Resumo
Muitos trabalhos buscaram definir a agenda de pesquisa da sociologia brasileira, sua evolução temporal e demais dinâmicas internas e externas. Porém os métodos empregados na classificação temática da disciplina ainda são rudimentares. Para contornar isso, este artigo submeteu mais de 3 mil teses de doutorado, publicadas no início do milênio, a técnicas de processamento de texto, especialmente à Modelagem de Tópicos. Os resultados indicam que nossa “nova” sociologia é marcada pela perda de importância relativa de temas tradicionais, como os estudos sobre o trabalho, em prol de tópicos mais plurais, como violência e gênero. Ao que parece, essas transformações refletem diretrizes das agências de fomento e mudanças no debate público, o que coloca novos desafios no horizonte da disciplina.
SOCIOLOGIA; PÓS-GRADUAÇÃO; ENSINO SUPERIOR; PESQUISA
Resumen
Muchos trabajos buscaron definir la agenda de investigación de la sociología brasileña, su evolución temporal y otras dinámicas internas y externas. Sin embargo, los métodos utilizados en la clasificación temática de la disciplina son aún rudimentarios. Para evitarlo, este artículo sometió más de 3 mil tesis doctorales, publicadas en el inicio del milenio, a técnicas de procesamiento de textos, especialmente Modelado de Tópicos. Los resultados indican que nuestra “nueva” sociología está marcada por la pérdida de importancia relativa de temas tradicionales, como los estudios sobre el trabajo, a favor de tópicos más plurales, como la violencia y el género. Según parece, estas transformaciones reflejan directrices de las agencias financiadoras y cambios en el debate público, lo que coloca nuevos desafíos en el horizonte de la disciplina.
SOCIOLOGÍA; POSTGRADO; EDUCACIÓN SUPERIOR; INVESTIGACIÓN
Résumé
De nombreux travaux ont cherché à définir l’agenda de recherche de la sociologie brésilienne, son évolution temporelle, ainsi que d’autres dynamiques aussi bien internes qu’externes. Cependant, les méthodes employées pour classifier ses thématiques sont encore rudimentaires. Pour y remédier, plus de 3 mille thèses de doctorat, publiées au début du millénaire, ont été soumises à des techniques de traitement de texte, en particulier celle de la Modélisation Thématique. Les résultats publiés dans cet article indiquent que notre “nouvelle” sociologie est marquée par la perte de l’importance relative accordée à des thèmes traditionnels comme, par exemple, les études sur le travail, au profit de thèmes plus divers comme la violence et le genre. Il semblerait que ces transformations reflètent les directives des agences de financement ainsi que les changements dans le débat public, posant de nouveaux défis à l’horizon de la discipline.
SOCIOLOGIE; DEUXIÈME ET TROISIÈME CYCLES; ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR; RECHERCHE
Abstract
Many works have sought to define the research agenda of Brazilian sociology, its temporal evolution, and other internal and external dynamics. However, the methods employed in the thematic classification of the discipline are still rudimentary. To adress this issue, this article applied text processing techniques, particularly Topic Modelling, to analyze over 3 thousand doctoral theses published at the beginning of the millennium. The results indicate that our “new” sociology is characterized by a relative decline in the importance of traditional themes, such as studies on labor, in favor of more diverse topics, such as violence and gender. These transformations seem to reflect guidelines from funding agencies and changes in public debate, posing new challenges on the horizon of the discipline.
SOCIOLOGY; POSTGRADUATE STUDIES; UNIVERSITY EDUCATION; RESEARCH
AS CIêNCIAS SOCIAIS BRASILEIRAS VIVERAM NAS úLTIMAS TRêS DéCADAS UM RáPIDO desenvolvimento. Alguns indícios disso são a duplicação da quantidade de programas de pós-graduação e do total de teses de doutorado defendidas (Lima & Cortes, 2013Lima, J., & Cortes, S. (2013). A sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas ciências sociais. Civitas, 13(3), 416-435. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.3.16522
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; Adorno & Ramalho, 2018Adorno, S., & Ramalho, J. R. (2018). A pós-graduação em sociologia e a experiência de avaliação da Capes. Revista Brasileira de Sociologia, 6(13), 27-57.; Lima, 2019Lima, J. (2019). A reconfiguração da sociologia no Brasil: Expansão institucional e mobilidade docente. Intersecções, 21(1), 7-48. https://doi.org/10.12957/irei.2019.42300
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; Nascimento, 2021Nascimento, M. (2021). A agenda de pesquisa sociológica no Brasil: O caso dos programas de pós- -graduação. Revista de Ciências Sociais, 52(2), 145-178. https://doi.org/10.36517/rcs.52.2.d05
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). O crescimento e a relativa complexificação da área se expressam ainda na consolidação de associações das ciências sociais - como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) -, na proliferação de congressos, com pluralização de grupos e áreas temáticas no interior desses eventos, bem como na expansão do número de revistas acadêmicas.
Pouco se sabe, porém, sobre o perfil temático das produções bibliográficas e pesquisas no âmbito da sociologia. Embora balanços desse tipo venham se acumulando na ciência política (Avritzer et al., 2016Avritzer, L., Milani, C., & Braga, M. (2016). A ciência política no Brasil: 1960-2015. FGV.; Candido et al., 2021Candido, M., Campos L., & Feres, J., Jr. (2021). The gendered division of labor in Brazilian political science publications. Brazilian Political Science Review, 15(3), Article e0002. https://doi.org/10.1590/1981-3821202100030002
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; Biroli et al., 2020Biroli, F., Tabagiba, L., Almeida, C., Buarque de Holanda, C., & Oliveira, V. (Orgs.). (2020). Mulheres, poder e ciência política: Debates e trajetórias. Editora Unicamp. https://doi.org/10.7476/9786586253702
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), uma área disciplinar bem mais jovem, o mesmo não parece acontecer na sociologia. Talvez isso se deva à íntima relação entre o crescimento recente e acelerado da ciência política e os parâmetros definidos por instituições de avaliação da pós- -graduação no Brasil, bastante sensíveis a diagnósticos quantitativos. Mais antiga e impura, a área que congrega os programas de sociologia e ciências sociais demanda esforços mais complexos de mapeamento, além de possuir bases de dados de qualidade mais assimétrica que a primeira.
