Open-access Paradigmas Contemporâneos de Educação: Escola Tradicional e Escola Construtivista

Education paterns in the present times: traditional school and constructivist school

Resumos

O texto procura demonstrar as principais características dos paradigmas de educação da atualidade - a Escola Tradicional e a Escola Construtivista - a partir da análise dos aspectos filosóficos, epistemológicos, teóricos e metodológicos de cada tipo de escola. Também faz uma crítica de ambos os paradigmas levando em consideração os aspectos mais marcantes do ensino tradicional e do ensino construtivista.

ESCOLA TRADICIONAL; CONSTRUTIVISMO; PARADIGMAS


The text intends to show the principal characteristics of the education patterns in the present times - Tradicional School and Constructivist School - from the analisys of philosophical, epistemological, theoretical and methodological aspects of each type of school. It also comments upon both the patterns, taking into account the most remarkable aspects of both the traditional and constructivist education.


OUTROS TEMAS

Paradigmas Contemporâneos de Educação: Escola Tradicional e Escola Construtivista

Education paterns in the present times: traditional school and constructivist school

Denise Maria Maciel Leão

Psicóloga, mestre e aluna especial do Doutorado no Programa de Pós–Graduação em Educação Brasileira — FACED — UFC

RESUMO

O texto procura demonstrar as principais características dos paradigmas de educação da atualidade — a Escola Tradicional e a Escola Construtivista — a partir da análise dos aspectos filosóficos, epistemológicos, teóricos e metodológicos de cada tipo de escola. Também faz uma crítica de ambos os paradigmas levando em consideração os aspectos mais marcantes do ensino tradicional e do ensino construtivista.

Palavras-chave: ESCOLA TRADICIONAL — CONSTRUTIVISMO — PARADIGMAS

ABSTRACT

The text intends to show the principal characteristics of the education patterns in the present times — Tradicional School and Constructivist School — from the analisys of philosophical, epistemological, theoretical and methodological aspects of each type of school. It also comments upon both the patterns, taking into account the most remarkable aspects of both the traditional and constructivist education.

Menos de cinco anos nos separam do século XXI e quase nada mais impede ao homem o pleno acesso à informação. A era da informática chegou e explodiu neste final de século XX. O futuro nunca foi tão imprevisível quanto agora. E a educação formal para onde caminha?

Tarefa não menos difícil é descrever e situar nossos atuais modelos de educação. A "invasão" do construtivismo em nossa sociedade é uma realidade da qual não podemos fugir. A escola tradicional — que sofreu inúmeras transformações ao longo de sua existência e que, paradoxalmente, continua resistindo ao tempo —, dia–a–dia, vem sendo questionada sobre sua adequação aos padrões de ensino exigidos pela atualidade, mas ao mesmo tempo é retentora da grande maioria das escolas do nosso país.

Tudo o que rodeia a educação institucionalizada é fruto de nossa própria história de sociedade em suas mais variadas ramificações (política, econômica, etc.). As concepções sobre a educação também fazem parte dos caminhos tomados pela humanidade em sua incansável procura de cultura e conhecimento. Descreveremos a seguir os aspectos principais das duas teorias que iremos abordar: a educação tradicional e a educação construtivista. Apresentaremos os suportes dessas escolas a partir de seus aspectos filosóficos, epistemológicos, teóricos e metodológicos.

A ESCOLA TRADICIONAL

As teorias da educação que nortearam a escola tradicional confundem–se com as próprias raízes da escola tal como a concebemos como instituição de ensino. Não é falso afirmar que o paradigma de ensino tradicional foi um dos principais a influenciar a prática educacional formal, bem como o que serviu de referencial para os modelos que o sucederam através do tempo. Interessante é perceber que a escola tradicional continua em evidência até hoje. Paradoxo? É possível, mas é necessário reconhecer que o caráter "tradicional atual" da escola passou por muitas modificações ao longo de sua história.

É necessário situar no tempo a escola tradicional que interessa a esta discussão. Ela surgiu a partir do advento dos sistemas nacionais de ensino, que datam do século passado, mas que só atingiram maior força e abrangência nas últimas décadas do século XX. Com o início de uma política estritamente educacional foi possível a implantação de redes públicas de ensino na Europa e América do Norte (Patto, 1990). A organização desses sistemas de ensino inspirou–se na emergente sociedade burguesa, a qual apregoava a educação como um direito de todos e dever do Estado. Assim, a educação escolar teria a função de auxiliar a construção e consolidação de uma sociedade democrática:

O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia... Para superar a situação de opressão, própria do "Antigo Regime", e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado "livremente" entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância... A escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter súditos em cidadãos. (Saviani, 1991. p. 18)

A organização dessa escola do século passado seguia os passos determinados por essa teoria pedagógica que permanece atual em seus pontos principais:

Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas em forma de classes, cada uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente. (Saviani, 1991. p.18)

A história da educação mostrou que tudo não passou de um sonho embora não saibamos quem realmente o sonhou. A universalização da educação é uma realidade na maioria dos países ocidentais; porém, no dizer de Gadotti (1995), uns receberam mais educação do que outros. A igualdade entre os homens permanece um sonho ainda muito distante do nosso planeta. Apesar de tudo a escola como instituição destinada a "todos" surgiu nessa época e faz parte do nosso cotidiano e das obrigações da família e do Estado para com suas crianças e adolescentes.

Não é propósito desse estudo analisar as diversas tendências que se opuseram à Escola Tradicional em nosso país, tais como a Escola Nova e o Tecnicismo. Essas e outras teorias educacionais tiveram seus momentos históricos devidamente discutidos pelos pesquisadores e levamos em conta que podem ter trazido certas modificações à estrutura original da escola tradicional. Mas o que interessa analisar sobre a escola tradicional é que ela continua existindo de modo semelhante ao que foi no seu início. Isso nos intriga e nos desafia. Afinal, não somos nós mesmos produtos dessa escola tão criticada? A aprendizagem escolar nessa escola tão tradicional dependeu dos bons professores ou de nossos interesses pessoais? Não temos as respostas para essa última questão, mas procuraremos mostrar agora os pilares da escola tradicional a fim de entendermos sua trajetória.

