada Escala de Sintomas Vocais (ESV)( 55. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale: VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400. , 66. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. ), um questionário de 30 questões divididas em três domínios: Limitação (15 questões), Emocional (oito) e Físico (sete). Cada pergunta é pontuada de zero a quatro, de acordo com a frequência de ocorrência: nunca, raramente, às vezes, quase sempre e sempre, com escores calculados pela soma simples dos pontos. Quanto maiores os escores neste protocolo, maior é a percepção do nível geral de alteração de voz no que diz respeito à limitação no uso da voz, reações emocionais e sintomas físicos. Além da ESV, todos os indivíduos autoavaliaram as suas vozes em excelente, muito boa, boa, razoável ou ruim (de um a cinco, respectivamente).

Para a análise estatística, adotou-se o nível de significância de 5% e foi utilizado o teste paramétrico de Análise de Variância (ANOVA), além do Teste de Correlação de Pearson.

RESULTADOS

Foram encontradas diferenças nos escores da ESV de acordo com o tipo de disfonia para as médias dos escores Limitação, Emocional e Total, o que não foi verificado no domínio Físico. As médias dos resultados dos escores Limitação, Emocional e Total da ESV foram maiores nas disfonias orgânicas, seguidas pelas disfonias organofuncionais e, por fim, pelas funcionais. Já no domínio Físico, não houve diferença nos escores de acordo com os tipos de disfonia (Tabela 1).

Tabela 1
Médias dos escores Limitação, Emocional, Físico e Total da Escala de Sintomas Vocais dos grupos de disfonia funcional, organofuncional e orgânica

Há correlações significantes positivas entre os escores Limitação, Emocional e Total da ESV com a autoavaliação vocal: quanto pior a autoavaliação, maior o escore da ESV, evidenciando maior percepção de sintomas vocais. Os valores de correlações são regulares, próximos da faixa de correlações boas (Tabela 2).

Tabela 2
Correlação entre os escores da Escala de Sintomas Vocais e autoavaliação vocal

DISCUSSÃO

Uma disfonia orgânica pode favorecer a presença e percepção de sintomas vocais devido ao comprometimento da fonte glótica, do trato vocal e estabilidade na produção da voz, comumente presentes nos quadros de câncer( 77. Robertson SM, Yeo JC, Sabey L, Young D, Mackenzie K. Effects of tumor staging and treatment modality on functional outcome and quality of life after treatment for laryngeal cancer. Head Neck. 2013;35(12):1759-63. ), refluxo gastresofágico( 88. Zucato B, Behlau MS. Laryngopharyngeal reflux symptoms index: relation with the main symptoms of gastroesophageal reflux, voice usage level and voice screening. Rev CEFAC. 2012;14(6):1197-203. ), papilomatose( 99. Derkay CS, Wiatrak B. Recurrent respiratory papillomatosis: a review. Laryngoscope. 2008;118(7):1236-47. ), paralisias de prega vocal( 1010. Bielamowicz S, Stager SV. Diagnosis of unilateral recurrent laryngeal nerve paralysis: laryngeal electromyography, subjective rating scales, acoustic and aerodynamic measures. Laryngoscope. 2006;116(3):359-64. ) e distonias laríngeas( 1111. Langeveld TP, Drost HA, Frijns JH, Zwinderman AH, Baatenburg de Jong RJ. Perceptual characteristics of adductor spasmodic dysphonia. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2000;109(8 Pt 1):741-8. ), o que pode gerar maior esforço à fonação( 1212. Eadie TL, Stepp CE. Acoustic correlate of vocal effort in spasmodic dysphonia. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2013;122(3):169-76. ), aumentando a percepção dos sintomas, principalmente no domínio Limitação. Além disso, pelo problema vocal nas disfonias orgânicas ser independente dos hábitos e comportamentos do indivíduo, as consequências emocionais podem ser mais destacadas. Por outro lado, as disfonias organofuncionais ou funcionais, com maior ou menor participação do comportamento vocal, geralmente representam alteração vocal de longa data, e os sintomas, embora frequentes, podem ser menos referidos por um processo de adaptação e habituação( 22. Behlau M, Azevedo R, Pontes P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M, organizadora. Voz: O livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.;2:53-79. ). Disfonias de diferentes etiologias são um desafio para a intervenção fonoaudiológica. Compreender as diferenças entre as categorias etiológicas é essencial para a boa prática clínica. O denominador comum para todos os tipos de problemas de voz é a presença de sintomas físicos( 1313. Sulica L. Hoarseness. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;137(6):616-9. ), como: dor ou desconforto na garganta( 1414. Mathieson L, Hirani SP, Epstein R, Baken RJ, Wood G, Rubin JS. Laryngeal manual therapy: a preliminary study to examine its treatment effects in the management of muscle tension dysphonia. J Voice. 2009;23(3):353-66. ), temas presentes nas questões do domínio Físico da ESV (exemplo: "Você sente alguma coisa parada na garganta?" ou "Você tem muita secreção ou pigarro na garganta?"( 55. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale: VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400. , 66. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. )), normalmente referidos por indivíduos com alterações vocais de qualquer natureza.

CONCLUSÕES

Indivíduos com disfonias orgânicas relataram maior percepção de sintomas vocais, seguidos pelos sujeitos com disfonias organofuncionais e, por fim, com disfonias funcionais. De forma geral, os disfônicos apresentaram sintomas vocais físicos, independente do tipo da disfonia. Por fim, existem correlações diretas entre os escores Limitação, Emocional e Total da ESV com a autoavaliação vocal.

REFERENCES

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    Schwartz SR, Cohen SM, Dailey SH, Rosenfeld RM, Deutsch ES, Gillespie MB, et al. Clinical practice guideline: hoarseness (dysphonia). Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;141(3 Suppl 2):S1-S31.
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  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.
  • *
    FM foi responsável pela coleta, tabulação, análise dos dados e elaboração do manuscrito; FZ foi responsável pela coleta, tabulação, análise dos dados e revisão do manuscrito; MB foi responsável pela análise dos dados e revisão final do manuscrito. Apresentado no 21º Congresso Brasileiro e 2º Ibero-Americano de Fonoaudiologia: 22 a 25 de setembro de 2013, Porto de Galinhas (PE), Brasil e The Voice Foundation's 43 rd Annual Symposium: Care of the Professional Voice; May 28 th - June 1 st , 2014, Philadelphia, Pennsylvania, United States.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2013
  • Aceito
    04 Jun 2014
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