Open-access ATIVISMO DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS: DA COZINHA À ARENA NACIONAL E INTERNACIONAL

EL ACTIVISMO DE LAS TRABAJADORAS DEL SERVICIO DOMÉSTICO: DE LA COCINA AL ÁMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL

ACTIVISME DES EMPLOYÉES DE MAISON: DE LA CUISINE À L’ARÈNE NATIONALE ET INTERNATIONALE

Resumo

Este artigo discute o ativismo político das trabalhadoras domésticas e sua importância para os avanços legais da categoria. Para tanto, retornamos à fundação da primeira Associação das Trabalhadoras Domésticas no Brasil e passamos pela organização nacional da categoria por meio de seus congressos nacionais e sua extensão à arena internacional. O que vemos nesse longo processo é uma articulação política com os movimentos classista-sindicais, movimento negro e movimento feminista. Constatamos que, em todos os momentos de avanços legais, o ativismo político das trabalhadoras estava presente. Independentemente de as trabalhadoras domésticas conquistarem ou não uma equiparação legal e de fato com os demais trabalhadores, registramos essa história exitosa, que pode ser vista como uma luta decolonial.

SINDICATO; TRABALHO DOMÉSTICO; FENATRAD; RAÇA

Abstract

This article discusses the political activism of Brazilian domestic workers and its importance for the legal advances of the professional category. To this end, we trace the history of the movement back to the founding of the first Association of Domestic Workers in Brazil and follow its trajectory through its national congresses as well as its activities in the international arena. What we observe throughout this long process is a practice of relationship-building with trade union, Black, and feminist movements. We also observe that in the struggle surrounding each legal advancement, the political activism of domestic-worker unions was present. Regardless of whether domestic workers have achieved full legal parity with other workers, we present the history of this movement as articulating a clear demand to decolonize Brazilian social and racial relations.

UNION; DOMESTIC WORK; FENATRAD; RACE

Resumen

Este artículo discute el activismo político de las trabajadoras domésticas y su importancia para los avances jurídicos de la categoría. Para ello, retomamos la fundación de la primera Asociación de Trabajadoras Domésticas en el Brasil y pasamos por la organización nacional de la categoría a través de sus congresos nacionales y su extensión al ámbito internacional. Lo que vemos en este largo proceso es una articulación política con los movimientos sindicales de clase, el movimiento negro y el movimiento feminista. Constatamos que, en todos los momentos de avances legales, el activismo político de las trabajadoras estuvo presente. Independientemente de las trabajadoras domésticas conquistar o no una igualdad legal y de facto con los demás trabajadores, registramos esta historia exitosa, que puede verse como una lucha decolonial.

SINDICATO; TRABAJO DOMÉSTICO; FENATRAD; RAZA

Résumé

Cet article traite de l’activisme politique des employées de maison et de son importance pour les conquêtes juridiques de la catégorie. Pour ce faire, nous sommes remontés à la fondation de la première Association des Employées de Maison au Brésil et nous nous sommes penchés sur l’organisation nationale de la catégorie par le biais de ses congrès nationaux et de son déploiement dans l’arène internationale. Nous avons pu observer dans ce long processus qu’une articulation politique avec les mouvements syndicaux, le mouvement noir et le mouvement féministe. Nous avons constaté qu’à chaque fois que des progrès juridiques se sont réalisés, l’activisme politique des employées de maison était présent. Que ces travailleuses aient obtenu ou non une égalité juridique et de fait avec les autres travailleurs, nous avons consigné cette histoire réussie, qui peut être considérée comme une lutte décoloniale.

SYNDICAT; TRAVAIL DOMESTIQUE; FENATRAD; RACE

O TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO PODE SER VISTO COMO A PONTA DO ICEBERG do engendramento histórico da opressão e desigualdades de classe, raça e gênero. Esse engendramento histórico, combinado com o racismo e a branquitude, nas palavras de Theodoro (2022), constitui uma sociedade com níveis tão acentuados e normalizados de desigualdades econômicas a ponto de um(a) trabalhador(a) assalariado(a) poder contratar uma outra trabalhadora. No Brasil, como muitos estudiosos vêm mostrando nas últimas décadas, os vestígios da escravidão continuam muito presentes nas práticas de trabalho doméstico: assédios sexuais, físicos e morais, trabalho forçado, trabalho infantil e outros abusos (Gonzalez, 1979; Teixeira, 2021; Hordge-Freeman, 2022; Jimenez-Jimenez, 2018).

Atualmente o trabalho doméstico emprega quase 6 milhões de pessoas no Brasil, sendo que a maioria das pessoas ocupadas são mulheres (92%). De cada 100 mulheres ocupadas no mercado de trabalho, aproximadamente 15 estão no trabalho doméstico. Quando se considera a dimensão racial, constata-se que 62% das trabalhadoras domésticas são mulheres negras. A centralidade do trabalho doméstico para as mulheres negras evidencia-se também quando verificamos que 18% dessas mulheres economicamente ativas estão empregadas como trabalhadoras domésticas em oposição a 10% das mulheres brancas (Pinheiro et al., 2020).

Outra dimensão desse engendramento entre classe, raça e gênero é a vulnerabilidade à qual as trabalhadoras domésticas estão expostas no local de trabalho, sendo muitas vezes alvo de discriminações raciais, classistas e assédio sexual. Essas discriminações, especialmente no passado, eram mais recorrentes entre as trabalhadoras domésticas menores de idade - as “crias da família” - e também entre aquelas que moravam no local de trabalho (Hordge-Freeman, 2022).

Transformações legais e estruturais na sociedade brasileira resultaram em uma redução tanto do número de trabalhadoras domésticas menores de idade quanto daquelas residentes no local de trabalho (Fraga, 2013). Entre essas mudanças estão a redução do número de trabalhadoras domésticas provenientes das zonas rurais e, em contrapartida, maior número de trabalhadoras domésticas que moram nas periferias das grandes cidades que vão e voltam para o trabalho diariamente, o desaparecimento dos quartos de empregadas das plantas arquitetônicas das novas moradias das cidades brasileiras, etc.

Não somente as características estruturais da sociedade brasileira, que naturalizam padrões altíssimos de desigualdades sociais, mas também o fato de o trabalho doméstico se dar no interior do lar podem explicar a precariedade da relação trabalhista - menos de um terço das trabalhadoras domésticas possuem carteira de trabalho assinada - e a vulnerabilidade à qual estão expostas essas trabalhadoras (Chaney & Castro, 1989; Carvalho, 2022; Pereira de Melo, 1998; Hordge-Freeman & Harrington, 2015). Em pesquisa anterior (Bernardino-Costa, 2011), colhemos diversos relatos pessoais de trabalhadoras domésticas adultas e constatamos que, em suas reminiscências, havia diversos relatos de violências física, moral e sexual sofridas quando menores de idade. Essa realidade também foi expressa por Lenira Carvalho, importante liderança nacional do movimento político das trabalhadoras domésticas, em sua autobiografia: “Enquanto a doméstica estiver dentro da casa [da patroa], ela será sempre escrava” (2022, p. 43).

É inegável que no Brasil essa categoria passou por vários períodos de inclusão formal de direitos. De forma mais robusta, temos a Lei Complementar n. 150, de 2015, que regulamentou a Emenda Constitucional n. 72, de 2013, conhecida como a PEC das Domésticas, bem como a ratificação da Convenção n. 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (2011), o que ocorreu em 2018. A efetiva implementação dessas proteções está conectada a uma capacidade de luta que tem sido construída a duras penas. Em que pese esse cenário pouco favorável à equiparação legal e de fato entre trabalhadoras domésticas e as demais categorias profissionais, os avanços legais da categoria constatados nos últimos cinquenta anos (desde a Lei n. 5.859, de 1972) se devem muito ao ativismo político das organizações políticas das trabalhadoras domésticas (Bernardino-Costa, 2015a, 2015b; Acciari, 2021; Ávila, 2009; Castro, 1992; Fraga & Monticelli, 2021).

