Open-access Saberes profissionais nos planos de desenvolvimento de institutos federais de educação

Resumos

O artigo traz resultados de análises de documentos de instituições de educação profissional e tecnológica com relação ao uso dos saberes profissionais na sua interação com o sistema social. Foram analisados Planos de Desenvolvimento Institucional para o período de 2009 a 2013 de cinco Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, bem como documentos legais e do Ministério da Educação. Desejou-se saber como esses documentos definiram o uso dos saberes profissionais no atendimento de demandas específicas do sistema social. Foram priorizadas, sobretudo, demandas concretas do desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; de interesses de grupos sociais e instituições; de peculiaridades regionais; de arranjos produtivos, sociais e culturais locais e as decorrentes da necessidade de preservação do meio ambiente.

conhecimentos; ensino profissional; instituições de ensino; desenvolvimento social


The article presents results of analyses of documents from institutions of professional and technological education in relation to the use of professional knowledge in its interaction with the social system. Two types of documents were analysed: a. the Institutional Development Plans (from 2009 to 2013) of five Federal Institutes of Education, Science and Technology from Minas Gerais; b. legal documents, some of which from the Ministry of Education. The aim was to know how these documents defined the use of professional knowledge for specific demands of the social system. Priority was given to solid demands of the local, regional and national socioeconomic development; social concerns of social groups and institutions; regional peculiarities; productive, social and cultural local arrangements and these that came from need for environmental protection.

knowledge; vocational education; teaching institutions; social development


TEMA EM DESTAQUE

Saberes profissionais nos planos de desenvolvimento de institutos federais de educação

Professional knowledge according to development plans of federal institutes of education

Lucília Regina De Souza Machado

Coordenadora do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, do Instituto de Educação Continuada, Pesquisa e Extensão, do Centro Universitário Una – Belo Horizonte (MG), E-mail: lsmachado@uai.com.br

RESUMO

O artigo traz resultados de análises de documentos de instituições de educação profissional e tecnológica com relação ao uso dos saberes profissionais na sua interação com o sistema social. Foram analisados Planos de Desenvolvimento Institucional para o período de 2009 a 2013 de cinco Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, bem como documentos legais e do Ministério da Educação. Desejou-se saber como esses documentos definiram o uso dos saberes profissionais no atendimento de demandas específicas do sistema social. Foram priorizadas, sobretudo, demandas concretas do desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; de interesses de grupos sociais e instituições; de peculiaridades regionais; de arranjos produtivos, sociais e culturais locais e as decorrentes da necessidade de preservação do meio ambiente.

Palavras-chave: conhecimentos; ensino profissional; instituições de ensino; desenvolvimento social

ABSTRACT

The article presents results of analyses of documents from institutions of professional and technological education in relation to the use of professional knowledge in its interaction with the social system. Two types of documents were analysed: a. the Institutional Development Plans (from 2009 to 2013) of five Federal Institutes of Education, Science and Technology from Minas Gerais; b. legal documents, some of which from the Ministry of Education. The aim was to know how these documents defined the use of professional knowledge for specific demands of the social system. Priority was given to solid demands of the local, regional and national socioeconomic development; social concerns of social groups and institutions; regional peculiarities; productive, social and cultural local arrangements and these that came from need for environmental protection.

Keywords: knowledge; vocational education; teaching institutions; social development

Este texto é parte de pesquisa que se refere à construção da identidade de instituições de educação profissional e tecnológica, que passaram a ser o modelo dominante da rede do governo federal voltada para essa modalidade educacional. A pesquisa se desenvolve dentro da conjuntura de implantação dos 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, previstos em lei para todo o país (Brasil, 2007, 2008), e focaliza apenas as cinco unidades concernentes ao Estado de Minas Gerais.

Como instrumentos do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (Brasil, 2001), os institutos federais se definem como instituições de educação básica, profissional e superior, constituídas por um conjunto de campus localizados em mesorregiões, determinadas a promover a sustentabilidade ambiental, fortalecer os arranjos produtivos, sociais, culturais e educacionais, e apoiar o desenvolvimento local e a socialização de tecnologias, dentre outras finalidades. Conforme Machado e Salles,

No Plano Nacional de Educação, consta que a educação e o aprendizado implicam, necessariamente, a capacitação para a prática da cidadania responsável e consciente em consonância com as necessidades da sociedade. Assim, a formação e o aperfeiçoamento das aptidões individuais para a vida produtiva ou para o exercício da liderança científica, tecnológica, artística, cultural, política, intelectual, empresarial e sindical não poderia prescindir do desenvolvimento da responsabilidade social dos educandos. (2009, p. 43)

Ainda segundo Machado e Salles:

A Lei n. 10.172, de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação, também ressalta a importância da educação como meio e condição de integração social e realização pessoal. Para tanto, esta educação precisaria estar contextualizada tendo em vista o desenvolvimento da capacidade de aprender, de relacionamento com o meio social e político, de atitudes de cooperação, de solidariedade e responsabilidade. As pessoas precisariam se tornar mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas e mais respeitosas com relação às diferenças sociais. Uma educação contextualizada seria, assim, fundamental para o crescimento do país e a redução dos desequilíbrios regionais, nos marcos de um projeto nacional. (2009, p. 44)

Integrados à política de ordenamento da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação, os institutos federais foram, no seu nascedouro, convocados a realizar a interiorização da oferta educacional a partir de cidades-polo; a cobertura do maior número possível de mesorregiões e a sintonia com arranjos produtivos, sociais e culturais locais.

A pesquisa em curso busca, portanto, analisar de que forma essas instituições estão se programando e se movimentando em direção ao desenvolvimento de saberes profissionais contextualizados, especialmente soluções técnicas e tecnológicas, e como planejam socializar esses saberes e seus benefícios às comunidades concernidas.

Lessard e Tardif (2006, p. 27-28) retomam Schön (1990) para afirmar que uma escola profissional tem sempre uma orientação disciplinar e outra prática; que essa dupla direção carrega certas tensões e que há, atualmente, uma crise de confiança nos saberes profissionais, na formação profissional e na capacidade de as escolas profissionais prepararem para as exigências de uma prática cada vez mais definida com base na complexidade, na incerteza, na singularidade das situações e nos conflitos de valores.

Dentre as tensões, que têm desafiado as relações entre instituições formadoras, os saberes e a prática profissional, Lessard e Tardif (2006, p. 57) citam as oposições entre o saber geral e os saberes particulares; o saber considerado como um fim em si mesmo e o saber considerado como um meio ou uma ferramenta do progresso social; a ciência fundamental e a ciência aplicada; a distância crítica e o engajamento e o serviço útil; a educação do cidadão sábio e a do trabalhador competente; a moral da inteligência e da cultura do espírito e aquela da ação e do progresso social.