Aspectos filosóficos da escola tradicional

O ensino tradicional fundamentou–se na filosofia da essência, de Rousseau, passando à pedagogia da essência (Saviani, 1991). Tal pedagogia acredita na igualdade essencial entre os homens: a de serem livres, e essa igualdade vai servir de base para estruturar a pedagogia da essência respaldando o surgimento dos sistemas nacionais de ensino, que, por sua vez, foram fundamentais para proporcionar a escolarização para todos:

Esse ensino tradicional que ainda predomina hoje nas escolas se constituiu após a revolução industrial e se implantou nos chamados sistemas nacionais de ensino, configurando amplas redes oficiais, criadas a partir de meados do século passado, no momento em que, consolidado o poder burguês, aciona–se a escola redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória como um instrumento de consolidação da ordem democrática. (Saviani, 1991. p.54)

Em História das idéias pedagógicas (1995), Moacir Gadotti nos remete à época de constituição da escola como instituição de ensino, bem como à inspiração filosófica em que foi baseada:

Nunca se havia discutido tanto a formação do cidadão como durante os seis anos de vida da Revolução Francesa. A escola pública é filha dessa revolução burguesa. Os grandes teóricos iluministas pregavam uma educação cívica e patriótica inspirada nos princípios da democracia, uma educação laica, gratuitamente oferecida pelo Estado para todos. Tem início com ela a idéia da unificação do ensino público em todos os graus. Mas ainda era elitista: só os mais capazes podiam prosseguir até a universidade. (Gadotti, 1995. p.88)

Sobre o surgimento dos sistemas nacionais de ensino, Gadotti (1995) segue um pensamento semelhante ao de Saviani (1991):

O iluminismo educacional representou o fundamento da pedagogia burguesa, que até hoje insiste, predominantemente na transmissão de conteúdos e na formação social individualista. A burguesia percebeu a necessidade de oferecer instrução, mínima, para a massa trabalhadora. Por isso, a educação se dirigiu para a formação do cidadão disciplinado. O surgimento dos sistemas nacionais de educação, no século XIX, é o resultado e a expressão que a burguesia, como classe ascendente, emprestou à educação. (Gadotti, 1995. p.90)

A universalização da escola, em grande parte do Ocidente, é uma conquista que não podemos deixar de reconhecer. Não podemos dizer o mesmo, porém, dessa igualdade que ela representaria entre os homens que foi embasamento para a escola tradicional. Não sabemos por quanto tempo ainda haverá uma educação para os pobres e outra para os ricos, mas já temos certeza de que a escola, por si só, não é redentora da humanidade. Acreditamos que vamos entrar no terceiro milênio com uma escola tradicional nada revolucionária se comparada às suas origens.

Aspectos epistemológicos da escola tradicional

A abordagem tradicional do ensino parte do pressuposto de que a inteligência é uma faculdade que torna o homem capaz de armazenar informações, das mais simples às mais complexas. Nessa perspectiva é preciso decompor a realidade a ser estudada com o objetivo de simplificar o patrimônio de conhecimento a ser transmitido ao aluno que, por sua vez, deve armazenar tão somente os resultados do processo. Desse modo, na escola tradicional o conhecimento humano possui um caráter cumulativo, que deve ser adquirido pelo indivíduo pela transmissão dos conhecimentos a ser realizada na instituição escolar (Mizukami, 1986). O papel do indivíduo no processo de aprendizagem é basicamente de passividade, como se pode ver:

...atribui–se ao sujeito um papel irrelevante na elaboração e aquisição do conhecimento. Ao indivíduo que está "adquirindo" conhecimento compete memorizar definições, enunciados de leis, sínteses e resumos que lhe são oferecidos no processo de educação formal a partir de um esquema atomístico. (Mizukami, 1986. p.11)

Ao abordarmos os aspectos epistemológicos da escola construtivista discutiremos as três diferentes estratégias utilizadas pelas ciências humanas, na modernidade, para resolver o problema do conhecimento humano: o essencialismo, o fenomenismo e o historicismo.

Acreditamos que a escola tradicional ora se utilizou do inatismo — que tem origem no essencialismo do século XVII — e ora do ambientalismo — originado do fenomenismo do século XVIII — para seu suporte epistemológico, não importando, inclusive, o fato de serem contraditórios. Grosso modo, ou o aluno aprendia os conteúdos escolares porque era portador de uma inteligência inata, ou sua aprendizagem estava diretamente relacionada à quantidade ou qualidade da experiência escolar em determinado conteúdo. Conseqüentemente, como o historicismo veio superar essas duas primeiras estratégias, foi a partir dessa epistemologia historicista que se originou o construtivismo.

Aspectos teóricos da escola tradicional

De acordo com Mizukami (1986), a abordagem tradicional do processo de ensino–aprendizagem não se fundamenta em teorias empiricamente validadas, mas sim numa prática educativa e na sua transmissão através dos anos. Dessa forma, os pressupostos teóricos da escola tradicional partiram de concepções e práticas educacionais que prosseguiram no tempo sob as mais diferentes formas. As críticas à escola tradicional marcaram o início do surgimento das novas abordagens de ensino que tiveram de partir da própria abordagem tradicional como referencial teórico e prático de ensino.

Saviani (1991) mostra, porém, o caráter científico do ensino tradicional em suas origens e que

...se estruturou através de um método pedagógico, que é o método expositivo, que todos conhecem, todos passaram por ele, e muitos estão passando ainda, cuja matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart. Esses passos, que são o passo da preparação, o da apresentação, da comparação e assimilação, da generalização e da aplicação, correspondem ao método científico indutivo, tal como fora formulado por Bacon, método que podemos esquematizar em três momentos fundamentais: a observação, a generalização e a confirmação. Trata–se, portanto, daquele mesmo método formulado no interior do movimento filosófico do empirismo, que foi a base do desenvolvimento da ciência moderna. (Saviani, 1991. p.55)

O ensino tradicional pretende transmitir os conhecimentos, isto é, os conteúdos a serem ensinados por esse paradigma seriam previamente compendiados, sistematizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade. Dessa forma, é o professor que domina os conteúdos logicamente organizados e estruturados para serem transmitidos aos alunos. A ênfase do ensino tradicional, portanto, está na transmissão dos conhecimentos (Saviani, 1991).

