RESENHAS
Estudos & pesquisas educacionais
São Paulo: Fundação Victor Civita, 2010, 341p.
A Fundação Victor Civita, que edita a revista Nova Escola, criou em 2009 a sua Área de Estudos e Pesquisas, com o objetivo de divulgar entre pesquisadores, universidades, organizações não governamentais, institutos de pesquisas e gestores públicos resultados de estudos sobre temáticas na área da educação básica. Desde 2007, desenvolve uma agenda em parceria com instituições e pesquisadores de renome na educação e em áreas correlatas.
A publicação, Estudos & pesquisas educacionais, reúne os sete primeiros trabalhos encomendados às instituições parceiras. Trata-se de uma contribuição diferenciada entre os estudos na área da educação básica por reunir pesquisas de abrangência nacional, que combinam dados quantitativos e qualitativos em um conjunto de informações relevantes e de boa qualidade, que propicia debates e reflexões no âmbito acadêmico e entre os responsáveis por tomar decisões acerca das políticas públicas. Outro aspecto que merece destaque diz respeito à preocupação em dar voz aos atores da escola, colocar em evidência a subjetividade de gestores, professores, alunos e pais, situando-os como sujeitos ativos.
O livro está organizado segundo a ordem cronológica em que os estudos foram realizados, entre 2007 e 2009. A primeira pesquisa, desenvolvida em 2007, esteve a cargo do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - Ibope -, em colaboração com a equipe técnica do Instituto Paulo Montenegro - IPM -, organização vinculada à primeira. Trata-se de um estudo sobre o Ser professor, o que pensa o docente das principais capitais brasileiras, buscando entender o universo do educador, como ele vê a educação no Brasil e seu nível de satisfação com a profissão. A pesquisa foi conduzida em duas etapas: a primeira etapa teve o intuito de explorar os temas relacionados com 15 professores da cidade de São Paulo e forneceu subsídios para a segunda etapa, que levantou dados sobre o perfil do professor da rede pública nas principais capitais do país. Participaram da segunda etapa 600 professores que responderam a um questionário com questões abertas e fechadas. O que sobressai nos resultados é a voz do professor, suas percepções e concepções sobre a escola, o aluno, a sociedade. Há dados sobre sua formação e perspectivas futuras, sobre como divide seu tempo, como está sua saúde etc. O estudo também possibilitou identificar as insatisfações, contradições, convicções e incertezas desses professores em relação a "ser professor".
Em 2008, foram realizadas duas pesquisas: uma de sondagem da Aspiração das famílias por melhores escolas, e outra sobre a Formação de professores para o ensino fundamental. No primeiro caso, o responsável foi o Instituto Fernand Braudel, sob a coordenação dos pesquisadores Nilson Vieira Oliveira e Patrícia Mota Guedes, que investigaram as percepções e expectativas dos pais sobre a qualidade da educação dos filhos e das escolas da rede pública em geral. Buscou-se, ainda, conhecer os diferentes níveis e formas de envolvimento na vida escolar dos filhos, bem como suas opiniões e recomendações sobre as políticas de educação. Foram realizadas entrevistas domiciliares com 840 pais com filhos matriculados em escolas públicas na cidade de São Paulo, dos anos iniciais do ensino fundamental ao ensino médio. Os resultados apresentam a percepção dos pais a respeito de questões relacionadas ao desempenho escolar dos filhos e do papel e função do professor e da escola, entre outros temas que evidenciam o quanto o potencial de participação e envolvimento das famílias nas escolas públicas é pouco explorado. O estudo destaca enfaticamente que os pais "não podem ser mais representados como uma massa homogênea, sem senso crítico e satisfeita com a qualidade da escola" (p.94). Chama a atenção para o segmento de famílias interessadas e com criticidade, que devem ser reconhecidas como parceiras pelas escolas e Secretarias de Educação. Na discussão dos resultados, há uma ponderação relevante a respeito da participação dos pais: "não se pode esperar que a totalidade ou a imensa maioria dos pais consiga ou saiba como melhor se envolver com a escola dos filhos. Tampouco que todos possam exercer pressão política pelas reformas necessárias" (p.94). No entanto, ressalta-se que há lideranças em potencial, que a escola precisa estar aberta para que os pais possam assumir o papel que lhes for possível exercer.