Historicamente os debates em torno da ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas sistematicamente têm resvalado na ameaça de violação das relações privadas que ocorrem no interior dos lares brasileiros. Em outras palavras, devido à forte relação entre as famílias brasileiras e os serviços domésticos remunerados, grande parte do debate e das discussões se dava em torno dos possíveis efeitos adversos que a legislação poderia gerar para as famílias empregadoras e as trabalhadoras domésticas (Fraga & Monticelli, 2021; Costa et al., 2016).

Apesar do baixo número de trabalhadoras sindicalizadas, a participação delas nas atividades de suas organizações políticas - inicialmente associações e depois sindicatos - constitui-se em um verdadeiro divisor de águas do ponto de vista das suas biografias individuais e coletivas. Em primeiro lugar, se a trabalhadora doméstica - oriunda de um estrato social inferior, com menos escolaridade, pertencente a uma raça social considerada inferior e proveniente de zonas rurais e/ou periféricas (Chaney & Castro, 1989) - é inicialmente ressocializada pelos parâmetros da patroa, a chegada a um sindicato significa a ruptura com os valores da patroa e a aquisição de valores entre companheiras e os da classe trabalhadora. Em segundo lugar, os sindicatos são espaços de reelaboração da relação entre trabalhadora doméstica e patroa em termos públicos, regidos por princípios republicanos e pelo direito. Em terceiro lugar, o aprendizado de novos valores e perspectivas nos sindicatos rechaça a tentativa de interpretar e submeter as relações trabalhistas a uma relação familiar (“como se fosse da família”). Segundo a militante Odete Conceição, “a doméstica fica muito ligada à patroa . . . muitas vezes não têm sua carteira assinada, porque as patroas põem na cabeça delas que elas fazem parte da família. . . . O que queremos é a libertação da pessoa” (Domésticas reunidas pela terceira vez, 1978).

Se, do ponto de vista das biografias individuais, a participação em suas organizações políticas significa uma afirmação da existência humana, do ponto de vista coletivo os sindicatos também se constituem em espaços de resistência e reexistência às desigualdades de classe, raça e gênero (Bernardino-Costa, 2015a, 2015b). Como disse Lenira Carvalho (2022, p. 142), “a existência do Sindicato ajuda a doméstica a melhorar sua autoestima”. No processo histórico de resistência e reexistência, as organizações políticas das trabalhadoras domésticas têm desempenhado um papel fundamental na conquista dos direitos trabalhistas da categoria. Há também um processo de aprendizado político por parte das associações e sindicatos das trabalhadoras domésticas, que tem ocorrido no diálogo com outras organizações nacionais e internacionais classistas, feministas e antirracistas. Segundo Carvalho (2022, p. 144), “eu gostaria que a gente pudesse fazer nos sindicatos uma experiência cotidiana de democracia”.

É exatamente sobre os sindicatos das trabalhadoras domésticas e seu ativismo que este artigo se debruça. Para tanto, retomaremos os dados de pesquisas anteriores e atuais com o movimento das trabalhadoras domésticas. Um dos autores deste artigo realizou uma pesquisa em que entrevistou 26 trabalhadoras domésticas dos sindicatos de Recife, Bahia, Campinas (SP), Rio de Janeiro e São Paulo (Bernardino-Costa, 2015b) e 23 trabalhadoras não sindicalizadas (Bernardino-Costa, 2011). Desde então tem participado na condição de convidado dos congressos nacionais da categoria.1 Outra autora deste artigo escreveu recentemente uma tese sobre o ativismo político das trabalhadoras domésticas (Weeks, 2023) e coordena um projeto de registro de preservação da memória da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).2 É nesse acúmulo de pesquisa, dados e observações, além das falas e escritas das próprias trabalhadoras domésticas, que este artigo se baseia.

Se, no imaginário social, engendrado pelos marcadores sociais de raça, classe e gênero, as trabalhadoras domésticas estão relegadas à invisibilidade da cozinha, o ativismo e as articulações políticas de suas organizações políticas projetam suas ações para a arena pública nacional e internacional. Portanto constitui objetivo deste artigo evidenciar essa presença política pública das trabalhadoras domésticas por meio de seus sindicatos e também destacar a centralidade desse ativismo para os avanços legais da categoria.

Além desta apresentação, o artigo está dividido em três seções. A primeira relata a história do movimento político das trabalhadoras domésticas desde a década de 1930 até o presente, passando pela realização dos doze congressos nacionais das trabalhadoras domésticas. Destacamos o surgimento das primeiras associações das trabalhadoras domésticas e suas transformações em sindicatos, após a promulgação da Constituição Federal. Ao longo dessa história, também descrevemos a articulação do ativismo das trabalhadoras domésticas com os movimentos sindical-classistas, feminista e negro, bem como chamamos a atenção para a correlação entre os avanços legais da categoria e sua atuação política. Na segunda seção, mostramos como essas articulações também se dão na arena internacional e relatamos como, a partir de um crescimento e fortalecimento nacional, o movimento político das trabalhadoras domésticas se projeta internacionalmente. Ainda demonstramos que o auge dessa presença internacional do ativismo das trabalhadoras domésticas se deu nas conferências internacionais da OIT, realizadas em 2010 e 2011, quando se aprovou a Convenção n. 189 sobre trabalho decente para trabalhadoras e trabalhadores domésticos (OIT, 2011). Por fim, é apresentada a conclusão, em que trazemos as principais considerações da nossa pesquisa.

Associações e sindicatos das trabalhadoras domésticas e seus congressos nacionais

O movimento das trabalhadoras domésticas teve início em 1936, através da atuação de Laudelina de Campos Melo, quando fundou a Associação Profissional dos Empregados Domésticos de Santos, constituindo-se na primeira organização das trabalhadoras domésticas de que se tem registro. Embora tenha sido fundada como associação, seu objetivo era conquistar o status jurídico de sindicato, uma vez que este poderia negociar com o Estado o reconhecimento jurídico da categoria e, consequentemente, os direitos trabalhistas. A exclusão das trabalhadoras domésticas, naquele momento, não se restringia somente ao não direito à sindicalização,3 mas envolvia também a não regulamentação da profissão pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, que dizia em seu artigo 7º:

Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: (a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou a família, no âmbito residencial destas. (Decreto-Lei n. 5.452, 1943).

Se a luta contra a exclusão dos direitos trabalhistas era o carro-chefe da primeira organização política das trabalhadoras domésticas no país, não devemos interpretar como simples coincidência o fato daquela associação ter sido fundada por uma militante do movimento negro à época. Laudelina já militava em organizações negras, desde 1920, em Poços de Caldas (MG), Santos (SP) e na capital paulista (Pinto, 1993).

Um ano após a criação da Associação Profissional dos Empregados Domésticos, em Santos, foi decretado o Estado Novo, o que levou à desarticulação das atividades daquela associação. Embora possamos encontrar alguns vestígios da tentativa de reorganização política das trabalhadoras domésticas nos anais do Congresso do Negro no Brasil em 1950 e também nas documentações do Teatro Experimental do Negro (Nascimento, 2003), é somente na passagem da década de 1950 para a de 1960 que vemos o ressurgimento das organizações políticas das trabalhadoras domésticas.

