Open-access A observação das práticas de ensino efetivas em sala de aula: pesquisa e formação

Observation of effective teaching practices in the classroom: training and research

La observación de las prácticas de enseñanza efectivas en sala de clase: investigación y formación

RESUMO

Neste artigo, a autora apresenta sua trajetória de pesquisadora das práticas de ensino efetivas e do funcionamento do processo interativo ensino-aprendizagem a partir da observação de uma sequência de aulas. A autora considera diferentes pesquisas realizadas pelo CERSE, CREN, pelas redes OPEN e OPEEN & Reform e apresenta uma pesquisa recente sobre a observação das práticas de ensino em suas relações com a aprendizagem (OPERA) feita em Burquina Faso e que procura identificar as práticas de ensino portadoras de efeitos. A partir da observação de aulas, da aplicação de questionários e de entrevistas com alunos, professores e diretores de escolas, a pesquisa pôde identificar as necessidades de formação tanto dos professores quanto dos demais profissionais da educação. Depois, a partir desse diagnóstico, ferramentas de formação foram concebidas para ajudar na análise das práticas e contribuir para a melhora da qualidade dos sistemas educativos na África subsaariana.

Palavras-chave: Observação; Prática de Ensino; Pesquisa; Formação de Professores

ABSTRACT

In this article, the author discusses her path as a researcher of effective teaching practices and the functioning of the interactive teaching-learning process from observing a sequence of lessons. The author takes into consideration different studies conducted by CERS and CREN and by the OPEN and OPEEN & Reform networks, and presents a recent study on the observation of teaching practices in their relationships with learning (OPERA) conducted in Burkina Faso which attempts to identify the teaching practices that generate results. Based on class observations, the application of questionnaires and interviews with students, teachers and school principals, the study identified the need for training of teachers as well as other education professionals. Then, from this diagnosis, training tools were developed to assist in the analysis of practices, and to contribute to the improvement of the quality of education in sub-Saharan Africa.

Keywords: Observation; Research; Teaching Practice; Teacher Education

RESUMEN

En este artículo, la autora presenta su trayectoria de investigadora de las prácticas de enseñanza efectivas y del funcionamiento del proceso interactivo enseñanzaaprendizaje a partir de la observación de una secuencia de clases. La autora considera diferentes investigaciones realizadas por el CERSE, CREN, por las redes OPEN y OPEEN & Reform y presenta una investigación reciente sobre la observación de las prácticas de enseñanza en sus relaciones con el aprendizaje (OPERA) hecha en Burkina Faso y que busca identificar las prácticas de enseñanza portadoras de efectos. A partir de la observación de clases, de la aplicación de cuestionarios y de entrevistas con alumnos, profesores y directores de escuelas, la investigación pudo identificar las necesidades de formación tanto de los profesores como de los demás profesionales de la educación. Después, a partir de ese diagnóstico, las herramientas de formación fueron diseñadas para ayudar en el análisis de las prácticas y contribuir a la mejora de la calidad de los sistemas educativos en el África subsahariana.

Palabras-claves: Observación; Investigación; Práctica de Enseñanza; Formación de Profesores

RÉSUMÉ

Dans cet article, l’auteur présente son itinéraire de chercheur sur les pratiques enseignantes effectives et le fonctionnement du processus interactif enseignementapprentissage à partir de l’observation de séquences de classe. L’auteur rend compte de différentes recherches menées au CERSE, au CREN, dans les réseaux OPEN et OPEEN & Reform et restitue une recherche récente sur l’observation des pratiques enseignantes dans leur rapport avec les apprentissages (OPERA) menée au Burkina Faso et qui cherche à repérer des pratiques enseignants porteuses d’effets. A partir d’observations de séances de cours, de questionnaires et d’entretiens avec les élèves, les enseignants et les directeurs d’écoles, la recherche a pu repérer les besoins de formation aussi bien des enseignants que de leurs encadreurs. Puis, à partir de ce diagnostic, des outils de formation ont été conçus pour aider à analyser les pratiques et contribuer à l’amélioration de la qualité des systèmes éducatifs en Afrique subsaharienne.

Mots-clés: Observation; Pratique d’Enseignement; Recherche; Formation des Enseignants

Preâmbulo sobre uma trajetória de professora -pesquisadora -formadora

Por que a observação de práticas de ensino em pesquisa e formação? Minha trajetória pessoal como pesquisadora dá sentido a essa escolha: hoje professora emérita de Ciências da Educação, meu interesse pela abordagem de observação em pesquisa e formação tem origem na interação entre meu percurso profissional como formadora e meu itinerário de pesquisa. Tendo começado como professora de filosofia nomeada psicopedagoga pela escola normal de Mans, senti, ao passar das ideias filosóficas às práticas dos professores do primário, a necessidade de me formar em Ciências da Educação na Universidade de Caen. Foi o Professor Gaston Mialaret quem me iniciou na metodologia rigorosa de observação sistêmica dos fatos educativos. A partir de então, centrei-me na pesquisa empírica, com o objetivo de “descrever e caracterizar as práticas de ensino tal como elas são” para formar os professores e ajudá-los a compreender o funcionamento do que fazem a fim de melhor se adaptarem.

Durante quinze anos, em que ocupei cargos em instituições de formação de professores, a questão da articulação entre teoria e prática em formação tornou-se central para mim, e trabalhei em dispositivos de formação que permitissem melhor preparar os professores para a prática da sala de aula ao fazê-los tomarem consciência de suas próprias práticas, microensino seguido de análise de práticas. Minha tese voltava-se para o papel do microensino na modificação de comportamentos observáveis e atitudes de alunos-professores em formação.

Tendo me tornado professora-pesquisadora em Caen, meu eixo de pesquisa no Centro de Estudos e Pesquisas em Ciências da Educação - CERSE - intitulava-se “Observação e análise das interações de ensino em contexto” e me permitiu observar e analisar “estilos de ensino”. Depois, em minha tese de livre docência, realizei uma pesquisa sobre “as interações pedagógicas e as formas de ajuste em sala de aula” a partir da observação de 115 horas de aulas em escolas gravadas em vídeo, e pedi ao Professor Marcel Postic que me orientasse, interessada nos trabalhos pioneiros sobre observação.

Nomeada, mais tarde, professora na Universidade de Nantes, continuei meu trabalho, mas montando uma equipe pluridisciplinar que trabalhou a partir das observações de sala de aula com uma abordagem plural, combinando abordagens psicológicas, pedagógicas, didáticas, contextuais, métodos e olhares para apreender a complexidade das práticas.

A metodologia de observação expandiu-se para as entrevistas pré e pós-aula observada; depois, com a chegada de Isabelle Vinatier a Nantes, para as entrevistas de coexplicitação. Os trabalhos do Centro de Pesquisas em Educação de Nantes - CREN - prolongaram-se com a criação da rede Observação das Práticas de Ensino - OPEN, codirigida por Marc Bru, Claudine Blanchard-Laville e eu durante dez anos (2002-2012). Trabalhamos, junto de cerca de trinta equipes, em diferentes pesquisas, a questão da observação, compartilhando, confrontando nossos pontos de vista, trabalho que continua a ser desenvolvido hoje pela rede Observação das Práticas Educativas e de Ensino, da Pesquisa à Formação - OPEEN & Reform.

O quadro teórico das pesquisas sobre as práticas de ensino efetivas

As pesquisas que realizei no CERSE e depois no CREN de Nantes estiveram sempre voltadas para a observação direta das práticas de ensino nos contextos em que elas se produzem, reunindo, graças a diferentes métodos de registro (papel, áudio e vídeo), o que acontece efetivamente em sala durante as aulas de diversas disciplinas: francês, matemática, ciências, educação física, disciplinas motivadoras.1 Assim como um grande número de pesquisadores de práticas de ensino, distingui sempre entre práticas declaradas, constatadas e esperadas.

