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Atendimento vocal à pessoa trans: uma apresentação do Protocolo de Atendimento Vocal do Ambulatório Trans e do Programa de Redesignação Vocal Trans (PRV-Trans)

RESUMO

Objetivo

Apresentar o Protocolo de Atendimento Vocal do Ambulatório Trans (PAV-trans) e o Programa de Redesignação Vocal (PRV-trans) para pessoas trans.

Método

O protocolo é composto pelas seguintes etapas: 1) encaminhamento do usuário; 2) avaliação fonoaudiológica, aplicação de protocolos de autopercepção, encaminhamento para avaliação otorrinolaringológica e definição da conduta: terapia individualizada (fonte sonora) ou PRV-trans para filtro vocal; 3) PRV-trans, contendo 12 parâmetros vocais a serem trabalhados mensalmente de forma individual e em grupo com os usuários; 4) Após finalizado o PRV-Trans, o usuário é encaminhado para reavaliação fonoaudiológica e otorrinolaringológica, no qual será observado se o objetivo da redesignação vocal foi alcançado.

Resultados

O PRV-Trans é um programa que visa o desenvolvimento de um trabalho de filtro vocal para a população trans, que seja flexível e que contemple as queixas dessa população, no qual apresenta dificuldades de acesso ao serviço de saúde.

Conclusão

O PAV-trans e o PRV-trans são ferramentas que podem subsidiar o atendimento fonoaudiológico às pessoas trans no Brasil, traçando mecanismos que possibilitem maior segurança às pessoas trans em busca de uma passabilidade social por meio da voz, minimizando a transfobia, estabelecendo um conforto e a satisfação social.

Descritores:
Pessoas Transgênero; Voz; Treinamento da Voz; Qualidade da Voz; Procedimento de Readequação Sexual

ABSTRACT

Purpose

To present the Trans Ambulatory Vocal Protocol (AVP-trans) and the Vocal Redesignation Program (VRP-trans).

Methods

The protocol consists of the following steps: 1) user routing; 2) speech therapy evaluation, application of self-perception protocols, referral for otorhinolaryngological evaluation and definition of conduct: individualized therapy (sound source) or VRP-trans for vocal filter; 3) VRP-trans, containing 12 vocal parameters to be worked monthly individually and in a group with the users; 4) After the end of the VRP-trans, the user is referred for vocal re-evaluation and otorhinolaryngological re-evaluation, in which it will be observed if the objective of the vocal redesignation was reached.

Results

VRP-trans is a program that aims at developing a vocal filter work for the transgender population, flexible and that contemplates the complaints of this population, in which it presents difficulties to access the health service.

Conclusion

AVP-trans and VRP-trans are tools that can subsidize the speech therapy for transgender people in Brazil, outlining mechanisms that allow greater confidence for transgenders in search of social passiveness through voice, minimizing transphobia, establishing comfort and social acceptance.

Keywords:
Transgender Persons; Voice; Voice Training; Voice Quality; Sex Reassignment Procedures

INTRODUÇÃO

A vivência de um gênero dissonante das expectativas sócio-culturais relacionadas ao binarismo do sexo biológico é uma questão identitária e não um transtorno ou uma doença mental como rotineiramente é atribuído nas áreas que envolvam a saúde das pessoas trans, tanto física como mental(11 Bento B. O que é transexualidade. 1. ed. São Paulo: Editora Brasiliense; 2008.,22 Jesus JG. Orientações sobre a população transgênero: conceitos e termos. Brasília; 2012.). Neste trabalho serão consideradas pessoas trans, as travestis, transexuais ou transgêneros e pessoas com gênero fluido.

Nesta direção e com a resistência exercida por ativistas do movimento trans do mundo todo, tem crescido a discussão a respeito da despatologização das identidades trans. Alguns avanços já foram obtidos, como a retirada dos transtornos de identidade de gênero do capítulo referente às doenças mentais e realocação na categoria de condições relacionadas à saúde sexual, com o termo “incongruência de gênero”, no Código Internacional de Doenças (CID-11)(33 WHO: Word Health Organization. Coding disease and death. Geneva: WHO; 2018.). Segundo a organização Mundial de Saúde (OMS) esta modificação se deu pelo fato da classificação como uma doença mental ser capaz de aumentar o estigma desta população. Entretanto, justificam que a manutenção da transexualidade no CID-11, utilizado no mundo todo, poderia facilitar o acesso aos cuidados de saúde peculiar a estas pessoas.

