Open-access Cadernos de Pesquisa: psicologia e educação no ensino e aprendizagem escolar

Cadernos de Pesquisa: psicología y educación en la enseñanza y el aprendizaje escolar

Resumos

Considerando o vínculo histórico entre psicologia e educação concernente aos processos de ensino e de aprendizagem escolar, apresentam-se dados relacionados a tal relação, nas publicações de Cadernos de Pesquisa - CP -, de 1980 a 2012. Buscou-se evidenciar como o vínculo entre essas áreas estabeleceu-se em torno do ensino de conteúdos e verificar se ele continua efetivo nas publicações de CP. A partir da análise de conteúdo de setenta artigos, encontrou-se que: nas décadas de 1980 e 1990, a teoria de Piaget foi predominante; de 2000 a 2012, diferentes correntes da psicologia dão base às discussões; nota-se decréscimo no número de artigos que articulam psicologia e educação nos processos de ensino de conteúdos. São discutidas questões referentes à atual relação entre as duas áreas.

Psicologia; Educação; Cadernos de Pesquisa


Considerando el vínculo histórico entre psicología y educación concerniente a los procesos de enseñanza y aprendizaje escolar, se presentan datos que se refieren a tal relación en las publicaciones de Cadernos de Pesquisa - CP -, de 1980 a 2012. Se trató de evidenciar cómo el vínculo entre dichas áreas se estableció en torno a la enseñanza de contenidos y verificar si sigue efectivo en las publicaciones de CP. A partir del análisis de contenido de setenta artículos, se encontró que: en las décadas de 1980 y 1990, la teoría de Piaget fue predominante; del 2000 al 2012, diferentes corrientes de la psicología dan base a las discusiones; se nota una reducción en el número de artículos que articulan psicología y educación en los procesos de enseñanza de contenidos. Se discuten temas relativos a la actual relación entre las dos áreas.

Psicología; Educación; Cadernos de Pesquisa


Psychology and Education are two areas which historically maintain a close relationship on building elements for school teaching and learning processes. The present study presents data related to such a relationship, as displayed in the Brazilian journal Cadernos de Pesquisa - CP -, from 1980 to 2012. The aim was to highlight how the relationship between the two areas regarding content teaching was established in the more recent past and to verify if it is still effective in the CP publications. Results, obtained through Content Analysis of seventy articles, indicated that the prominent psychological theory in the 1980s and 1990s was Piaget's; different Psychological trends underlie the discussions from 2000 to 2012; in the last decade, it has been possible to identify a decrease in the number of articles that articulate Psychology and Education within content learning and teaching processes.

Psychology; Education; Cadernos de Pesquisa


Partindo do entendimento de que diferentes áreas como a psicologia, a sociologia, a antropologia, dentre outras, podem apoiar a área da educação, no tocante ao desenvolvimento de práticas pedagógicas que garantam aprendizagem de conteúdos escolares (aprendizagem instrumental) a todos os estudantes, ao mesmo tempo em que se efetivem em meio a convívio respeitoso na diversidade, foi desenvolvida pesquisa para analisar a presença e as contribuições de algumas dessas áreas na produção científica educacional, nas últimas três décadas, no Brasil. Foram tomados como base para o estudo três importantes periódicos: Educação & Sociedade, Revista Brasileira de Educação e Cadernos de Pesquisa.1 Para cada uma das áreas e cada uma das revistas foram desdobrados subprojetos, com a intenção de aprofundar a tomada de dados e as análises necessárias. O presente artigo está dedicado a apresentar e a discutir os dados e resultados de um desses subprojetos, mais especificamente relacionado à relação entre a psicologia e a educação nas publicações de Cadernos de Pesquisa, de 1980 a 2012, entendendo a psicologia como uma das áreas científicas que historicamente fornecem elementos teóricos para se formular ações educativas no ensino.2

No Brasil, desde o início do século XX, a ciência psicológica esteve como alicerce de práticas pedagógicas e de produções científicas em educação, constituindo o campo da psicologia educacional. De maneira geral, o reconhecimento dos conhecimentos psicológicos no Brasil como científicos sempre esteve articulado com o campo da educação escolar, de forma que a psicologia educacional foi fundante da própria psicologia no Brasil, enquanto ciência (ANTUNES, 2001). Mas a presença da psicologia na educação não se deu de forma homogênea em termos de proposições.

Ao longo das décadas, diferentes correntes psicológicas estiveram presentes nas pesquisas e concepções educacionais, dando suporte aos temas sobre ensino e aprendizagem de conteúdos na escola, havendo mais de um modelo teórico influenciando a educação (CARVALHO, 2002; LIMA, E. 1990; PLACCO, 2002). Ao longo da história, algumas concepções trouxeram avanços, ao passo que outras contribuíram para o estabelecimento de uma visão individualista do aluno (ANGELUCCI et al., 2004), ou, inclusive, ajudaram a constituir visões preconceituosas sobre o sujeito que aprende (PATTO, 2000). Mas, em comum, todas as teorias psicológicas sobre o ensino e a aprendizagem tiveram predomínio de influência de acordo com o contexto socioeconômico do momento (PATTO, 2000), uma vez que as teorias buscam interpretar e intervir em contextos sócio-históricos específicos.