As práticas declaradas dizem respeito ao que os sujeitos dizem fazer; suas declarações são coletadas a partir de questionários e/ou entrevistas. O discurso dos professores a propósito de sua atividade, especialmente em sala de aula, é rico porque comporta, além de suas representações, a parte de conscientização de sua própria atividade, uma parte do que os sujeitos incorporaram em relação ao que deveria ser feito.

As práticas esperadas. Os professores são submetidos a certo número de expectativas, injunções, prescrições do sistema educativo. As expectativas provêm da organização social, e as injunções são mais particularmente incorporadas pela instituição através de um programa ou de um currículo, elaborados pelos avaliadores e formadores. É interessante conhecer as expectativas institucionais, assim como alguns elementos da desejabilidade social (recolhidos a partir de questionários e entrevistas).

Por práticas constatadas ou efetivas designa-se aquilo que os pesquisadores observam na atividade desenvolvida pelos professores, principalmente em sala de aula. As constatações derivam de observações que privilegiam as dimensões ou variáveis que possuem força organizadora particular no processo de ensino. Entrevistas pré e pós-observações são feitas para enriquecer essas observações. É nesse nível que se situam todos os meus trabalhos, donde meu interesse pela questão da observação.

As pesquisas sobre o ensino, as práticas de ensino

Um exame da literatura internacional produzida por pesquisas em educação sobre o ensino e seus efeitos permite constatar que a reflexão sobre o ensino progrediu profundamente desde as teorias filosóficas (de Platão, Rousseau) que prescreviam práticas ideais segundo uma pedagogia magistrocêntrica em que o professor faz o essencial, pois é o mestre do jogo. As ideias pedagógicas evoluíram em toda a parte em direção às teorias da nova educação e colocaram “o aluno no centro do ensino”, invertendo o ponto de partida da reflexão: trata-se de entender como os alunos aprendem para saber como o professor deve ensinar. Essas teorias pedagógicas não são menos prescritivas, partindo de “métodos pedagógicos” que dariam conta das práticas: métodos diretivos/não diretivos, tradicionais/inovadores, expositivos/interativos ou, no ensino da leitura, métodos globais, analíticos, sintéticos. Supõe-se, assim, que a prática de um professor seja redutível ao trabalho metódico de um procedimento previamente estabelecido.

As abordagens psicológicas (Piaget, Wallon, Vytgotski) quiseram, inclusive, fundar as práticas de ensino no desenvolvimento da criança e do adolescente e a psicopedagogia aplicacionista deduziu normas de ação a serem postas em prática visando a um aluno genérico.

Mais tarde, nos anos 1970 e 1980, assistiu-se ao desenvolvimento das pesquisas em educação sobre as práticas educativas. O campo de pesquisas chamado pesquisa educacional (educational research) nos Estados Unidos e no Quebec comporta, mais particularmente, a pesquisa sobre as práticas pedagógicas, sobre o ensino (research on teaching). Esses trabalhos ilustram um ponto de vista que consiste em considerar a pedagogia como objeto de pesquisa pleno e em identificar em que as pesquisas em ciência da educação podem contribuir para a descrição e compreensão dos processos que estão em jogo nas práticas pedagógicas. Os professores relatam muitas de suas atividades em sala de aula e de suas dificuldades, mas elas foram, até aqui, pouco estudadas objetivamente a partir de uma análise do funcionamento das práticas efetivas. Pesquisadores da ciência da educação tomaram por objeto as práticas de ensino, que são um desses objetos de pesquisa complexos, um objeto nodal específico das ciências da educação que permite uma pluralidade de enfoques disciplinares: psicológico, sociológico, pedagógico, didático, epistemológico, donde minha proposta de uma análise plural.

Os modelos dos trabalhos sobre o ensino evoluíram nos últimos cinquenta anos. Foram, primeiro, trabalhos prescritivos seguindo o “modelo do ensino eficaz”, “processo-produto” (DUNKIN; BIDDLE, 1974; RYANS, 1962): historicamente, na América do Norte, os primeiros trabalhos sobre o ensino nos anos cinquenta inscreveram-se no paradigma behaviorista “processo-produto”, de forte caráter normativo. Eles reduziam o estudo do ensino exclusivamente aos comportamentos observáveis do professor. Esses trabalhos visavam a determinar a eficácia do ensino, e as maneiras de ensinar eram analisadas a partir das qualidades pessoais intrínsecas do professor, as quais deveriam produzir efeitos sobre o desempenho escolar dos alunos (WALBERG; WANG; HAERTEL, 1993). As pesquisas que vieram em seguida, sob um paradigma cognitivista (Clark, Peterson, Tochon), voltavam-se para o “pensamento dos professores”. Elas concebiam a cognição como instância essencial de controle da prática de ensino, vendo o professor como o responsável pelas tomadas de decisão que, a partir de seus pensamentos, teorias e escolhas pessoais, planeja as ações e as coloca em prática (SHAVELSON; STERN, 1981; TOCHON, 1991). Depois, a emergência do paradigma “ecológico” permitiu levar em conta a importância da “situação” (BRONFENBRENNER, 1979) no interior da qual se dá o ensino, de modo que a situação tornava-se a variável-chave explicativa da prática.

Enfim, nos últimos quinze anos, desenvolveram-se os modelos interacionistas: na França, como em Quebec, pesquisadores (Altet, Bru, Clanet, Gauthier, Lenoir, Tupin, Vinatier) propõem modelos integradores que visam a articular diversos tipos de variáveis - pessoais, processuais e contextuais - em interação. As variáveis estudadas concernem ao professor, mas se voltam também para o aluno e a situação, a fim de tornar possível explicar e compreender o funcionamento da prática de ensino em sua complexidade, na interação com a atividade dos alunos, a partir do estudo dos processos em jogo, de suas interações e das diferentes dinâmicas internas e externas.

Nosso modelo foi o “dos processos interativos situados” (ALTET, 1991). Uma rede internacional europeia de equipes de pesquisa, a rede OPEN, foi constituída e dirigida por mim, M. Bru e C. Blanchard-Laville (2002-2012) e desenvolveu trabalhos sobre o ensino-aprendizagem e o estudo dos processos característicos das práticas em sua relação com a aprendizagem dos alunos (BRU; ALTET; BLANCHARD-LAVILLE, 2004). Esses trabalhos mostram que não se pode entender o funcionamento das práticas de ensino estudando-as a partir “dos métodos”. Uma prática de ensino envolve procedimentos, produtos, mas também processos interativos, cognitivos, relacionais, psicológicos, contextuais. O fato de analisar os processos levando em conta as dinâmicas em jogo na prática de ensino distancia os pesquisadores dos modelos de tipo entrada-saída ou método. A prática não pode ser considerada como aplicação de um método, pois cada professor a realiza à sua maneira. Uma prática de ensino “traduz-se pela aplicação de saberes, procedimentos e competências nos atos de uma pessoa em situação profissional” (ALTET; VINATIER, 2008).

Todavia, muitos pesquisadores demonstram dificuldade em identificar uma organização metódica da prática, pois, efetivamente, um professor não estabelece metodicamente sua ação em todas as circunstâncias, mas é “um improvisador que se adapta à situação” (ALTET, 1994). Foi a constatação sobre os limites da noção de “método pedagógico” que levou os pesquisadores a construírem novos modelos de inteligibilidade da prática de ensino e de seu funcionamento nos processos em jogo.