Em trabalho que analisa as tendências pedagógicas na prática escolar, José Carlos Libâneo (1992. p.23–4) mostra detalhadamente as características da escola tradicional que transcrevemos no quadro a seguir:

Quadro 1


Aspectos metodológicos da escola tradicional

Como dito anteriormente, o ensino tradicional estruturou–se através do método pedagógico expositivo, cuja matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart. A seguir veremos uma síntese dos métodos de Herbart (1776–1841) e de Bacon (1561–1626) que transcrevemos de Saviani (1991. p.55):


Saviani (1991) elabora uma síntese interessante sobre essa estrutura do método tradicional, que vale ser lembrada:

Eis, pois, a estrutura do método; na lição seguinte começa–se corrigindo os exercícios, porque essa correção é o passo da preparação. Se os alunos fizerem corretamente os exercícios, eles assimilaram o conhecimento anterior, então eu posso passar para o novo. Se eles não fizeram corretamente, então eu preciso dar novos exercícios, é preciso que a aprendizagem se prolongue um pouco mais, que o ensino atente para as razões dessa demora, de tal modo que, finalmente, aquele conhecimento anterior seja de fato assimilado, o que será a condição para se passar para um novo conhecimento. (Saviani, 1991. p.56)

Mizukami (1986) também enfatiza o método expositivo como sendo o que caracteriza, essencialmente, a abordagem do ensino tradicional. A metodologia expositiva privilegia o papel do professor como o transmissor dos conhecimentos e o ponto fundamental desse processo será o produto da aprendizagem (a ser alcançado pelo aluno). Acredita–se que se o aluno foi capaz de reproduzir os conteúdos ensinados, ainda que de forma automática e invariável, houve aprendizagem. A autora demonstra também que outros fatores envolvidos no processo de ensino–aprendizagem, tais como os elementos da vida emocional ou afetiva do sujeito, são negligenciados e, por que não dizer, negados nesta abordagem, por supor–se que eles poderiam comprometer negativamente o processo.

A autora descreve também outra vertente do ensino tradicional, o chamado ensino intuitivo, o qual se pretende provocar certa atividade no aluno:

Esta forma de ensino pode ser caracterizada pelo método "maiêutico", cujo aspecto básico é o professor dirigir a classe a um resultado desejado, através de uma série de perguntas que representam, por sua vez, passos para se chegar ao objetivo proposto. (Mizukami, 1986. p.17)

Essa metodologia seria ainda muito comum atualmente em nossas salas de aula. Segundo a autora os que defendem tal método acreditam que ele provoca a pesquisa pessoal no aluno. Quando os alunos conseguem chegar ao objetivo proposto pelo professor, infere–se que eles compreenderam o conteúdo total proposto.

De acordo com Saviani (1991), o método tradicional continua sendo o mais utilizado pelos sistemas de ensino, principalmente os destinados aos filhos das classes populares. Ao nosso ver, porém, uma análise da escola privada destinada às classes privilegiadas da sociedade chegaria à conclusão de que o ensino tradicional continua a ser o mais utilizado. As escolas mais conceituadas do mundo, entre elas, as inglesas e as suíças, são as mais tradicionais possíveis, até por serem mesmo muito antigas. Em se falando da realidade brasileira e, especificamente cearense, podemos nos certificar de que esse é o modelo de ensino mais utilizado e até mais desejado pela sociedade.

Podemos questionar, no entanto, a qualidade do ensino da escola tradicional na atualidade. Constatamos, informalmente, que ela está empobrecida se comparada às instituições existentes nas décadas passadas. Os conhecimentos não estão sendo transmitidos com o mesmo rigor daquela antiga escola tradicional que instruiu nossos pais e avós.

Cremos ter mostrado as características principais do método tradicional de ensino. O importante é reconhecermos que o suporte teórico da escola tradicional já atravessou décadas e mais décadas no tempo, o que possibilitou várias modificações em sua essência original. Podemos dizer que o método expositivo atual guarda sensível semelhança com os passos de Herbart, mas, ao mesmo tempo, traz as peculiaridades dos paradigmas de ensino que vieram posteriormente. É verdadeiro falar até de uma certa contaminação dos outros métodos que tomaram o método tradicional como base (para criticá–lo e/ou ultrapassá–lo). E talvez não exista, sequer, um método puro.

A ESCOLA CONSTRUTIVISTA

Poderíamos começar perguntando: em que se baseia uma prática docente construtivista? Este questionamento se faz necessário para esclarecer um primeiro ponto antes de adentrarmos na teoria construtivista. Construtivismo não é um método. Construtivismo não é uma técnica. Veremos que esse novo paradigma de ensino na verdade não é exatamente uma metodologia e sim uma postura em relação à aquisição do conhecimento:

Construtivismo significa isto: a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento. (Becker, 1993. p.88)

Para uma melhor compreensão, a exemplo do que fizemos com o estudo da escola tradicional, dividimos essa discussão em tópicos que se complementam e servem para esclarecer a teoria construtivista.