Assumindo tais pressupostos, tomou-se em estudo o caso do periódico Cadernos de Pesquisa para analisar as contribuições da psicologia à educação, no tocante aos processos de ensino e de aprendizagem, no período de 1980 a 2012, momento de abertura política e retomada da democracia no país. Cadernos de Pesquisa foi por nós considerado representativo da relação entre psicologia e educação no panorama brasileiro, uma vez que nasceu, em 1971, identificado com a estreita relação entre as duas áreas, conforme já apontaram Gouveia (1971), Poppovic (1971) e Espósito (1992), o que pode ser confirmado especialmente na publicação de número 80, datada de fevereiro de 1992. Diferentes autoras e autores realizaram, por ocasião do vigésimo aniversário da revista, balanços temáticos das publicações feitas no período. Educação pré-escolar, ensino fundamental, ensino médio, avaliação e pesquisa educacional, temas clássicos da educação, ocuparam lugar de destaque no número comemorativo; mas também se fizeram notar um artigo com balanço sobre a produção a respeito da relação educação e trabalho, bem como as questões de raça e de gênero, com especial destaque para um deles sobre como Cadernos de Pesquisa auxiliou na consolidação das pesquisas sobre gênero no Brasil. A partir do número seguinte, no editorial das versões impressas e na seção de orientações aos autores, a revista passou a assumir, ainda que entre parênteses - que logo deixariam de existir -, a direção adotada até os dias atuais, ou seja, a revista:

Propicia a troca de informações e o debate sobre questões de caráter teórico e metodológico, aborda as relações entre educação e os problemas e perspectivas sociais do país, orientações das políticas públicas na área, avaliação educacional e temas étnico-raciais, de gênero e de família, privilegiando a publicação de estudos realizados no Brasil e a ótica interdisciplinar. (CADERNOS DE PESQUISA, 2014)

Mesmo assim, avaliou-se, na pesquisa em questão, ser importante estudar a produção de Cadernos de Pesquisa para se verificar o impacto que a guinada identitária trouxe à presença da psicologia no diálogo com a educação. Revista altamente qualificada nas avalições nacionais e bastante reconhecida pelos pesquisadores da educação e de áreas afins, Cadernos de Pesquisa serve aqui de parâmetro para analisar a temática central da educação escolar.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa

A pesquisa foi realizada a partir dos passos indicados por Bardin (2004) para organização e análise de conteúdo. Para esse autor, a análise de conteúdo organiza-se em três fases distintas, que são: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (BARDIN, 2004).

Na pré-análise, foi realizado um levantamento bibliográfico, relacionado ao objeto da pesquisa em Cadernos de Pesquisa, referente ao período de 1980 a 2012, o que se materializou na seleção dos números 32 a 147 do periódico. Nessa primeira etapa, foram captados artigos que traziam correntes teóricas da psicologia, ou temáticas relacionadas ao ensino de conteúdos escolares (dimensão instrumental da educação), para também identificar os artigos que articulavam esses dois eixos. Foram utilizados como descritores3 palavras de busca com ligação direta com o tema da investigação. Os descritores utilizados para captar os artigos com presença da psicologia foram: inteligência; pensamento; desenvolvimento; desenvolvimento cognitivo; Vygotsky, vigotski, vygotski, vigotsky, vigotskii; Piaget;Ausubel; Bruner;construtivismo-construtivista; Mead;mente; teste(s); reflexão-reflexividade; "psicologia"; "Emilia Ferreiro"; "behaviorismo"; "psicanálise". Para captar os artigos que abordavam a dimensão instrumental da educação foram utilizadas as palavras: ensino/ensinar; aprendizagem; conhecimento, conteúdo, conceito, competência, habilidade, saber (e todos no plural); conhecimento popular/saber popular, cultura, popular. Os artigos captados foram os que continham os descritores no título, nas palavras-chave ou no resumo dos artigos.

Explorando-se os artigos captados, constatou-se que, por vezes, um mesmo artigo havia sido apreendido por diferentes descritores. Também, dos artigos captados pelos descritores, percebeu-se, a partir do seu título ou resumo, que muitos deles não traziam discussão direta sobre a psicologia, ou a dimensão instrumental da educação. Assim, foi realizado um refinamento de seleção, a partir de segunda leitura do resumo de todos os artigos captados, para selecionar apenas aqueles que trouxessem vinculação direta com a psicologia, ou com a dimensão instrumental da educação. Nessa primeira seleção, foram selecionados os textos com presença da psicologia (quando, no resumo, o(a) autor(a) declara alguma abordagem da psicologia como base teórica, ou quando conceitos da psicologia estavam neles presentes), os que abordavam o ensino e a aprendizagem de conteúdos escolares e os que traziam os dois focos, ou seja, abordavam a dimensão instrumental da educação com base em alguma teoria da psicologia. Pela leitura dos resumos, foi possível identificar, nas três décadas, quantos e quais artigos selecionados: a) tinham a presença de correntes da psicologia abordando temas diversos que não o ensino e aprendizagem de conteúdo escolar; b) traziam somente questões relacionadas à dimensão instrumental, sem presença de correntes teóricas da psicologia; e c) os que tinham intersecção entre os focos, abordando, assim, a dimensão instrumental da educação escolar com base na psicologia. Considerando o objeto focalizado pela pesquisa, optou-se por analisar somente os artigos que, em cada década, trouxessem discussão sobre ensino de conteúdos escolares vinculada a alguma corrente teórica da psicologia.