Neste sentido, salientam-se ações desenvolvidas no estado de Sergipe, que agem em consonância com a despatologização das identidades trans. Docentes do curso de Fonoaudiologia da área de voz e linguagem idealizaram e inauguraram o “Ambulatório Trans de Sergipe- Portas abertas: acolher e cuidar”, em 2016, de caráter interprofissional. Este serviço foi homenageado na 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres, realizado em agosto de 2017, recebendo menção honrosa da Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial de Saúde e do Conselho Nacional de Saúde (CNS)(44 Conselho Nacional de Saúde. Experiências inovadoras em Saúde das Mulheres são premiadas na conferência. Rev Nac Saúde. 2017;4(2):20-5.).

Apesar de o destaque recebido ser destinado a ação desenvolvida por fonoaudiólogos, questiona-se o fato da Fonoaudiologia, como ciência que estuda a comunicação humana, apresentar uma escassez de literatura científica com programas e estratégias de readequação vocal destinado para pessoas trans, e assim se distância de um público que apresenta frequentes queixas de desconforto, físico e emocional, relativos à sua voz e comunicação de modo geral.

Desta forma, discutir estratégias e programas para a redesignação vocal de pessoas trans pode proporcionar um maior acesso desta população aos serviços de Fonoaudiologia. Neste intuito, o objetivo da presente comunicação é de apresentar o Protocolo de Atendimento Vocal do Ambulatório Trans (PAV-trans) e o Programa de Redesignação Vocal (PRV-trans) para pessoas trans.

MÉTODO

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa CAAE 48581715.3.0000.5546. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O Protocolo de Atendimento Vocal do Ambulatório Trans (PAV-trans) foi elaborado por três fonoaudiólogos atuantes com a população trans, que visaram à necessidade de melhorar o gerenciamento do fluxo de pessoas e a aderência ao tratamento no ambulatório do processo transexualizador, visto a alta demanda pelo atendimento fonoaudiológico. Para contextualizar a proposta, a Tabela 1 apresenta a caracterização da população atendida no ambulatório.

Tabela 1
Caracterização da amostra

O PAV-trans proposto é composto pelas seguintes etapas:

  1. 1

    O usuário pode ser encaminhado por qualquer profissional da área da saúde que observe a queixa vocal ou a procura pelo atendimento poderá ocorrer por demanda livre. No ambulatório em questão, há dez especialidades atuando de forma interprofissional, a saber: terapia ocupacional, psicologia, psiquiatria, nutrição, fonoaudiologia, ginecologia, farmácia, serviço social, enfermagem e clínico geral.

  2. 2

    No primeiro contato com a Fonoaudiologia, o usuário passa por uma anamnese para que se possa conhecer a sua demanda vocal e um pouco sobre seu percurso de transição de gênero associado à sua qualidade vocal. Após a anamnese, em ambiente de sala de espera, são respondidos os seguintes questionários de autoavaliação vocal:

  • Índice de Triagem do Distúrbio Vocal – ITDV(55 Ghirardi ACA, Ferreira LP, Giannini SPP, Latorre MRDO. Screening Index for Voice Disorder (SIVD): development and Validation. J Voice. 2013;27(2):195-200. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2012.11.004. PMid:23280383.
    http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2012....
    ). O ITDV foi criado especificamente para a demanda de voz profissional, em específico o professor, porém pela praticidade do instrumento e após discussões e testes, percebeu-se que ele poderia contemplar algumas demandas vocais específicas da população do ambulatório do processo transexualizador; Qualidade de Vida em Voz – QVV traduzido para o português brasileiro(66 Gasparini G, Behlau M. Quality of life: validation of the Brazilian version of the Voice-Related Quality of Life (V-RQOL) measure. J Voice. 2009;23(1):76-81. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.04.005. PMid:17628396.
    http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
    ).