Num contexto muito distinto, mas com certas similaridades, Simmel (1983)Simmel, G. (1983). O campo da sociologia. In E. Moraes Filho (Org.), Sociologia (pp. 70-86). Ática. já apontava que o campo sociológico proporcionaria certo tipo de “abrigo provisório” a múltiplos objetos e a um conjunto “vasto e caótico de interesses e objetivos”. Entendida até a metade do século passado como “ciência síntese” (Pinto & Carneiro, 1954Pinto, L., & Carneiro, E. (1954). As ciências sociais no Brasil. Capes.), a sociologia e a sua especialização do conhecimento, além de se referirem a um conjunto mais diverso de objetos de investigação, também se relacionam, grosso modo, ao surgimento de novas disciplinas que já se consagraram no panorama científico brasileiro, como a própria antropologia e a ciência política.
O pioneirismo da sociologia no país em meio às outras áreas das ciências sociais a faz objeto recorrente de narrativas mais historiográficas. Levantamentos sobre publicações em história das ciências sociais mostram que os(as) sociólogos(as) se debruçam com bastante frequência sobre o seu ofício (Jackson & Barbosa, 2017Jackson, L. C., & Barbosa, D. (2017). Histórias das ciências sociais brasileiras. In S. Miceli, & C. Martins (Eds.), Sociologia brasileira hoje (pp. 217-279). Ateliê.), mas quase sempre o fazem por meio de pesquisas qualitativas ou descritivas. Dito isso, o objetivo deste texto é mapear quantitativamente as agendas de pesquisa das teses de doutorado defendidas em programas de pós-graduação brasileiros ligados à área de sociologia e ciências sociais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)1 1 A Capes, agência ligada ao Ministério da Educação, agrupa todos os programas de pós-graduação em cerca de cinquenta áreas atualmente. No âmbito das ciências sociais, temos três grandes áreas: ciência política e relações internacionais (que abriga também os programas de direitos humanos e estudos estratégicos); antropologia e arqueologia; e sociologia e ciências sociais. Vale destacar que esta última é a maior das três e conta com muitos programas interdisciplinares, isto é, com docentes ligados à ciência política e à antropologia. entre 2006 e 2016. O marco de 2006 foi escolhido justamente por se tratar do momento em que a Capes começa a colocar as teses de doutorado como um elemento mais central na atribuição de notas aos programas de pós-graduação, centralidade que aumentou no período analisado.2 2 Evidências disso podem ser colhidas nos documentos relativos à avaliação trienal de 2007-2010: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos/avaliacao/avaliacao-trienal-2010/07022022_Sociologia_Rel_Avaliacao_Final.pdf No total, analisamos 3.190 teses cujos dados foram obtidos junto ao Centro de Gestão em Estudos Estratégicos (CGEE), organização social especializada na produção de análises para o Ministério da Ciência e Tecnologia.3 3 Consulte o site em: https://www.cgee.org.br/
O presente texto conta com cinco partes afora esta introdução. Na seção que segue, fazemos uma revisão de estudos pregressos sobre o perfil temático das ciências sociais brasileiras, tentando isolar tendências e padrões, bem como limitações dessa literatura. Na terceira seção, expomos os critérios metodológicos e técnicas bibliométricas utilizadas aqui, descrevendo ainda algumas das características do nosso corpus. A seção quatro apresenta um perfil geral das teses analisadas, sua distribuição regional, institucional e temporal. A quinta seção apresenta os principais temas detectados e sua oscilação no tempo. A sexta e última seção delineia as conclusões obtidas, com ênfase na identificação dos temas mais consolidados, mais marginais e daqueles emergentes na área.
Revisão da literatura
Mesmo antes da institucionalização universitária das ciências sociais, diversos(as) autores(as) se dedicaram a análises extensivas da produção bibliográfica do que hoje se denomina de pensamento social e político brasileiro (Ramos, 1995Ramos, A. G. (1995). Introdução crítica à sociologia brasileira. Editora da UFRJ.; Santos, 2002Santos, W. G. (2002). Roteiro bibliográfico do pensamento político-social brasileiro (1870-1965). Editora da UFMG; Casa de Oswaldo Cruz.; Fernandes, 1958Fernandes, F. (1958). O padrão do trabalho científico dos sociólogos brasileiros. Revista Brasileira de Estudos Políticos, 3.). No entanto, essa bibliografia estava mais interessada na identificação de abordagens dominantes do que propriamente na tipificação de temáticas recorrentes, ainda que essas sejam mencionadas ocasionalmente. Ademais, eles se debruçaram sobre uma literatura anterior à institucionalização de programas de pós-graduação no país e à consolidação de formas institucionais de pesquisa e escrita acadêmicas. A formulação de tipologias mais sistemáticas da agenda de pesquisa sociológica emergiu apenas no fim dos anos 1980, acompanhada do crescimento, difusão geográfica e diversificação temática dessa produção disciplinar.
Grosso modo, esses esforços tipológicos foram animados por duas ordens de inquietação. A primeira, comum a parte considerável dos estudos desenvolvidos até o fim dos anos 1990, interessava-se pelos processos de autonomização das ciências sociais e pelos tipos de conexão construídos ou destruídos entre as agendas de pesquisa sociológica e a política. Dessa perspectiva, caberia aos(às) estudiosos(as) do tema avaliar o grau de compromisso público dos(as) cientistas sociais locais e os impactos de tal compromisso no tipo de pesquisa realizada (Villas Bôas, 2007Villas Bôas, G. (2007). A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966). Fundação Biblioteca Nacional.; Vianna et al., 1998Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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; Melo, 1999Melo, M. (1999). Quem explica o Brasil. Editora da UFJF.). O segundo gênero de inquietação, que cresce em importância a partir dos anos 2000, assume como premissa a autonomia do campo acadêmico das ciências sociais e se debruça mais sobre seu crescimento e regulação estatal, bem como os efeitos desses processos na agenda de pesquisa das disciplinas (Leite, 2015Leite, F. (2015). O campo de produção da ciência política brasileira contemporânea: Uma análise histórico- -estrutural de seus princípios de divisão a partir de periódicos, áreas e abordagens [Tese de doutorado]. Universidade Federal do Paraná.; Leite & Codato, 2013Leite, F., & Codato, A. (2013). Autonomização e institucionalização da ciência política brasileira: O papel do sistema Qualis-Capes. Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCar, 1(1), 1-21.; Maia, 2016Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.; Simões, 2018Simões, J. A. (2018). A dinâmica do campo: Temas, tendências e desafios. In D. S. Simião, & B. Feldman- -Bianco (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil: Retrospectiva, alcance e desafios (pp. 57-82). Associação Brasileira de Antropologia.; Marenco, 2016Marenco, A. (2016). Cinco décadas de ciência política no Brasil: Institucionalização e pluralismo. In L. Avritzer, C. Milani, & M. Braga (Eds.), A ciência política no Brasil: 1960-2015 (pp. 187-216). FGV.).