Assim, chegou-se a um total de 70 artigos. A análise dos 70 artigos foi realizada com base na Análise Categorial Temática, um dos métodos de análise indicados por Bardin (2004), por meio do qual os artigos foram organizados em categorias temáticas, geradas a partir de seu estudo. No total, foram geradas 10 categorias temáticas, nas quais os 70 artigos foram classificados, a saber: Fracasso escolar (categoria dividida nas subcategorias "dificuldades de aprendizagem", "pré-escola" e "possíveis causas"); Desempenho cognitivo (dividida nas subcategorias "desempenho escolar", "ensino de matemática" e "interação social"); Leitura e escrita (dividida nas subcategorias "fatores maturacionais" e "apropriação formal da língua escrita"); Articulação entre conhecimento escolar e conhecimento cotidiano; Currículo; Avaliação Educacional; Formação/construção do conhecimento científico; Ação docente e aprendizagem; Comparação Piaget/Vygotsky; e Outros (onde foram classificados os artigos que não se relacionavam a nenhuma das temáticas). Em anexo, na Tabela 1, as categorias temáticas geradas no estudo podem ser integralmente visualizadas. Os temas e as correntes psicológicas mais frequentes foram identificados em cada década, bem como os principais elementos teóricos destacados nas discussões. Na identificação dos artigos como dados da pesquisa, ao fazer referência a cada um a ser analisado, foi utilizado junto à sua citação o código "CP", seguido do número referente ao periódico no qual foi publicado. As referências dos estudos analisados de 1980 a 2012 e citados no presente artigo podem ser visualizadas no Quadro 4, em anexo.

Quadro 4
Lista de artigos selecionados para análise em Cadernos de Pesquisa, de 1980

Tabela 1
Lista das categorias temáticas criadas a partir da análise dos artigos das três décadas

Os resultados encontrados

Os resultados encontrados a partir da análise dos artigos serão aqui apresentados por período/década. Para cada momento, mostrar-se-á, num quadro, o número de artigos analisados, as três categorias temáticas mais frequentes na década, bem como as correntes psicológicas mais frequentes nas discussões dos artigos analisados. Também serão destacados os principais elementos teóricos que podem ser evidenciados nas discussões dos artigos.

De 1980 a 1989: a questão do fracasso escolar e suas possíveis causas em debate

Na década de 1980, foram 30 os artigos analisados. Neles, o fracasso escolar foi o tema predominante na preocupação dos(as) pesquisadores(as), que se apoiaram em diferentes correntes da Psicologia para apresentar elementos de compreensão dos processos. Abaixo, encontra-se o quadro com as principais informações destacadas da análise dos artigos do referido período:

Quadro 1
Elementos destacados da análise das publicações da década de 1980

Pelo Quadro 1, pode-se observar que a categoria temática mais frequente na década de 1980 foi "Fracasso escolar", em suas subcategorias "Possíveis causas" e "Dificuldades de aprendizagem". Em seguida, a categoria temática "Leitura e escrita" foi a mais frequente, em sua subcategoria "Fatores maturacionais". A corrente psicológica predominante nas publicações foi o construtivismo de Piaget, sendo suporte teórico para metade dos artigos analisados, seguido de correntes da Psicologia Social. Um elemento teórico destacado que predominou nas publicações analisadas foi a preocupação de pesquisadores com o fracasso escolar (no período caracterizado pelo alto índice de evasão e repetência nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em sua maioria das crianças de classes populares). Tal preocupação ficou evidente pela frequência com que o tema apareceu nos artigos analisados, principalmente até a primeira metade da década de 80 (tendo sido 12, dentre os 15 classificados no tema, produzidos até o ano de 1985). Espósito (1992), Silva e Davis (1992) e Faria (2008), que realizaram pesquisa bibliográfica sobre as produções de Cadernos de Pesquisa em assuntos específicos, também evidenciaram que esse tema foi extremamente debatido no período, quando se buscavam explicações e propostas de ação para se lidar com o desafio por meio de diferentes posicionamentos teórico-metodológicos. Buscava-se compreender os motivos de as crianças pobres apresentarem baixo índice de aprendizagem dos conteúdos escolares e "abandonarem" as salas de aula.

Tais estudos, marcadamente, trouxeram críticas às concepções da Psicologia presentes na década anterior, e tinham visão mais individualista sobre o fracasso escolar (ESPOSITO, 1992; FARIA, 2008). No que tange aos artigos analisados com o recorte considerado no presente estudo, foi também observada essa tendência, uma vez que muitos dos artigos classificados no tema "Fracasso Escolar" explicitaram críticas à teoria da Carência Cultural (influente na década de 1970), a outras concepções individualizantes do fracasso escolar e a programas de educação compensatória. Pesquisas trouxeram, ainda, como suporte, concepções da Psicologia Social e de estudos interculturais para buscar elementos mais amplos e fora do âmbito individual do aluno para explicar seus processos de aprendizagem, como os estudos de Silva (CP32, 1980), Gatti et al. (CP38, 1981), Kramer (CP42, 1982), Carraher, Carraher e Schliemann (CP42, 1982), Carraher e Schliemann (CP45, 1983), e Patto (CP65, 1988).