Aspectos filosóficos do construtivismo

O construtivismo fundamenta–se no iluminismo. Por sua vez, a filosofia iluminista preceitua que o homem é um ser dotado de razão. Segundo Freitag (1993), a novidade introduzida é que a faculdade de fazer uso da razão não é transmitida geneticamente, mas uma potencialidade que precisa se desenvolver no decurso da vida. Para a autora, de acordo com Piaget e Kolberg, o ser humano tem, sim, uma predisposição para pensar e julgar com bases racionais, isto é, uma predisponibilidade para o racional, que, no entanto, não é uma herança genética. A construção do conhecimento humano pelo uso da razão tem o objetivo de alcançar os patamares mais elevados do pensamento lógico, do julgamento e da argumentação, sempre no sentido de haver reciprocidade na transmissão e na compreensão das idéias ditas pelo outro:

O pressuposto filosófico do Construtivismo é, de fato, um pressuposto iluminista. Sem a razão, teríamos a des–razão, teríamos a loucura, teríamos a impossibilidade de pensar o mundo, de ordenar, de construir uma visão, uma concepção sobre o mundo, da natureza e o mundo social, ou seja, a sociedade. Portanto, existe implícito no Construtivismo um postulado que eu chamaria de universalismo cognitivo. Potencialmente, o homem é um ser dotado de razão. Ou seja, ele tem um potencial cognitivo de pensar o mundo, de reconstruir no pensamento, nos conceitos, o mundo da natureza e de ordenar o mundo (inclusive o mundo social), com o auxílio de critérios racionais. (Freitag, 1993. p.28)

Aqui vale relembrar que os sistemas nacionais de ensino criados no século passado e que são o berço da escola tradicional desfrutaram da mesma inspiração filosófica que a escola construtivista. Os passos da prática pedagógica seguidos pela escola tradicional e pela escola construtivista são, no entanto, muito diferentes de acordo com os aspectos pedagógicos e metodológicos de cada escola discutidos neste estudo.

Aspectos epistemológicos do construtivismo

Epistemologia é uma ciência que tem como objeto o estudo do conhecimento ou a compreensão de como chegamos a conhecer. O conhecimento humano é tema que vem sendo estudado ao longo de toda a história da humanidade. Várias tentativas têm sido feitas de formulação de uma teoria, capaz de chegar a uma conclusão ou, ao menos, a uma aproximação sobre essa capacidade unicamente humana de reter, criar e elaborar conhecimento.

Ao analisar o problema da fundamentação teórica das ciências humanas, Domingues (1991) descreve as três diferentes estratégias da Episteme moderna:

1. Essencialista — Século XVII — voltada para o modus essendi das coisas, seu elemento próprio é o ser (essência) e as qualidades do ser (acidentes, atributos, modos etc.); toma a verdade como essência a des–velar;

2. Fenomenista — Século XVIII — voltada para o modus operandi dos fenômenos como notas da observação e da experiência, isto é, não como essências a desvelar, mas fatos a descrever; seu elemento próprio é o fenômeno e as correlações dos fenômenos;

3. Historicista — Século XIX — voltada para o modus faciendi das coisas, seu elemento próprio é o devir e as correlações do devir.

Domingues (1991) indica como a estratégia historicista superou as duas anteriores que vigoraram nos séculos XVII e XVIII:

Ao fim e ao cabo do conflito dessas duas estratégias contraditórias, que ocupou demasiadamente os espíritos dos dois séculos, emerge uma terceira estratégia discursiva, nem essencialista nem fenomenista, mas histórica, que vai alterar profundamente o programa de fundamentação do conhecimento e dar–lhe uma configuração absolutamente nova:

1) a realidade histórica está composta numa superfície que comporta dois planos ou níveis: em cima, a zona ruidosa dos acontecimentos, à que corresponde o mundo dos fenômenos da estratégia fenomenista; embaixo, a região instável do devir ou do ser–advento, algo parecida com o universo das essências da via essencialista;

2) para compreendermos o que se passa em cima é preciso saber o que se passa embaixo, e reconduzir os acontecimentos ao ser–advento ou ao devir. (Domingues, 1991. p.50)

Para os empiristas, inspirados pela estratégia fenomenista, o conhecimento tem origem e evolui a partir da experiência acumulada pelo indivíduo. É o chamado determinismo ambiental: o homem é produto do ambiente. Por sua vez, para os inatistas, influenciados pela estratégia essencialista, o conhecimento é pré–formado; já nascemos com as estruturas do conhecimento, que se atualizam à medida que nos desenvolvemos. Finalmente, o construtivismo, que se baseou na estratégia historicista, veio superar essas duas visões ao afirmar que o conhecimento resulta da interação do indivíduo com o ambiente:

As estruturas do pensamento, do julgamento e da argumentação dos sujeitos não são impostas às crianças, de fora, como acontece no behaviorismo... também não são consideradas inatas como se fossem uma dádiva da natureza. A concepção defendida por Piaget e pelos pós–piagetianos é que essas estruturas são o resultado de uma construção realizada por parte da criança em longas etapas de reflexão, de remanejamento. Poderíamos dizer que essas estruturas resultam da ação da criança sobre o mundo e da interação da criança com seus pares e interlocutores. (Freitag, 1993. p.27)

A mesma autora considera que os pressupostos epistemológicos do construtivismo se fundamentam na idéia de que o pensamento não tem fronteiras: ele se constrói, se destrói, se reconstrói. Um dos pontos principais da visão construtivista de ensino é que a aprendizagem é uma construção da própria criança, em que ela é o centro no processo, e não o professor.

Aspectos teóricos do construtivismo

Vários estudiosos deste século podem ser classificados como teóricos do construtivismo. Entre eles, os principais são: Jean Piaget (considerado o precursor, ao mesmo tempo que sua obra extensa continua baseando as pesquisas mais atuais sobre aquisição do conhecimento), Henri Wallon, L.S. Vigotsky, A. N. Leontiev, A. R. Luria e Emília Ferreiro. Esses dois últimos pesquisadores foram a fundo no estudo sobre a aquisição da escrita pela criança, sendo suas obras consideradas referenciais teóricos.

Dos autores citados Piaget é, sem dúvida, o mais importante teórico do construtivismo. Sua obra científica é tão vasta que após mais de quinze anos de sua morte a leitura de inúmeros de seus livros ainda é privilégio para estudantes completamente apaixonados por este gênio do conhecimento humano. Os dois pressupostos básicos de sua obra são o Interacionismo e o Construtivismo Seqüencial.