O trabalho de Glaucia Villas Bôas é um bom exemplo da primeira ordem de preocupações. Partindo de uma análise dos livros publicados por cientistas de humanidades4 4 A saber, história do Brasil, economia política, antropologia, sociologia, ciência política, geografia humana e demografia. entre os anos 1945 e 1966, Villas Bôas defende que a preocupação política com o desenvolvimento nacional dessa geração foi o principal determinante das temáticas mais estudadas e de suas transformações no período. Além do crescimento da produção em livros, a bibliografia produzida nesses anos se dividiu em duas abordagens fundamentais: uma mais focada nos problemas conceituais e teóricos das disciplinas incluídas, e outra focada em problemas mais amplos da sociedade brasileira, sendo esse segundo enfoque mais comum no corpus analisado (Villas Bôas, 2007Villas Bôas, G. (2007). A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966). Fundação Biblioteca Nacional., pp. 51-52). Outra característica desse período é a acentuada preponderância dos livros historiográficos, ainda que ele seja marcado, também, pela crescente importância de disciplinas como economia política, sociologia e ciência política, mais conectadas às problemáticas políticas então emergentes (Villas Bôas, 2007Villas Bôas, G. (2007). A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966). Fundação Biblioteca Nacional., p. 57). Nos termos da autora:
Percebeu-se assim que a expansão das ciências sociais correspondeu a uma renovação dos textos que em larga medida traduziam em seus temas e análises problemas específicos daquela época. Os pesquisadores questionavam o desenvolvimento econômico do país, as chances de melhoria de vida da população, as precárias condições de existência no meio rural, as desigualdades socioeconômicas. Essas questões eram discutidas nos meios literários, artísticos e também no meio estudantil. A renovação das ciências sociais vinculava-se assim a uma demanda de conhecimento proveniente dos problemas enfrentados naqueles anos. (Villas Bôas, 2007Villas Bôas, G. (2007). A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966). Fundação Biblioteca Nacional., p. 213).
Ainda de acordo com a autora, o largo aumento de editoras, das universidades e de seus programas de pós-graduação, bem como da possibilidade da produção cultural das ciências sociais, configurou uma expansão do seu circuito intelectual para além de uma elite paulista e carioca e sua aproximação com uma coleção mais diversa de problemas sociais de seu tempo. Surge daí a composição de um registro de demandas que influenciariam a área na segunda metade do século XX no Brasil (Villas Bôas, 2007Villas Bôas, G. (2007). A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966). Fundação Biblioteca Nacional., p. 186). Embora suas conclusões mais centrais digam respeito ao teor político das motivações subjacentes ao temário das ciências sociais brasileiras dos anos 1940 a 1960, Villas Bôas já destacava a centralidade de uma infraestrutura editorial e universitária na autonomização de agendas de pesquisa no campo.
A independência das problemáticas abordadas pelas ciências sociais em relação ao debate público permanece como inquietação fundamental do trabalho desenvolvido nos anos 1990 pelo grupo de pesquisadores do projeto “Ciências Sociais no Brasil”, liderado por Luiz Werneck Vianna. Em uma das pesquisas pioneiras sobre o perfil dos doutorandos em ciências sociais, Vianna et al. (1998)Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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analisaram, dentre muitas variáveis, as características gerais das teses defendidas entre 1990 e 1997 em sete programas de pós-graduação5
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Os programas analisados foram do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade de São Paulo (USP).
de sociologia, antropologia, ciência política e ciências sociais. Tais teses foram manualmente categorizadas de acordo com a metodologia que empregavam e objetos estudados. Quanto a esse ponto, detectou-se uma distribuição temática fragmentada em 32 tipos de objeto distintos, conforme descrito abaixo:
É assim que, dos 32 objetos de teses arrolados nessa tabela, nove deles concentram 50% das teses, a saber: “cultura” (27 teses), “estudos da religião e das igrejas” (26), “estudos indígenas” (24), “estudos agrários” (24), “sindicatos e operários” (24), “outras sociedades” (21) . . . , “atitudes, movimentos e ideologias políticas” (21), “políticas públicas” (20), “estudos de gênero” (19), perfazendo um total de 206 teses, em um universo de 411 consultadas. Agregando-se as teses incluídas nas rubricas “pensamento brasileiro” e “ciência social” que, na verdade, versam sobre temas afins, isto é, de como e a partir de que instrumentos se pensa o Brasil, ter-se-ia, então, mais uma área de concentração temática das teses produzidas no período, composta por 22 delas. Neste caso, seriam dez os eixos temáticos da preferência dos autores e 228 o número de teses compreendidas naqueles eixos, compondo um percentual de 55,5% do total pesquisado. Ainda do ponto de vista temático, as teses que constituem essa coleção de 55,5% podem ser consideradas sob o seguinte ângulo: 84 delas debruçam- -se sobre objetos inequivocamente presentes na moderna agenda brasileira, incluindo “sindicatos e operários”, “atitudes, movimentos e ideologias políticas”, “políticas públicas” e “estudos de gênero”. Examinando-se, além disso, as palavras-chave indicadas nas teses sobre “estudos da religião e das igrejas”, sobre “estudos agrários” e sobre “cultura”, verifica- -se que 48 dessas teses também integram a agenda moderna - onze delas sobre “estudos da religião e das igrejas”, quinze, sobre “estudos agrários”; e 22 sobre “cultura” -, totalizando 132 teses. (Vianna et al., 1998Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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Da interface entre essa composição temática e a sua relação com as três disciplinas pesquisadas, os autores deduzem haver uma íntima relação das ciências sociais brasileiras com os dilemas de nossa modernização. À sociologia e à ciência política cabem estudos de áreas do conhecimento conectados ao “drama da construção democrática brasileira nos seres da sua modernidade”, ao mesmo tempo que a antropologia teria ficado responsável pelo que “há de retardatário em nossa sociedade, muito especialmente os personagens da vida rural” (Vianna et al., 1998Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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). Disso se concluiria que a especialização própria desse campo de estudos não ocorreria em sacrifício da conexão com o debate público, ao contrário. A agenda das ciências sociais conjugaria, assim, autonomia em relação às ondas da opinião pública, mas sem descurar completamente dos temas para ela candentes.