No segundo caso, a pesquisa intitulada Formação de professores para o ensino fundamental: instituições formadoras e seus currículos, foi realizada pela Fundação Carlos Chagas, sob a coordenação das pesquisadoras Bernardete Gatti e Marina Nunes. Esse estudo analisou os currículos e as ementas de cursos presenciais de Licenciatura em Pedagogia, Letras, Matemática e Ciências Biológicas. A composição da amostra de cada licenciatura considerou a distribuição do total de cursos no país, buscando uma distribuição proporcional a essa realidade. Os cursos foram selecionados segundo critérios de localização por região (Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul); categoria administrativa (pública: estadual, federal ou municipal - e privada: particular, comunitária e confessional); e organização acadêmica (universidade, centro universitário, faculdade, faculdades integradas ou institutos superiores de educação). A pesquisa contou com a colaboração das instituições de ensino superior para obtenção dos dados. No processo de análise dos currículos, procurou-se obter um panorama do que as instituições formadoras estão propondo como disciplinas formativas, identificando ênfases que lhes são atribuídas e sua adequação às demandas profissionais, ou seja, ao exercício da docência na educação básica. Os resultados obtidos nesse estudo apontam "que é preocupante a condição formativa oferecida nas instituições de ensino superior no que se refere à formação de professores da educação básica" (p.131), especialmente no que diz respeito ao predomínio de disciplinas de caráter mais descritivo-teórico, não tendo como prioridade o "o quê" e o "como" ensinar. O estudo não só descreve os dados coletados, como também apresenta questionamentos que podem nortear novas reflexões e ações dirigidas aos institutos que formam professores.
Em 2009, foram feitas quatro pesquisas, com temáticas que vão da carreira docente até o uso de computadores e da internet nas escolas públicas, passando por questões relacionadas à gestão escolar. O primeiro estudo, desenvolvido pela Fundação Carlos Chagas, sob a coordenação das pesquisadoras Bernardete Gatti, Gisela Lobo Tartuce, Marina Nunes e Patrícia Albieri Almeida, teve por objetivo investigar a Atratividade da carreira docente no Brasil, pela ótica de alunos concluintes do ensino médio. Tanto no âmbito das investigações acadêmicas como no do senso comum e no da mídia, tem sido divulgado que a docência deixou de ser uma opção profissional interessante e que a diminuição da procura pela profissão do magistério, por parte dos adolescentes, tem sido objeto de preocupação. A pesquisa foi realizada em escolas públicas e particulares de oito cidades de grande ou médio porte das diferentes regiões do país. Em cada escola, realizaram-se grupos de discussão de dez alunos, com diferentes rendimentos escolares, totalizando 193 participantes de ambos os sexos. Nos resultados, as falas dos estudantes em relação à docência e ao "ser professor" aparecem permeadas de contradições e contrastes. Os sentidos que atribuem à imagem da profissão retratam sempre duas perspectivas de análise: ao mesmo tempo em que conferem à docência um lugar de relevância na formação do aluno e reconhecem o professor por sua função social, consideram que se trata de uma profissão desvalorizada e que o docente é desrespeitado pelos estudantes, pela sociedade e pelo governo. Apesar da nobreza e do valor atribuído pelos estudantes à carreira docente, ela não representa uma possibilidade profissional para esses alunos. A desvalorização social, a rotina desgastante e os baixos salários são as principais razões apontadas para a baixa atratividade da carreira do magistério. Nas páginas que antecedem a apresentação dos resultados, o leitor tem a oportunidade de refletir sobre os fatores ligados à atratividade das carreiras profissionais e da carreira docente e acerca da provável escassez de docentes em futuro próximo. Na parte final do texto, são feitas algumas proposições para políticas públicas que pretendam alterar positivamente a atratividade da carreira docente, formuladas a partir de ampla discussão com especialistas na área.
O segundo estudo, realizado pelo Ibope em colaboração com o IPM, investigou o Perfil dos diretores de escola da rede pública. A pesquisa ouviu 400 gestores escolares de 14 capitais brasileiras e delineou seu perfil demográfico, sua formação, o que pensam sobre a profissão e carreira. O estudo também aborda as atividades cotidianas dos gestores nas escolas públicas, identificando o tempo dedicado a cada uma delas e a própria avaliação do gestor sobre elas. Outro aspecto diz respeito ao grau de concordância do gestor com uma série de afirmações de natureza atitudinal, a maioria delas relacionada à educação em geral, à oferecida no país hoje e à educação no futuro. O potencial desse estudo, como afirma a própria equipe do Instituto Paulo Montenegro, está em correlacionar dados factuais sobre o perfil sociodemográfico e acadêmico dos gestores escolares, disponibilizados pelo MEC e por muitas Secretarias Estaduais e Municipais, com informações de natureza opinativa. Na conclusão, o leitor encontra uma apresentação didática da síntese das constatações discutidas nos resultados.
O terceiro estudo, realizado em 2009, foi coordenado por Fernando Abrucio, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas - FGV - de São Paulo, com o apoio do professor Francisco Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. A pesquisa Gestão escolar e qualidade da educação: um estudo sobre dez escolas paulistas desenvolveu-se a partir do seguinte questionamento: no contexto brasileiro, gestão faz diferença no desempenho das escolas e, por conseguinte, no de seus alunos? A pesquisa teve a duração de três meses e envolveu dez escolas, sendo seis municipais e quatro estaduais, localizadas em quatro municípios paulistas. A escolha das escolas considerou vários fatores como, por exemplo, seu desempenho na Prova Brasil de 2007. Do ponto de vista teórico-metodológico, o estudo adotou dois procedimentos fundamentais: comparou escolas que obtiveram notas diferentes em contextos similares, isolando a variável gestão para medir o seu efeito.
O delineamento da pesquisa incluiu uma análise histórico-institucional para descrever as condições contextuais da cidade e do entorno das escolas estudadas; entrevistas em profundidade com atores-chave da rede de ensino, da escola, da comunidade e da sociedade local, e observações etnográficas no acompanhamento formal de atividades regulares das unidades escolares e das Secretarias, bem como em circunstâncias informais. Em busca dos melhores procedimentos de gestão, os resultados indicam quatro principais características que levam as escolas a melhorar seu desempenho: a formação dos gestores, que se especializam e buscam saber mais sobre experiências de sucesso; a capacidade do diretor de integrar todas as suas áreas de atuação no dia a dia, encarando a gestão como um todo, sem se prender apenas às tarefas burocráticas; a atenção dedicada às metas de aprendizagem, utilizando os resultados das avaliações externas para fazer a escola avançar, e a habilidade para criar um clima de trabalho positivo na escola, mantendo coesa a equipe gestora e promovendo o comprometimento de professores e funcionários com as metas predefinidas. Se tais resultados - ressalta a equipe que desenvolveu o estudo - não podem ser generalizados, eles apresentam fortes evidências de que os procedimentos de gestão identificados podem ser encontrados em outras partes do Estado de São Paulo.
A pesquisa O uso dos computadores e da internet em escolas públicas de capitais brasileiras é o quarto estudo de 2009. Realizado pelo Laboratório de Sistemas Integráveis - LSI -, do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, e pelo Ibope, procurou conhecer mais sobre a real utilização da tecnologia e da internet nas redes públicas de ensino fundamental e médio. A partir do levantamento e estudo de pesquisas relacionadas à temática, foram identificados possíveis fatores que influenciam o uso de computadores e de internet na escola, para, com base neles, formular indicadores que nortearam a elaboração de um questionário aplicado por telefone, contendo perguntas abertas, fechadas de múltipla escolha e perguntas com escalas. O estudo, representativo do universo das escolas urbanas das capitais brasileiras, envolveu 400 escolas de 13 capitais. Os resultados identificaram acertos e problemas comuns no uso de computadores e da internet, apontando caminhos. A maioria das escolas, por exemplo, conta com recursos materiais para fazer algum tipo de uso pedagógico do computador; no entanto, a infraestrutura, a formação de professores e os problemas de acesso são apontados como os principais entraves para a sua utilização do ponto de vista educacional. A pesquisa conclui com algumas recomendações às escolas como, por exemplo, incluir a tecnologia em seu projeto político-pedagógico.
Essa coletânea, importante iniciativa da Fundação Victor Civita, merece ser lida pela diversidade de informações que traz e, sobretudo, pela contribuição significativa que dá para a educação brasileira e para a produção de conhecimento na área. Os achados aqui apresentados certamente suscitarão novas pesquisas e estudos.
Patrícia Cristina Albieri de Almeida
Pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas e professora do Centro de Ciências e Humanidades da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Abr 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010