Para o biólogo suíço o desenvolvimento resulta de combinações entre aquilo que o organismo traz e as circunstâncias oferecidas pelo meio. O eixo central de sua teoria sobre o desenvolvimento mental é justamente a interação entre o organismo e o meio ambiente em que está inserido:

Cinqüenta anos de experiências ensinaram–nos que não existem conhecimentos resultantes de um simples registro de observações, sem uma estruturação devida às atividades do indivíduo. Mas tampouco existem (no homem) estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o funcionamento da inteligência é hereditário, e só gera estruturas mediante uma organização de ações sucessivas, exercidas sobre objetos. Daí resulta que uma epistemologia em conformidade com os dados da psicogênese não poderia ser empírica nem pré–formista, mas não pode deixar de ser um construtivismo, com a elaboração contínua de operações e de novas estruturas. (Piaget apud Macedo, 1990. p.14)

O interacionismo piagetiano pretende superar as concepções inatistas e comporta–mentalistas sobre como o homem adquire conhecimentos e condutas. Como vimos na discussão dos aspectos epistemológicos, essas duas posturas são contrárias à concepção construtivista de aquisição do conhecimento e, ao mesmo tempo, são fundidas para dar lugar a essa nova concepção chamada interação. Para Piaget essa interação se dá por dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio.

A adaptação ao meio é definida por Piaget como a própria função do desenvolvimento da inteligência. Ocorre por meio de dois processos complementares — assimilação e acomodação:

...a adaptação intelectual, como qualquer outra, é um estabelecimento de equilíbrio progressivo entre um mecanismo assimilador e uma acomodação complementar... em todos os casos, sem exceção, a adaptação só se considera realizada quando atinge um sistema estável, isto é, quando existe equilíbrio entre a acomodação e a assimilação. (Piaget, 1975. p.18)

É sempre bom lembrar que o significado desses dois termos utilizados por Piaget não se refere ao senso comum. Cotidianamente, assimilar refere–se a aprender, apreender ou fixar idéias ou ensinamentos; acomodar significa conformar–se ou adequar–se a uma situação. Em "O Nascimento da Inteligência na Criança", Piaget esclarece o sentido que dá a esses dois termos. Vejamos primeiro a assimilação:

Com efeito, a inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência. Quer se trate do pensamento que, graças ao juízo faz ingressar o novo no conhecido e reduz assim o universo às suas noções próprias, quer se trate da inteligência sensório–motora que estrutura igualmente as coisas percebidas, integrando–as nos seus esquemas, a adaptação intelectual comporta, em qualquer dos casos, um elemento de assimilação, isto é, de estruturação por incorporação da realidade exterior a formas devidas à atividade do sujeito. (Piaget, 1975. p.17)

Em relação à acomodação, Piaget define:

A vida mental também é acomodação ao meio ambiente. A assimilação nunca pode ser pura, visto que, ao incorporar novos elementos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica incessantemente os últimos para ajustá–los aos novos dados. Mas, inversamente, as coisas nunca são conhecidas em si mesmas, porquanto esse trabalho de acomodação só é possível em função do processo inverso de assimilação. (Piaget, 1975. p.18)

Os esquemas de assimilação vão se modificando, progressivamente, configurando os estágios de desenvolvimento, os quais, na teoria piagetiana, representam os suportes para o construtivismo seqüencial. A idéia central do construtivismo seqüencial é que os estágios evoluem como uma espiral, na qual cada um engloba o anterior e o amplia:

O desenvolvimento mental da criança surge, em síntese, como sucessão de três grandes construções, cada uma das quais prolonga a anterior, reconstruindo–a primeiro num plano novo para ultrapassá–la em seguida, cada vez mais amplamente. Isto já é verdade em relação à primeira, pois a construção dos esquemas sensório–motores prolonga e ultrapassa a das estruturas orgânicas ao longo do curso da embriogenia. Depois a construção das relações semióticas, do pensamento e das conexões interindividuais interioriza os esquemas de ação, reconstruindo–os no novo plano da representação e ultrapassa–os, até constituir o conjunto das operações concretas e das estruturas de cooperação. Enfim, desde o nível de 11–12 anos, o pensamento formal nascente reestrutura as operações concretas, subordinando–as a estruturas novas, cujo desdobramento se prolongará, desde a adolescência e toda vida ulterior (com muitas outras transformações ainda). (Piaget, 1975. p.131)

Piaget não definiu idades rígidas para os estágios por ele descritos. É certo que o construtivismo seqüencial baseia–se exatamente na constatação de que esses estágios apresentam–se em uma seqüência constante. A divisão piagetiana da evolução mental em grandes períodos ou estádios e em subperíodos ou subestádios obedece aos seguintes critérios:

1) A ordem de sucessão é constante, embora as idades médias que os caracterizam possam variar de um indivíduo para outro, conforme o grau de inteligência, ou de um meio social a outro. O desenrolar dos estádios é, portanto, capaz de motivar acelerações ou atrasos, mas a ordem de sucessão permanece constante nos domínios (operações etc.) em que se pode falar desses estádios;

2) Cada estádio é caracterizado por uma estrutura de conjunto em função da qual se explicam as principais reações particulares. Não seria possível, portanto, que a gente se contentasse com uma referência a elas ou se limitasse a apelar para a predominância de tal ou qual caráter (como é o caso dos estádios de Freud ou de Wallon);

3) As estruturas de conjunto são integrativas e não se substituem umas às outras: cada uma resulta da precedente, integrando–a na qualidade de estrutura subordinada, e prepara a seguinte, integrando–se a ela mais cedo ou mais tarde. (Piaget, Inhelder, 1994. p.129)

Piaget, Inhelder (1994) mencionam quatro fatores gerais estabelecidos para a evolução mental:

1) O crescimento orgânico e, especialmente, a maturação do complexo formado pelos sistema nervoso e pelos sistemas endócrinos. Não há dúvida, com efeito, de que certo número de condutas depende, mais ou menos diretamente, dos primórdios do funcionamento de alguns aparelhos ou circuitos...; a maturação desempenha um papel durante todo o crescimento mental;