  • O QVV faz parte da rotina na clínica vocal e consegue mensurar dados importantes sobre os impactos da qualidade vocal na qualidade de vida dos sujeitos;

  • Transexual Voice Quality – male to female – TVQmtf(77 Santos HHANM, Aguiar AGO, Baeck HE, Van Borsel J. Tradução e avaliação preliminar da versão em português do Questionário de Autoavaliação vocal para transexuais de homem para mulher. CoDAS. 2015;25(1):89-96. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014093. PMid:25885202.
    http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2015...
    ), é o único instrumento específico para a população de travestis e transexuais traduzido para o português brasileiro;

  • Escala URICA-VOZ(88 Teixeira LC, Rodrigues ALL, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. Escala URICA-VOZ para identificação dos estágios de adesão ao tratamento de voz. CoDAS. 2013;25(1):8-15. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000100003. PMid:24408164.
    http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013...
    ) permite entender o processo de adesão das pessoas trans e travestis aos procedimentos na clínica de voz. O feedback proposto por esse instrumento contribui na reformulação de estratégias;

  • Escala de Autoavaliação da Fadiga Vocal- EAFV(99 Pellicani AD. Comportamento vocal e estresse em professores antes e após o uso prolongado da voz avaliados no ambiente ocupacional [tese]. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto; 2017.) para um trabalho singular da voz de cada sujeito, possibilita identificar a fadiga vocal, queixa muito comum entre as pessoas que procuram pelos serviços do processo transexualizador;

  • Escala de Sintomas Vocais– ESV que tem como objetivo uma autoavaliação vocal e de sintomas vocais(1010 Moreti FTG. Validação da versão brasileira da Voice Symptom Scale – VoiSS. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):238. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342012000200025.
    http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342012...
    ). O ESV é composto por 30 questões que contemplam os domínios: físico, limitação e emocional.

Após a resposta aos questionários, o usuário será submetido a avaliação fonoaudiológica vocal, com registro de amostras vocais para posterior análise acústica computadorizada da voz realizada pelo programa PRAAT®. Os parâmetros avaliados sugeridos são os aspectos temporais da emissão, harmônicos e distribuição do ruído do traçado.

Durante a avaliação fonoaudiológica, caso não apresente exame laríngeo, o usuário deverá ser encaminhado ao otorrinolaringologista (ORL). Caso o laudo ORL seja positivo para uma lesão/distúrbio laríngeo, o usuário é encaminhado para terapia fonoaudiológica visando o reestabelecimento da função da fonte sonora e, posteriormente, encaminhado ao Programa de Redesignação Vocal (PRV-trans). Entretanto, caso não haja lesões laríngeas, será diretamente encaminhado ao PRV-trans.

  1. 3

    O Programa de Redesignação Vocal (PRV-trans) é constituído por atividades individuais do usuário com a fonoaudióloga e, grupais com os usuários participantes do PRV-trans.

Necessariamente, o usuário encontrará a fonoaudióloga uma vez ao mês, no qual serão observadas as suas demandas individuais, trabalho com técnica vocal individualizada e prescrição de orientações e sensibilização vocal. Após a certificação do domínio do procedimento da técnica vocal, será encaminhado às atividades grupais.

Visando a organização do grupo, sugere-se que seja regido por uma fonoaudióloga e no máximo cinco usuários, com duração máxima de 40 minutos cada encontro. Neste período, os usuários serão estimulados a trabalhar um determinado parâmetro vocal e inseri-lo na sua fala automática de acordo com as suas necessidades individuais.

O programa se baseia na Terapia Vocal Eclética com o objetivo de alcançar uma comunicação mais efetiva de acordo com a demanda do usuário baseado nos parâmetros trabalhados(1111 Behlau M, organizador. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. vol. 2.). São utilizadas as abordagens direta(1212 LeBorgne WD, Weinrich BD. Phonetogram changes for trained singers over a nine-month period of vocal training. J Voice. 2002;16(1):37-43. http://dx.doi.org/10.1016/S0892-1997(02)00070-X. PMid:12002885.
http://dx.doi.org/10.1016/S0892-1997(02)...
), realizando exercícios vocais de acordo com a Classificação das Categorias de Abordagens usuais de tratamento fonoaudiológico das disfonias(1111 Behlau M, organizador. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. vol. 2.) e abordagem indireta(1313 Nanjundeswaran C, Li NY, Chan KM, Wong RK, Yiu EM, Verdolini-Abbott K. Preliminary data on prevention and treatment of voice problems in student teachers. J Voice. 2012;26(6):816.e1-12. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2012.04.008. PMid:22921297.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2012....
) com orientações sobre o bem-estar vocal.