O construtivismo piagetiano foi a corrente psicológica mais influente na década, e sua teoria de desenvolvimento por estágios cognitivos deu suporte a muitas produções, trazendo como elemento teórico a condição de desenvolvimento cognitivo para a aprendizagem de conteúdos escolares, como é o caso dos artigos que abordavam os conteúdos matemáticos, cuja aprendizagem dependeria do desenvolvimento das noções lógicas de seriação e conservação, como as discussões empreendidas por Silva (CP44, 1983), Moro (CP45, 1983) e Moro (CP56,1986). Tais proposições também ocorreram quanto às discussões sobre a aprendizagem de leitura e escrita, em artigos como os de Koff e Bonamigo (CP34, 1980), Poppovic (CP36, 1981), Pozner (CP42, 1982), Valente (CP51, 1984), e Freitag (CP53, 1985). Como elemento teórico-prático relacionado à análise sobre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, foi trazida a proposição de adequar o ensino de conteúdos escolares ao nível de desenvolvimento do sujeito. Tal discussão aparece nos artigos de Silva, (CP44, 1983), Poppovic (CP36, 1981), Freitag (CP53, 1985), mas não foi consensual entre as publicações do período, uma vez que também houve questionamentos a essa medida de ensino, como no artigo de Carraher, Carraher e Schliemann (CP57, 1986).

Ainda com base no construtivismo piagetiano, um elemento trazido nas produções foi a ênfase na compreensão e no pensamento dos(as) estudantes em seu processo de aprendizagem. Nessas produções, como as de Carraher e Rego (CP39, 1981), Ferreiro (CP52, 1985) e Moro (CP56, 1986) são questionadas formas de ensino de conteúdos mecanizadas ou por memorização, e valorizado o papel ativo da criança em sua aprendizagem. A partir da consideração do pensamento do(a) estudante em sua aprendizagem, propõe-se enfatizar o próprio processo de aprendizagem, e não tanto os resultados de ensino, como forma de se potencializar o pensar dos(as) estudantes (SILVA, CP34, 1980).

Conforme as publicações em Cadernos de Pesquisa realizadas na década de 1980, correntes da Psicologia, como a teoria da Carência Cultural, sofrem críticas. Outras, principalmente o construtivismo de Piaget, embasaram discussões sobre ensino de conteúdos escolares. É possível dizer que alguns impasses não foram superados na década, mas um ponto em comum foi a preocupação com a dimensão instrumental da educação e possíveis formas de entender os processos de aprendizagem, enquanto alguns artigos preocupavam-se com o tema de que todas as crianças aprendessem na escola. A década de 1990 também assiste a tal preocupação, mas traz produções que se diferenciam dos focos tomados na década anterior.

De 1990 a 1999: Piaget e Vygotsky em comparação

Foram analisados 25 artigos referentes ao período de 1990 a 1999. Eles se encontraram em consonância com as preocupações já presentes na década de 1980 sobre a aprendizagem dos conteúdos escolares por todas as crianças. As publicações foram diversificadas em relação aos temas tratados, mas, assim como na década de 1980, o construtivismo piagetiano foi dominante no suporte às formulações teórico-práticas sobre a aprendizagem escolar. O Quadro 2 traz informações resumidas sobre as categorias temáticas e correntes psicológicas mais frequentes nas discussões, bem como os principais elementos teóricos discutidos nas publicações de 1990 a 1999:

Quadro 2
destacados da análise das publicações da década de 1990

Pelo Quadro 2, observa-se que a categoria temática mais frequente foi "Comparação Piaget/Vygotsky", seguida das categorias "Leitura e escrita", na subcategoria "Apropriação formal da língua escrita", e "Formação/construção do conhecimento científico".

Assim como na década anterior, o construtivismo de Piaget foi a corrente psicológica mais presente dentre os artigos analisados.

Como um elemento teórico de destaque, pode-se notar que, no que diz respeito às discussões sobre ensino de conteúdos escolares, as teorias psicológicas de Piaget e Vygotsky foram as mais influentes, com predomínio da primeira. A comparação entre as duas teorias e suas implicações para as práticas educacionais foi um ponto tratado com relevância na década de 1990, em relação à década anterior. Os estudos comparativos entre as duas teorias demonstram uma preocupação dos(as) pesquisadores(as) em buscar elementos teóricos para dar suporte às práticas pedagógicas, como pode ser visto nos artigos de Rocco (CP75, 1990), Souza e Kramer (CP77, 1991), Ferreiro (CP88, 1994), Mortimer e Carvalho (CP96, 1996) e Castorina (CP105, 1998). Esses dados corroboram o estudo de Silva e Davis (2004), que realizaram uma revisão bibliográfica em Cadernos de Pesquisa buscando analisar como a teoria de Vygotsky e de seus seguidores esteve presente no periódico, desde 1971 até final da década de 1990. Indicam que é considerável a quantidade de artigos que comparam as teorias de Vygotsky e Piaget e comentam que, apesar de Vygotsky ter feito uma análise crítica dos postulados de Piaget em suas obras, houve uma tendência, nos artigos dos CP, de comparar as teorias, muitas vezes considerando-as similares, ou complementares. De toda forma, as autoras ponderam que foi uma maneira de os(as) pesquisadores(as) brasileiros(as) compreenderem melhor as ideias até então desconhecidas do autor soviético e divulgarem seus estudos.