2) Um segundo fator fundamental é o papel do exercício e da experiência adquirida na ação efetuada sobre os objetos (por oposição à experiência social). Esse fator é também essencial e necessário, até na formação das estruturas lógico–matemáticas;

3) O terceiro fator fundamental, mas também insuficiente por si só, é o das interações e transmissões sociais. De um lado, a socialização é uma estruturação, para a qual o indivíduo contribui tanto quanto dela recebe: donde a solidariedade e o isomorfismo entre as "operações" e a "cooperação" (numa ou duas palavras). Por outro lado, mesmo no caso das transmissões, nas quais o sujeito parece mais receptivo, como a transmissão escolar, a ação social é ineficaz sem uma assimilação ativa da criança, o que supõe instrumentos operatórios adequados;

4) processo de equilibração, não no sentido de simples equilíbrio de forças, como em mecânica, ou de aumento de entropia como em termodinâmica, mas no sentido, hoje preciso graças à cibernética, de auto–regulação, isto é, de seqüência de compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações exteriores e de regulagem ao mesmo tempo retroativa e antecipadora, que constitui um sistema permanente de tais compensações. (p.131–2)

Este último aspecto constitui um dos conceitos mais importantes de sua obra, o da Equilibração Majorante, que, em última instância, é o processo que permite que a criança ultrapasse um estágio inferior para chegar ao próximo imediatamente superior por sucessivas desequilibrações e reequilibrações. Esta é, sem dúvida, uma parte bastante densa de sua teoria e tem importância fundamental em sua utilização.

Sobre o papel da maturação orgânica no desenvolvimento mental da criança, Piaget (1994) considera que o crescimento biológico dos órgãos é fundamental, porém representa um dos fatores entre outros:

Mas que papel é esse? Cumpre notar, em primeiro lugar, que lhe conhecemos ainda muito mal os pormenores e não sabemos, em particular, quase nada das condições de maturação que possibilitam a constituição das grandes estruturas operatórias. Em segundo lugar, nos pontos de que temos informações, vemos que a maturação consiste, essencialmente, em abrir possibilidades novas e constitui, portanto, condição necessária do aparecimento de certas condutas, mas sem fornecer as condições suficientes, pois continua a ser igualmente indispensável que as possibilidades assim abertas se realizem e, para isso, que a maturação seja acrescentada de um exercício funcional e de um mínimo de experiência. Em terceiro lugar, quanto mais as aquisições se afastam das origens sensório–motoras tanto mais variável é a sua cronologia, não na ordem de sucessão, porém nas datas de aparecimento: esse fato basta para mostrar que a maturação está cada vez menos só nessa tarefa e que as influências do meio físico ou social crescem de importância. (Piaget, 1994. p.130)

Piaget não foi um educador como muitos ainda hoje pensam e sua obra destinada à educação não é extensa se comparada a outros temas. Mesmo assim, ele deixou contribuições incalculáveis quando conseguimos interpretar sua obra com vistas à prática escolar. Para ele a educação deve possibilitar à criança o desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório–motor até o período operatório abstrato. A escola deve levar em consideração os esquemas de assimilação da criança e partir deles. Deve favorecer a realização de atividades desafiadoras que provoquem desequilíbrio ("conflitos cognitivos") e reequilibrações sucessivas, para que promovam a descoberta e a construção do conhecimento.

É vital que a escola reconheça nessa construção do conhecimento infantil que as concepções das crianças (ou hipóteses) combinam–se às informações provenientes do meio. Assim, o conhecimento não é concebido apenas como espontaneamente descoberto pela criança, nem como mecanicamente transmitido pelo meio exterior ou pelo adulto, mas como resultado dessa interação na qual o indivíduo é sempre ativo. Contrariando todas as formas de modismos educacionais, Piaget efetivamente elabora uma teoria do conhecimento e não um método de ensino.

Em relação à aplicação pedagógica das teorias construtivistas, entre as quais a teoria de Piaget tem papel de destaque, devemos reconhecer a importância do papel do professor. É o professor o mediador do processo de aprendizagem da criança, isto é, ele é quem vai propiciar a interação entre os alunos e entre ele e seus alunos:

Criando situações problemáticas estará permitindo o surgimento de momentos de conflito para o alfabetizando e, conseqüentemente, o avanço cognitivo; estará considerando o aprendiz como um ser ativo, aquele que não espera passivamente que alguém venha lhe ensinar alguma coisa para começar a aprender, uma vez que por si só compara, ordena, classifica, reformula e elabora hipóteses, reorganizando sua ação em direção à construção do conhecimento. (Elias, 1991. p.50)

Macedo (1994) acredita que a formação de professores numa proposta construtivista é possível levando–se em consideração quatro pontos, que ele considera fundamentais:

Primeiro: é importante para o professor tomar consciência do que faz ou pensa a respeito de sua prática pedagógica. Segundo, ter uma visão crítica das atividades e procedimentos na sala de aula e dos valores culturais de sua função docente. Terceiro, adotar uma postura de pesquisador e não apenas de transmissor. Quarto, ter um melhor conhecimento dos conteúdos escolares e das características de aprendizagem de seus alunos. (Macedo, 1994. p.59)

A nosso ver, o mais importante em relação ao papel do professor na utilização do construtivismo é sua capacidade de aceitar que não é mais o centro do ensino e da aprendizagem. O professor deve saber que a criança e o adolescente aprendem em interação com o outro, que pode ser o próprio professor ou seus colegas de classe. Novas figuras são introduzidas nesse processo; a supremacia do professor deve dar lugar à competência para criar situações problematizadoras que provoquem o raciocínio do aluno e resultem em aprendizagem satisfatória.

Aspectos metodológicos do construtivismo

A questão da metodologia a ser adotada numa prática pedagógica construtivista é um dos aspectos que mais têm gerado controvérsias na aplicação da teoria à realidade da sala de aula. No caso da alfabetização isso fica claro em virtude de que, na escola tradicional, há uma valorização dos métodos e/ou técnicas de ensino da leitura e da escrita. O professor construtivista, por sua vez, tem consciência de que não pode mais utilizar essas velhas técnicas de alfabetização; no entanto, o ensino da leitura e da escrita e de outros aspectos próprios à alfabetização deverá também seguir uma metodologia coerente com os objetivos da proposta construtivista.