Temos duas narrativas distintas que percorrem caminhos diferentes, mas chegam ao mesmo destino: a criação das primeiras associações e a realização dos primeiros congressos nacionais das trabalhadoras domésticas.

A primeira narrativa descreve o surgimento das primeiras associações a partir de uma articulação com a ala progressista da Igreja Católica. Algumas lideranças tanto do Nordeste (sindicato de Recife) quanto do Sudeste (sindicatos do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte) descrevem que a participação nas atividades da Juventude Operária Católica (JOC) foi fundamental para que as próprias trabalhadoras domésticas, com apoio da Igreja, começassem a se organizar em associações.

A missão da JOC consistia em ensinar a jovem a ser testemunha da presença de Cristo no mundo e difundir um humanismo cristão nas organizações locais (bairros e escolas, por exemplo). Nessas reuniões da JOC, participavam diversos trabalhadores, inclusive as trabalhadoras domésticas. Porém, em determinado momento, essas trabalhadoras começaram a se sentir deslocadas junto aos demais trabalhadores, pois naquelas reuniões falava-se da ampliação de direitos de algumas categorias, enquanto as trabalhadoras domésticas sequer tinham sua existência como categoria profissional reconhecida pelo poder público, conforme diz Odete Maria da Conceição,4 membro-fundadora da Associação e do Sindicato do Rio de Janeiro:

. . . uma vez por mês a gente [os diversos grupos de trabalhadoras domésticas em diferentes paróquias do Rio de Janeiro] se reunia todo mundo junto, e daí a gente foi vendo a diferença que havia entre nós e os outros trabalhadores, que os outros tinham seus direitos, e a doméstica não tinha nada. Então foi daí que a gente foi vendo a necessidade de a gente ter alguma coisa pra defender a gente.

Simultaneamente àquele despertar acerca da necessidade de os grupos de trabalhadoras domésticas terem suas próprias associações, a JOC começou a realizar alguns encontros de trabalhadoras domésticas. Por exemplo, em 1960, a JOC realizou o Primeiro Encontro Nacional de Jovens Empregadas Domésticas no Rio de Janeiro, que reuniu 24 trabalhadoras domésticas de várias regiões do país. No ano seguinte, a JOC também realizou o Primeiro Congresso Regional, em Recife, reunindo trabalhadoras do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco (Soares, 2002).

Outra narrativa apresentada pela liderança de Campinas (SP) e pela própria Laudelina de Campos Melo fala de uma organização das trabalhadoras domésticas independente da Igreja Católica. Laudelina, desde 1959, residia em Campinas e atuava para a criação da Associação dos Empregados Domésticos naquela cidade. Em vez de um papel predominante da Igreja Católica, encontramos uma articulação com o Teatro Experimental do Negro de Campinas e com o movimento sindical (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Imobiliária).

Laudelina narra que, em 1967, foi a Brasília em uma caravana de sindicalistas e teve oportunidade de falar com o então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, que “brincou” com ela e perguntou: “A senhora é que é o terror das patroas?”. Esse encontro foi registrado pelo Jornal da Cidade, de Campinas, na edição de 3 de julho de 1967 (Ela é o “terror das patroas”, 1967):

Ela é o “terror das patroas” - “Muito prazer! Então a senhora é que é o terror das patroas campineiras, não é mesmo?” A expressão foi do Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, ao receber Dona Laudelina de Campos Melo, líder das empregadas domésticas. Ela não se encabulou e sorriu com o ministro. Aliás, Dona Laudelina não se encabula com essas coisas; já falou com outros Ministros e até com Presidentes da República para movimentar o seu plano de regulamentar a profissão de doméstica. No dia que ouvia a frase, a presidente da Associação dos Empregados de Campinas foi franca com o ministro: “este é o quarto Presidente da República que está para regulamentar a profissão e pelo menos uns oito Ministros do Trabalho já empenharam a palavra de levar o anteprojeto ao Executivo”.

Naquela ocasião, ela solicitou ao ministro a regulamentação da profissão e a transformação da associação em sindicato. E o ministro foi enfático, dizendo que para que tal coisa acontecesse era necessária a união da categoria. A partir daquele momento foi intensificada a articulação nacional das trabalhadoras domésticas, o que já vinha ocorrendo desde o início daquela década.

. . . em virtude da postura do ministro, nós entramos em contato com os outros estados, com os outros municípios, onde já tínhamos realizado outros congressos, onde já tinha outras Associações e trabalhamos para a fundação de mais Associações. . . . A igreja ajudou muito a gente, ia atrás das Associações por meio do pessoal da igreja que entrava em contato com as entidades sindicais dos locais, pedindo apoio. Então, a gente tinha uma massa consistente para poder brigar. (Laudelina de Campos Melo, cf. Pinto, 1993).

A partir daquela confluência de acontecimentos - encontros de grupos de trabalhadoras domésticas com o apoio da JOC e diálogo com o ministro do Trabalho -, foi organizado o 1º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas (CNTD), em 1968, em São Paulo, cujo tema foi “A demanda dos primeiros direitos”. Aquele Congresso serviu para que as associações e grupos de domésticas se conhecessem e planejassem ações nacionais. Naquela ocasião foram planejadas ações nacionais para alcançar a regulamentação da profissão e a conquista dos direitos previdenciários. Quatro anos depois, em 1972, foi aprovada a Lei n. 5.859, que estabeleceu o direito à carteira assinada, previdência social e férias de vinte dias: “Não foi muito, mas foi um começo!”, escreveram Anazir Maria de Oliveira e Odete Maria da Conceição (Chaney & Castro, 1989).

Em 1974 foi realizado o 2º CNTD, no Rio de Janeiro. Naquele congresso, decidiram como plano de ação que as associações e grupos deveriam trabalhar não somente para que a Lei n. 5.859 (1972) fosse implementada e se estendesse a todas as trabalhadoras, mas também para que houvesse a conquista de novos direitos como, por exemplo, definição de um piso salarial e da jornada de trabalho. Foi ainda enfatizado que as associações deveriam atuar na formação da consciência de classe da categoria.

O 3º CNTD foi realizado em Belo Horizonte, em 1978. Nessa ocasião foi feita mais uma vez a avaliação da Lei n. 5.859 (1972), constatando-se a sua baixa efetividade em decorrência do desconhecimento da própria trabalhadora doméstica. Além disso, foram mencionadas as deficiências dos serviços do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Mesmo diante dessas observações, foi demandada uma lei idêntica à dos demais trabalhadores e foi reforçado o desejo do crescimento da luta das trabalhadoras por meio da criação de novas associações e do aumento de filiação às associações já existentes. Segundo Suely Kofes (2001, p. 308), foram feitas as seguintes reivindicações: jornada de trabalho de dez horas (considerando-se o tempo que estiver à disposição do empregador), salário-mínimo, décimo terceiro salário, contrato de experiência e aviso prévio de trinta dias, seguro-família, descanso semanal, seguro contra acidente de trabalho, discussão de litígios na justiça, proteção a menor de 14 a 18 anos, condição de higiene e segurança no trabalho, acréscimo salarial de 25% por serviço noturno.