Apesar de maior influência das ideias de Vygotsky nos anos 1990, a partir dos 25 artigos analisados, constatou-se que a influência da teoria construtivista de Piaget foi dominante no suporte para discutir os processos de ensino e aprendizagem de conteúdos escolares. As produções com suporte da teoria piagetiana, movidas pela proposta de superar práticas do ensino tradicional tidas como mecanicistas, trouxeram como elemento a valorização do processo de aprendizagem do(a) estudante, buscando compreender seu processo de pensamento em relação aos conteúdos escolares. Desde a década anterior, essa preocupação já constava nos artigos de base piagetiana estudados, e se estendeu para a década de 1990, como nas discussões feitas por Davis (CP75, 1990), Macedo (CP93, 1995), Darsie (CP99, 1996), Mortimer e Carvalho (CP96, 1996). Assim, proposições práticas foram trazidas para contemplar tal preocupação, por meio das quais as ações na sala de aula, que poderiam favorecer a construção do conhecimento científico, são abordadas, levando-se em conta a reflexão e a compreensão dos(as) estudantes sobre seu próprio processo de aprendizagem, como discutem os artigos de Davis e Espósito (CP74, 1990), Moro (CP79, 1991), Carvalho et al. (CP82, 1992), Macedo (CP93, 1995), Darsie (CP99, 1996), Carvalho (CP101, 1997), Melo e Rego (CP105, 1998) e Leão (CP107, 1999).

Os postulados do construtivismo piagetiano foram hegemônicos nas produções em Cadernos de Pesquisa durante toda a década, ainda que com contrapontos. As críticas às formas de aplicação do construtivismo piagetiano estiveram presentes desde o início da década, com a preocupação de demonstrar que a má interpretação dos postulados teóricos de Piaget os distorceram na prática, como, por exemplo, no uso das chamadas provas piagetianas como avaliação diagnóstica de aprendizagem, e não como forma de compreender o processo de pensamento do(a) estudante. Tal discussão é vista em Corrêa e Moura (CP79, 1991), Lajonquière (CP81, 1992), Castorina (CP88, 1994) e Souza e Kramer (CP77, 1991).

Outra questão presente em Cadernos de Pesquisa na década de 1990, em relação à má interpretação da teoria piagetiana, disse respeito ao risco de secundarização do ensino de conteúdos escolares, uma vez que o foco das práticas estaria em compreender o processo de aprendizagem de cada estudante e seus pensamentos, e não nos resultados de aprendizagem. Essa questão foi levantada em artigos como os de Castorina (CP88, 1994) e Moreira (CP100, 1997). Tal preocupação também foi notada com referência à formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN -, como no artigo de Moreira (CP100, 1997). Nesse caso, foram as bases do construtivismo de Cesar Coll que foram discutidas e questionadas, por enfatizarem o psicologismo nos processos pedagógicos, o que seria possível de ser observado nos Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo.

De forma geral, notou-se, na década de 1990, preocupação explícita dos(as) pesquisadores(as) em relação à dimensão instrumental da educação, fosse como processo de aprendizagem, quando pautada na teoria de Piaget, fosse como processo e produto de aprendizagem, quando pautada em crítica à leitura enviesada de Piaget, ou na teoria de Vygotsky. Passando-se ao período seguinte, nas produções do CP dos doze primeiros anos do século XXI, nota-se ainda a presença de artigos com preocupação a respeito da aprendizagem instrumental, mas o apoio em teorias psicológicas enquanto suporte para as discussões do tema diminui sensivelmente.

Anos 2000 a 2012: Concepções do(a) professor(a) e novas habilidades educativas

No período de 2000 a 2012, foram 15 os artigos dos CP identificados e analisados, por abordarem assuntos sobre a aprendizagem instrumental, vinculados à Psicologia. Diferentemente das décadas anteriores, o construtivismo de Piaget não predominou como base das discussões, sendo mais diversas as correntes psicológicas presentes nos artigos, e foram abordados temas variados. No Quadro 3, são apresentados os principais elementos que emergiram da análise das publicações do período:

Quadro 3
Elementos destacados da análise das publicações da década de 2000

Pelo Quadro 3, vê-se que, referentes ao período de 2000 a 2012, dos 15 artigos localizados a partir dos critérios de busca, as categorias temáticas mais frequentes foram "Fracasso Escolar/Dificuldades de Aprendizagem" e "Ação docente e aprendizagem", ambas com 3 artigos cada, equivalente a 20% do total de artigos selecionados. Em seguida, a categoria "Leitura e Escrita" foi a mais frequente, com 2 artigos nela classificados (13%).