A prática de sala de aula deverá ter um norte, uma orientação, e isso não é deixar de ser construtivista. Ao contrário, as orientações metodológicas baseadas nas teorias construtivistas devem explicar não apenas os detalhes das técnicas utilizadas, mas principalmente, justificar teoricamente como se chegou até essas técnicas, quais são os objetivos em relação à aprendizagem e suas prováveis conseqüências em termos pedagógicos.

A técnica por si só não tem mais sentido algum na alfabetização. Quando, por exemplo, a professora da escola tradicional aplica o método silábico, ela se utiliza da técnica das famílias silábicas e não questiona por que as crianças devem aprender a ler e a escrever daquela maneira. Simplesmente aplica a técnica, sabe que ela funciona e, se funciona, não há o que questionar. O método e a técnica estão acima do conteúdo. A leitura e a escrita não são percebidas como um meio, mas como um fim em si mesmas. O importante é saber decifrar as sílabas, as palavras, as frases e o texto. Os problemas com a interpretação da leitura e com a produção de textos são deixados para as séries seguintes. Na alfabetização o que interessa é que a criança leia, ou melhor, decifre. Mas não é preciso elaborar um tratado sobre leitura para chegar à conclusão de que ler não é a mesma coisa que decifrar. É isso e muito mais...

Segundo Pimentel (1992), esta é uma das críticas feitas à prática pedagógica que se sustenta na teoria construtivista: a não utilização de um método para a alfabetização. Quando isso se confunde com um espontaneísmo irresponsável por parte do professor, pode gerar muitas deformações e prejuízos para a prática pedagógica:

O construtivismo é incompatível sim com um método fechado, do tipo dos que são tradicionalmente usados na aprendizagem da leitura e da escrita, porque este tipo de instrumento didático veicula uma generalização de conhecimento que todos sabemos não ser verdadeira: as crianças na alfabetização não se encontram todas no mesmo ponto de partida e nem aprendem, ao mesmo tempo, a ler e escrever. (Pimentel, 1991. p.30)

De acordo com esta autora, adotar um método exclusivo de ensino para a leitura e a escrita seria ignorar que as crianças não têm as mesmas experiências anteriores à própria escola, os mesmos interesses e necessidades e a mesma capacidade e velocidade de aprendizagem na alfabetização. Isto não significa que uma postura construtivista seja incompatível com a aquisição dos conteúdos curriculares. A maneira como estes conteúdos são trabalhados em sala de aula é que é diferente da utilizada na escola tradicional:

Mas isto não significa dizer que não se tenha, numa prática construtivista, uma metodologia de trabalho, uma organização curricular, uma vez que não há nenhuma incompatibilidade do construtivismo com os conteúdos curriculares. Na realidade o que muda é a forma como estes conteúdos são trabalhados pedagogicamente. (Pimentel, 1991. p.30)

ESCOLA TRADICIONAL E ESCOLA CONSTRUTIVISTA: CRÍTICAS

Um aspecto importante da escola tradicional é que ela se preocupa em transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. Possibilitar que todo esse acervo cultural seja objeto de aprendizagem é um dos méritos da escola tradicional. É óbvio que os conteúdos escolares têm de ser valorizados e efetivamente ensinados ao aluno. O que se discute é a forma mais adequada de realizar este contato dos alunos com os conteúdos curriculares.

De acordo com Franco (1991), por muito tempo se pensou que saber "de cor" era o mesmo que conhecer algo. No entanto, sabemos que o fato de decorar não significa que se tenha compreendido o que tentamos aprender. Ao nosso ver a verdadeira aprendizagem é a que consegue gerar conhecimento e desenvolvimento. Dessa forma a relação que se estabelece entre professor e alunos quando o primeiro expõe e os segundos anotam e decoram, não propicia a aprendizagem, ao contrário, dificulta ou impossibilita que ela ocorra:

Em relação ao construtivismo, é na aplicação pedagógica de suas teorias ao cotidiano da sala de aula que encontramos as mais diversas críticas e dificuldades. Talvez seja a partir desse obstáculo que muitas experiências tenham se equivocado quando se intitulavam construtivistas. É provável que essas escolas não tenham conseguido adequar a teoria construtivista à prática pedagógica.

Macedo (1994) alerta para o reconhecimento de que as dificuldades da aplicação pedagógica da obra de Piaget pode ser em razão de que, apesar de Piaget e a escola terem interesse comum pelo desenvolvimento da criança, seguem orientações diferentes para chegarem aos seus objetivos, que são teóricos para Piaget, e práticos para a escola:

Em suas pesquisas, o interesse fundamental era de natureza epistemológica e não psicológica ou pedagógica. Pretendia ele, com base em dados experimentais, recuperar a gênese das noções e os diferentes modos de sua estruturação cognitiva, desde um nível mais simples até um mais complexo. Assim, o interesse fundamental de Piaget foi o problema do conhecimento e sua construção, resultante das interações da criança com objetos ou pessoas. (Macedo, 1994. p.48)

Ainda para Macedo o interesse da educação é bem diferente dos interesses de Piaget descritos acima. A educação está muito mais preocupada em promover o desenvolvimento da criança:

O propósito da escola é retirá–la de seu estado atual e conduzi–la, tão sistematicamente quanto possível, para um estado diferente. Se a criança é analfabeta, a escola cuida de torná–la alfabetizada. Se a criança não sabe fazer contas, a escola cuida de ensinar–lhe regras de cálculo. Em uma palavra, a escola, qualquer que seja seu método, está interessada no aprendizado da criança como um resultado de sua ação sobre ela. (Macedo, 1994. p.48)

O reconhecimento das diferenças apontadas por Macedo (1994) entre os objetivos de Piaget e os objetivos da escola leva a pensar que a aplicação pedagógica da obra de Piaget requer muito esforço e cuidados e não se faz diretamente, simplesmente aplicando–se a teoria à prática de sala de aula. De acordo com esse autor, existem algumas maneiras interessantes de aplicar a obra de Piaget na prática pedagógica:

• o modo mais interessante refere–se ao esforço incessante de, na escola, se movimentar nas duas direções — teoria e prática — diferenciando–as e integrando–as até onde for possível;

• é fundamental o estudo da obra de Piaget ou de parte dela, tal como ele a desenvolveu (o estudo dos originais de Piaget);

• é necessária uma constante pesquisa voltada para as possibilidades de aplicação da obra de Piaget, com uma análise do modo concreto e particular como essa aplicação está sendo feita.