O congresso seguinte ocorreu em Porto Alegre, em 1981, com o tema “A trabalhadora doméstica menor de idade”. Discutiu-se a dificuldade de as trabalhadoras domésticas, especialmente a migrante e menor de idade, serem reconhecidas como trabalhadoras com direitos em virtude de serem tratadas como “crias de casa” ou como se fossem “quase da família”. Naquele congresso foi decidido iniciar uma campanha que estimulasse as trabalhadoras domésticas a morarem nas suas próprias residências. Na interpretação das lideranças de então, era necessário que as trabalhadoras domésticas enfrentassem as mesmas dificuldades dos demais trabalhadores para desenvolver uma consciência de classe. Portanto deveriam morar nas suas próprias residências para romper com a visão de mundo da empregadora. O conjunto de reivindicações quanto à ampliação de direitos apresentados no congresso anterior figurou novamente no documento final do congresso de Porto Alegre.

O 5º CNTD, tido como um congresso histórico da categoria, foi realizado em 1985, na cidade de Olinda, mas ficou conhecido como o Congresso de Recife. Teve como tema “O reconhecimento da profissão de empregada doméstica”. Recebendo as brisas da redemocratização do país, vislumbrava-se a promessa de uma nova Constituição e, portanto, a conquista das demandas históricas da categoria. Houve um fortalecimento da articulação com o movimento sindical- -classista, especialmente a Central Única dos Trabalhadores (CUT), e com o movimento feminista, que, através da organização não governamental (ONG) SOS Corpo, de Recife, assessorou as trabalhadoras domésticas na organização do congresso. Ao final do 5º CNTD, foi preparado um documento que dizia:

Lançamos um apelo a todos os sindicatos de trabalhadores que nos consideram como parte integrante da classe trabalhadora, com o nosso enorme peso econômico, com nossa força de mulher, para participar, a título de igualdade, da mesma luta, e deem toda a sua força às reivindicações que estão contidas no projeto de lei aprovado neste Congresso e que vamos encaminhar ao Congresso Nacional. (5º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas [CNTD], 1985).

Embora a condição de mulher tivesse sido mencionada em congressos anteriores, até aquele momento ainda não tinha aparecido de maneira explícita qualquer articulação com organizações feministas. Somente no 5º CNTD e depois na Constituinte é que o diálogo com organizações feministas começou a se consolidar entre as trabalhadoras domésticas. Foram decisivos para esse diálogo tanto a assessoria recebida durante o congresso quanto o apoio que o movimento das trabalhadoras domésticas recebeu da ONG SOS Corpo durante a Constituinte, defendendo, juntamente com a bancada feminista - o chamado lobby do batom -, as propostas apresentadas pelas trabalhadoras domésticas.

Entre o 5º CNTD e o seguinte, a nova Constituição Federal foi promulgada, garantindo novos direitos à categoria: salário-mínimo, irredutibilidade do salário, décimo terceiro salário, férias anuais remuneradas com acréscimo de um terço do salário normal, licença-maternidade de 120 dias, licença-paternidade, aviso-prévio, aposentadoria e direito à sindicalização.

Embora um grande avanço, o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Cidadã efetuava uma “segregação legal” entre as trabalhadoras domésticas e os demais trabalhadores. Dos 34 direitos previstos naquele artigo, apenas 9 se aplicavam às trabalhadoras domésticas. Sua redação restritiva era a seguinte:

Parágrafo Único - São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 7).

Apesar da decepção de não serem tratadas como os demais trabalhadores, a Constituinte foi uma experiência muito importante para a categoria, possibilitando espaço para forjar alianças com outros movimentos sociais e rejeitar publicamente sua subordinação social e política. “A Constituição foi a passagem da escravidão para os direitos”, escreveu Lenira Carvalho (2022, p. 133).

No congresso seguinte, realizado em Campinas, em 1989, as organizações políticas das trabalhadoras domésticas já não eram mais associações, senão sindicatos, uma vez que o direito de sindicalização tinha sido conquistado em 5 de outubro de 1988. O tema do congresso foi “União, organização e luta”. Além de avaliações a respeito dos direitos conquistados, propôs-se a campanha para que a trabalhadora tivesse sua própria casa, pois “é preciso compreender que a casa dos patrões não é a nossa casa, e que temos direito a nossa vida, a nossa família e a viver como qualquer cidadão”5 (6º CNTD, 1989). Outro tema discutido nesse congresso foi o reconhecimento da participação das trabalhadoras domésticas em outros movimentos e organizações: movimento de mulheres, movimento negro, associação de moradores, pastoral operária, etc.

O 7º e 8º CNTD, realizados respectivamente no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, em 1993 e 2001, tiveram como tema “O novo perfil da trabalhadora doméstica no Brasil” e “Igualdade na luta e equiparação dos direitos” e se dedicaram ao tema central pós-Constituinte: efetivação dos direitos já existentes e a necessidade de se fazer o trabalho de base junto às trabalhadoras domésticas para que elas se filiassem aos sindicatos. No congresso de Belo Horizonte, figurou entre os temas a necessidade de mobilização junto ao Congresso Nacional para a aprovação do Projeto de Lei n. 1.626 (1989), da deputada Benedita da Silva, que previa a obrigatoriedade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a categoria.6 No plano de ação para os anos seguintes, foi estabelecida a meta de desenvolvimento de um melhor diálogo com as organizações classistas, feminista e com o movimento negro.

Desde o congresso de Campinas, em 1989, as articulações tanto com o movimento feminista quanto com o movimento negro estão presentes nos documentos produzidos ao final de cada congresso. Isso se deu em razão de um maior diálogo com as organizações feministas e antirracistas e também porque houve uma renovação da liderança do movimento e essa nova liderança possuía um vínculo orgânico com o movimento negro. Especificamente estamos falando de Ana Semião de Lima, então presidente do Sindicato de Campinas, e Creuza Maria de Oliveira, do Sindicato da Bahia.

O 9º CNTD foi realizado em Salvador, em 2006, ocasião em que foram comemorados os setenta anos da organização política das trabalhadoras domésticas e prestou-se uma homenagem às pioneiras e fundadoras das primeiras associações: Laudelina de Campos Melo, in memoriam (Santos e Campinas), Odete Maria Conceição e Nair Jane de Castro Lima (Rio de Janeiro), Lenira Carvalho (Recife), Eva Cardoso da Silva Moraes (Rio Grande do Sul), Ana Semião de Lima (Campinas) e Creuza Maria de Oliveira (Bahia). Dentre os temas debatidos, podemos destacar a constatação de que as trabalhadoras domésticas precisam ter representantes no Poder Legislativo. Também naquele congresso ficou evidente como as trabalhadoras domésticas tinham incorporado as interpretações e a agenda de classe, gênero e raça. Da mesma forma, em decorrência de um governo progressista, ficava explícito seu diálogo com o Poder Executivo em todos os níveis (Secretaria de Políticas de Promoção para a Igualdade Racial, Secretaria de Políticas para Mulheres, Ministério do Trabalho, secretarias estaduais do Trabalho, etc.).

O 10º CNTD, realizado em Recife, em setembro de 2011, ocorreu três meses após a OIT ter aprovado, na sua 100ª Conferência Internacional do Trabalho, a Convenção n. 189, intitulada Trabalho decente para trabalhadoras e trabalhadores domésticos (OIT, 2011). Em virtude disso, a ratificação dessa Convenção e/ou uma Emenda Constitucional ao artigo 7º da Constituição Federal estiveram presentes nas discussões durante os quatro dias do congresso.

Nesse congresso ficou evidente a articulação das trabalhadoras com outros movimentos sociais: diversas ONGs estiveram presentes como, por exemplo, SOS Corpo, Crioula, Articulação de Mulheres Negras, Articulação de Mulheres Brasileiras. Também participaram a CUT e a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs).