A duração proposta do PRV-trans é de 12 meses com um encontro por mês. Em cada mês será trabalhado, tanto individual quanto coletivamente, um parâmetro vocal específico com um diferente Método, tais como: corpo, pitch, loudness, ressonância, projeção vocal, articulação, velocidade de fala, prosódia, psicodinâmica vocal, resistência vocal, expressividade vocal e expressividade corporal, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Parâmetros alvo e os Métodos utilizados

O quadro apresentado exemplifica uma das inúmeras possibilidades de trabalho de acordo com o perfil dos usuários deste serviço sem alteração em prega vocal, assim não deve ser considerado como opção sem que haja uma avaliação fonoaudiológica completa.

Os parâmetros estipulados são norteadores para o trabalho, porém durante o encontro, são associados aos outros aspectos elencados, respeitando a singularidade vocal de cada usuário.

De acordo com o método trabalhado, o usuário será orientado a realizar exercícios em casa até seu retorno ao ambulatório.

  1. 4

    Após a finalização do período do PRV-trans, o usuário será encaminhado à reavaliação fonoaudiológica vocal individual e caso o usuários tenha apresentado alteração laríngea no decorrer do programa, será encaminhado à avaliação otorrinolaringológica. Neste momento, é certificado se houve o alcance da redesignação vocal e discutido com o usuário. Ressalta-se que este usuário será constantemente acompanhado pela fonoaudióloga ao longo do PRV-trans, podendo aconselhar a alta fonoaudiológica antes mesmo do previsto, quando verificado o alcance da redesignação vocal.

RESULTADOS

O protocolo de atendimento para pessoas trans bem como o programa de reabilitação vocal de pessoas trans estão apresentados na Figura 1.

Figura 1
Protocolo de Atendimento vocal Ambulatório Trans

A Figura 1 apresenta o fluxograma de atendimento do PAV-trans e PRV-trans.

DISCUSSÃO

No Brasil não há estudos epidemiológicos sobre o número de pessoas trans. No mundo há uma estimativa de que haja 4,6 pessoas trans para cada 100 mil pessoas. Sendo que 6,8 são mulheres trans e 2,6 homens trans em cada 100 mil pessoas(1414 SBEM: Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Posicionamento Conjunto Medicina Diagnóstica inclusiva: cuidando de pacientes transgênero. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Patologia Clínica Medicina Laboratorial e Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem; 2019 [citado em 2019 Jul 23]. Disponível em: https://www.endocrino.org.br/transgenero-posicionamento-conjunto
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). Neste estudo houve uma proporcionalidade similar entre homens e mulheres trans que procuram pelo atendimento no ambulatório do processo transexualizador.

Com relação à idade, a maioria está entre 20 e 29 anos, o que parece ser característico em outras literaturas que abordam o perfil dos usuários de um serviço no Rio de Janeiro(1515 Carrara S, Hernandez JG, Uziel AP, Conceição GMSD, Panjo H, Baldanzi ACO, et al. Body construction and health itineraries: a survey among travestis and trans people in Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2019;35(4):e00110618. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00110618. PMid:30994742.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00110...
).

Discutir programas terapêuticos desenvolvidos para a população trans, respeitando suas singularidades pode diminuir a marginalização destas pessoas e melhorar o acesso aos serviços de saúde. Entretanto, para além das técnicas específicas de cada área da saúde, é necessário que se amplie a discussão a respeito das especificidades de saúde e o respeito por suas questões identitárias. Para que haja o acolhimento é necessário o reconhecimento do outro, legitimando suas necessidades de saúde, por meio de uma escuta qualificada que propicia adequar os atendimentos às reais necessidades da pessoa assistida. Só desta forma pode ocorrer a efetividade das práticas de saúde(1616 Martins CP, Luzio CA. HumanizaSUS policy: anchoring a ship in space. Interface. 2017;21(60):13-22. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0614.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015....
).