Os trabalhos da rede OPEN (2002-2012) culminaram em definir a prática de ensino em sua multidimensionalidade em torno de três aspectos ou domínio constitutivos da prática e em interação: o domínio relacional, que engloba o ambiente criado em sala de aula; o domínio pragmático: pedagógico-organizacional constituído pelas atividades desenvolvidas; e o domínio didático-epistêmico, que gere o campo das questões do saber (ALTET, 2009). Esses três domínios constitutivos são relacionados com características pessoais sociocognitivas do professor (CLANET, 2009). É a articulação entre esses diferentes domínios e dimensões que os pesquisadores esforçam-se em atualizar. A escolha de uma abordagem multidimensional da prática de ensino leva a reconsiderar uma distinção artificial entre trabalhos sobre didáticas disciplinares centradas no aluno, na gestão e na estruturação dos saberes e pesquisas sobre o ensino focadas na dimensão da comunicação, das variáveis de ação ou de facilitadores pedagógicos. Tais trabalhos são complementares se se quer dar conta da complexidade da prática de ensino e da estreita relação entre o didático e o pedagógico na ação do professor, donde a “análise plural” que propusemos, uma abordagem multidisciplinar cruzada do processo ensino-aprendizagem situado (ALTET, 1994, 2004) para dar conta e compreender a articulação entre as múltiplas dimensões - relacional, pedagógica, didática, epistêmica, temporal, psicossocial - em jogo em uma prática de ensino.

Alguns organizadores estáveis das práticas e que refletem uma organização interna foram já identificados (BRU; CLANET; ALTET, 2008), como os tipos de interações (variáveis ou uniformes), de orientação (aberta ou fechada), o gerenciamento do tempo (tempo de aprendizado individual de cada aluno), as características da tarefa (de aplicação ou de reflexão de pesquisa), a configuração da sala (VEYRUNES; LEBLANC, 2011), levando em conta a gestão dos conteúdos ensinados em sua especificidade (ALTET; VINATIER, 2008).

Esses trabalhos francófonos alinham-se a trabalhos norte-americanos e anglo-saxões recentes que compartilham da mesma concepção de uma prática de ensino complexa que comporta várias dimensões articuladas que a tornam mais ou menos eficaz.

Os trabalhos de John Hattie (2003, 2009) sobre o que faz um professor ser eficaz exploram, a partir de todas as meta-análises, o que faz a diferença entre os professores e apontam que os fatores que produzem maior efeito são a qualidade do professor e a natureza das relações professor-aluno, o ambiente de trabalho instaurado em sala de aula.

Os professores que utilizam modalidades pedagógicas que dão a palavra ao aluno, que criam relações professor-aluno de confiança, encorajando-os na realização das tarefas, na resolução de problemas, orientando-os e os avaliando, e que têm expectativas mais altas em relação a todos os alunos são aqueles que produzem maior impacto sobre os resultados de aprendizagem. Ainda mais recentemente, as pesquisas de B. Hamre et al. (2013) nos Estados Unidos retomam resultados anteriores e insistem sobre os mesmos três domínios produtores de efeitos: relacional, organizacional e institucional.

Assim, no conjunto de nossos trabalhos, o objetivo é, em primeiro lugar, “descrever, caracterizar, explicar e entender o funcionamento das práticas de ensino” e os processos em jogo a partir de um modelo “dos processos interativos contextualizados” de ensino-aprendizagem (BRU, 1991), para, em seguida, “entender os processos interativos em situação ou a articulação funcional dos processos de ensino-aprendizagem” (ALTET, 1994, p. 11). Trata-se de restituir o funcionamento das práticas de ensino em suas relações com a aprendizagem, identificando modalidades que permitem que a aprendizagem tenha êxito, a fim de aperfeiçoar a qualidade dos sistemas de educação e formação a partir da análise dos três domínios constitutivos das práticas de ensino: ambiente relacional instaurado pelo professor enquanto pessoa, a gestão pedagógico-organizacional das condições de aprendizagem e do grupo de alunos e a gestão didático-epistêmica dos saberes em jogo.

Em muitos trabalhos (Walberg, Bru, Clanet, Lenoir, Tupin, McKinsey, Hattie, Hamre), encontram-se domínios constantemente identificados como constitutivos das práticas de ensino: relacional, pedagógico- organizacional e didático epistêmico.

Contudo, no que diz respeito aos nossos trabalhos, optamos por observar as práticas de sala de aula a partir de uma entrada específica: as interações professor-aluno nos domínios considerados nessas pesquisas como constitutivos dos processos ensino-aprendizagem, a saber:

  1. O domínio das interações de tipo emocional e relacional;

  2. O domínio das interações de ordem pedagógica: organização e gestão do grupo de alunos e das condições de aprendizagem;

  3. O domínio das interações de ordem didático-epistêmica: gestão, struturação da aprendizagem e dos saberes constitutivos, observando os professores em suas interações com os alunos no nível das tomadas de palavra e das atividades de uns e dos outros.

Uma pesquisa sobre os efeitos do processo interativo situado ensino-aprendizagem: a pesquisa opera

A importância do efeito-professor e das práticas de ensino é bem documentada na literatura internacional sobre educação dos últimos decênios. Com efeito, em relação à qualidade do ensino-aprendizagem, o relatório McKinsey (1999) mostrou o lugar-chave dos métodos pedagógicos dos professores e do entusiasmo do corpo docente como fatores cruciais de mudança; pois, segundo os pesquisadores, “o progresso de um sistema escolar dá-se no nível da sala de aula”. Eles mostram a importância de se conhecer e de modificar os métodos de trabalho dos professores para a evolução dos programas e, sobretudo, dos procedimentos pedagógicos dos professores ou das responsabilidades pedagógicas e administrativas dos diretores de escolas. Seus estudos sugerem que a grande maioria das reformas feitas pelos sistemas que mais progrediram incidem sobre os métodos de trabalho e a maneira de agir dos professores e dos alunos, mais do que sobre os conteúdos ensinados.

Entre os fatores e as variáveis identificados, Hattie destacava (2003, 2009) que os professores fazem a diferença. Inúmeros estudos procuram mesurar ou descrever a influência do professor, da sala de aula e da instituição (BRESSOUX et al., 1999; BRESSOUX, 1994, 2012; TALBOT et al., 2007).

Em todos esses trabalhos, os fatores-chave reconhecidos como os que agem sobre as relações de ensino aprendizagem são: o estímulo cognitivo e motivacional do professor; a implicação, o envolvimento na tarefa do aluno e o tempo individual para a tarefa (time on task); a pesquisa ativa pelo aluno; as interações professor-aluno(s) variadas (em pares, em grupos); a regulação interativa; os reforços e a avaliação formativa; a formação metodológica e metacognitiva; o ambiente social do grupo em sala de aula.

Em nossa última pesquisa OPERA - Observação das Práticas de Ensino em suas Relações com a Aprendizagem - desenvolvida de 2013 a 2016 em Burquina Faso, na África subsaariana, a partir da observação de 270 aulas dadas a 90 turmas do Primário,2 procuramos notar se essas variáveis se encontrariam nas salas superlotadas (mais de cem alunos por sala) do contexto burquinense estudado.

A identificação do que produz o efeito-professor e, é claro, particularmente, um efeito-professor favorável à aprendizagem, leva-nos ao interesse, de forma detalhada, pela forma com a qual o professor atua junto a seus alunos para que alcancem bons resultados em sua aprendizagem, pelas modalidades postas em prática que os fazem progredir, e a não nos contentarmos apenas em conhecer o método com que o professor tem o hábito de trabalhar: a observação das práticas efetivas é essencial. Trata-se de levar em conta as características da prática de ensino através dos processos organizadores (tipos de interação, dimensão temporal, tipos de tarefas, configuração da sala de aula, tipo de questionamento, de orientação, de regulação, etc.) para mostrar como um professor atua, alcança seus objetivos de aprendizagem, conduz a aula em direção a seu objetivo, leva os alunos - todos em eles, em uma dada situação - a progredir e ter êxito.