Desde 2010, estava em tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 478 (2010), que objetiva revogar o artigo 7º da Constituição Federal. Após a aprovação da Convenção n. 189 (OIT, 2011), a PEC passou a ser discutida nos principais canais de notícias do país. Isso se refletiu no 10º CNTD e, a partir dali, a liderança do movimento das trabalhadoras domésticas iniciou um lobby, com apoio de organizações feministas e feministas negras, junto ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional. Aquele congresso foi marcado pelo debate sobre qual seria a melhor estratégia: a ratificação e incorporação da Convenção n. 189 (OIT, 2011) na legislação brasileira ou a revogação do artigo 7º por meio de uma Emenda Constitucional. Decidiu-se pela segunda opção.

Durante as discussões políticas e audiências públicas com ONGs, movimentos sociais e parlamentares apoiadores da luta das trabalhadoras domésticas, a relatora da PEC n. 478 (2010), deputada Benedita da Silva, apresentou um substitutivo à PEC e propôs, em vez da revogação, a inclusão de novos incisos no parágrafo único do artigo 7º da Constituição. Assim, em 2 de abril de 2013, foi aprovada a Emenda Constitucional n. 72, conhecida como PEC das domésticas, garantindo 25 dos 34 direitos previstos no supracitado artigo. O parágrafo único ganhou a seguinte redação:

São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (Emenda Constitucional n. 72, 2013).

Porém alguns direitos previstos pelo novo parágrafo único do artigo 7º precisaram ser regulamentados. Com esse propósito foi apresentado o Projeto de Lei do Senado n. 224 (2013), o que causou apreensão no movimento das trabalhadoras domésticas, que acreditava que automaticamente os direitos seriam aplicados a todas as trabalhadoras domésticas.

A apreensão das trabalhadoras domésticas estava correta. No dia 1º de junho de 2015 foi aprovada a Lei Complementar n. 150, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. O artigo 1º dessa lei diz que a trabalhadora doméstica é aquela que presta serviço no âmbito residencial do(a) empregador(a) por mais de dois dias por semana, sendo, portanto, contemplada pela legislação vigente. Isso significa que as trabalhadoras domésticas diaristas ficaram totalmente descobertas pela legislação.

No 11º CNTD, realizado no Rio de Janeiro, em 2016, com o tema “Ratificar a 189 é igualar direitos: organização das/os trabalhadoras/os domésticas/os no mundo”, a extensão dos atuais direitos às diaristas e a efetividade dos direitos para todas as trabalhadoras foram a tônica. Naquele congresso reconheceu-se que a Emenda Constitucional n. 72 (2013) foi um avanço, enquanto a Lei Complementar n. 150 (2015) provocou alguns retrocessos, especialmente porque não contemplou as trabalhadoras domésticas diaristas, que vêm crescendo em número nas últimas décadas (Fraga & Monticelli, 2021). Portanto, para superar aquele retrocesso, seria importante que o Brasil também ratificasse a Convenção n. 189 da OIT (2011), que, em seu artigo primeiro, não estabelece distinção entre trabalhadoras domésticas mensalistas e diaristas.

Apesar das manobras feitas por parlamentares para que as diaristas não estivessem contempladas pelas leis vigentes no país, os avanços legais brasileiros têm servido de exemplo para diversos outros países. Assim, representantes sindicais das trabalhadoras domésticas de alguns países participaram daquele Congresso, compartilhando experiências e também estudando o caso brasileiro. Estavam presentes inclusive a secretária-geral da Confederación Lationamericana y del Caribe de Trabajadoras del Hogar (Conlactraho), Marcelina Bautista, e a secretária-geral do International Domestic Workers Federation (IDWF), Elizabeth Tang. Por essa razão, o tema do congresso foi “Ratificar a 189”, pois isso poderia também representar avanços significativos em outras realidades nacionais.

Mesmo com todos os desafios de efetivação dos direitos garantidos, atentas às conjunturas nacional e global, o 12º CNTD, realizado em 2021, ocorreu de maneira virtual em decorrência da pandemia de covid-19. Como não poderia deixar de ser, uma das primeiras mortes pela covid-19 no país, uma trabalhadora doméstica, a senhora Cleonice Gonçalves,7 e a morte do garoto Miguel,8 uma criança de cinco anos, estiveram presentes naquele congresso. A pandemia trouxe muitas reflexões sobre o papel do trabalho doméstico nas sociedades contemporâneas e forneceu uma oportunidade para as lideranças do movimento falarem sobre a hipocrisia da sociedade brasileira quanto aos trabalhadores mais vulneráveis do país. Segundo Luiza Batista: “Quando pedimos à sociedade que valorize nosso trabalho, isso nos nega direitos. . . . Mas quando chega a hora de servir, a sociedade considera nosso trabalho essencial. É muito incoerente” (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas [Fenatrad], 2020).

Aquele congresso teve como tema “Trabalhadoras domésticas em movimento: luta e resistência em contexto de pandemia e trabalho escravo”. O plano de lutas aprovado dá o tom dos enfrentamentos que as trabalhadoras domésticas têm pela frente. Cinco linhas de ação foram aprovadas: promover a saúde e o bem-estar da trabalhadora doméstica; combater a violência e o assédio; defender e ampliar os direitos trabalhistas; elaborar políticas públicas para a igualdade e justiça social; e combater e denunciar o trabalho análogo à escravidão.

Velhos temas, como combate à violência e ao assédio e combate ao trabalho análogo à escravidão, ganharam evidência na imprensa nacional em decorrência da pandemia de covid-19, sendo tematizados naquele congresso. Da mesma forma, algumas pautas de interesse de toda a classe trabalhadora - como, por exemplo, o direito à saúde e à educação integral para crianças - foram também tematizadas. Os desafios em relação à extensão dos direitos conquistados às diaristas, bem como o cumprimento dos direitos já existentes, continuam fazendo parte do plano de lutas da categoria.

Nove décadas já decorreram desde que Laudelina de Campos Melo fundou a primeira Associação de Trabalhadoras Domésticas em Santos e cinco décadas já se passaram desde a realização dos primeiros congressos nacionais da categoria. Central e recorrente em todos os congressos foi o tema da trabalhadora doméstica morar na sua própria casa, uma vez que era visto como essencial para a construção de uma consciência de classe entre as trabalhadoras e a ruptura com a visão de mundo da patroa. Nesse processo foram e têm sido fundamentais as articulações políticas com o movimento sindical.

A partir do início da década de 1980, o movimento das trabalhadoras domésticas também começou a se aliar ao movimento feminista, embora de uma maneira crítica, posto que nem sempre se estabeleceu uma solidariedade entre mulheres simplesmente por serem mulheres (Kofes, 2001). Obviamente, trabalhadoras domésticas e patroas são entrecortadas pelas desigualdades de classe, bem como pelas desigualdades raciais. O tema racial, sempre presente nas alusões à escravidão, à escrava de casa, às mucamas, ao quarto de empregadas, etc., passa a se constituir como uma agenda política e também a direcionar as ações e discursividade das trabalhadoras domésticas no final da década de 1980, quando passam a estabelecer articulações e parcerias com outras entidades do movimento negro: “Saímos da senzala e fomos para o quarto dos fundos”, escreveram as militantes presentes no Congresso Nacional em 1989 (6º CNTD, 1989).

Se anteriormente tínhamos dito que o engendramento de classe, raça e gênero, entre outros, tem sido fundamental para a estabilidade do padrão de desigualdades sociais no Brasil e também para a precariedade e vulnerabilidade da condição de trabalho das trabalhadoras domésticas, o que constatamos na trajetória do movimento político dessas mulheres é um fortalecimento de seu ativismo político quando articulações são construídas. Podemos nomear tais articulações como decoloniais e também podemos afirmar que estas têm sido fundamentais para o ativismo das trabalhadoras domésticas.