As relações entre instituições formadoras, saberes profissionais e práticas profissionais são, portanto, complexas e multidimensionais, pois respondem a diversas motivações sociais, econômicas, políticas, culturais e educacionais, por vezes contraditórias entre si.

Segundo Tanguy, "os saberes profissionais são objetos de conflitos sempre renovados, pois sua seleção e transmissão são frequentemente provisórias porquanto produto de um compartilhamento de poderes mal talhado, estabelecido sobre um compromisso ambíguo" (s/d, p. 4).

Com a normativa de atendimento das demandas do desenvolvimento local, é importante saber o que os planos de desenvolvimento institucional dos institutos federais apresentam sobre seu papel como instituição de formação profissional vis-à-vis aos saberes profissionais contextualizados e às demandas da prática profissional. Que atores sociais são mencionados quando se abordam os saberes profissionais, os currículos de formação, as aprendizagens, a produção e utilização do conhecimento diante dos contextos locais? Há explicitação de tensões? De que tipo?

Este artigo relaciona, portanto, a temática dos saberes profissionais e instituições educacionais de formação profissional na sua interação com o sistema social. Caria alerta para outros pontos que seriam mais importantes para repensar a relação da educação com o trabalho e a ciência. A prioridade, segundo o autor,

...não se encontra no ensino, tanto nos sistemas institucionais de formação, da perspectiva daquele que propõe o conhecimento e que está voltado para a aprendizagem, quanto nos contextos informais da educação (incluindo os de trabalho dos professores e educadores), e da perspectiva dos que estão em busca do conhecimento. (2006, p. 2-3, tradução nossa)

Ainda, para Caria, como a escola veicula apenas uma das formas de conhecimento, é da maior importância valorizar a "maneira pela qual os atores sociais mobilizam, utilizam e aprendem os conhecimentos de diferentes tipos e origens nos processos cotidianos de interação", uma vez que a reflexão sobre a modernidade se tornou mais complexa ao se reorientar para a "análise do sistema de interdependências e dos lugares de fronteira/intermediação que se desenvolvem e se constroem nos processos sociais de divisão social do conhecimento" (p. 3).

Este artigo, no entanto, se volta à relação entre saberes profissionais e instituições educacionais de formação profissional e o faz não para indagar sobre os sistemas de oferta de conhecimentos que essas apresentam; antes ele pressupõe que a escola não é o lugar do saber dos manuais, mas do saber em construção, ou melhor, em coconstrução (Barth, 1993). Desse modo, este artigo também se inspira em Caria (2006, p. 10) para perguntar: como planos de desenvolvimento institucional – PDI – de escolas profissionais veem os "saberes como formas de conhecimento definidas pelo uso segundo o ponto de vista dos atores sociais"?

Este artigo trata, exclusivamente, das respostas, à pergunta, inferidas da leitura e análise de PDIs dos cinco Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – IFMG – aprovados pelo Ministério da Educação. Buscou-se, nesses documentos, verificar de que forma os saberes profissionais foram abordados nas estratégias dessas instituições de construção de suas identidades educacionais voltadas ao atendimento das demandas do desenvolvimento dos territórios em que se situam.

Buscou-se, de modo especial e seguindo as formulações de Caria (2006, p. 6), identificar, nas intenções e motivações institucionais referentes aos saberes profissionais, se e como estes se apresentam: situados territorialmente; construídos na interação social cotidiana e sobre a singularidade do contexto do desenvolvimento local; adaptados à especificidade das situações-problema; adaptados às pessoas que interagem concretamente.

É importante lembrar a distinção que Caria (p. 7) faz entre o conceito de saber e os de informação, competência e qualificação. Estes últimos não foram objeto de análise da pesquisa realizada. Conforme o autor, o conceito de informação se refere a enunciados formalizados e independentes dos contextos de interação cotidianos; o de competência diz respeito ao modo individual e psicológico de seleção e organização de informações segundo princípios e regras de utilização dessas informações tendo em vista a resolução de problemas; e o de qualificação concerne ao processo que envolve classificações de saberes determinadas por exigências organizacionais externas. Já os saberes profissionais são conhecimentos ancorados em saberes práticos e contextuais (p. 9) e pressupõem um "certo nível de consciência dos atores sociais quanto ao conhecimento que eles utilizam resultando diretamente dos processos de interação social" (p. 13). Sobre esse "certo nível de consciência", Perrenoud assim se expressa:

No sentido estrito, os saberes são representações conscientes que pretendem dar conta da realidade, logo, de descrever ou explicar objetivamente objetos, situações, fatos, relações, estruturas, processos, acontecimentos, ações, pensamentos, emoções, sabendo que o sujeito faz parte do mundo e pretende se conhecer. (2001, p. 2, tradução nossa)

Com relação às ancoragens mencionadas por Caria (a prática e os contextos), buscaram-se, nos planos de desenvolvimento institucional dos institutos federais mineiros, os saberes profissionais que estivessem referidos a práticas profissionais concretas e aos contextos territoriais em que se acham inseridas essas instituições.

Barth (1993, p. 49), ao dar prioridade ao "saber em construção", por oposição ao saber construído e estático, formula que o saber é sempre contextualizado, possui uma estrutura, é evolutivo e cultural e dotado de dimensão afetiva: cada conceito remete a outros conceitos e faz parte de um sistema de relações, de uma rede conceitual, que forma uma estrutura complexa e abrangente, permitindo tornar o mundo compreensível. Como não está fixo, sofre as contingências dos sentidos que se conferem à realidade observada, estando, assim, em constante movimento. Na medida em que essa evolução é modelada pela experiência pessoal, pela interação com os outros, pelo intercâmbio, pelo compartilhamento, não existindo, portanto, de forma isolada no indivíduo, ela se torna cultural e também afetiva, porque a sensibilidade de cada sujeito funciona como uma armação que filtra, seleciona e modifica as informações recebidas pelos seus sentidos. Segundo Barth, é o contexto que vai permitir que os sujeitos atribuam sentidos aos saberes, no entanto, é preciso fazer quatro considerações. A primeira consideração é que se os saberes estão associados a contextos, isto quer dizer que não se transferem automaticamente e que não são apropriáveis espontaneamente, pois as pessoas fazem o reconhecimento de saberes novos associando-o aos contextos que lhes são familiares e, por esta via, não os reconhecem se estão fora do seu contexto ou dentro de contextos que não lhes são habituais. Segunda, que o saber não se confunde com seu contexto. É por isso que o uso de exemplos não é suficiente para comunicar um saber e nem para se fazer uma definição. Ao ser retirado de seu contexto original e ao ser utilizado em diferentes situações, o saber requer confrontos permanentes com aspectos de contexto para ser confirmado. Terceira, que o saber pode estar asfixiado por um determinado aspecto dominante de seu contexto, e, por último, que o saber pode estar induzido por seu contexto. Nesse caso, contextos mais estreitos ou mais largos exercem influências diferentes sobre as maneiras de se relacionar com um saber.