Como elemento teórico, das publicações analisadas, destacou-se a preocupação com as concepções que os(as) professores(as) têm sobre as aprendizagens e a influência que elas podem exercer no processo de ensino. A presença de correntes psicológicas nas publicações da década de 2000 foi mais diversa que nas décadas anteriores, sendo que a teoria das Representações Sociais apareceu em artigos que discutem as concepções dos(as) professores(as) e sua relação com processos de ensino e aprendizagem em salas de aula. Esse dado mostra concordância com o que Alves-Mazzotti (2008) aponta sobre o uso da Teoria das Representações Sociais na área educacional de que tal corrente psicológica vem servindo de suporte teórico, em busca de compreensão sobre os efeitos das expectativas e concepções dos(as) professores(as) sobre o desempenho de estudantes, principalmente de classes populares, cuja educação ainda é uma preocupação nessa área.

Nesse sentido, os artigos que trouxeram essa referência convergiram entre si, como o de Carmo e Chaves (CP114, 2001) e Gazinelli (CP115, 2002), pautando a importância de se atentar às representações sociais dos(as) professores(as) sobre diversos temas, uma vez que elas poderiam influenciar os processos de ensino. Pode-se afirmar que esse tipo de estudo traz como novidade o deslocamento da atenção dos processos de pensamento e de aprendizagem dos estudantes para os processos de pensamento e de aprendizagem docente. Há, no entanto, de se destacar que, embora em menor número, encontrou-se pesquisa nessa base teórica que buscava compreender um processo mais amplo, que englobaria certas situações educacionais, como é o caso do estudo de Franco e Novaes (CP112, 2001), dedicado às representações sociais de estudantes do Ensino Médio sobre a escola e o trabalho, para melhor refletir sobre a reforma curricular que estava sendo implantada no período.

Outro âmbito de preocupação manifesta nos anos de 2000 a 2012, em mais de uma categoria temática, esteve relacionado às discussões sobre as mudanças contextuais recentes, as novas demandas e habilidades que delas decorrem, e o papel da escola frente ao novo contexto. Alguns artigos descrevem o atual contexto como de maior produção de conhecimento, rápido desenvolvimento das tecnologias e ainda de desigualdade de acesso a esses conhecimentos e informações. Nesse sentido, as publicações convergem na proposição de que já não é suficiente a escola transmitir conteúdos e informações, mas necessitaria desenvolver habilidades cognitivas que proporcionem a capacidade de usar tais conhecimentos e transferi-los a diferentes contextos. Nessa proposição, as correntes cognitivistas são frequentes no suporte teórico utilizado pelos(as) pesquisadores(as), enfatizando-se os processos cognitivos para processar informações e solucionar conflitos. Atividades de ensino que estimulem a reflexão sobre o pensamento dos(as) estudantes são tidas como elementos importantes para o ensino de leitura e escrita, e de física, por exemplo. Tais discussões estão presentes em artigos como o de Davis, Nunes e Nunes (CP125, 2005), Salles e Parente (CP132, 2007), e Tedesco (CP138, 2009).

A problematização sobre a maneira como tais competências têm sido incorporadas ao currículo escolar, a partir dos novos Parâmetros Curriculares Nacionais, também esteve presente em artigos. A implementação considerada genérica teria gerado impactos nas ações pedagógicas e na organização escolar e deveriam ser mais bem discutidas, como indica o artigo de Silva (CP137, 2009). Vale ressaltar que a preocupação em relação ao baixo desempenho dos(as) estudantes brasileiros(as) em avaliações oficiais, nacionais e internacionais, como o Saeb e Pisa, também manifestou-se em publicações da referida década. A partir de constatações como essas, o estudo de Soares (CP130, 2007) analisou diferentes aspectos intra e extraescolares que poderiam interferir nos resultados de aprendizagem e desempenho cognitivo dos(as) estudantes.

Ao comparar os artigos analisados em cada década/período, foram observadas algumas especificidades em relação às publicações do período de 2000 a 2012. Diferentemente do que ocorreu nas publicações das duas décadas anteriores, em que o construtivismo piagetiano foi a abordagem da Psicologia mais utilizada como suporte teórico nas discussões sobre ensino de conteúdos, nos anos 2000 isso não se deu; ao menos não explicitamente. Ainda que no conteúdo de alguns artigos fosse citada a influência de Piaget em práticas pedagógicas, ou mesmo na formação de currículo por competências, eles não explicitaram diretamente estarem apoiados nessa abordagem para oferecer elementos teórico-práticos sobre os processos de ensino e aprendizagem.

De forma geral, a preocupação com a aprendizagem de conteúdos escolares, observada nas publicações das décadas anteriores, manteve-se na década de 2000. Para além do ensino de conteúdos escolares, parece aliar-se ao papel da escola o desenvolvimento das habilidades e das competências tidas atualmente como necessárias para o(a) estudante. Entretanto, o vínculo das discussões sobre ensino de conteúdos escolares e a psicologia como suporte diminuiu de 2000 a 2012 em relação às outras décadas, como pode ser constatado, por exemplo, no menor número de artigos selecionados no período (somente 15).