Outra dimensão que esse olhar diacrônico do movimento das trabalhadoras domésticas nos revela é a simultaneidade entre os avanços legais da categoria e o ativismo político. Isso aconteceu em momentos-chave: a aprovação da Lei n. 5.859 (1972) ocorreu logo depois do 1º CNTD; os direitos constantes da Constituição brasileira foram apresentados como uma minuta de projeto de lei no 5º CNTD, de 1985, em Recife; a PEC n. 478 (2010), que depois se tornou a Emenda Constitucional n. 72 (2013), a chamada PEC das Domésticas, ganhou repercussão nacional depois da aprovação da Convenção n. 189 (OIT, 2011) e do advocacy feito no Parlamento brasileiro pelas trabalhadoras domésticas e suas aliadas políticas (movimentos sindical, feminista, feminista negro e negro). A decisão de construir estratégias para que a Convenção n. 189 (OIT, 2011) tivesse uma repercussão efetiva no Brasil foi tematizada no 10º e no 11º CNTD.

Os dados e relatos históricos acima revelam que o ativismo dessa categoria profissional tem se constituído num importante movimento de resistência e reexistência - especialmente quando o olhamos sob a perspectiva individual de cada trabalhadora doméstica sindicalizada. Também podemos dizer que, do ponto de vista coletivo, o ativismo das trabalhadoras domésticas tem se constituído num movimento decolonial, que busca desfazer os engendramentos coloniais entre os eixos de poder de classe, raça e gênero. Não é demais reconhecer a efetividade do movimento político dessas trabalhadoras, uma vez que historicamente constatamos que, a cada avanço e conquista legal, percebemos a sombra do ativismo político das organizações políticas das trabalhadoras domésticas.

A fim de sintetizar o que relatamos, apresentamos, na Tabela 1, informações sobre os congressos nacionais das trabalhadoras domésticas, seus temas e suas adesões às interpretações e articulações políticas de classe, raça e gênero.

Tabela 1
Congressos nacionais das trabalhadoras domésticas, temas e articulações de classe, raça e gênero

A realização dos congressos nacionais é a concretização de um processo de organização cotidiana. Para tanto, as trabalhadoras domésticas criaram entidades: a Equipe Nacional, o Conselho Nacional, a Federação Nacional. Essas entidades, mais do que os sindicatos locais, têm sido o principal braço do movimento para o diálogo com os poderes Executivo e Legislativo. Ao mesmo tempo, a partir dessas entidades, desenvolve-se um diálogo com mais qualidade e efetividade no cenário nacional, e as trabalhadoras domésticas também se projetam para a arena internacional. Esse é o tema da próxima seção.

Das articulações nacionais à arena internacional

Desde a década de 1960, as trabalhadoras domésticas têm procurado nacionalizar o movimento político. Naquela época, isso se dava por meio da Igreja Católica, especialmente a JOC. Os primeiros encontros regionais das trabalhadoras domésticas em Recife e no Rio de Janeiro revelam a importância daquela instituição. Corrobora essa constatação o fato de Laudelina de Campos Melo ter recorrido ao apoio da Igreja para a organização do 1º CNTD, como revela o depoimento dela acerca do diálogo que teve com o então ministro do Trabalho.

Somente a partir de 1978, no 3º CNTD, foi criada informalmente a Equipe Nacional, que seria formalizada no congresso seguinte, em 1981, em Porto Alegre (RS). A Equipe Nacional tinha como objetivo estabelecer a comunicação entre grupos e associações existentes naquela época e, principalmente, organizar os congressos nacionais. A Equipe Nacional era formada por uma representante de cada associação, referendada nos congressos nacionais.

Na década de 1980, as trabalhadoras domésticas já participavam de algumas organizações nacionais sindicais e também de seminários e congressos feministas. No boletim informativo da Associação Profissional das Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro mencionava-se a participação de sua presidente no Congresso Nacional da Classe Trabalhadora de 1983, em São Bernardo do Campo (SP), ocasião em que a CUT foi fundada. Já no boletim de 1985 era informada a participação em dois encontros feministas: o Encontro Latino-Americano e do Caribe e o 1º Encontro da Rede Mulher.

Essa participação, tanto em organizações quanto em encontros nacionais e internacionais de outros movimentos sociais, começava a habilitar o movimento das trabalhadoras domésticas para voos mais altos. Em 1988, suas representantes participaram do I Encuentro Latinoamericano y del Caribe de Trabajadoras del Hogar, em Bogotá, ao lado de trabalhadoras domésticas do México, Venezuela, República Dominicana, Colômbia, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Argentina, Peru e Chile, ocasião em que foi fundada a Confederación Latinoamericana y del Caribe de Trabajadoras del Hogar, a Conlactraho. Desde então diversas lideranças brasileiras têm ocupado os cargos de direção da Conlactraho.

No ano seguinte à fundação da Conlactraho, em 1989, no 6º CNTD, a Equipe Nacional foi substituída pelo Conselho Nacional das Trabalhadoras Domésticas, também formado por uma representante de cada sindicato (uma vez que o direito à sindicalização tinha sido conquistado em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal). O Conselho Nacional passou a desempenhar a função que outrora era atribuída à Equipe Nacional: organizar, coordenar e representar legalmente a categoria em âmbito nacional, bem como organizar os congressos vindouros.

Na década seguinte, mais exatamente no dia 25 de maio de 1997, foi criada a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, a Fenatrad, que passou a coexistir com o Conselho Nacional. Se as motivações para a constituição da Equipe Nacional e depois do Conselho Nacional foram mais internas à categoria, a criação da Fenatrad foi, no mínimo, impulsionada pela reação à tentativa de uma pessoa externa à categoria de criá-la. Vejamos o depoimento de Maria dos Prazeres dos Santos, dirigente do Sindicato do Rio de Janeiro, falando sobre a criação da Fenatrad:

. . . no último encontro que tivemos na Bahia (reunião do Conselho Nacional, em 1997), apareceu um senhor, que se dizia presidente de um sindicato de trabalhadoras domésticas com 2000 sócias. Mas ele não levou nenhuma companheira. E eu questionei . . ., houve um mal-estar porque eu falei, briguei, questionei . . . aí ele foi embora, pegou a mala dele e foi embora. Isso foi em fevereiro. Quando foi em maio, nós estávamos aqui no Rio de Janeiro. Eu e a companheira Lourdes [Maria de Lourdes de Jesus, do Sindicato do Rio de Janeiro] fomos chamadas às pressas para ir a Campinas - SP para fundar uma Federação, porque lá em Brasília as companheiras do Cfêmea9 souberam que ele ia criar uma federação. Ele só não fez porque não tinha cinco sindicatos registrados. Ele não podia contar com os que tinha. . . . Ele tava fazendo tudo por baixo dos panos. Aí as companheiras do Cfêmea souberam e ligaram para Ana Semião. Então foi feita a Federação. Foi eu, a Terezinha de Fátima da Silva e Ana Semião, de Campinas, Creuza Maria de Oliveira, da Bahia, de Recife, eu acho que foi Eunice Antônia ou Nila Cordeiro, não estou me lembrando qual das duas. Então fizemos uma coisa às pressas e montamos a primeira diretoria da Fenatrad. . . . Aí tivemos um encontro do Brasil inteiro lá em Brasília pra este negócio de lei. Aí fomos todas, mais de cem delegadas do Brasil inteiro. Aí ficamos hospedadas lá no Estádio Mané Garrincha, ficamos no alojamento dos jogadores, porque não tinha como pagar alojamento para aquelas pessoas. (Maria dos Prazeres dos Santos, cf. Bernardino- -Costa, 2015b).