As questões expostas convergem com algumas das teses de Marx (1974) sobre Feuerbach, no sentido de que o saber depende do ser, que o seu saber é um saber histórico e que o seu saber é o saber de um ser ativo.

INSTITUTOS FEDERAIS E MUDANÇA PARADIGMÁTICA NO USO DOS SABERES PROFISSIONAIS

Por meio do documento Concepção e diretrizes: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, de 2008, o Ministério da Educação expressa sua expectativa sobre o papel dos Institutos Federais na mudança paradigmática do uso dos saberes profissionais na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Com a intenção de "trazer à luz aspectos identitários dessa nova institucionalidade" (p. 39), o documento entende essa mudança como uma "inversão da lógica até então presente" (p. 17) nesta rede, caracterizada por uma "concepção de caráter funcionalista, estreito e restrito apenas a atender aos objetivos determinados pelo capital, no que diz respeito ao seu interesse por mão de obra qualificada" (p. 23). Ao explicar o que seria essa mudança, o documento diz que:

Trata-se de um projeto progressista, que entende a educação como compromisso de transformação e de enriquecimento de conhecimentos objetivos capazes de modificar a vida social e de atribuir-lhe maior sentido e alcance no conjunto da experiência humana, proposta incompatível com uma visão conservadora de sociedade. Trata-se, portanto, de uma estratégia de ação política e de transformação social. A intenção é superar a visão althusseriana de instituição escolar enquanto mero aparelho ideológico do Estado, reprodutor dos valores da classe dominante e refletir em seu interior os interesses contraditórios de uma sociedade de classes. Os Institutos Federais reservam aos protagonistas do processo educativo, além do incontestável papel de lidar com o conhecimento científico-tecnológico, uma práxis que revela os lugares ocupados por cada indivíduo no tecido social, que traz à tona as diferentes concepções ideológicas e assegura aos sujeitos as condições de interpretar essa sociedade e exercer sua cidadania na perspectiva de um país fundado na justiça, na equidade e na solidariedade. (Brasil, 2008, p. 21)

Os argumentos ministeriais centram-se nas mudanças de concepção sobre o uso dos saberes profissionais, justificando, assim, "a necessidade de uma nova institucionalidade" em razão das "novas possibilidades de atuação", "em que o caráter social é preponderante" (p. 17). A criação dos institutos federais representaria "a materialização deste novo projeto", que busca dar um "maior destaque à educação profissional e tecnológica no seio da sociedade", mediante "uma ação integrada e referenciada na ocupação e desenvolvimento do território, entendido como lugar de vida" (p. 17). Esse novo projeto seria decorrente de uma tensão interna, que vinha se arrastando na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica:

...dentro dela se estabelecia uma correlação de força entre setores que sempre a tomaram como um braço a favor da acumulação capitalista e um movimento interno que vislumbrava no trabalho educativo importante instrumento de política social, assumida como aquela voltada para a criação de oportunidades, para a redistribuição dos benefícios sociais, visando à diminuição das desigualdades. (Brasil, 2008, p. 23)

Com base nessa concepção, o documento ao propor novos usos dos saberes profissionais o faz entendendo que também

O território, na perspectiva da análise social, só se torna um conceito a partir de seu uso, isto é, a partir do momento em que é pensado juntamente com atores que dele fazem uso. São esses atores que exercem, permanentemente, um diálogo com o território usado. Diálogo esse que inclui as coisas naturais e socioculturais, a herança social e a sociedade em seu movimento atual. (Brasil, 2008, p. 25)

Esse diálogo se desdobraria na constituição de uma rede de saberes, no entrelaçamento de cultura, trabalho, ciência e tecnologia em favor da sociedade, numa cadeia de solidariedade intercultural fundada na busca da igualdade na diversidade, no incremento de novos saberes e na incorporação dos setores sociais que historicamente foram alijados dos processos de desenvolvimento e modernização do Brasil.

O sentido do uso dos saberes profissionais passaria, portanto, a ser dado pela sua contribuição à construção de uma sociedade mais democrática, inclusiva e equilibrada social e ambientalmente; à conquista do desenvolvimento local e regional sustentável e à edificação de um país mais soberano e autônomo na produção de ciência e tecnologia.

O ponto de vista do MEC, com esse documento, configura os saberes profissionais nos institutos federais como saberes orientados por valores humanos universais, pela construção e resgate da cidadania, pela busca de transformações sociais a favor da inclusão social e da melhoria do padrão de vida da população dos territórios em que se acham essas instituições.

São saberes de suporte às políticas públicas e aos arranjos produtivos locais, capazes de potencializar o ser humano a desenvolver uma prática social interativa, compreender a realidade, pensar e agir na perspectiva da ultrapassagem dos obstáculos às transformações políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias.

Para tanto, o documento ministerial enfatiza a importância da superação da visão compartimentada dos saberes e das disciplinas e das dicotomias que fragmentam o conhecimento, tais como a separação entre teoria e prática e entre ciência e tecnologia.

Fundado no princípio educativo do trabalho e da pesquisa, estimulado pela atitude de curiosidade diante do mundo, articulado com o mundo da produção e do trabalho, embasado no sentimento crítico a respeito do lugar e da história, fortalecido pela integração disciplinar, o diálogo com o mundo dos territórios propiciaria, assim, uma mais profunda apropriação dos saberes profissionais tendo em vista a concretização do projeto de sociedade que se pretende fazer realidade.

Portanto, por meio do documento Concepção e diretrizes: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, de 2008, o Ministério da Educação aborda os saberes profissionais nessas instituições como formas de conhecimento definidas pelo uso segundo o ponto de vista de atores sociais. O documento relaciona os saberes profissionais às estratégias dos institutos federais de atendimento às demandas do desenvolvimento dos territórios em que esses se situam. Considera a necessidade de contemplar os pontos de vista de outros atores sociais dos contextos locais sobre os saberes profissionais e não exclusivamente ou predominantemente o olhar e os interesses econômicos e das empresas. A explicitação é feita levando-se em conta o histórico de tensões no interior das instituições federais de educação profissional e tecnológica envolvendo sua identidade e os compromissos dos saberes profissionais que produzem, aplicam e socializam.

A Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que instituiu, no âmbito do sistema federal de ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação e criou os institutos federais, deixou claro, por meio de incisos de seu Art. 1º, que a oferta educacional nessas instituições, "em todos os seus níveis e modalidades", deve pôr "ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional" (inciso I); que o "processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas" deve atender as "demandas sociais e peculiaridades regionais" (inciso II), "em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação" de cada instituto federal (inciso IV); promovendo "a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente" (inciso IX).

A seguir, serão apresentadas sínteses dos conteúdos dos planos de desenvolvimento institucional dos cinco institutos federais de Minas Gerais, elaborados para o período de 2009 a 2013, referidos às finalidades definidas por lei e de interesse desta pesquisa. A pesquisa documental buscou identificar: a. o que cada uma dessas instituições indicou sobre suas metas e estratégias com relação ao uso dos saberes profissionais; b. o que cada uma privilegiou com relação ao atendimento ao desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; c. quais interesses sociais específicos foram apontados como preferenciais ou prioritários; d. quais peculiaridades regionais pretendem considerar; e. quais arranjos produtivos, sociais e culturais locais foram identificados e deverão ser fortalecidos; f. quais necessidades referentes à preservação do meio ambiente se colocaram como prementes ao atendimento.

SABERES PROFISSIONAIS NO PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL (2009-2013)

DO IFMG

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – IFMG – abrange as seguintes mesorregiões do estado de Minas Gerais: Oeste (campus dos municípios de Bambuí e Formiga), Metropolitana (campus de Congonhas e Ouro Preto) e Vale do Rio Doce (campus de Governador Valadares e de São João Evangelista). A sede da sua reitoria se encontra na capital Belo Horizonte. O IFMG declara em seu Plano de Desenvolvimento Institucional para o período compreendido entre 2009 e 2013 que:

O princípio pedagógico da contextualização permite à instituição pensar os projetos pedagógicos de forma flexível, com uma ampla rede de significações, e não apenas como um lugar de transmissão do saber, vislumbrando a prática de uma educação que possibilite a aprendizagem de valores e de atitudes para conviver em democracia, e que, no domínio dos conhecimentos, habilite o corpo discente a discutir questões do interesse de todos, propiciando a melhoria da qualidade de vida, despertando a conscientização quanto às questões concernentes a questão ambiental e ao desenvolvimento econômico sustentável. (BRASIL, 2009, p. 15)

Por isso, propõe a

Inclusão de elementos sociais no ensino a fim de provocar aprendizagens significativas que mobilizem o corpo discente e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade, visando contribuir com a formação do discente frente às demandas sociais, para que este seja um agente transformador na comunidade com base no seu conhecimento adquirido. (BRASIL, 2009, p. 15)

O documento, entretanto, se atém basicamente a explicitar princípios e diretrizes muito gerais. Suas metas, em maioria, dizem respeito à criação das infraestruturas de ensino, pesquisa, extensão e de gestão. Entende-se essa preocupação, pois tais condições são consideradas essenciais para a realização das finalidades institucionais previstas em lei, mas não receberam detalhamentos objetivos. Nem mesmo as experiências de uso dos saberes profissionais acumuladas pelas instituições que se integraram para constituir o IFMG foram mencionadas. Há, no entanto, passagens no documento, como a que se reproduz a seguir, informadas por uma concepção de uso dos saberes profissionais focalizadas unilateralmente no viés do mercado de trabalho e nos critérios de conselhos profissionais, sem contemplar outros pontos de vista e necessidades de outros atores sociais, tal como sugerem os documentos normativos e legais de criação dos institutos federais:

A seleção dos conteúdos dos cursos oferecidos pela instituição, além de respeitar as normas estabelecidas pelos órgãos competentes do Ministério da Educação e pelos Conselhos Profissionais, é feita de acordo com as necessidades específicas de cada curso, objetivando formar um profissional que atenda de forma eficiente e adequada o mercado de trabalho no qual irá se inserir. Para que esse objetivo seja alcançado, é preciso que essa seleção seja feita de acordo com a proposta pedagógica dos cursos, garantindo a articulação entre o conteúdo e o método de ensino. (BRASIL, 2009, p. 39)

Essa concepção mais distante do que propõe o novo paradigma se repete quando o documento se refere à política voltada para o corpo discente, em particular aos egressos:

O IFMG tem como proposta desenvolver um Programa de Acompanhamento dos Egressos que tem por objetivo acompanhar e avaliar aspectos relacionados à inserção dos ex-alunos no mercado de trabalho, com o intuito de subsidiar os órgãos responsáveis pelo ensino no IFMG na reorganização didático-pedagógica dos cursos, de forma a adequá-los às necessidades e novas exigências profissionais, além de propor ações direcionadas a formação continuada e o estabelecimento de uma relação mais estreita entre os egressos e a Instituição. (BRASIL, 2009, p. 52-53)

Ou seja, os critérios sobre seleção de conteúdos e de acompanhamento de egressos estão referidos no conceito de ajustamento dos saberes profissionais ao seu uso pelo mercado de trabalho ou pelos conselhos profissionais. É importante dizer que em outras passagens o documento faz referências ao atendimento de demandas do desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional, mas sem especificar quais e sem definir as estratégias para tal. Nota-se, ainda, que é na parte que trata de política de responsabilidade social ou de extensão que tais questões merecem maior atenção, sem, contudo, chegar a um nível mais concreto de definição, tal como se vê nesta passagem:

O IFMG ampliará e aperfeiçoará suas atividades de extensão adotando mecanismos de articulação com instituições públicas e privadas (educacionais ou não), com segmentos da sociedade, com famílias e com setores produtivos. Dessa forma, ao desenvolver trabalho conjunto permanente, concretizado pelo alcance de objetivos comuns e prioritários, estará sendo viabilizada a meta do desenvolvimento sustentado. (BRASIL, 2009, p. 16-17)

Quanto aos interesses sociais a ser atendidos, o documento faz menção muito genérica às "demandas da sociedade e do mercado de trabalho" (p. 1), mas informa à frente, que:

...a instituição pretende rever o seu papel como um espaço de pensar em que circundam diferenças ideológicas e culturais, o papel do docente como agente de transformação social e os fundamentos teórico-metodológicos como instrumentos de conscientização e politização. (BRASIL, 2009, p. 17)

Informa, ainda, seu propósito de "discutir interna e externamente os projetos pedagógicos implantados, visando a uma contínua avaliação das práticas pedagógicas e sua real consonância com a vida e com o mundo do trabalho" (p. 18).