Na maioria dos trabalhos contemporâneos sobre o ensino, os processos são levados em conta desde uma perspectiva epistemológica, socioconstrutiva e interacionista, que se recusa a considerar separadamente ensino e aprendizagem e tenta identificar quais são as práticas que produzem resultados de aprendizagem nos alunos em contextos determinados, quais são as dimensões em jogo. O exame dos resultados de um conjunto de trabalhos internacionais complementares permitiu construir ferramentas de observação das práticas considerando todas suas dimensões constitutivas, sem privilegiar a dimensão pedagógica ou didática e atentando para como elas acontecem em salas de aula situadas num contexto específico: em nosso caso, Burquina Faso.

Daí a importância de cruzar as observações com dados contextuais e identificar uma zona variável de efeitos potenciais contextualizados (Rede OPEN, 2002-2012). Uma abordagem sistêmica foi adotada em função de sua utilidade para descrever o que é observado, mas também para tentar entender e explicar o que ocorre em sala de aula em um dado contexto. Como apontado anteriormente, a mesma modalidade ou procedimento de ensino pode não produzir sempre os mesmo resultados, a forma como é posto em prática conta tanto quanto o método de ensino em si. O efeito-professor não poderia, portanto, ser reduzido ao efeito-método.

Se as características e os conhecimentos prévios pessoais do professor não podem ser ignorados, eles também não esgotam a explicação. Assim, é desejável esclarecer e mesmo resolver a questão dos efeitos de composição. O mesmo professor age de formas diferentes de acordo com as características dos alunos com quem trabalha e suas reações. As modalidades de ensino que ele põe em prática com sucesso em um dado contexto não são necessariamente transferíveis para outros. Se o efeito-professor tem impacto sobre a forma com que se desenvolvem os alunos e a aprendizagem, esse mesmo efeito-professor não depende menos daquilo que ocorre em sala, daí a dificuldade em isolar e traduzir o efeito-professor através de um conjunto de modalidades de ensino representativas de todas as boas práticas. Há uma codeterminação de diferentes efeitos.

Do ponto de vista da rede OPEN, os pesquisadores do projeto OPERA na África subsaariana pretendem entender o que são as práticas, observando e identificando os processos em jogo e mostrando que estes não são independentes nem dos contextos nem das situações de aprendizagem concretas para, em seguida, tratar de um novo objeto: os interprocessos estudados em situações. Trata-se de identificar como e através de quais processos o professor procede a adaptações e ajustes em proveito da progressão da aprendizagem dos alunos, discernindo as modalidades que ele emprega e que funcionam como variáveis “portadoras de efeitos” sobre a aprendizagem no contexto observado nas salas de aula específicas. Ora, no contexto da África francófona, as práticas de ensino são ainda pouco documentadas e os dispositivos de formação e enquadramento não dispõem, ou dispõem muito pouco, de ferramentas ou indicadores que permitam que os diferentes atores se situem; daí as “formações chapadas” cujas estratégias correspondem pouco às necessidades. Uma melhora significativa da qualidade da aprendizagem não pode ser alcançada sem a mobilização de todos os atores em torno de referências estáveis, documentadas e aceitas, pois adaptadas ao contexto.

O tratamento e a análise dos dados coletado por/para a pesquisa OPERA inscrevem-se na perspectiva de fornecer elementos de resposta à compreensão das práticas de ensino e seus efeitos.

A integração teórica e o modelo de análise do ensino-aprendizagem

Nossos trabalhos inscrevem-se na teoria da atividade. Trata-se de analisar “os processos interativos ou a articulação funcional dos processos de ensino-aprendizagem em situação”, segundo o modelo “dos processos interativos contextualizados” (ALTET, 1994, p. 10), a articulação das atividades e interações professor-aluno/aluno-professor na situação de ensino-aprendizagem em um dado contexto, a partir da observação e identificação dos três domínios constitutivos das práticas (relacional, pedagógico-organizacional e didático-epistêmico), tendo como base os rastros das práticas efetivas identificadas durante a observação de aulas em sala a partir das interações verbais, não verbais e multimodais professor-aluno (transcrições, vídeos).

As atividades de ensino-aprendizagem postas em prática pelos professores são analisadas através das interações, atuando enquanto mediação pedagógico-didática sobre o processo de aprendizagem e sobre as condições de aprendizagem, sobre as atividades dos alunos e sua mediação cognitiva em contexto; a situação de ensino-aprendizagem é o espaço de encontro dessa dupla mediação professor-aluno; ela se caracteriza por sua interatividade. Os processos são vistos desde uma perspectiva epistemológica interacionista que se recusa a considerar separadamente ensino e aprendizagem e leva em conta a ação mediadora, as tramas de interações entre professor e alunos, a dinâmica da situação em jogo na aprendizagem e a construção dos saberes.

Toda situação de ensino-aprendizagem escolhida pelo professor (estratégia interrogativa, situação de pesquisa, situação problema...) apoia-se no funcionamento da interatividade linguística entre professor e alunos como meio de aprender. Em uma sala de aula, professor e alunos produzem um discurso que vai se coconstruindo progressivamente através de intercâmbios, de tramas interacionais. O conceito de interação pedagógica e/ou didática engloba a ação e os intercâmbios recíprocos entre professor e alunos, ação mútua, estratégias em reciprocidade que se desenvolvem em sala de aula (ALTET, 1994; ALTET; VINATIER, 2008). A gestão das interações em sala de aula é uma dimensão importante da prática de ensino; a maneira como elas funcionam pode facilitar ou dificultar a construção dos saberes nas tarefas e atividades propostas aos alunos pelo professor: são os processos interativos que a observações de salas de aulas de nossas pesquisas procuram analisar. Trata-se de identificar os processos mediadores característicos das práticas observadas em situações de ensino-aprendizagem de diferentes disciplinas escolares (francês, cálculo, disciplinas motivadoras3) e as relações que esses processos estabelecem com o ensino e a progressão dos alunos na construção dos saberes.

FIGURA 1:
Modelo da articulação do processo interativo ensino-aprendizagem contextualizado

A escolha da observação

A observação é, entre outras, uma forma de estabelecer relação com o empírico, sendo a escolha inicial a de alcançar uma inteligibilidade das práticas de ensino tomando por base o que pode ser constatado em situação de ensino-aprendizagem. A maneira de proceder pode parecer evidente e não necessitar de longas justificativas: para conhecer o que o professor faz em sala de aula, bastaria observar e identificar escrupulosamente suas falas, gestos, deslocamentos...

Não é necessário termos uma longa experiência de observação em sala de aula para nos darmos conta de que as coisas não são bem assim. Mesmo quando o observador tem a firme intenção de realizar a observação sem ser seletivo a priori e sem suporte técnico previamente elaborado (tabela de observação, amostragem temporal) ou material para registro, ele percebe que a multiplicidade e a rapidez dos acontecimentos, na maioria das vezes relacionados entre si, torna impossível, apesar de sua determinação, uma observação exploratória que se pretenda exaustiva. Seja pela escolha deliberada, seja sem possuir clara consciência disso (efeito halo, por exemplo), o observador organiza rapidamente sua atividade e privilegia certos aspectos observáveis, mesmo se permanece aberto ao imprevisto e ao inédito.

Já se considerou que os próprios fatos dar-se-iam à observação e que o observador os recolheria tal qual eles propriamente são. Sobre essa base, o método experimental foi frequentemente apresentado como a sucessão de várias etapas que conectam observação, hipótese, experimentação, resultados, interpretação e conclusão. No momento da etapa de observação, o observador não deveria manipular e modificar os fatos. Entretanto, para designar os fatos que observa e que deseja estudar, é preciso delimitá-los no espaço e no tempo, já que participam de um fluxo contínuo; é preciso especificá-los e inscrevê-los em uma cadeia significante.

Assim, experimentação ou não, os elementos ditos factuais assumem uma conceitualização que não é independente das referências, ao menos implícitas, a partir das quais são reconhecidos e qualificados. Se os fatos são, portanto, carregados de teoria, para tornar possível o debate científico, é importante que cada referência teórica do pesquisador seja explicitada e confrontada com as dos outros pesquisadores. Sobre o plano de fundo de um empirismo ingênuo, negligenciar essa exigência levaria ao risco de se deixar guiar por concepções ou pré-teorizações do senso comum, que são inúmeras em matéria de educação e ensino.

Se a observação é considerada um meio para acessar uma inteligibilidade das práticas de ensino, é importante escapar a uma visão simplista segundo a qual, uma vez recolhidos os fatos, passar-se-ia a um trabalho interpretativo e crítico. As aparências podem enganar: o observador terrestre constata todos os dias que o sol gira ao redor da Terra!

No caso da observação das intervenções de um professor, as aparências podem enganar ainda mais na medida em que são ligadas a uma intencionalidade e a efeitos que, por sua vez, não são diretamente observáveis. Quando um professor intervém junto a um aluno ou a um grupo de alunos para impulsioná-lo oferecendo um elemento de solução ou descoberta, traz uma ajuda ou um empecilho à aprendizagem? Seria essa uma forma de não desacelerar o ritmo da classe, de compensar a heterogeneidade criada pelo nível de dificuldade do trabalho pedido aos alunos, de prevenir complicações incômodas na gestão do grupo, de respeitar o que estava previsto no planejamento da aula...?

O primeiro objetivo da observação é, certamente, considerar as práticas de ensino em suas relações com as aprendizagens, conhecê-las tal qual elas são e não como deveriam ser em nome de dessa ou daquela opção pedagógica ou didática. Mas, por mais importante que seja, há limites para uma pretensão estritamente descritiva. O que, no tempo da aula, o professor faz em sala não se reduz a uma justaposição de comportamentos que teriam em si mesmos uma explicação.

Se a observação permite identificar, em um grupo de professores da mesma disciplina e do mesmo nível escolar, regularidades e variações intra e interindividuais na maneira de ensinar, é preciso pesquisar a que se devem essas regularidades e variações e, supondo que não sejam aleatórias, como são organizadas e se organizam.

O pesquisador-observador é, então, levado a inferir sobre os processos através dos quais essa organização se dá. Na impossibilidade de observar diretamente esses processos e os fatores que, anteriores ou externos à aula, puderam contribuir para gerá-los ou transformá-los, é sobre a base de uma tentativa de modelização, concebida a partir de uma escolha teórica, que as pistas explicativas das regularidades e variações observadas podem ser examinadas e exploradas. Quer se tratem de teorias da ação ou da atividade vinculadas à sociologia, à psicologia, à psicologia social, à ergonomia ou à antropologia ou, mais especificamente, de teorias didáticas ou pedagógicas, elas mesmas inspiradas em outras teorias do campo das ciências humanas e sociais, o objetivo é explicar e compreender quais são as dinâmicas organizadoras das práticas de ensino.

Em uma perspectiva explicativa e compreensiva, o interesse pelos elementos recolhidos pela observação não se limita à obtenção de uma compilação de dados pontuais relativos a elementos observáveis tomados isoladamente. Baseada em uma escolha teórica prévia, a observação pode empenhar-se em fornecer os elementos constitutivos de variáveis construídas, cujos valores quantitativos ou qualitativos permitam sustentar a abordagem explicativa e compreensiva.

Por que a escolha da observação das práticas de ensino?

Como citado, a observação é, entre outras, uma forma de estabelecer relação com o empírico, uma forma de alcançar uma inteligibilidade das práticas de ensino tendo como base aquilo que pode ser constatado em situação de ensino-aprendizagem. Sem ser um fim em si mesmo, a observação não é menos indispensável, não porque seja o único procedimento válido dentre outras formas de recolher informação para descrever, explicar e compreender as práticas de ensino, mas porque ela comporta elementos constatados, postos efetivamente em prática (claro que sempre interpretáveis) e não apenas declarados, que pertencem ao desenvolvimento das atividades do professor em situação de ensino-aprendizagem e das reações e atividades dos alunos.

De uma perspectiva descritiva, explicativa e compreensiva, o interesse pelos elementos recolhidos pela observação a partir dos rastros da atividade dos professores e das atividades dos alunos em contexto é evidente.

Como lembra Altet, Bru e Blanchard-Laville (2012, p. 15):

A ideia segundo a qual o melhor meio de estudar as práticas de ensino é observá-las em situação é, certamente, ao mesmo tempo simples e complexo, pois rompe com as especulações tão distantes do terreno em que se pretendem descritivas [...]. Para tanto, considerar que o conhecimento das práticas de ensino não possa dispensar a observação não nega, certamente, o interesse que apresentam outros meios de investigação.

É por isso que, desde nossos primeiros trabalhos, as observações são completadas por entrevistas feitas com os professores observados e com os alunos para apreender o sentido dado pelos atores à sua atividade.

Questionários permitem situar o professor no contexto da escola e do sistema educativo e conhecer suas práticas declaradas para confrontá-las com as práticas efetivas observadas.

Na recente pesquisa feita pela OPERA, por exemplo, a operacionalização final de um modelo de observação das práticas foi realizada de forma exaustiva em torno dessas três dimensões constitutivas das práticas: relacional, pedagógica e didática, a parir de diversos trabalhos, entre os quais os de: Flanders (1976), Stallings (1977), De Landsheere (1986), Altet (1991), Altet e Vinatier (2008), Altet, Bru e Blanchard-Laville (2012), Altet et al. (1994, 1996), Wragg (1995), Hattie (2003, 2009) e Hamre et al. (2013).

Da ampla confrontação entre os diferentes trabalhos utilizados para a concepção de uma tabela de observação das práticas de ensino em sala de aula em suas relações com as modalidades de aprendizagem dos alunos, notou-se que a atenção deveria recair sobre a identificação dos diferentes fatores de ensino suscetíveis a exercer influência sobre a aprendizagem; tratava-se de observar as atividades e turnos de fala do professor em sua relação com as atividades e turnos de fala dos alunos em contexto, a partir de um amplo modelo de observação.

Se a escolha fundadora de nossos trabalhos, assim como dos da rede OPEN, é privilegiar a observação das práticas de ensino “ordinárias”, isso não se dá pela crença de que os fatos falem por si mesmos e sejam diretamente acessíveis ou pela pretensão de alcançar uma exaustividade portadora de um conhecimento total. A observação é concebida como meio privilegiado para uma abordagem descritiva, mas também para uma abordagem explicativa atenta aos processos, não podendo, ambas, absterem-se da escolha de referências teóricas explícitas, seja para a delimitação e qualificações dos fatos observados, seja para sua interpretação, explicação e compreensão tendo como base os processos inferidos.

Estar de acordo com essa maneira de conceber a observação não significa, é claro, que a escolha das referências teóricas deva ser única. O objetivo da rede OPEN é criar as condições coletivas para uma confrontação científica que, partindo das observações consagradas às mesmas práticas ou a práticas comparáveis, abra novas perspectivas de conhecimento, inclusive quando a complementaridade dos diversos enfoques não é obtida ou mesmo pesquisada. Trata-se, certamente, de uma aposta ambiciosa, pois se conhecem as dificuldades de comunicação entre pesquisadores que fizeram escolhas teóricas diferentes.