O mesmo não se verificaria, contudo, na relação entre a pós-graduação e as agências administrativas da sociedade: “uma ciência que tem sabido se tornar tão exposta à opinião pública, vem manifestando, malgrado isso, frágeis relações com as agências da administração pública e com as organizações de mercado” (Vianna et al., 1998Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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). Ademais, o número de pesquisadores(as) e de produtos científicos no campo da sociologia cresceram de forma a tornar complexo analisá-lo sob apenas uma perspectiva. A institucionalização da carreira de cientista social passa a ser o fenômeno de maior efeito no seu campo científico e organizacional. Esse cenário é importante por evidenciar os elementos constitutivos da história das ciências sociais nacionais, esclarecendo o quanto os discursos científicos e organizacionais influenciaram em sua transformação ao longo do tempo e do espaço. A relação entre sociedade, Estado e universo científico também perpassa por alterações fundamentais, denotando os processos em que seus conhecimentos interagem e refletem o desenvolvimento nacional do país. Atualmente, existem 4.640 currículos registrados na Plataforma Lattes como relacionados à área de sociologia,6
6
Autodeclarado na Plataforma.
oriundos de doutorados em uma das três ciências sociais. Verificou-se, também, o crescimento desse número a partir dos anos 2010, como demonstra a Figura 1 a seguir:
Do trabalho de Werneck Vianna e sua equipe emerge a imagem de um campo altamente institucionalizado, mas que parece responder, ao menos de modo impressionista, aos temas candentes da política nacional. No entanto, embora sua motivação declarada se refira às relações (ou à falta delas) entre ciências sociais e vida pública, os dados coletados permitem dizer pouco sobre essa interface, indicando a tônica dos trabalhos posteriores, restritos às dinâmicas internas às disciplinas estudadas. Talvez por isso parte importante das análises temáticas das agendas tenha sido motivada pela iniciativa e patrocínio das associações profissionais, mormente Anpocs, SBS, ABCP e ABA.
A Revista Brasileira de Sociologia, periódico científico da SBS, produziu em 2018 um dossiê chamado “O sistema de pós-graduação brasileiro e a expansão da área de sociologia”. Entre outros textos que lidavam com aspectos de desenvolvimento da disciplina, o artigo de Marina Melo, Ana Cláudia Bernardo e Selefe Gomes (2018) foi o único a se debruçar mais em balanços do conteúdo das pesquisas sociológicas, mas considerando principalmente a identificação de características metodológicas e implementando uma classificação construída no software SPSS. A base de dados das autoras contou com 282 teses e levou em conta variáveis como o gênero da autoria, a região de procedência e a nota do programa de pós-graduação do titulado. Uma das contribuições principais do trabalho foi demonstrar a diminuta atenção de sociólogos(as) em relação à descrição de metodologias de pesquisa, que alcança um resultado ainda pior entre mulheres. Do ponto de vista temático, todavia, vale pontuar que, tal como Vianna et al. (1998)Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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, elas delimitaram critérios relativamente subjetivos e sujeitos a dissenso, sem detalhá-los. De 17 áreas categorizadas, a apontada como mais frequente nos casos estudados foi a de “Intelectuais/Pensamento social/Teses teóricas”.7
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As 17 áreas categorizadas pelas autoras em “temática central da tese” foram: 1. Arte/Cultura; 2. Economia/Consumo; 3. Criminalidade/Violências; 4. Educação; 5. Gênero/Sexualidades; 6. Identidades/Migrações; 7. Juventudes/Envelhecimento; 8. Participação política; 9. Religião; 10. Saúde; 11. Sociologia jurídica; 12. Ciências e tecnologias; 13. Teses teóricas/intelectuais/Pensamento social; 14. Trabalho; 15. Ruralidades/Urbanidades/Meio ambiente; 16. Instituições; 17. Outros. (Melo et al., 2018, p. 61).
Mais recentemente, Mariana Nascimento (2021)Nascimento, M. (2021). A agenda de pesquisa sociológica no Brasil: O caso dos programas de pós- -graduação. Revista de Ciências Sociais, 52(2), 145-178. https://doi.org/10.36517/rcs.52.2.d05
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buscou discutir as agendas da sociologia brasileira e suas fontes de financiamento tomando como base as linhas de pesquisa dos dez programas de pós-graduação mais bem avaliados do país. Recorte parecido foi feito por Lima e Cortes (2013)Lima, J., & Cortes, S. (2013). A sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas ciências sociais. Civitas, 13(3), 416-435. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.3.16522
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para debater questões de interdisciplinaridade na área. A primeira autora é uma das exceções no conjunto de estudos sobre a disciplina no âmbito nacional, por ter procurado um modo mais objetivo de determinar temáticas de investigação, fazendo uso de recursos como a contagem de palavras em resumos e títulos de projetos. Nascimento pontua, inclusive, que se tornam imprescindíveis essas novas formas de classificação de subcampos, pois os critérios utilizados pelo CNPq não são suficientes para abarcar a diversificação da produção sociológica. A conclusão do estudo é que a maior parte dos projetos de pesquisa não dispõe de financiamento, sendo sustentada por voluntariado. Orientada por técnicas metodológicas similares às de Nascimento (2021)Nascimento, M. (2021). A agenda de pesquisa sociológica no Brasil: O caso dos programas de pós- -graduação. Revista de Ciências Sociais, 52(2), 145-178. https://doi.org/10.36517/rcs.52.2.d05
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, a tese de Tatiana Maranhão (2010)Maranhão, T. (2010). Autonomia reflexiva e produção do conhecimento científico: O campo da sociologia no Brasil (1999-2008) [Tese de doutorado]. Universidade de Brasília. abrange o escopo e inclui no mesmo tipo de análise a consideração de livros e artigos acadêmicos, mas com enfoque em entender se há autonomia nas perspectivas de trabalho intelectual no que diz respeito a constrangimentos internos e externos do campo, como os interesses estatais. Segundo essa autora, existe independência reflexiva entre os(as) brasileiros(as), que convivem, não obstante, com certo provincialismo ao não buscarem internacionalização de pautas e diálogos com sociólogos(as) estrangeiros(as).
Na antropologia, por seu turno, Paula Montero (2004)Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, a convite da ABA, buscou estabelecer o temário do campo a partir da comparação das linhas de pesquisa declaradas pelos programas de pós-graduação em relatórios enviados ao CNPq e pela organização dos congressos e grupos de pesquisa da área. Seu intento básico foi determinar “quais os principais problemas que organizam o campo da disciplina no país e como eles evoluíram ao longo dos últimos dez anos” (Montero, 2004Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, p. 117). Retomando uma distinção feita por Roberto Cardoso de Oliveira, ela questiona, também, se a pesquisa antropológica nacional permaneceria se distinguindo internamente pelo objeto pesquisado (tradicionalmente agrupados nos polos “indígenas” x “brancos”), ou se os diferentes modos de construção teórica desses objetos teriam se tornado critério fundamental de clivagem das suas subáreas. De um lado, a relativa ausência de referências a objetos empíricos da antropologia nos rótulos das linhas de pesquisa compiladas levaria, segundo a autora, a contestarmos a interpretação de Oliveira. Do outro, porém, os objetos permaneceriam nos rótulos dos grupos temáticos nos principais eventos da disciplina, indicando a existência de dois modos de construção das problemáticas antropológicas (Montero, 2004Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, p. 119). De consensual na área, restaria “a ênfase na formação clássica e na necessidade do trabalho de campo” (Montero, 2004Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, p. 121).
Já a observação dos grupos de pesquisa registrados indicaria três temáticas de destaque: a antropologia urbana, antropologia da religião, e antropologia da família e relações de gênero (Montero, 2004Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, p. 124). Essa descontinuidade entre os temários das linhas, congressos e grupos de pesquisa seria evidência de certa disjunção entre a organização da formação pós-graduada em antropologia e os polos que aglutinam a pesquisa. Tal cenário seria consequência de uma expansão disciplinar não acompanhada pela consolidação de problemáticas específicas, efeito de uma internacionalização desigual e incompleta da interlocução acadêmica (Montero, 2004Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, p. 128).
Seguindo o esforço de Montero, Júlio Assis Simões (2018)Simões, J. A. (2018). A dinâmica do campo: Temas, tendências e desafios. In D. S. Simião, & B. Feldman- -Bianco (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil: Retrospectiva, alcance e desafios (pp. 57-82). Associação Brasileira de Antropologia. retoma a análise das linhas de pesquisa para investigar as mudanças e continuidades no temário da antropologia brasileira. A partir de uma lista com mais de vinte categorias, ele conclui haver uma grande dispersão temporal e territorial das linhas, com poucas se repetindo nos mais de 21 programas registrados em 2012. As exceções são os programas que registram pesquisas em linhas como Identidade, território e relações interétnicas (15); Antropologia da política (9) e Comunicação, arte e cultura (9) (Simões, 2018Simões, J. A. (2018). A dinâmica do campo: Temas, tendências e desafios. In D. S. Simião, & B. Feldman- -Bianco (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil: Retrospectiva, alcance e desafios (pp. 57-82). Associação Brasileira de Antropologia., p. 64). Em termos gerais, a maior parte das linhas destacadas por Montero permanecia registrada nos relatórios dos programas em 2012, mas com o adendo de que “a clivagem entre ‘etnologia indígena’ e ‘antropologia da sociedade nacional’, em que pese ainda ecoar em algumas tensões e querelas intradisciplinares, não faz jus às transformações pelas quais passaram essas grandes áreas” (Simões, 2018Simões, J. A. (2018). A dinâmica do campo: Temas, tendências e desafios. In D. S. Simião, & B. Feldman- -Bianco (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil: Retrospectiva, alcance e desafios (pp. 57-82). Associação Brasileira de Antropologia., p. 79).
Tanto Montero como Simões reconhecem, contudo, os problemas de tomar as linhas como evidências de uma agenda de pesquisa, haja vista a prática disseminada de registrar sob ela docentes, publicações e pesquisas relacionadas a subáreas distintas (Montero, 2004Montero, P. (2004). Antropologia no Brasil: Tendências e debates. In W. Trajano Filho, & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 117-142). Contra Capa; Associação Brasileira de Antropologia. http://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/O_Campo_da_Antropologia_no_Brasil_-_PDF.pdf
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, p. 118). Ademais, tais linhas parecem mais traduzir denominadores comuns fracos entre os diversos docentes de um programa do que sua vocação específica. Com o intuito de avaliar essa correlação, Velcimiro Maia (2016)Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais. contrasta as temáticas da produção bibliográfica da disciplina com as linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação em ciências sociais, como registradas na Capes. Ao todo, ele analisou 583 documentos sobre linhas de pesquisa e 547 artigos qualificados referentes às avaliações trienais de 2007-2009 e 2010-2012 da mesma agência. O autor lançou mão de técnicas de processamento de linguagem natural, tais como lematização e clusterização, para unir documentos semanticamente próximos e, assim, verificar a existência ou não de uma interface entre linhas e publicações. Um dos seus resultados apontou que os assuntos estudados pelos(as) docentes diferem substantivamente das descrições registradas das linhas de pesquisa de cada programa.
Outro achado explorado por Maia (2016Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 123) é a estratificação do campo organizacional da sociologia entre um centro e uma periferia bem-marcados e reforçados pela coerção produzida pelo modelo avaliativo do Estado via Capes, influenciando os grupos periféricos a mimetizar suas práticas, espelhando-se nos agrupamentos mais centrais da área. Ao retomar o termo isomorfismo de Dimaggio e Powell (1983)Dimaggio P., & Powell, W. (1983). The iron cage revisited: Institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160., o autor explica que, a partir da institucionalização de um campo organizacional, processos de constrangimento impõem certas práticas em torno das mesmas condições de legitimidade. Instituições periféricas tenderiam, assim, a participar de processos miméticos no que diz respeito às suas práticas de pesquisa, mesmo contrariando a consolidação de uma identidade própria investigativa, para assumir certa legitimidade no campo científico. Maia (2016)Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais. demonstra que, em um estudo de redes de colaboração científica, (i) a endogenia das estratégias de publicação de artigos dos programas mais bem avaliados se mantinha no que tange à preferência por revistas de sua própria instituição e (ii) programas periféricos, em suas técnicas de legitimidade, copiavam ações dos programas líderes, preferindo publicar em suas revistas mais bem avaliadas, orientando, inclusive, os temas abordados em suas próprias produções.
Nesse sentido, a pesquisa de Velcimiro Maia insere a problemática da competição, ou, em seu próprio termo, da “coopetição” - mistura de colaboração e competição científica - para pensar os obstáculos experimentados pela área das ciências sociais no país em seu crescimento nos anos mais recentes. Apesar de ser notória sua especialização em diferentes domínios temáticos, processos de hierarquia e confrontos por recursos também incidem sobre a organização do seu campo de pesquisa, problematizando a relação entre os programas de pós-graduação e os(as) próprios(as) pesquisadores(as). Além disso, o desenho da pós-graduação brasileira se reflete por arranjos disciplinares e por isso passa a ser mais difícil visualizar quais são os temas que vão se tornando de excelência no campo.
Ao contrário da sociologia e da antropologia, a ciência política brasileira teve uma institucionalização mais tardia, porém mais intensa e coadunada com os critérios propostos pelo sistema de avaliação da Capes (Leite, 2015Leite, F. (2015). O campo de produção da ciência política brasileira contemporânea: Uma análise histórico- -estrutural de seus princípios de divisão a partir de periódicos, áreas e abordagens [Tese de doutorado]. Universidade Federal do Paraná.). Por causa disso, seus analistas têm privilegiado a investigação dos artigos científicos mais identificados com a área do que com suas teses, livros e linhas de pesquisa. Esse é o caso do artigo publicado por Fernando Leite e Adriano Codato (2013) centrado no papel do sistema Qualis-Capes na crescente autonomização metodológica e disciplinar em relação às suas congêneres. Embora bem menor que a sociologia em número de programas, os cientistas políticos publicaram mais artigos qualificados que os sociólogos em 2009 (Leite & Codato, 2013Leite, F., & Codato, A. (2013). Autonomização e institucionalização da ciência política brasileira: O papel do sistema Qualis-Capes. Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCar, 1(1), 1-21.). Tomando como base 364 artigos das seis revistas classificadas nos estratos superiores do sistema Qualis-Capes, os autores detectaram seis áreas temáticas: desempenho das instituições políticas; valores, atitudes, participação e política; teoria política, análise de conceitos e história das ideias; Estado, sociedade e políticas de governo; comunicação política, democracia e processos eleitorais; e relações internacionais (Leite & Codato, 2013Leite, F., & Codato, A. (2013). Autonomização e institucionalização da ciência política brasileira: O papel do sistema Qualis-Capes. Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCar, 1(1), 1-21., p. 16). Esses insights são mais largamente desenvolvidos na tese de doutorado de Leite (2015)Leite, F. (2015). O campo de produção da ciência política brasileira contemporânea: Uma análise histórico- -estrutural de seus princípios de divisão a partir de periódicos, áreas e abordagens [Tese de doutorado]. Universidade Federal do Paraná., dedicada a investigar as múltiplas dimensões da ciência política pós- -institucionalização e crescimento, a saber, as abordagens e áreas temáticas dominantes. Não obstante os variados mapas do campo desenhados pelo autor, o temário de pesquisa é quase sempre tomado como variável independente auxiliar para a compreensão de outras dimensões da disciplina, como abordagens metodológicas e epistêmicas predominantes.
Sob os auspícios da ABCP, André Marenco também analisou a agenda de pesquisa da ciência política através de sua produção em artigos acadêmicos, focando, porém, apenas em uma das publicações mais antigas da disciplina, a revista Dados (Marenco, 2016Marenco, A. (2016). Cinco décadas de ciência política no Brasil: Institucionalização e pluralismo. In L. Avritzer, C. Milani, & M. Braga (Eds.), A ciência política no Brasil: 1960-2015 (pp. 187-216). FGV.). No mesmo livro, organizado por Avritzer, Milani e Braga (2016)Avritzer, L., Milani, C., & Braga, M. (2016). A ciência política no Brasil: 1960-2015. FGV., diversos outros capítulos utilizam técnicas de bibliometria para examinar a evolução de subáreas de pesquisa, em geral categorizadas manualmente.
Ainda no âmbito da ciência política, em edição da Brazilian Political Science Review, revista editada pela ABCP, Candido, Campos e Feres Júnior (2021) mobilizaram um pacote de programação em R para identificar quais assuntos eram mais recorrentes nos periódicos nacionais da disciplina e se havia divisão de gênero na autoria deles de acordo com as temáticas mais ou menos publicadas. Se os dados mostraram que homens e mulheres proporcionalmente tinham tendências de vinculação a agendas distintas de pesquisa, não houve indicador de discriminação nos processos editorais. Subcampos mais feminizados eram publicados tanto quanto os que tinham predomínio masculino.
A despeito das profundas diferenças, é possível identificar algumas lacunas metodológicas em parte dessa bibliografia. A mais patente delas é o raro uso de técnicas computacionais para a imputação temática às unidades dos materiais analisados. Quase sempre, as teses, artigos, papers e projetos são categorizados como de uma área temática pela decisão completamente discricionária dos(as) autores(as) da pesquisa. Não deixa de surpreender, portanto, que as tipologias temáticas sobre uma mesma disciplina variem tanto de pesquisa para pesquisa. Mais do que um detalhe metodológico, essa ausência tem impactos sobre a construção das próprias tipologias e das conclusões que depois se deduzem delas. Para contornar isso, utilizamos aqui a técnica de Modelagem de Tópicos, tal como Candido, Campos e Feres Júnior (2021) fizeram para a ciência política. Embora não elimine por completo certa discricionariedade na imputação de tópicos, ela permite algum controle técnico sobre o processo, como explicaremos na próxima seção.
Outra lacuna importante tem a ver com a pouca atenção dada à diferenciação entre temáticas consolidadas e emergentes. Muitas vezes, a predominância de uma temática num dado corpus ou disciplina esconde sua variação no tempo. Temas historicamente consolidados podem estar passando por processos de marginalização, do mesmo modo que tópicos aparentemente marginais podem viver certo crescimento. É por isso que as seções que se seguem levam em conta a distribuição cronológica das temáticas mais recorrentes na sociologia. Pretendemos, assim, identificar não apenas temáticas consolidadas e subestimadas, mas também tópicos emergentes e em processo de marginalização.
Metodologia
Para estabelecer os temas estudados pelas teses brasileiras em sociologia nos últimos 11 anos, utilizamos um recurso para processamento de grandes volumes de texto, a Modelagem de Tópicos, técnica de mineração de textos a partir de um corpus determinado, com finalidade de identificação de padrões semânticos. Essa modelagem é fundamentada pelo campo técnico de processamento da linguagem natural, consistindo em identificar a similaridade semântica entre textos a partir da divisão de grupos de termos que mais coocorrem entre si. Como define Scarpa:
Nessa representação, um documento é visto como um saco de palavras, isto é, as posições das palavras nos documentos não são consideradas, apenas a quantidade de vezes que cada palavra aparece. . . . A matriz esparsa oriunda destes textos possibilita o uso de técnicas de armazenamento que utilizam consideravelmente menos memória, como por exemplo, um dicionário de chaves, com apenas os termos não nulos. . . . A Latent Semantic Indexing (LSI) é um conjunto de procedimentos estatísticos automatizados para medir quantitativamente a semelhança de significado entre duas palavras ou grupos de palavras. (Scarpa, 2017Scarpa, A. (2017). Técnicas de processamento de linguagem natural aplicadas às ciências sociais [Dissertação de mestrado]. Escola de Matemática, Fundação Getulio Vargas., pp. 9-11).
A Modelagem de Tópicos opera em cinco etapas. Na primeira delas, o conjunto de documentos analisados é “limpo”, com o objetivo de isolar somente os termos com algum significado. Nesse sentido, são eliminados os numerais, pronomes, termos com menos de duas letras, etc. Numa segunda etapa, são cortados os termos muito frequentes e aqueles muito raros. Isso é necessário porque nenhum desses dois tipos de palavra contribui para definição de padrões semânticos. No presente corpus, o termo “tese”, por exemplo, é tão onipresente que dificilmente nos ajudaria a caracterizar um corpus, o mesmo valendo para um termo raro como “ameríndio”. Uma terceira etapa consiste no processo de isolamento dos radicais das palavras, eliminando sufixos e prefixos semanticamente irrelevantes.
A Modelagem de Tópicos foi feita a partir do pacote Latent Dirichlet Allocation (LDA) em linguagem R. Todos os resumos foram traduzidos do português para o inglês com o auxílio da função Google Translate, disponível no aplicativo Google Sheets. Embora a Modelagem de Tópicos possa ser executada com textos em português, há uma carência de bons dicionários de radicalização e lematização para a língua, diferentemente do inglês. Ainda que saibamos que a tradução automática dos resumos pode suscitar problemas semânticos, haja vista a chance de que não respeite o sentido original de alguns termos, temos boas razões para optar por tal procedimento. Primeiro, porque as ferramentas virtuais para tradução em massa evoluíram substantivamente nas últimas décadas. Segundo, porque o mais importante para a Modelagem de Tópicos são as palavras isoladas, importando pouco as nuances e sinonímias possíveis.
Para estimar a quantidade de tópicos que melhor dividiria o corpus analisado, usamos o método baseado em densidade via pacote da LDA, tal qual proposto por Cao et al. (2009)Cao, J., Xia, T., Li, J., Zhang, Y., & Tang, S. (2009). A density-based method for adaptive LDA model selection. Neurocomputing, 72(7/9), 1775-1781. https://doi.org/10.1016/j.neucom.2008.06.011
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e rodado na linguagem de programação em R. Nesse método, um algoritmo divide o corpus em distintos números de tópicos previamente definidos pelo usuário. Como premissa, o modelo assume que o número de tópicos é excessivo quando a maior parte deles é caracterizada por uma grande quantidade de termos idênticos e que o número de tópicos é insuficiente quando a maior parte deles é caracterizada por termos muito específicos. Assim, a quantidade ótima de tópicos é definida quando há intersecções entre a maior parte dos tópicos, mas elas não são grandes.
Ajuste do número de tópicos (X) ao corpus analisado de acordo com a densidade dos tópicos (de 0 a 1)
Originalmente, a base contava com 3.256 teses, mas 66 delas foram eliminadas por não conterem resumos com o mínimo estipulado de 500 caracteres. Os 3.190 resumos restantes têm, em média, 1.852 caracteres. Na presente análise, definimos um teste com o número de tópicos oscilando entre 5 e 50, e, conforme a Figura 2, é possível dizer que o número ótimo está entre 15 e 24, já que esses pontos se aproximam mais do ajuste ideal (1,00). A rigor, o número de tópicos mais próximo disso foi 18, e, portanto, optamos por essa divisão do corpus.