Continuidades e mudanças: aprendizagem instrumental e a psicologia em Cadernos de Pesquisa de 1980 a 2012

A partir do exposto no item e seus subitens anteriores, pode-se concluir que, nos textos em Cadernos de Pesquisa, referentes às décadas de 1980 e 1990, houve dominância de formulações com suporte na abordagem psicológica de Piaget, indo ao encontro do que a literatura demonstra sobre a grande influência de Piaget no cenário educacional brasileiro nesse período (SILVA, 1989; SILVA; DAVIS, 2004; CAMPOS et al., 2004b; BEZERRA; ARAUJO, 2012). Pode-se destacar como um eixo permanente nas publicações das décadas de 1980 e 1990 a busca por referenciais do construtivismo piagetiano para embasar práticas pedagógicas que superassem limites da organização do ensino pautado pelo modo tradicional. Esse dado corrobora com o que indica a literatura sobre a referência que foi a teoria de Piaget para estudos brasileiros, desde meados do século XX, que buscavam avançar em relação às proposições do ensino tradicional (BANKS-LEITE, 1998; LEÃO, 1999).

Nessas duas décadas, pela preocupação que se teve em levar em conta o pensamento do(a) estudante, e não apenas a aprendizagem mecânica dos conteúdos de ensino, observa-se, pelas publicações analisadas, que houve um movimento de se enfatizar o processo de aprendizagem em detrimento dos resultados de ensino. Essa posição, embora tenha sido bem representativa nas publicações das duas primeiras décadas analisadas, não deixou de sofrer contrapontos, no sentido de que a demasiada ênfase no processo de aprender e de ensinar daria margem para a secundarização do ensino e da aprendizagem efetivos de conteúdos de ensino. Essa preocupação com a não priorização dos conteúdos escolares foi exposta tanto em estudos críticos ao construtivismo piagetiano, como em estudos de base piagetiana que fizeram críticas à má interpretação da teoria de Piaget, presentes no CP a partir da década de 1990.

Nas publicações de 2000 a 2012, notou-se que a preocupação com a compreensão do(a) estudante perante seu processo de aprendizagem foi mantida, mas houve um deslocamento da atenção para os processos de pensamento e de aprendizagem docente como tema de estudo. A psicologia aparece como suporte nesse sentido por meio de pesquisas sobre as representações sociais e das concepções dos(as) professores sobre o que se ensina, e como tais representações e concepções interferem na aprendizagem dos(as) estudantes. Percebeu-se, ainda, uma preocupação com o processo de ensino de conteúdos aliado às mudanças pelas quais a sociedade vem passando a partir das mudanças tecnológicas e maior produção e circulação de conhecimento pelo mundo. Além do ensino de conteúdos, há, na última década, a preocupação com o desenvolvimento de habilidades que passam a ser importantes no atual contexto, como, por exemplo, a de processamento de informações e a de transferência do que se aprende na escola para outros contextos.

Quanto às teorias de suporte para os estudos, em contraste com as décadas anteriores, nas publicações dos anos 2000, o construtivismo piagetiano não apareceu, ao menos explicitamente, como a principal referência teórica para as discussões sobre os processos de ensino e aprendizagem. Na pulverização de referências, surgem as teorias sobre representações sociais e, em menor número, outras abordagens cognitivistas da psicologia, como a de Processamento de Informações ou de Resolução de Problemas. Tais teorias enfatizam os processos cognitivos envolvidos nas habilidades de leitura e compreensão, e na solução de problemas em sala de aula.

Apesar dessas afirmativas, ainda há, em alguns textos, como visto nas décadas anteriores, uma preocupação com a secundarização do ensino de conteúdos nas escolas. Mas, nos anos 2000, tal preocupação se dá no sentido de que se pode correr o risco de enfatizar somente os processos de desenvolvimento de habilidades cognitivas dos(as) estudantes, em detrimento do ensino de conteúdos. Nas publicações dos anos de 2000, tais discussões focalizam processos de ensino escolar tendo como referência também a reforma curricular que se deu na década de 1990, com a nova LDB e a formulação dos PCN, prescrevendo novas competências e habilidades a serem desenvolvidas na escola. Entretanto, nas publicações analisadas é explicitada a falta de compreensão que ainda há na prática sobre a forma de ensinar as competências prescritas pelos PCN, incompreensão também relatada pela literatura da área (GARCIA, 2005; SANTOS; CAMPOS; ALMEIDA, 2005; RICARDO, 2010).

Além da incorporação do desenvolvimento de habilidades e competências às discussões sobre ensino e aprendizagem escolar, a análise das publicações das três décadas revela que o vínculo entre ensino de conteúdos e correntes da psicologia diminuiu nos debates do último período analisado. Algo que vale considerar nessa análise é o número de edições publicadas de Cadernos de Pesquisa, que também diminuiu a partir de 1997, quando a revista passou a ser publicada a cada quatro meses. Mas isso parece não ser um elemento que explica o menor número de artigos da década de 2000, captados no estudo, por vincularem a aprendizagem instrumental à psicologia. A queda dessa frequência de seleção foi proporcionalmente maior, se comparada à diminuição das edições da revista. Na década de 1980, foram publicados 38 números de Cadernos de Pesquisa, e no período de 2000 a 2010 foram publicados 33 números da revista (CADERNOS DE PESQUISA, 2012), o que significa uma diminuição de aproximadamente 13% nos números publicados. Já em relação aos artigos captados na presente pesquisa, na década de 1980, foram 30 artigos, e no período de 2000 a 2012, foram 15 artigos, ou seja, houve queda de 50% dos artigos captados sob o critério de vínculo entre a psicologia e discussões sobre a dimensão instrumental da educação.