Com relação ao uso dos saberes profissionais diante das peculiaridades regionais identificadas, o documento nada menciona. Na introdução, o texto lembra que "inúmeras são as questões colocadas no objetivo de ofertar cursos técnicos, de graduação e de pós-graduação que atendam as realidades regionais nas quais os campi estão inseridos". Embora não faça avanços para dizer quais são essas questões, o documento cuida de dizer que:

Exige-se, diante destas questões, que os gestores do instituto, juntamente com os formuladores de políticas públicas da educação, dediquem atenção constante em busca de um equilíbrio entre formação profissional e acadêmica, entre formação básica e multidisciplinar e o desenvolvimento de atividades extracurriculares (Brasil, 2009, p. 18).

Ou seja, passa-se o conceito de que os saberes profissionais orientados às peculiaridades regionais precisam se pautar por certo equilíbrio, cujo critério não chega a ser definido. As ações concretas para se estabelecer diálogo com o território, tais como "Realizar workshops para a discussão dos arranjos produtivos regionais" ou "Incentivar o diagnóstico e discussão permanentes da realidade regional com as comunidades", foram citadas como política de extensão (p. 5), mas não se avançou para informar de que modo essas iniciativas se ligam às políticas de ensino, de pesquisa e de gestão. O documento informa, apenas, a intenção de "Realizar estudos que apontem alternativas para a criação de novos cursos, direcionados ao desenvolvimento técnico-científico e social das regiões abrangidas pelo instituto" (p. 17).

do IFNMG

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas – IFNMG – resultou da integração do Centro Federal de Educação Tecnológica de Januária e da Escola Agrotécnica Federal de Salinas. Está constituído por sete campi: os de Januária, Salinas, Montes Claros, Pirapora, Almenara, Arinos, Araçuaí. Sua reitoria está instalada em Montes Claros e sua área de abrangência cobre 126 municípios pertencentes a três mesorregiões do estado (Norte de Minas, parte do Noroeste e parte do Jequitinhonha). No Plano de Desenvolvimento para o período 2009-2013, o IFNMG busca expressar, de diferentes formas, seu compromisso com as demandas da sociedade e "a práxis do conhecimento acadêmico", assim o concebendo:

...os conhecimentos produzidos na interface do IFNMG/comunidade possibilitam transformações sociais e realimentam o processo ensino-aprendizagem, tornando-se, dessa forma, indispensáveis à formação dos alunos e à atualização dos docentes, além do exercício da cidadania. O aumento da complexidade das relações sociais decorrentes de um contexto sócio-econômico-cultural globalizado, em permanentes transformações, que gera tensões e exclusões, caracteriza a realidade do país e exige das instituições públicas um maior comprometimento com o bem-estar da sociedade. (BRASIL, 2009a, p. 47)

Para tanto, entre as metas, se encontram as seguintes: definir diretrizes para a atualização e o redimensionamento curricular dos cursos em sintonia com a dinâmica das necessidades locais, regionais e nacionais; promover a expansão dos cursos, em consonância com as demandas sociais; definir linhas prioritárias de pesquisa aplicada com base nas potencialidades e nas demandas sociais; estimular parcerias com entidades governamentais federais, estaduais, municipais e não governamentais. Como instrumento de diálogo social e interno, indicou que fará a implantação da Ouvidoria do IFNMG e a criação de um espaço no seu sítio web, destinado a captar sugestões da comunidade acadêmica e externa para a melhoria das suas atividades.

Em relação aos benefícios para o desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional, o IFNMG se posiciona pelo uso dos saberes profissionais de modo a "favorecer a geração de trabalho, a melhoria das condições de empregabilidade e o aumento da renda dos trabalhadores rurais e urbanos e de suas famílias" (p. 43) e a "fortalecer os trabalhos de incubação de empresas ou de projetos para estimular o empreendedorismo e o cooperativismo" (p. 50). Para tanto, conforme se encontra na p. 52, deseja firmar convênios com a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba – Codevasf –, o MEC, o Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT –, o Instituto Estadual de Florestas – IEF –, a Companhia Energética de Minas Gerais – Cemig –, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig –, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa –, Instituições de Ensino Superior – IES – e empresas públicas e privadas.

O IFNMG pressupõe "que a formação dos seus alunos não pode estar pautada numa visão reducionista do mercado de trabalho" (p. 47) e que é preciso "articular os saberes existentes com as necessidades dos indivíduos e da sociedade, uma vez que ciência e tecnologia são produções humanas marcadas por escolhas políticas e culturais" (p. 48).

O uso dos saberes profissionais pelo aluno egresso se pautaria na proposta do IFNMG caracterizada pela formação humanística; na visão global; na compreensão do meio social, político, econômico e cultural onde está inserido; na necessidade de tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente. Os problemas profissionais a que deve responder são amplos, indo além do desenvolvimento de atividades técnico-científicas para contemplar a ação empreendedora, a crítica das organizações, a identificação de oportunidades, a antecipação e promoção de transformações, a atuação em equipes interdisciplinares, a "ação efetiva de cada indivíduo para interferir no destino da comunidade", a articulação dos "saberes nas diversas áreas para construção significativa do conhecimento", a "elaboração conjunta de um saber que resulta da síntese entre teoria e prática" (p. 93-94).

Para viabilizar tais intenções, o IFNMG entende ser necessário se referenciar na democratização do saber, pois "a vida na sociedade é parte da produção coletiva do saber; assim, o conhecimento e a oportunidade de aprender são compartilhados num espaço de igualdade"; na necessidade da educação contínua, pois "a aprendizagem é fundamentada na visão da educação como processo permanente e no propósito de autodesenvolvimento"; e na visão global e integrada da dinâmica social, pois "o educando é considerado participante no processo de desenvolvimento da sociedade onde atua, com inserção compromissada" (p. 93-94).