A coleta dos dados

Em nossos trabalhos, as observações nas salas de aula foram feitas por pesquisadores ou por duplas de estudantes observadores formadas para períodos de vários dias de observações. A coleta assumiu as formas descritas a seguir:

É feita de maneira direta: dois observadores estão presentes na sala de aula e cada um toma notas, exaustivamente, no decorrer da ação observada, em folhas de papel que permitem registrar as informações que acabaram de observar, constituindo, a saber, um registro do conjunto dos turnos de fala e das atividades do professor e dos alunos na sala observada, do início ao fim da aula observada (cuja duração é de aproximadamente 30 minutos). Essas observações são precedidas e sucedidas por entrevistas feitas com o professor observado e, em seguida, com alguns alunos. Por um lado, trata-se de coletar as intenções e objetivos de aprendizagem previstos. Por outro, a entrevista volta-se para a percepção do professor em relação ao desenvolvimento da aula, sua percepção e análise sobre o cumprimento dos objetivos, a distância entre planejamento e realização, as dificuldades encontradas. A coleta de dados de observação foi, também, gravada em outros momentos: coletaram-se vídeos de outras aulas como complemento para o compêndio em papel:

Num segundo momento, as observações foram transcritas pelas duplas de observadores com a ajuda do modelo de observação e códigos tanto para a pesquisa quanto para a formação. Os observadores fazem também seus comentários sobre cada aula observada:

Para fins de formação, as aulas filmadas servem de base para a constituição de ferramentas de formação em torno de pontos a serem trabalhados, funcionando, por exemplo, como ilustração de situações que devem ser privilegiadas ou evitadas.

A coleta de dados digitalizados com a ajuda de filmadoras coloca problemas técnicos de registro nas salas de aula, de modo que se realizaram formações com os observadores para que essa tarefa se efetuasse nas salas de aula da maneira mais satisfatória possível.

O QUADRO DE REFERÊNCIA DAS OBSERVAÇÕES

Para procurar respostas para os objetivos dos trabalhos que visam a compreender a prática de ensino, é preciso: observar o que realmente se passa em sala de aula; descrever como os professores ensinam os alunos; tirar lições da observação das práticas de ensino em sala de aula para permitir que os professores leiam, verbalizem e analisem suas práticas, a fim de conceber módulos de formação inicial e contínua para melhorar a qualidade do ensino-aprendizagem.

Os pesquisadores sempre tiveram que escolher entre duas opções para realizar as observações nas salas de aula. A primeira opção consiste em adotar um modelo a priori e uma tabela de observação com categorias pré-estabelecidas, uma tabela pronta para ser empregada, e a segunda, que é a nossa, em registrar exaustivamente todos os elementos a serem observados (que são, para nós, as interações verbais, os turnos de fala entre professor e alunos), os quais são tratados a posteriori a partir de uma categorização teórica escolhida, que leva em conta, no quadro de nosso trabalho, os três domínios constitutivos da prática, sempre considerando as especificidades do contexto.

A segunda opção é a que adotamos por ser mais contextualizada. A concepção da tabela de codificação e processamento faz-se progressivamente, em várias etapas, e é refinada ao longo processamento a partir do registro das observações.

Por exemplo, para a última pesquisa OPERA realizada em Burquina Faso (2013-2016), após a fase exploratória de observação em seis salas e da apropriação dos trabalhos da literatura internacional na área, optou-se por conceber uma tabela ampla de observação que levasse em conta todos os aspectos das práticas potencialmente observáveis nas salas burquinenses superlotadas.

O MODELO GLOBAL DE OBSERVAÇÃO

A tabela original foi construída em torno dos três domínios constitutivos das práticas de ensino:

  1. Domínio 1: Ambiente relacional, interações não verbais, multimodais.

  2. Domínio 2: Organização e gestão pedagógicas do professor.

  3. Domínio 3: Gestão didático-epistêmica das aprendizagens e dos saberes.

O domínio 1 procura descrever o que acontece em sala de aula no nível pessoal do professor, atitudes, emoções expressas de forma não verbal, multimodal, voz, expressões, gestos, deslocamentos, e se interessa pelas relações professor-aluno e pelo ambiente.

O domínio 2 foca-se nas intervenções pedagógico-organizacionais do professor, nas atividades desenvolvidas, na organização e na gestão da sala de aula e na organização das condições de aprendizagem.

O domínio 3 volta-se para a questão dos saberes e seu centro de interesse está na gestão didática e epistêmica das aprendizagens e dos conteúdos, na construção e estruturação dos saberes, na utilização de auxílios e suportes para o ensino-aprendizagem.

Os três domínios englobam 16 dimensões e abrangem os elementos observáveis que concernem ao professor e aos alunos e à maneira com que reagem aos domínios não verbal, relacional, pedagógico e didático, já que as interações é que são observadas e descritas.

A codificação feita a partir das observações em 16 dimensões

A ser codificado para o professor e os alunos

  1. Domínio 1. Relacional (Não verbal + Ambiente relacional) (0. + 1.) (Questões relacionais)

  2. Dimensão 1. D0V1 + D1V1: Não verbal e ambiente relacional positivo.

  3. Dimensão 2. D0V2 + D1V2: Não verbal e ambiente relacional negativo.

  4. Domínio 2. Intervenção pedagógico-organizacional (Questões pragmáticas)

  5. Dimensão 1. D2.1: Condições de aprendizagem: organização do tempo, espaço, regras.

  6. Dimensão 2. D2.2: Gestão do grupo de alunos.

  7. Dimensão 3. D2.3: Questões fechadas.

  8. Dimensão 4. D2.4: Questões abertas.

  9. Dimensão 5: D2.5: Facilitação da aprendizagem: objetivos, estímulo, explicações, escolha de situações.

  10. Dimensão 6. D2.5: Avaliação.

  11. Dimensão 7. D2.7: Tarefas (de aplicação ou pesquisa), atividade individual, respeito aos tempos de aprendizagem.

  12. Domínio 3. Gestão didático-epistêmica (Questões epistêmicas)

  13. Dimensão 1. D3.1: Epistêmica/conceituação, interdisciplinaridade, resolução de problemas.

  14. Dimensão 2. D3.2: Abordagem: instruções, lembretes, auxílios didáticos.

  15. Dimensão 3. D3.3: Gestão do erro, regulação, correção.

  16. Dimensão 4. D3.4: Aquisições: fixação por repetição.

  17. Dimensão 5. D3.5: Aquisições: estruturação, transferência, metacognição.

  18. Dimensão 4. D3.6: Diferenciação.

  19. Dimensão 7. D3.7: Uso de línguas de ensino.

Em resumo: três domínios, 16 dimensões e, para cada dimensão, é preciso codificar “Professor” e “Alunos”, resultando em 32 itens a codificar (16 itens para o “Professor” e 16 para os “Alunos”), o que permitiu refinar ainda mais a coleta de dados.

Fontes e natureza do conjunto de dados

O tratamento e a análise dos dados assentam-se sobre os dados coletados pela/para a OPERA, provenientes de oito fontes. As observações são completadas por outros dados.

  1. A primeira fonte reúne os dados relativos ao contexto geral em que os professores evoluem em Burquina Faso.

  2. A segunda fonte engloba os dados contextuais mais locais que resultam em questionários endereçados aos diretores das escolas nas quais as observações foram efetuadas pela OPERA.