O profissional fonoaudiólogo não está inserido na Portaria que regulamento os serviços do Processo Transexualizador, porém, percebe-se a demanda pelas questões relacionadas à voz desta população. Mesmo não sendo contemplado pela portaria, a maioria dos serviços habilitados pelo Ministério da Saúde conta com a participação do fonoaudiólogo(1717 Lopes JLC, Dorfman MEKY, Dornelas R. A voz da pessoa transgênero: desafios e atualidades na clínica vocal. In: Lopes LW, Moreti FTG, Ribeiro LL, Pereira EC, editores. Fundamentos e atualidades em voz clínica, fononcologia e voz profissional. Rio de Janeiro: Thieme Revinter; 2019. vol. 1.) com a proposta de um trabalho interprofissional. O trabalho integrado entre a equipe é fundamental para o sucesso no acompanhamento do usuário, assim a interprofissionalidade além de otimizar o cuidado em saúde na integralidade, propicia um acompanhamento singular para cada usuário(1818 Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Educação interprofissional: formação de profissionais de saúde para o trabalho em equipe com foco nos usuários. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(4):977-83. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000400029. PMid:24310699.
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342013...
).

O PAV-trans e o PRV-trans surgem da necessidade de um programa vocal que não se atenha a modificar isoladamente os aspectos de fonte sonora, mas sim todos os demais atributos vocais atribuídos pela própria pessoa ao gênero ao qual se identifica. Aqui o destaque é para a escuta terapêutica, que fala de seus desejos e necessidades, ou seja, a autodesignação é a diretriz destes atendimentos. E esta etapa só pode ser alcançada com uma anamnese detalhada e acolhedora. Com relação aos instrumentos, a autopercepção da voz vem sendo valorizada na clínica fonoaudiológica, pois permite ao terapeuta entender a percepção do sujeito com relação a sua voz e os aspectos que implicam em determinada produção vocal. Estudos sobre percepção da qualidade vocal são comuns e importantes em várias investigações(1919 Bicalho AD, Behlau M, Oliveira G. Termos descritivos da própria voz: comparação entre respostas apresentadas por fonoaudiólogos e não-fonoaudiólogos. Rev CEFAC. 2010;12(4):543-50.).

Certamente, independente dos ajustes vocais realizados empiricamente para se adequarem aos padrões vocais desejados ou esperados pela sociedade, estas pessoas podem apresentar alterações na fonte sonora. Assim, antes do início do programa as pessoas são encaminhadas para o atendimento com ORL e quando identificada alguma alteração, as sessões são preconizadas individualmente. Na ausência destas, opta-se por atendimentos em grupo. Embora a literatura não traga muitos estudos com terapia vocal em grupos terapêuticos, tem sido considerada esta prática em serviços com alta demanda e tem sido demonstrado pela maioria dos estudos como eficiente ou parcialmente eficiente para o tratamento das disfonia(2020 Almeida LNA, Fahning AKCA, Trajano FMP, Anjos UU, Almeida AAF. Almeida AAF. Fonoterapia em grupo e sua eficácia para tratamento da disfonia: uma revisão sistemática. Rev CEFAC. 2015;17(6):2000-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151765815.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
).

Os parâmetros trabalhados durante o PRV-trans foram baseados nas diretrizes para atendimento inicial à saúde integral das pessoas transgêneras e gêneros não binários(2121 Deutsch M. Guidelines for the primary and gender-affirming care of transgender and gender nonbinary people. 2nd ed. San Francisco: University of California; 2016.).

Estabeleceu-se o período de duração do PRV-trans em doze meses visto à necessidade dos usuários realizarem o acompanhamento nos ambulatórios do processo transexualizador no período de dois anos pré-operatório(2222 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.) concomitante a outras especialidades. Deste modo o acompanhamento fonoaudiológico teria flexibilidade para ser realizado no primeiro ou segundo ano de acompanhamento como prevê a portaria que regulamente o processo transexualizador.

CONCLUSÃO

Com a alta demanda pelo atendimento fonoaudiológico nos serviços do processo transexualizador, o PAV e o PRV-trans são ferramentas que podem subsidiar o atendimento fonoaudiológico às pessoas trans no Brasil, traçando mecanismos que possibilitem maior segurança às pessoas trans em busca de uma passabilidade social por meio da voz, minimizando a transfobia, estabelecendo um conforto e a satisfação social. É necessário que o PAV-trans e o PRV-trans sejam aplicados em diferentes serviços para que possibilite a construção de estudos e seu aprimoramento.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Sergipe – UFS - Lagarto (SE), Brasil.
  • Fonte de financiamento:

    nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2019
  • Aceito
    08 Mar 2020
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