Uma consideração necessária a ser feita sobre tal queda é que não há como afirmar que as discussões sobre a área da Psicologia educacional e seu vínculo com a aprendizagem instrumental tenha diminuído no país. A partir da década de 1990, houve a criação de várias revistas científicas brasileiras voltadas às publicações diretamente relacionadas à Psicologia educacional (PAIDEIA; PSICOLOGIA EDUCACIONAL E ESCOLAR, por exemplo) e os autores e autoras que se dedicam ao tema podem ter migrado seus trabalhos para tais periódicos. Mas isso também pode estar implicando outros elementos que mereçam nossa atenção.

Conclusões

No presente artigo, por meio do estudo de Cadernos de Pesquisa, mais especificamente das publicações realizadas no período de 1980 a 2012, buscou-se evidenciar as relações estabelecidas entre psicologia e educação na construção de alternativas de ensino e de aprendizagem instrumental a todos os estudantes. Tal estudo está localizado em amplo espectro de preocupação das autoras e demais pesquisadoras e pesquisadores do grupo ao qual pertencem quanto a como as diferentes áreas de conhecimento, que servem de apoio à educação (psicologia, sociologia, antropologia, entre outras), têm com ela entrado no diálogo e na produção de conhecimento sobre ensino e sobre aprendizagem escolar.

A partir da análise da produção do CP, observou-se uma mudança significativa em relação à presença das teorias psicológicas nas pesquisas em educação e o aparecimento de diferentes teorias para se tratar de temas sobre a aprendizagem instrumental. Tomando-se o CP, em si, a definição, a partir de 1992, da sua linha editorial explicitando temas como "as relações entre educação e os problemas e perspectivas sociais do país, orientações das políticas públicas na área, avaliação educacional e temas étnico-raciais, de gênero e de família", não foi a produtora da diminuição do suporte da psicologia à educação na perspectiva dos processos de ensino e de aprendizagem instrumental, uma vez que, na década de 1990, observou a existência de 25 artigos com tais características. Já do ponto de vista da psicologia, essa constatação vai ao encontro de estudos que analisam mudanças no campo da própria Psicologia educacional (BARBOSA, 2012; BEZERRA; ARAUJO, 2012). A análise de Barbosa (2012, p. 120), por exemplo, indica um momento de reconfigurações do campo da Psicologia Educacional a partir dos anos 2000, e sugere que a área está avaliando "o presente com a finalidade de renovar nossas teorias e práticas" (BARBOSA, 2012, p. 120). Mas, desde a área da educação, vale perguntar: essa reconfiguração afeta em que direção as pesquisas em educação no que diz respeito às discussões sobre a aprendizagem instrumental? Como os estudos que abordam a dimensão instrumental da educação, com e sem a base da Psicologia, vêm tratando os processos de ensino e de aprendizagem? Há, na perda de espaço da psicologia, também perda de espaço do debate a respeito dos processos de ensino e de aprendizagem de conteúdos como tema central no trabalho da escola?

Fazer tal balanço é importante para se visualizar como as pesquisas da área educacional e da psicologia educacional vêm caminhando e avançando no que diz respeito às propostas sobre os processos de ensino e aprendizagem em sua maneira formal. Enquanto a escola ainda é uma instituição central em nossa sociedade, por ser um dos lugares responsáveis pelo processo de aprendizagem dos conhecimentos sistematizados historicamente pela humanidade, é importante a busca por diretrizes que potencializem esse seu papel.

Atualmente, as condições de produção e circulação do conhecimento científico estão mais favoráveis, sendo o acesso a bases de dados bastante mais amplo, permitindo a interlocução entre pesquisadores de diferentes áreas e lugares do mundo e a consequente superação da insularidade da produção brasileira. Como apontam Caldas (2005), A. Lima (2004) e Barbosa e Souza (2012), tais condições da produção acadêmica podem favorecer a busca por formulações teóricas que embasem práticas voltadas à melhoria educacional de nosso país e, acrescente-se, fortaleçam o compromisso dos pesquisadores com a escola básica.

Cadernos de Pesquisa nasceram com tal determinação e têm sido importante veículo de divulgação e provocação da produção acadêmica brasileira. No artigo que aqui se encerra procurou-se evidenciar sua participação na articulação entre psicologia e educação, com foco nos processos de ensino e de aprendizagem instrumental em três décadas de sua existência. O desafio para os próximos dez anos parece ser fomentar o debate e as pesquisas que auxiliem sistemas e agentes na constituição de um presente com futuro para todas as gerações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Out 2014
  • Aceito
    Dez 2014
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