  3. Os dados e informações coletados junto aos professores constituem outra fonte de dados de tipo contextual; foram coletados pelo questionário aplicado aos professores cujas salas de aula foram observadas; são mais individuais e pessoais e são voltados para as práticas declaradas e as representações dos professores.

  4. A principal fonte de dados da OPERA é a observação de 270 aulas de ensino-aprendizagem de 90 professores em três disciplinas: francês, cálculo, disciplinas motivadoras.4 As observações da fase 1 feitas nas escolas e nas salas de aula configuram os primeiros levantamentos e foram estendidas em uma segunda fase, a fase 2, focada em uma subamostra de 41 professores das 90 salas observadas na fase 1; essas observações compreendem registros manuais em papel e gravações de vídeos.

  5. Tanto na fase 1 quanto na fase 2, os professores foram entrevistados antes e depois de cada aula, assim como alguns alunos após o término de cada aula observada. Essas entrevistas são materiais qualitativos complementares às observações e permitem compreender o sentido que os atores dão a suas atividades.

  6. Os resultados dos alunos constituem a última fonte de dados coletados pela OPERA. Eles compreendem as notas obtidas pelos alunos das salas de aulas observadas ao longo do ano de observação, a saber, 2013-2014,5 e os resultados das notas dos alunos no teste PASEC (Programas de Análise dos Sistemas Educativos da Conferência dos Ministros da Educação dos Estados e Governos da Francofonia - CONFEMEN), aplicado em Burquina Faso ao longo do mesmo ano escolar.

Para complementar o tratamento quantitativo das observações, a pesquisa OPERA optou por estudos de casos qualitativos, compreensivos, pois o estudo de caso permite explicar, mas, principalmente, entender melhor os fenômenos constatados por uma abordagem quantitativa e procura, ao cruzar diferentes fontes de dados, encontrar o sentido dado pelos atores às suas práticas no momento das entrevistas.

A OPERA busca identificar os fatores que podem explicar e facilitar a compreensão do funcionamento das práticas de ensino observadas em sala de aula em sua relação com a aprendizagem dos alunos a partir do seguinte modelo de análise:

FIGURA 2:
Esquema global do modelo de análise opera

Os resultados da pesquisa opera

As características gerais das práticas depreendidas das 270 observações de aulas e do tratamento dos dados são descritas a seguir.

Questionamento onipresente e aulas participativas: os pesquisadores constataram que, na escola burquinense, o professor questiona para ensinar, o aluno responde, repete para aprender. O professor detém o monopólio da palavra, o aluno escuta, responde e se cala. Trata-se, essencialmente, de diálogos curtos. São, sobretudo, questões simples que se encadeiam, questões de baixo nível taxonômico (conhecimento, compreensão). As questões feitas são fechadas, de tipo factual e apontam para a resposta esperada. Esse questionamento solicita constantemente os alunos, que participam respondendo-o. As questões abertas foram observadas, sobretudo, no 6º ano.

Rastros da “Pedagogia por Objetivos” - PPO - foram também notados: em formação inicial, os professores de Burquina Faso foram preparados apenas pela “Pedagogia por Objetivos”. Trata-se, para o professor, de definir os objetivos a alcançar, de escolher os métodos para chegar a eles e de prever a avaliação. O professor emprega, assim, uma pedagogia centrada no aluno, mas que é imposta por ele, e o problema da apropriação dos objetivos não é, com isso, resolvido. Essa pedagogia dá-se em um nível taxonômico de objetivos que é pouco elevado: as atividades propostas pelos professores situam-se, geralmente, nos níveis taxonômicos elementares (conhecimento, compreensão, aplicação, repetição, memorização) e chegam raramente aos níveis complexos (análise, síntese, avaliação) da taxonomia de B. Bloom (1956).

No que diz respeito às características dos três domínios constitutivos das práticas de ensino observadas, nota-se que os domínios têm pesos diferentes. Se o peso do ambiente relacional positivo é importante nas salas de aula, pois os alunos são bastante solicitados e participativos, o domínio pedagógico da gestão e da organização das condições de aprendizagem é o que reúne maior número de observações: os professores burquinenses são muito preocupados com o aspecto pragmático das ações e interações no que concerne à organização e à gestão das condições de aprendizagem do grupo. Por outro lado, é no nível do domínio didático que as observações são menos numerosas. A questão do saber, de sua construção, de sua apropriação e de sua integração parece não ser uma preocupação de primeira ordem e vem, para os professores, após a organização pedagógica.

Como dissemos, o nível taxonômico das atividades propostas é elementar: compreensão, repetição, aplicação, restituição. Os pesquisadores notaram haver necessidade de estruturação dos conhecimentos para além da fixação mnemônica bastante presente. Também constataram uma fraca intervenção dos professores na correção dos erros, a qual é bastante geral e coletiva; a correção dos erros individuais é reduzida. Nenhuma pedagogia para tratamento dos erros (ASTOLFI, 1997) é posta em prática. Assim, os pesquisadores da OPERA puderam mostrar que, ao conceituar e analisar os três domínios das práticas de ensino, foi possível caracterizar as práticas e identificar aquelas que produzem maior efeito sobre os resultados dos alunos.

O processo ensino-aprendizagem, analisado, assim, a partir das atividades, das interações professor-aluno, é umas das entradas que permitem acessar os múltiplos fatores que fazem a eficácia de um professor. E, como Hamre et al. (2013) ou a rede OPEN (2002-2012) também mostraram, essas interações professor-aluno são os aspectos mais importantes do trabalho do professor, qualquer que seja o contexto. A pesquisa sobre as práticas da escola primária na África subsaariana permitiu mostrar que o modelo de três domínios é consistente para entender o ensino-aprendizagem e funciona em todos os contextos, europeu, americano ou africano.

As ferramentas de formação resultantes da pesquisa opera

Para a formação dos professores, a pesquisa baseada na observação das práticas de ensino e nos resultados da pesquisa OPERA sobre as práticas de ensino teve por finalidade propor ferramentas conceituais de análise do processo ensino-aprendizagem aos professores, aos formadores de professores, aos profissionais da educação e desenvolver sua reflexão para ajudá-los a se adaptar.

Trata-se de ajudar os professores a “saber analisar” suas próprias práticas, a entender o funcionamento delas ao olhar para seus efeitos sobre a aprendizagem dos alunos.

Os resultados da pesquisa OPERA permitem depreender três grandes eixos para a concepção de ferramentas de formação. Três cadernos de vinte de fichas foram concebidos para a formação inicial e contínua, assim como um caderno teórico e metodológico que explica o uso das ferramentas, destinadas aos professores e profissionais da educação.

As ferramentas: três cadernos de formação, um guia e uma tabela

A partir do diagnóstico da pesquisa, uma equipe de criadores, composta por pesquisadores e formadores, produziu três cadernos de fichas de formação sobre cada um dos três temas a seguir, depreendidos dos três domínios constitutivos da prática de ensino, os domínios Relacional, Pedagógico-organizacional e Didático-epistêmico:

  1. A organização e a gestão da sala de aula: a organização e gestão da sala de aula é uma competência organizacional e relacional fundamental para o exercício da prática de ensino por criar e manter e um ambiente favorável à aprendizagem, que recobre várias dimensões, entre as quais: as relações positivas, a liderança, a gestão dos conflitos, a organização da sala de aula.

  2. A organização e a gestão do ensino-aprendizagem: a organização e a gestão do ensino aprendizagem correspondem à competência pedagógica fundamental do exercício da prática de ensino por fazer aprender e abrangem várias dimensões, entre as quais: as condições facilitadoras, a escolha do questionamento aberto, o agrupamento dos alunos, a motivação, a implicação.