O IFNMG, ao planejar suas atividades acadêmicas para o período de 2009 a 2013, se mostra interessado no desenvolvimento de "ações que possibilitem a inserção de segmentos marginalizados e minoritários" (p. 42) e em "acolher, de maneira substancial, um público que historicamente foi colocado à margem das políticas de formação para o trabalho" (p. 44). Propõe-se, assim, a desenvolver:

Projetos que agregam um conjunto de ações, técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social, geração de oportunidades e melhoria das condições de vida. Tais projetos visam, por exemplo, fortalecer a inclusão social e à formação cidadã por meio da articulação entre a Instituição, a comunidade e a empresa, ampliar o acesso ao ensino profissional para estudantes das redes públicas bem como consolidar a participação de alunos da graduação em projetos de qualificação profissional em nível básico. (BRASIL, 2009a, p. 57-58)

No seu planejamento, contudo, o IFNMG não detalha quais peculiaridades regionais serão objetos preferenciais de consideração de cada um dos seus campi. Há a determinação genérica de dotar os conteúdos dos cursos de "relações com a realidade local, regional, nacional e internacional, dentro de uma perspectiva histórica e contextualizada" (p. 94).

O documento menciona a existência de arranjos produtivos, sociais e culturais locais no estudo socioeconômico que fez das regiões em que os campi se inserem. Contudo, não explicitou quais arranjos deveriam ser fortalecidos e os saberes profissionais que seriam necessários para isso. O documento expressa, simplesmente, a necessidade de "ampliar parcerias com empresas (públicas e privadas) visando à melhor identificação dos [Arranjos Produtivos Locais] APLs e vocações regionais e potenciais" (p. 52). Posicionamento semelhante pode ser encontrado com relação às definições sobre o uso dos saberes profissionais para a preservação do meio ambiente. Para além das intenções genéricas, o documento se ateve a informar a meta de criar e fortalecer grupos e redes de pesquisa voltadas para a preservação ambiental (p. 18).

É importante ressaltar o propósito do IFNMG de promover o que chama de extensão "transcampus". Isto significa ações conjuntas dos diversos campi e "abrir espaço também para o diálogo com Instituições públicas, entidades do sistema S, organizações não governamentais, empresas privadas e voluntários da comunidade externa..." (p. 62-63), demonstrando, assim, a disposição institucional de incluir os diversos pontos de vista sobre o uso dos saberes profissionais na dinâmica das atividades acadêmicas.

do IFSUDESTE

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais – IFSUDESTE – abrange duas mesorregiões do Estado de Minas Gerais, a Zona da Mata e o Campo das Vertentes. Foi constituído a partir da integração da Escola Agrotécnica Federal de Barbacena, do Colégio Técnico Universitário antes integrado à Universidade Federal de Juiz de Fora, do Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica de Rio Pomba. A essas unidades se somam o Campus Muriaé, como parte do plano de expansão II, da Rede de Educação Profissional e Tecnológica, e o Núcleo Avançado de São João del-Rei.

O Plano de Desenvolvimento Institucional do IFSUDESTE é sucinto e não apresenta detalhamentos sobre seus objetivos estratégicos, especialmente no que diz respeito às finalidades definidas em lei e de interesse desta pesquisa. A instituição se diz motivada a "fortalecer a relação com a sociedade local e regional, em sintonia com os APLs" (p. 14). Embora não cite com quais organizações deste tipo estreitará seus vínculos, propõe-se a "adequar os novos cursos e as matrizes daqueles já existentes às demandas sociais e dos APLs" e "inserir nos projetos de cursos as atividades de articulação do ensino com os APLs e com as demandas identificadas" (p. 16). Há, portanto, o interesse pela incorporação de outros pontos de vista sobre o uso dos saberes profissionais aos seus processos de ensino-aprendizagem, pesquisa, extensão e gestão.

O IFSUDESTE se coloca, também, interessado ao uso dos saberes profissionais para "desenvolver a cultura empreendedora na Instituição, associada à inovação" (p. 14). Neste sentido, suas experiências com incubadoras de empresas (p. 24) e empresas juniores deverão ser ampliadas e reforçadas (p. 30). É também sua intenção "promover a pesquisa básica e aplicada, com foco na inovação e no desenvolvimento local e regional" (p. 23), "no meio ambiente e na responsabilidade social" (p. 14). O IFSUDESTE se propõe a "ampliar a oferta do ensino público de qualidade, respondendo com agilidade às demandas apresentadas pelos sujeitos, pela sociedade e pelo mundo do trabalho" (p. 13). Entende, entretanto, que:

...a mudança institucional deverá pautar-se em bases realistas. Na mudança interna, pela busca de um novo padrão de eficiência, pela oferta de um novo padrão de relacionamentos e por nova abordagem do ambiente externo, em que, por meio de novos Cursos, novo programa de Extensão e novo programa de Pesquisas, o Instituto venha efetivamente colocar-se em consonância com os novos tempos e em condições de fecundas parcerias com suas congêneres e com o meio empresarial local, regional e nacional. (BRASIL, 2009b, p. 13)

Nesse sentido, considera importante fortalecer, aprimorar e aperfeiçoar seus instrumentos de comunicação institucional e, para isso, informou seu propósito de instalar uma emissora de rádio e TV educativas.

do IFSULDEMINAS

As Escolas Agrotécnicas Federais de Inconfidentes, Machado e Muzambinho se integraram para constituir o Instituto Federal Sul de Minas – IFSULDEMINAS –, cuja reitoria está localizada em Pouso Alegre (MG). As três instituições vêm de experiências importantes no uso dos saberes profissionais agrários e, ao responderem à chamada para se integrarem num novo modelo de instituição de educação profissional e tecnológica, o fazem com a perspectiva de uma significativa ampliação e diversificação do seu diálogo com outros saberes profissionais.

O próprio exercício de elaboração do seu Plano de Desenvolvimento Institucional para o período de 2009 a 2013 traz a marca dos diferentes olhares, pois "foi fruto de um trabalho participativo que demandou tempo e empenho de diferentes setores, para expressar as necessidades de que a sociedade regional deve ser a grande beneficiada das atividades de ensino, pesquisa e extensão" (p. 150). O documento apresenta um grande volume de informações e constitui importante fonte de consulta para uso da prática acadêmica e dos processos de avaliação institucional. Traz a interpretação de que a criação dos institutos tem o significado de salto qualitativo na perspectiva da institucionalização da educação profissional e tecnológica no país. Deixa claro que o papel das instituições de educação profissional e tecnológica, com a criação desses institutos, sofreu uma flexão significativa com a incorporação do diálogo entre pesquisa, extensão, ensino e gestão na perspectiva do compromisso com o desenvolvimento local. Os programas de pesquisa no instituto federal do Sul de Minas, por exemplo,

...devem apresentar-se com função estratégica, devendo perpassar por todos os níveis de ensino. São objetos ainda destes programas, promover o atendimento de demandas sociais, do mundo do trabalho e da produção, com impactos nos arranjos produtivos locais e contribuição para o desenvolvimento local, regional e nacional e estimular a pesquisa comprometida com a inovação tecnológica e a transferência de tecnologia para a sociedade. (BRASIL, 2009c, p. 102)

O documento demonstra compreensão, por parte da comunidade acadêmica, da importância do conceito de "território" como unidade de referência para a definição das responsabilidades de cada instituto federal. É nesse sentido que expressa: "após a institucionalização, passamos a ter a responsabilidade de cultivar com mais ênfase o nosso compromisso com as questões sociais e com uma nova perspectiva de desenvolvimento" (p. 64). Esse compromisso leva "em consideração os princípios de sustentabilidade e solidariedade" e o trabalho de base para que cada cidadão "tenha consciência de que o bem-estar da sua comunidade política e do seu território depende da responsabilidade coletiva" (p. 65). Daí a importância do uso de saberes profissionais que possibilitem envolver a coletividade e conhecer a estrutura, a dinâmica e as potencialidades da organização da sociedade (p. 65). O documento trata, portanto, de processos de integração entre escola e comunidade, que teriam "papel fundamental para a definição das modalidades e prioridades na oferta de ensino, a identificação dos problemas de pesquisa e a realização de ações de extensão" (p. 64). Os saberes profissionais teriam, assim, relações com a identidade local e regional como chave à "construção de interesses, valores e projetos socioeducativos" (p. 59).

O Plano de Desenvolvimento Institucional do Instituto Federal Sul de Minas expressa, assim, o interesse pelo desenvolvimento e aprofundamento do diálogo social e de saberes profissionais, a ser desenvolvido e alimentado por "um Fórum de debates sobre o desenvolvimento local no Sul de Minas" (p. 23), por "encontros periódicos com empresários, trabalhadores, industriais e produtores rurais" (p. 24), por "parcerias com Associações, Cooperativas, Empresas, [organizações não governamentais] ONGs, Entidades de Classe, Administrações Públicas dos âmbitos Municipal, Estadual e Federal, Instituições de Pesquisa e de Extensão e demais Instituições Públicas e ou Privadas" (p. 23).

Ao tratar da importância da "adoção de abordagens que contemplem as diferenças, isto é, que valorizem distintas experiências e culturas locais, diversas epistemologias e espiritualidades" (p. 62), o documento reconhece a necessidade de incorporar diferentes pontos de vista sobre saberes profissionais e seus usos. Mas manifesta uma postura crítica com relação à concepção tradicional do uso dos saberes profissionais exclusivamente pela lógica do mercado, tal como se vê nesta passagem:

Pretende-se, pois, além do desenvolvimento tecnológico, oferecer subsídio para desenvolver programas de governo com propostas de inclusão social e com perspectivas mais abrangentes do processo de desenvolvimento, buscar a ampliação das liberdades dos indivíduos através do atendimento aos direitos básicos e da conquista dos espaços públicos pela Ação da Sociedade Civil, reduzir as desigualdades de oportunidades e criar condições para a autonomia e o empoderamento dos marginalizados. Enfim, libertar a visão de Desenvolvimento dos conceitos liberais induzidos pelo mercado. (BRASIL, 2009c, p. 65)

Nessa direção, o documento apresenta uma programação extensa para o período de 2009 a 2013, a ser desenvolvida no Sul de Minas Gerais, que inclui: qualificação e capacitação profissional, suporte à organização da sociedade civil, apoio e incentivo às iniciativas de geração de trabalho e renda, difusão da ciência e da tecnologia, o funcionamento de uma rádio e de uma TV educativas, palestras para a comunidade, incubadoras de empresas e de cooperativas, assistência técnica por meio de empresa júnior, eventos, prestação de serviços técnicos e consultorias para a comunidade, criação de uma revista de extensão, um programa de extensão de integração social com vivências dos alunos na comunidade, implantação de uma unidade do Observatório Nacional do Mundo do Trabalho etc. É interessante destacar a proposta de construção de uma agenda para o desenvolvimento local regional até 2022, denominada "Desenvolvimento como liberdade: 200 anos da Independência", como forma de comemoração do bicentenário da independência do Brasil. Vale, também, mencionar os seguintes projetos que o instituto se propõe a manter e desenvolver: o Centro de Ação Integrada para a Mulher Margarida Alves, destinado à promoção de políticas públicas de igualdade de gênero; a parceria com a Associação dos Municípios da Microrregião Baixa Mogiana na área da educação; e a Incubadora de Empresas de Base Tecnológica – Incetec –, uma estrutura de apoio à geração e consolidação de empresas de excelência na área tecnológica.

do IFTRIÂNGULO

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Triângulo Mineiro – IFTRIÂNGULO –, com reitoria em Uberaba, abrange toda a Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e parte da Mesorregião Noroeste de Minas Gerais. Esse instituto federal foi formado pela integração do Centro Federal de Educação Tecnológica de Uberaba, da Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia e das Unidades de Educação Descentralizadas de Paracatu e de Ituiutaba, dando origem, cada um, a um campus. No seu Plano de Desenvolvimento, o IFTriângulo tem por pressuposto que a nova institucionalidade da educação profissional e tecnológica originada com a criação dos institutos federais representa uma ruptura com relação ao uso dos saberes profissionais sob a hegemonia da lógica econômica. Contrapondo-se à tradição desse campo educacional, considera que:

Ao se organizar como uma Instituição, o IFTRIÂNGULO consolida o seu papel social elegendo o princípio básico do bem social como norteador do ato educativo construindo uma rede de saberes que entrelaça cultura, trabalho, ciência e tecnologia em favor da sociedade. (BRASIL, 2009d, p. 21)

O IFTriângulo toma, portanto, como referência a noção de "fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular", com a expectativa de promover a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade nas suas atividades (p. 48). Justifica essa opção por considerar que

...a superação das desigualdades sociais e a atenção às necessidades da população exigem a democratização do saber e a formação de cidadãos profissionais capazes de colocar a serviço do desenvolvimento político, econômico e social do espaço em que vivem o conhecimento científico tecnológico adquirido. (BRASIL, 2009d, p. 51)

Para tanto, propõe, entre outras metas: desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais e aprimorar o sistema de oferta de novos cursos e adequar os currículos existentes em consonância com os arranjos produtivos, sociais, culturais regionais e locais. Entre os programas de extensão, refere-se ao trabalho nas agrovilas, comunidades da agricultura familiar, agroindustriais e artesanais e a necessidade de estabelecer parcerias com entidades governamentais federais, estaduais, municipais e não governamentais, para otimizar sua sintonia com a sociedade.