Então, foi constituída a primeira diretoria da Fenatrad, ficando sua sede na cidade de Campinas, onde residia a sua primeira presidente, Ana Semião de Lima, filiada ao Sindicato de Campinas, que ficou na presidência até 2001.

No 8º CNTD, em 2001, Belo Horizonte, a presidência da Fenatrad passou para Creuza Maria de Oliveira, pertencente ao Sindicato da Bahia. Dando continuidade aos trabalhos iniciados por Ana Semião, Creuza desenvolveu trabalhos em conjunto com movimentos populares, movimento de mulheres, movimento negro, movimento estudantil, movimento sindical e partidos políticos progressistas.

Em decorrência das atuações da Fenatrad, as trabalhadoras domésticas têm se articulado de uma maneira mais qualificada nacionalmente. Por exemplo, nas primeiras décadas deste novo século, a Fenatrad tinha assentos junto ao Conselho Nacional de Direito das Mulheres e ao Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Também teve atuação decisiva na arena internacional para a aprovação da Convenção n. 189 da OIT (2011) e, posteriormente, nos debates nacionais em torno da PEC das Domésticas.

A atuação internacional do movimento das trabalhadoras domésticas foi magistralmente registrada por Mary Goldsmith (2013). Destacando o papel da Conlactraho e suas confederadas - entre elas a Fenatrad10 -, a pesquisadora fez uma etnografia sobre a participação das trabalhadoras domésticas na 99ª e na 100ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em 2010 e 2011, quando foi elaborada a Convenção n. 189 (OIT, 2011).

Na dinâmica de funcionamento das conferências da OIT, não havia previsão e efetivamente não houve espaço para a fala (direta) das trabalhadoras domésticas, que tinham uma representante. A própria distribuição espacial das reuniões da OIT também é profundamente hierárquica em relação à disposição dos atores na sala de conferência:

Com o Comitê Executivo ao centro, em uma mesa mais elevada, à frente deles os delegados do governo; do lado direito, os delegados dos empregadores; do lado esquerdo, os delegados dos trabalhadores. Em outras palavras, empregadores e trabalhadores estavam sob um olhar mútuo durante as sessões. (Goldsmith, 2013, p. 238, tradução nossa).

Somente as trabalhadoras domésticas estavam presentes naquelas conferências. Não havia empregadores (patrões e patroas) acompanhando aquelas atividades, senão seus delegados. Apenas elas estavam sob o “olhar superior” daqueles que estavam no centro das discussões.

Embora não pudessem falar na sala de conferência da OIT, em Genebra, as trabalhadoras domésticas podiam se manifestar nas reuniões com sua representante, Halimah Yacob.11 Durante as duas semanas em cada um dos anos em que se discutia a minuta da recomendação e da convenção, a OIT promoveu oficinas em que as trabalhadoras domésticas discutiam com Halimah Yacob e a instruíam sobre os processos de negociação. Aliás, as discussões sobre a convenção não se deram apenas em Genebra. Em 2009, a OIT enviou um documento para os governos-membro contendo um questionário sobre o conteúdo da recomendação e da convenção, que foi prontamente discutido pela Fenatrad no Brasil e por outras federações em outros países.

Goldsmith (2013) enfatiza a participação das trabalhadoras domésticas nos preparativos, durante e após as conferências da OIT. Se, nos discursos dos patrões e patroas, havia um lugar para as trabalhadoras domésticas, que deveria ser a cozinha, nós devemos nos questionar:

. . . que lugar é esse? A cozinha? O quintal? As sombras? O silêncio? Até então, a OIT, muito menos uma Conferência Internacional do Trabalho, nunca tinha sido considerada um local adequado para um trabalhador doméstico. Então, nesse sentido, a sua chegada e participação nas conferências foi revolucionária, do meu ponto de vista. (Goldsmith, 2013, p. 238, tradução nossa).

Desde então, as trabalhadoras domésticas sindicalizadas projetaram-se internacionalmente. A International Domestic Workers Network [Rede Internacional de Trabalhadoras Domésticas], que estava presente naquelas reuniões da OIT, tornou-se a International Domestic Workers Federation (IDWF) [Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas], em 2013, congregando atualmente mais de 88 entidades filiadas, entre elas a Fenatrad.12

No 11º CNTD, realizado no Rio de Janeiro, a secretária-geral da IDWF, a taiwanesa Elizabeth Tang, e as representantes da Conlactraho, a mexicana Marcelina Bautista e a costarriquenha Carmen Del Cruz, estiveram presentes, ocasião em que foi reforçada a agenda transnacional das trabalhadoras domésticas. Sem perder as dimensões de uma agenda local, como bem revelou o 11º CNTD, realizado um mês após o golpe contra a presidente Dilma Rousseff, o movimento das trabalhadoras domésticas passou a construir alianças com outras atrizes no cenário internacional, a fim de fortalecer a luta interna contra as desigualdades produzidas pelo engendramento de classe, raça e gênero; tem também compartilhado sua expertise com trabalhadoras domésticas de outros países.

Também no congresso do Rio de Janeiro, em 2016, a presidência da Fenatrad passou para Luiza Batista, do Sindicato de Recife. Embora Luiza tenha integrado o ativismo das trabalhadoras domésticas somente no início dos anos 2000, ela traz em sua bagagem a experiência do Sindicato de Recife, que teve e ainda tem em seus quadros nomes importantes do movimento da categoria, como Lenira Carvalho (in memoriam), Nila Cordeiro (in memoriam), Eunice do Monte e Maria Carmelita de Oliveira.

O período de sua presidência foram anos duros não somente para as trabalhadoras domésticas, mas também para as pessoas cortadas pelos engendramentos de classe, raça e gênero. Em 2021, foi realizado o 12º CNTD, de forma on-line, em que os temas urgentes que afetam as trabalhadoras domésticas, as classes populares e a população negra estiveram no centro do debate: pandemia, ampliação e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), necessidades de creche, violência contra as trabalhadoras domésticas, etc. Essas experiências não foram exclusivas das trabalhadoras brasileiras, senão experiências compartilhadas por mulheres racializadas pelo mundo afora. O combate ao trabalho análogo à escravidão continua sendo destacado nos últimos anos, enquanto o movimento sindical colabora com os governos estaduais e federal na fiscalização das leis que regem o trabalho em casas particulares. Segundo Luiza Batista:

Ainda hoje, em pleno século XXI, estamos lutando contra algo que acreditávamos que já tivesse sido abolido do Brasil, que é a escravidão. A Fenatrad vem denunciando, há muitos anos, a existência do trabalho doméstico análogo à escravidão. Enfrentamos as barreiras legais que não permitem que a Federação e os sindicatos compareçam nas residências em casos de denúncias, e nem mesmo os auditores fiscais tinham esta licença. Hoje, contamos com o apoio do Ministério Público do Trabalho que, junto com os auditores fiscais, estão conseguindo fazer o resgate de trabalhadoras domésticas nesta condição. (Fenatrad, 2024).

As articulações internacionais das trabalhadoras domésticas - cujo ápice, podemos dizer, foram as conferências da OIT - possibilitam a compreensão dos fenômenos locais em conexão com fenômenos globais. Ao mesmo tempo que é fundamental a luta pela efetivação de direitos de pessoas concretas, reconhece-se que essa não é uma realidade compartilhada somente por uma pessoa singular em uma cidade brasileira, senão uma realidade compartilhada por outras mulheres de carne e osso em diferentes países seja do sul global, seja do norte global (Vergés, 2020).