A nosso ver, no caso específico da alfabetização infantil, o professor, a partir do conhecimento imprescindível sobre a língua portuguesa e do conhecimento dos pressupostos da teoria construtivista, deve elaborar sua forma de trabalhar com as crianças. Não há receitas prontas para se trabalhar em sala de aula. Cada escola deve procurar um caminho para possibilitar a aquisição dos conteúdos curriculares à sua clientela.

Os críticos de Piaget acreditam que sua teoria enfatiza os aspectos cognitivos em detrimento dos aspectos social, afetivo e lingüístico. Chegou–se a criticar Piaget partindo da interpretação de que o conhecimento dos estágios do desenvolvimento infantil pode ser tomado como único critério para a ação do educador, minimizando–se os fatores sociais e políticos da educação. De acordo com essa crítica, considerar o desenvolvimento da inteligência como prioridade do trabalho pedagógico traria o risco de uma pedagogia elitista, centrada em propostas norteadas por uma teoria "científica" e implementada por educadores supostamente neutros.

Dando ênfase ao tema da aprendizagem, há teóricos de inspiração psicanalítica que apontam para a dimensão afetiva do saber, ou seja, o desejo de aprender. Será essa mais uma tentativa de desvendar os mistérios sobre a capacidade humana de aprender? O próprio Piaget preocupava–se com a relação entre a evolução intelectual e cognitiva da criança e o desenvolvimento da afetividade e da motivação:

Sustentar–se–á até, eventualmente, que os fatores dinâmicos fornecem a chave de todo o desenvolvimento mental, e são, afinal de contas, as necessidades de crescer, afirmar–se, amar e ser valorizado que constituem os motores da própria inteligência, tanto quanto das condutas em sua totalidade e em sua crescente complexidade. (Piaget, Inhelder, 1994. p.133)

Os críticos que afirmaram que o biólogo suíço não questionou os aspectos afetivos envolvidos na aprendizagem, de certo, nunca leram as linhas a seguir:

Vimo–lo mais de uma vez, a afetividade constitui a energética das condutas, cujo aspecto cognitivo se refere apenas às estruturas. Não existe, portanto, nenhuma conduta, por mais intelectual que seja, que não comporte, na qualidade de móveis, fatores afetivos; mas, reciprocamente, não poderia haver estados afetivos sem a intervenção de percepções ou compreensão, que constituem a sua estrutura cognitiva. A conduta é, portanto, una, mesmo que as estruturas não lhes expliquem a energética e mesmo que, reciprocamente, esta não tome aquelas em consideração: os dois aspectos afetivo e cognitivo são, ao mesmo tempo, inseparáveis e irredutíveis. (Piaget, Inhelder, 1994. p.133)

Em nossa opinião, o que sempre deve ser enfatizado é que o construtivismo não é, em sentido amplo, uma teoria da educação e não é, em sentido estrito, uma metodologia de ensino. É uma concepção teórica acerca de como o homem chega ao conhecimento, podendo alcançar vários campos da realidade contemporânea.

Este artigo é uma versão modificada de um capítulo da dissertação de mestrado apresentada em junho de 1996 no Programa de Pós–Graduação em Educação Brasileira da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará — FACED/UFC, intitulada A aquisição da língua escrita na criança: escola tradicional X escola construtivista.

Referências bibliográficas

  • BECKER, F. O que é construtivismo. Idéias São Paulo: FDE, n.20, p.8793, 1993.
  • DOMINGUES, I. O Grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação teórica das ciências humanas. São Paulo: Loyola, 1991.
  • ELIAS, M. C. As Idéias construtivistas mudam os caminhos da prática da alfabetização. São Paulo: Revista da Ande,v.11, n.18, p.4956, 1992.
  • FEIL, I.T.S. Alfabetização: um desafio novo para um novo tempo. Ijuí: Vozes; FIDENE, 1987.
  • FRANCO, S.R.F. O Construtivismo e a educação. Porto Velho: GAP, 1991.
  • FREITAG, B. Aspectos filosóficos e sócioantropológicos do construtivismo póspiagetiano. In: GROSSI, E.P., BORDIM, J. Construtivismo póspiagetiano: um novo paradigma de aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1993, p.2634.
  • GADOTTI, M. Histórias das idéias pedagógicas São Paulo: Ática, 1995.
  • LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia críticosocial dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992.
  • MACEDO, L. Ensaios construtivistas São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
  • MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.
  • PATTO, M. H. S. A Produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
  • PIAGET, J. O Nascimento da inteligência na criança 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: INL, 1975.
  • ________. Seis estudos de psicologia 20. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.
  • PIAGET, J., INHELDER, B. A Psicologia da criança. 3. ed. São Paulo: Difel, 1994.
  • PIMENTEL, M. A. M. O Modelo construtivista e o ensinoaprendizagem da leitura e da escrita. In: FUNDAÇÃO AMAE PARA EDUCAÇÃO E CULTURA. Reflexões construtivistasBelo Horizonte, 1991. p 1932.
  • SAVIANI, D. Escola e democracia 24. ed. São Paulo: Cortez, 1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Jul 1999
location_on
Fundação Carlos Chagas Av. Prof. Francisco Morato, 1565, 05513-900 São Paulo SP Brasil, Tel.: +55 11 3723-3000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadpesq@fcc.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro