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Jovens na Transição Escola-Trabalho: Tensões e Intenções

RESENHAS

Jovens na Transição Escola-Trabalho: Tensões e Intenções

Dagmar M. L. Zibas I

IDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo pzibas@uol.com.br

GISELA LOBO BAPTISTA PEREIRA TARTUCE SÃO PAULO: ANNABLUME, SÃO PAULO, 264 p.

É com originalidade e rigor que a autora enfrenta a complexa questão, sempre em evidência: os processos de inserção dos jovens no mundo do trabalho.

Fruto de tese de doutorado, a publicação evidencia a segurança de Gisela Tartuce no desenvolvimento da pesquisa empírica, cuja consistência tem por base a orientação de reconhecida especialista do curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, e é também sustentada pela sólida trajetória profissional e acadêmica da autora no Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas.

De fato, Tartuce, em sua dissertação de mestrado, já havia mergulhado, com rara sensibilidade crítica, nos desafiadores meandros teóricos de obras clássicas da sociologia do trabalho.

Nesta pesquisa, a abordagem empírica traz as vozes eloquentes de jovens, cujos "caminhos de pedras", como diria Milton Nascimento, não impedem expectativas otimistas, estratégias diversificadas e diferentes níveis de esforço para melhorar as chances de obter uma ocupação satisfatória. As frequentes dissonâncias entre o que é representado nessa busca e o que é efetivamente concretizado também constituem importante objeto de análise.

A discussão de princípios teóricos está intrinsecamente ligada à orientação metodológica e à definição dos procedimentos de campo. Assim é que a conclusão teórica de que não há homogeneidade na condição de "ser jovem" fez com que a seleção do grupo pesquisado contemplasse diversas diferenças objetivas.

Foram entrevistados 21 rapazes e 24 moças, matriculados ou egressos do ensino médio, ou já cursando nível superior, oriundos de escolas públicas e privadas, com idades que variam entre 15 e 28 anos, ainda vivendo com os pais ou com famílias próprias já constituídas, pertencentes a camadas sociais menos ou mais favorecidas, com algumas diferenças étnicas, desempregados ou já inseridos em algum tipo de ocupação.

Essa diversidade foi alcançada por meio de adequada seleção das instituições contatadas para a escolha do grupo a ser entrevistado: uma agência privada de recrutamento para o mercado de trabalho e o Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE -, voltado para a seleção de estudantes para estágios em empresas de diversas áreas.

Em consonância com o princípio teórico pelo qual indivíduo e sociedade não são entidades antagônicas, mas interativas e complementares, o roteiro de entrevistas, semiestruturado, foi elaborado para captar o que era idiossincrático em cada entrevistado, bem como expectativas e valores compartilhados socialmente.

Os procedimentos de campo são relatados de forma precisa e, ao mesmo tempo, informal, o que acrescenta ao texto uma qualidade didática muito útil a pesquisadores iniciantes. A exposição das dificuldades pessoais e contextuais enfrentadas pela pesquisadora, quando de sua imersão no trabalho de campo, parece ter também outro propósito: encurtar a distância entre "ciência e vida", tal como definida na oportuna citação, em epígrafe, do sempre pertinente Rubem Alves.

Os procedimentos de tratamento dos dados foram rigorosos e complexos, na medida em que procuraram distanciar-se de duas abordagens extremas: "a restitutiva, que apenas reproduz depoimentos como se fossem análises propriamente ditas", e "a ilustrativa, que retira trechos das entrevistas que melhor se encaixem nas categorias teóricas estabelecidas a priori pelo pesquisador".

O equilíbrio analítico pretendido é alcançado pela intermediação do construto teórico denominado "configurações discursivas". Tal construto exige: uma leitura em profundidade de cada depoimento, registrando-se desde seus aspectos léxicos e temas específicos abordados, até a postura física e psicológica do jovem durante a situação de entrevista, de forma a registrar o que é único em cada indivíduo; e uma leitura transversal do conjunto de discursos, que possibilite compreender a forma pela qual a singularidade de cada depoente se insere no conjunto de representações partilhadas socialmente.

A partir desses dois níveis de leitura das entrevistas, a autora identifica sete "configurações discursivas", ou sete maneiras de os jovens falarem dos processos de transição em que se inserem.

O círculo metodológico desenvolvido fecha-se perfeitamente com o exame das "configurações discursivas" à luz dos fundamentos teóricos discutidos previamente.

A contribuição mais original do estudo é de ordem metodológica, pois apresenta um quadro policromático, o qual, não descuidando das diferenças individuais, sistematiza as convergências que viabilizam a análise. Em outro registro, pode-se dizer que é construído um painel polifônico que, por meio das configurações discursivas cuidadosamente "peneiradas" pela autora, organiza os discursos individuais em subgrupos que expressam as mesmas representações sobre o significado da transição escola-trabalho.

A discussão dos eixos de tal "polifonia sistematizada" indica que não é correta a usual abordagem monolítica das tensões presentes nos processos de iniciação no mundo do trabalho. Ou seja, a pesquisa permite melhor compreensão do problema, ao dar uma visão estruturada dos diferentes espaços socioculturais e econômicos vivenciados pelos sujeitos, a partir dos quais é construída uma diversidade de valores, expectativas e significados.

Mais ainda, a análise das configurações discursivas detectadas aponta para o fato de que a transição escola-trabalho está mergulhada em uma complexidade muito maior do que aquela geralmente considerada, uma vez que vem inevitavelmente imbricada em um processo mais tortuoso e subjetivo, que é a travessia da adolescência para a vida adulta.

Essas e diversas outras conclusões significativas, advindas do rigor do método e da discussão aprofundada de bibliografia pertinente, indicam que o texto de Tartuce deverá, necessariamente, tornar-se referência obrigatória na área.

Adicionalmente, a consistência e a relevância dos resultados são de molde a impor as seguintes observações: trabalho de campo foi efetuado entre fevereiro e outubro de 2006. Sabe-se que aquele ano marcou o início de um avanço econômico que, embora com tropeços, parece agora apontar para um processo de desenvolvimento sustentável do país. De lá para cá, houve forte aumento do nível de empregos formais e a consequente inserção de grande contingente populacional na chamada "nova classe média"; concomitantemente a esse processo, 2006 foi o ano em que começou a implantação do polêmico projeto de inclusão universitária, o Programa Universidade para Todos - Prouni -, agora já bastante consolidado.

Essas e outras novas condições econômicas e sociais parecem indicar a necessidade de um desdobramento da pesquisa de Tartuce, de modo que sejam registradas eventuais mudanças nas expectativas, valores e representações que os jovens carregam ao enfrentar o sempre áspero "caminho de pedras" na travessia entre escola e trabalho.

A sugestão é dada principalmente para a autora, mas também para outros pesquisadores que procuram focalizar os temas mais desafiadores desta segunda década do século XXI.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2011
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