Ao ecoarem suas vozes nas arenas internacionais simultaneamente, as trabalhadoras domésticas foram e têm sido exitosas em colocar sob holofotes as desigualdades de jure e de facto das realidades nacionais. O que impressiona em todo esse movimento é a capacidade de mulheres com baixa escolaridade conseguirem construir um ativismo político com grande efetividade nas transformações legais e também apresentarem um projeto político que desafia a estruturação e o funcionamento do atual modelo econômico. Em diálogo com a tradição do ativismo negro, podemos dizer que esse projeto político é um projeto decolonial, em que se busca desfazer os engendramentos de classe, raça, gênero e outros eixos de poder e suas articulações com desigualdades, opressões e violência. Até o distante dia em que a herança colonial não mais fizer sentido, trabalhadoras domésticas e outros ativistas sociais erguerão suas vozes. Cabe a nós escutá-las e reverberá-las.

Conclusão

Ao longo deste artigo, procuramos chamar a atenção para como o engendramento de classe, raça e gênero não tem somente uma dimensão negativa, de opressão, exploração, dominação, mas pode também significar o fortalecimento de processos democráticos. Procuramos apresentar evidências empíricas disso a partir do ativismo das trabalhadoras domésticas no Brasil. Para tanto, demonstramos como isso se deu pela realização dos congressos nacionais da categoria e sua articulação com outros atores (movimentos sindical-classista, feminista e antirracista) em escalas nacional e internacional. Ao longo dos quase noventa anos de emergência das suas associações e dos mais de cinquenta anos de realização dos congressos nacionais, chama-nos a atenção a simultaneidade entre a atuação política das trabalhadoras domésticas e os avanços legais da categoria. Não se trata de estabelecer uma relação de causalidade direta, pois sabemos que há uma complexidade e sobreposição de fatores que foram necessários para tais transformações, mas sim de reconhecer a presença do ativismo dessas mulheres em cada conquista legal.

Embora possamos qualificar como vitorioso esse ativismo político, sabemos que outra dimensão do desafio que se coloca é a efetivação dos direitos já existentes e sobretudo sua extensão às trabalhadoras domésticas diaristas.

Da mesma forma, ainda que possamos assumir que o ativismo das trabalhadoras domésticas não nos dê garantias de que efetivamente realizaremos uma transformação local, nacional e transnacional que supere as desigualdades e opressões geradas pelo engendramento de classe, raça e gênero, ele sinaliza o descontentamento das populações racializadas - especialmente das mulheres racializadas - com a matriz de poder social, econômica, cultural, política na qual estamos inseridos.

O desafio que temos pela frente é a conquista de uma descolonização em toda sua plenitude, não somente a ruptura com as estruturas administrativas coloniais, que tem ocorrido desde o século XIX, mas também a ruptura completa com a colonialidade global, que se fundamenta no capitalismo racializado e genderizado e nas relações sociais cotidianas que foram forjadas dentro da lógica colonial. Talvez essa seja a inspiração que podemos encontrar no movimento das trabalhadoras domésticas, um movimento que há muito saiu da cozinha e reverbera sua demanda na arena nacional e internacional.

  • 1
    Bernardino-Costa participou do 10º, 11º e 12º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, respectivamente, em 2011, 2016 e 2021.
  • 2
    Trata-se do projeto Historical Memory of Brazil’s National Domestic Worker’s Union Federation (2020-2024), financiado pelo Modern Endangered Archive Program (MEAP) da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
  • 3
    O Decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931, publicado pelo governo Vargas, que regulamentava o direito de sindicalização no país, excluía as trabalhadoras domésticas, afirmando que seria criada uma legislação à parte.
  • 4
    Todas as sindicalistas entrevistadas autorizaram a citação de seus nomes reais.
  • 5
    Em 1987, o Centro Josué de Castro (Recife) realizou a pesquisa “O quarto de empregadas”, que posteriormente foi transformada em um vídeo de aproximadamente 15 minutos. Lenira Carvalho, fundadora da Associação e depois do Sindicato de Recife, foi a coordenadora daquele projeto.
  • 6
    Adiantou-se ao Projeto de Lei n. 1.626 (1989), que estava em lenta tramitação no Congresso Nacional, a Medida Provisória n. 1.986, de 12 de janeiro de 2000, que se tornou o Decreto n. 3.361 (2000), na mesma data, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, estabelecendo o FGTS facultativo.
  • 7
    Cleonice Gonçalves, uma mulher negra de 63 anos, trabalhava na casa de uma mulher branca no rico bairro do Leblon (Rio de Janeiro). Sua patroa tinha acabado de chegar da Itália, com suspeitas de covid-19. Mesmo assim, Cleonice foi trabalhar em sua casa, contraindo o vírus e morrendo poucos dias depois. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/03/22/ uma-pessoa-muito-batalhadora-diz-sobrinho-de-empregada-domestica-que-morreu-de-coronavirus.ghtml
  • 8
    Miguel, filho de Mirtes Renata de Santana e Souza, acompanhou sua mãe ao trabalho no dia 2 de junho de 2020. Durante a hora do almoço, ela saiu para passear com o cachorro e deixou seu filho aos cuidados de sua patroa. A criança queria se encontrar com sua mãe. Então, a patroa, que morava num arranha-céu, a colocou no elevador e Miguel desceu no nono andar. Ao tentar olhar para fora do prédio a partir do nono andar, Miguel caiu e morreu. Disponível em: https://time.com/5867784/ black-domestic-workers-treatment-brazil/
  • 9
    ONG feminista, sediada em Brasília, que atua no acompanhamento de questões pertinentes às mulheres e questões de gênero no Congresso Nacional. https://www.cfemea.org.br/
  • 10
    Estavam presentes na 100ª Conferência as seguintes trabalhadoras domésticas da Fenatrad: Creuza Maria de Oliveira (presidente da Fenatrad), Sueli Maria de Fátima Santos (Sindicato de Sergipe), Maria Noeli dos Santos (Sindicato do Rio de Janeiro), Maria Regina Teodoro (Sindicato de Campinas) e Ione Santana de Oliveira (Sindicato da Bahia).
  • 11
    “Então ministra de Desenvolvimento Comunitário, Juventude e Esportes de Singapura, uma advogada de profissão com grande atuação na vida sindical de Singapura. Mulher pequena, de voz doce, porém firme, que vestia um hiyab. Sua mãe tinha sido trabalhadora doméstica migrante, o que, para muitas trabalhadoras domésticas, a habilitou para falar por elas” (Goldsmith, 2013, p. 240, tradução nossa).
  • 12
    Atualmente a IDWF possui mais de 88 entidades filiadas, de 68 países, o que corresponde a mais de 670.000 pessoas filiadas. Cf. https://idwfed.org/

Disponibilidade de dados

Os dados que embasam este artigo estão disponíveis, em parte, nas seguintes publicações: Bernardino-Costa (2011, 2015b) e Weeks (2023).

Também estão disponíveis parcialmente no seguinte endereço eletrônico: https://meap.library.ucla.edu/projects/national-federation-of-domestic-workers

  • Como citar este artigo
    Bernardino-Costa, J., Weeks, M., & Lima, R. M. (2024). Ativismo das trabalhadoras domésticas: Da cozinha à arena nacional e internacional. Cadernos de Pesquisa, 54, Artigo e10741. https://doi.org/10.1590/1980531410741

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2023
  • Aceito
    28 Maio 2024
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