  3. A organização e a gestão do saber e das aprendizagens: a organização e a gestão do saber e das aprendizagens correspondem à competência didática fundamental do exercício da prática de ensino por fazer aprender e abrangem várias dimensões, entre as quais: a orientação dada, a gestão dos erros, as formas de aquisição, a diferenciação, as atividades metacognitivas.

Cada ficha de formação comporta três fases de trabalho

Fase 1: fichas de formação para proceder a uma análise das representações:

Os criadores das ferramentas da OPERA conceberam ferramentas sob a forma de fichas de reflexão, de questionamento (Q-Sort, por exemplo) para professores e profissionais da área da Educação em formação nos módulos de formação inicial ou contínua que já possuem representações sobre “o que é o ensino-aprendizagem”, elaboradas a partir de suas experiências escolares anteriores ou de suas leituras. Trata-se de fazer emergirem suas representações em torno dos três temas descritos anteriormente. Essa tomada de consciência das representações é o ponto de partida para a transformação das práticas e da aprendizagem profissional do professor.

Fase 2: Fichas de formação para auto-observação e análise das práticas:

A partir de transcrições em papel anônimas das aulas de CP2 e CM26 observadas, trata-se de levar grupos de professores, com um formador, a analisar as práticas descritas, a entender o funcionamento de uma prática a partir da análise de seus três domínios constitutivos, a fazer a relação entre a prática de ensino e os efeitos sobre a aprendizagem dos alunos.

Esses dispositivos visam a desenvolver uma formação profissional através da análise de práticas e da reflexão centrada na prática, de uma abordagem inclinada para a ação, e permitem um esclarecimento sobre as variáveis em jogo, pedagógicas e didáticas, um ensaio de explicitação, de verbalização das ações e, depois, na etapa de análise, uma vinculação entre fatores que dizem respeito à aprendizagem dos alunos.

Fase 3: fichas de formação para a concepção de novas práticas para um reinvestimento profissional:

Após a análise das representações e das práticas que levou a uma tomada de consciência, é pedido aos professores que concebam novas práticas, que pensem em novos modos de planejamento das aulas ou atividades alternativas, visando a uma melhora da qualidade da aprendizagem a ser testada em sala de aula.

Esse tipo de formação visa à profissionalização e serve para alavancar mudanças nas representações e tomadas de consciência das práticas, favorece uma postura reflexiva e a construção de um julgamento e de um desenvolvimento profissional. Para o professor, trata-se de passar do questionamento à organização de situações ativas, propondo ao aluno uma tarefa complexa, um problema que se constitua como “um obstáculo” para ele, uma oportunidade de verdadeira aprendizagem. É essa preocupação com a consideração dos saberes que é almejada e que exige que o professor tenha pleno domínio dos saberes dos programas aos quais deseja que o aluno acesse.

Víde os de formação, pequenos filmes sobre diversos temas

Sequências foram registradas em vídeo e permitem ilustrar diferentes maneiras de ensinar-aprender. Essas aulas servem como pontos de apoio para a análise sobre os aspectos pedagógicos ou didáticos que devem ser trabalhados; questões acompanham as sequências de vídeo.

Um guia teórico e metodológico

Esse guia apresenta as fichas, seus conteúdos, sua utilização e cada tipo de ferramenta, que constituem as fases de uma formação que parte da análise das representações, passando, em seguida, pela análise das práticas efetivas e, depois, pela concepção de novas práticas. Ele é acompanhado de suportes teóricos temáticos complementares para responder a necessidades de formação teórica sobre o ensino-aprendizagem. Fundamenta-se em fontes atuais das ciências da educação (revisão da literatura); referências bibliográficas e sitográficas complementam cada ficha de formação. As ferramentas produzidas são acompanhadas de roteiros e ilustrações para sua aplicação prática e foram testadas em várias regiões em diferentes formações.

Uma tabela de observação de aula transversal

Essa tabela de observação, baseada nos três domínios e dimensões, é genérica e transversal (qualquer que seja o enfoque pedagógico) e pode ser utilizada de acordo com três roteiros:

  1. Como apoio para uma análise de práticas:

  2. Como um passo anterior à análise: trata-se de focar a atenção sobre o ensino-aprendizagem observado, identificar os elementos observáveis, descrever “o que é visto”, coletar dados, rastros. A análise é uma iniciativa intelectual complementar que permite, a partir das observações, localizar, identificar os elementos isolados, os fatores e, em seguida, colocá-los em ordem, em relação, articulá-los, situá-los em uma rede de sentido. A análise de práticas é compreensiva. E analisar não é avaliar: se analisar é estabelecer relações, dar sentido, compreender, avaliar é, diferentemente, fazer julgamentos de valor, medir o distanciamento das normas: confrontar referido e referente. A análise das práticas requer o não julgamento de valor, a não interferência com processos de avaliação; ela é interpretação, compreensão, questionamento, busca por relações e sentidos.

  3. A tabela de observação e a análise como ponto de partida de uma avaliação fundamentada, argumentada

  4. A avaliação apoia-se na análise feita e pode ser seguida de propostas de dicas, de remediações ou de conselhos adaptados e não prescritivos depreendidos da análise e compartilhados pelo professor observado. O formador identifica os pontos a serem aperfeiçoados e propõe ferramentas conceituais, tabelas de leitura variadas das práticas para desenvolver uma postura reflexiva no professor e levá-lo à tomada de consciência e à mudança.

  5. A tabela de observação para dar um zoom coletivo no conjunto das dimensões constitutivas da prática

  6. A tabela de observação pode ser empregada a fim de dar um zoom coletivo no conjunto das dimensões constitutivas da prática observada ou visada em algumas delas, em formação inicial ou contínua, por tempo limitado, para formar os formadores, os supervisores, os professores para a análise das práticas.

  7. Assim, a escolha das ferramentas de formação concebidas a partir das práticas efetivas analisadas nas situações cotidianas de sala de aula para responder a questões identificadas e aplicar uma reforma contrasta com as práticas habituais que, frequentemente, obstruem reformas já feitas ou tentativas de mudança.

Conclusão

Essas ferramentas depreendidas de uma pesquisa baseada na observação de práticas de ensino efetivas, articulando pesquisa e formação, situam-se na perspectiva de um desenvolvimento profissional de professores capazes de analisar suas práticas, de realizar um julgamento profissional, de reflexão, de adaptação à mudança. Trata-se de oferecer aos professores resultados de pesquisas e uma formação centrada em suas representações e em suas práticas, de desenvolver sua capacidade de analisar, de compreender a lógica de seus processos de ensino, de mostrar os limites para que possam adotar novas práticas favoráveis à aprendizagem e, assim, de levá-los a construir um julgamento profissional a respeito de si mesmos, melhorar seu “sentimento de eficácia pessoal” (OCDE, 2014), a fim de prepará-los para exercer seu trabalho com maior eficácia para os alunos em um mundo em constante mudança.

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  • WRAGG, E. C. An Introduction to Classroom Observation Londres: Routledge, 1995.
  • 1
    No original, disciplines d’éveil (literalmente: disciplinas do despertar). Trata-se de disciplinas cujo objetivo é “despertar” certas noções na criança em quatro domínios: científico, estético e plástico, moral e cívico, físico (Nota da Tradutora).
  • 2
    O ensino primário é voltado para as crianças de 6 a 10 anos, correspondendo ao atual Ensino Fundamental I brasileiro (N.T.).
  • 3
    Ver nota 1.
  • 4
    Ver nota 1.
  • 5
    Considera-se um ano escolar cujo início é em setembro (N.T.).
  • 6
    Correspondem ao 1º e ao 5º ano do ensino fundamental brasileiro (N.T.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2016
  • Aceito
    15 Mar 2017
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