Em relação à inclusão social, se propõe a colocar os saberes profissionais a serviço de grupos sociais discriminados ou sub-representados; da defesa do meio ambiente, pelo desenvolvimento de pesquisa e socialização de seus resultados; pela preservação da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural; pelo estímulo ao empreendedorismo e ao desenvolvimento científico e tecnológico de responsabilidade social. Propõe-se, ainda, a apoiar os movimentos sociais que atuam na solução de demandas da sociedade local e regional (p. 50).

Sobre as estratégias de comunicação visando à troca de saberes com os diferentes atores sociais, o IFTriângulo cita a realização e participação de eventos e de programas organizados por veículos de mídia, a edição de jornal institucional e a criação de uma ouvidoria própria.

CONCLUSÕES

Pode-se interpretar a proposta de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia como uma inovação paradigmática com relação à agenda da educação profissional e tecnológica brasileira e ao modo de construí-la, ao caráter dessas instituições, à forma de usar os saberes profissionais para responder demandas sociais, ao diálogo entre processo de ensino-aprendizagem, pesquisa, extensão e gestão.

O novo modelo de instituição de educação profissional e tecnológica se fundamenta no hibridismo do contexto do qual emergem as demandas por saberes profissionais e de aplicação, que inclui e ultrapassa os tradicionais requerimentos dos chamados setores produtivos. A necessidade de atender outros interesses sociais e de dar conta dos relacionamentos interdisciplinares, intersetoriais e interculturais requer dessas novas instituições maior sensibilidade com relação a valores, aspirações, necessidades e preferências de diferentes indivíduos e grupos sociais.

Na construção de suas identidades institucionais, os institutos federais estão, agora, desafiados a identificar as parcerias estratégicas, mobilizar ativos locais, explorar potencialidades e oportunidades, a incorporar todos os aspectos das mesorregiões em que se situam: os físico-territoriais, os étnico-culturais, os socioeconômicos e os político-institucionais.

Desenvolvimento local significa alteração das condições de concentração do conhecimento, do poder e da riqueza; promoção de mudanças educacionais, culturais, sociais, políticas e econômicas; ampliação da esfera pública e transformação das relações entre Estado, mercado e sociedade, pois pressupõe mobilização, participação e gestão social com base no reconhecimento e valorização dos ativos locais.

A inserção institucional no território pressupõe a articulação entre a práxis educativa e a práxis produtiva nas suas diferentes manifestações, compreendendo as iniciativas populares, a busca da eficiência produtiva dos projetos econômicos de caráter social, a orientação e o apoio para a produção sustentável do ponto de vista econômico, ambiental e social.

Os planos de desenvolvimento institucional analisados não se detiveram ao detalhamento dos compromissos dos cinco institutos mineiros e as formas de sua participação em arranjos educacionais locais e regionais pela via da cooperação com as tarefas de estados e municípios de desenvolvimento da educação pública.

Sabe-se que documentos como planos de desenvolvimento institucional possuem suas limitações, pois esses muitas vezes cumprem funções burocráticas e nem sempre são tomados como referência para a gestão. Contudo, são janelas pelas quais as instituições se deixam olhar. Torna-se necessário, na sua implementação, extrair as consequências programáticas dos estudos realizados sobre seus contextos de atuação; garantir ambientes propícios à materialização das propostas e metas apresentadas; informar sobre os campos diversificados de vivência acadêmica; assumir efetivamente os novos desafios propostos pela legislação; promover a motivação de todos os participantes; favorecer a interação de diferentes tipos; investir na qualificação do pessoal técnico e docente; sistematizar experiências, mostrar coerência entre princípios, finalidades e resultados.

Não basta reconhecer a maior heterogeneidade dos atores sociais envolvidos na construção deste novo modelo educacional; é preciso conhecer suas motivações e interesses e saber das suas implicações para a economia política e a antropologia da produção e uso dos saberes profissionais. Do lado interno dos institutos federais, a proposta implica maior diversidade da comunidade acadêmica como decorrência do seu desenho pluricurricular e multicampi e da verticalização da oferta educacional, concebida com vistas a obter benefícios proporcionados pela economia de alcance. Do lado externo, emerge, na relação com o entorno social, maior diferenciação de atores e de interesses a serem atendidos (sociais, culturais, educacionais e políticos) além dos econômicos que, tradicionalmente, foram tomados como prioritários.

A maior e mais estreita interação entre os diversos atores sociais da produção e uso dos saberes profissionais representa, para as novas instituições, a perspectiva de um amplo leque de possíveis acordos de cooperação e de alianças estratégicas, para os quais se exige habilidade na condução das negociações. Obriga, também, que essas instituições se organizem de forma mais horizontalizada para se abrir aos diferentes pontos de vista sobre a produção e uso dos saberes profissionais, à criatividade humana como um fenômeno social e coletivo, à maior responsabilidade social com relação à definição de prioridades e implicações das decisões tomadas. Uma estrutura mais aberta e mais descentralizada do ponto de vista político e administrativo e inovações nas estratégias de comunicação institucional são fundamentais para que essas instituições se tornem mais permeáveis às demandas do entorno e às interações com diferentes interesses, motivações, experiências e culturas.

Isso tudo traz consequências para a avaliação institucional, que se torna mais socialmente distribuída ao contemplar a diversidade dos olhares e dos interesses sociais. Portanto, outras dimensões e de outros critérios de avaliação envolvidos no uso dos saberes profissionais podem tornar o controle da qualidade mais dependente com relação aos contextos locais e regionais.

A proposta do governo tem como pressuposto que a nova ética de produção e uso dos saberes profissionais possa surgir de estruturas educacionais previamente existentes (Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica; Escolas Agrotécnicas; escolas vinculadas a universidades) e que essas possam ser transformadas a partir de mecanismos externos de indução, dos processos de integração formal das instituições e de mudança jurídica. Possivelmente, a nova ética de produzir e usar os saberes profissionais ao interagir com a anteriormente vigente, pode não chegar a suplantá-la, mas se acomodar nos seus interstícios sem alcançar a posição de hegemonia. Pode sequer chegar a ser implantada de fato, restando limitada às intenções registradas nos documentos institucionais.

Os elementos encontrados nos planos de desenvolvimento institucional refletem a fase inicial da implantação dos institutos federais, caracterizada por certa fluidez e, possivelmente, por tensões, latentes ou manifestas, que não chegaram a sofrer registros nos documentos consultados.

Recebido em: JULHO 2010

Aprovado para publicação em: MAIO 2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2011

Histórico

  • Recebido
    Jul 2010
  • Aceito
    Maio 2011
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