Características gerais das teses
Como esperado, a maior parte das 3.190 teses analisadas concentra-se na região Sudeste do Brasil. Apesar do crescimento do percentual de teses defendidas em programas de outras regiões, sobretudo no Sul, ele não foi suficiente para reduzir drasticamente a concentração sudestina, algo indicado na Figura 3. Vale pontuar que esse resultado deve ser pensando em termos contextuais, tendo em vista que foi no eixo Rio-São Paulo que foram fundadas as primeiras pós-graduações de sociologia no país, sendo ainda nessas cidades que grande parte delas funciona.
A disparidade regional é igualmente perceptível quando observamos as instituições de ensino de modo isolado, conforme consta da Tabela 1. Quase todas as universidades que sobressaem no topo do ranking, que excedem um centenário de teses defendidas, se concentram no Sudeste, estando algumas também no Nordeste. Há poucas exceções, como a do Programa Pós-Graduação de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), que é antigo no país, o da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ou o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Tópicos dominantes nas teses
Conforme indicado pela estimação da densidade dos tópicos (rever Figura 1), optamos por dividir o corpus em 18 categorias distintas. A Tabela 2 apresenta a lista dos dez termos mais recorrentes em cada um dos tópicos, bem como os rótulos que atribuímos a eles com base nesses termos. A Figura 4 apresenta essa mesma lista de tópicos de acordo com a sua frequência no conteúdo analisado.
Como é possível perceber pela Figura 4, há uma preponderância de temas relacionados a trabalho e economia (301 teses; 9,4% do corpus), cultura (274; 8,6%) e crime e violência (261; 8,2%). Já entre os tópicos menos recorrentes, é possível destacar os estudos de sociologia histórica (71; 12,2%), métodos (86; 2,7%) e gerações (104; 3,3%). Em que pesem as diferenças de metodologia e recorte, reitera-se aqui dado muito similar àquele mencionado por Vianna et al. (1998)Vianna, L., Carvalho, M. A., Melo, M. P., & Burgos, M. B. (1998). Doutores e teses em ciências sociais. Dados, 41(1). https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000300001
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quando detectaram a preponderância de teses na década de 1990 sobre o que denominaram cultura, sindicatos e operários e políticas públicas. Mas são as distinções que mais saltam aos olhos, haja vista a aparente emergência e centralidade crescente de temas como crime e violência, ausente do levantamento supramencionado, ou a decadência aparente de estudos sobre religião. Concomitantemente, tais resultados destoam ainda das outras pesquisas que abordamos acima (Maranhão, 2010Maranhão, T. (2010). Autonomia reflexiva e produção do conhecimento científico: O campo da sociologia no Brasil (1999-2008) [Tese de doutorado]. Universidade de Brasília.; Melo et al., 2018Melo, M., Bernardo, A. C., & Gomes, S. (2018). As teses da área de Sociologia no Brasil: Padrões de inflexões temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Sociologia, 6(13), 58-75.). Mas, a despeito dessas aproximações e distinções, é digno de nota o deslocamento histórico de temáticas relacionadas à questão do desenvolvimento nacional que, como indicava Villas Bôas (2007)Villas Bôas, G. (2007). A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966). Fundação Biblioteca Nacional., dominou as agendas da pesquisa sociológica entre os anos 1940 e 1960. A Tabela 3 apresenta a oscilação de cada temática de modo cronológico.
Assim, a maior ou menor preponderância de um tópico não implica sua consolidação na disciplina. Como indica a Tabela 3, o número de teses sobre sociologia do trabalho e da economia caiu entre 2006 e 2012, estabilizando depois disso. Tendência similar, ainda que menos acentuada, é notada no tópico sobre religião. Já as teses sobre educação vêm experimentando algum crescimento no período analisado, assim como aquelas sobre crime e violência. Contudo, de modo geral, a distribuição temporal das teses pelos tópicos é razoavelmente estável. Algumas exceções são as teses sobre políticas públicas, que crescem acentuadamente entre 2009 e 2012, decrescendo depois disso até 2014. Temas como gênero e raça surpreendem pela estabilidade das teses defendidas por ano, girando em torno de 6% e 5%, respectivamente. Como veremos a seguir, essa tendência pode traduzir os incentivos indiretos, igualmente contínuos no tempo, para que os programas de pós-graduação se diversificassem tematicamente, aquilo que Velcimiro Maia chamou de “isomorofismo institucional” (Maia, 2016Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.).
A análise de correspondência, ilustrada na Figura 5, permite perceber a permanência de certos princípios de organização temática dos programas de doutorado em sociologia e ciências sociais. No eixo horizontal, a oposição entre urbano e rural, ainda que bastante modificada, permanece estruturando as distinções temáticas da disciplina. Como é possível perceber pelo mapa, o caráter especializado do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da UFRRJ faz dele o principal responsável pela produção de teses sobre meio ambiente e ruralidades. No extremo oposto, mas menos especializados, estão programas como os de Ciências Sociais (PPCIS) da UERJ, o de Sociologia da UFS, mais focados em sociologia urbana. O eixo vertical, por seu turno, opõe os programas mais voltados para estudos dos intelectuais, entre os quais a sociologia da Unicamp é o mais destacado, e os programas mais dedicados aos estudos de religião, entre os quais o PPCIS da UERJ aparece novamente.
Afora esses polos, parece haver uma convergência e pluralidade temática dos programas de doutorado, haja vista que a maior parte deles se encontra no meio do mapa e próxima de múltiplas temáticas. Isso parece confirmar a hipótese do isomorfismo institucional das linhas de pesquisa e produção bibliográfica levantada por Velcimiro Maia. Segundo ele, as políticas científicas brasileiras, mormente o sistema Qualis-Capes, teriam incentivado um duplo movimento de convergência e uniforme diversificação das linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação (Maia, 2016Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 138). A hierarquização das revistas com base em critérios de exogenia institucional e as consequentes recompensas financeiras e simbólicas oriundas desse sistema estariam incentivando os programas a diversificarem os temas estudados por seu corpo docente de modo a ampliar seu escopo de publicações, reduzindo, assim, o número de programas tematicamente especializados. Ao que parece, tal isomorfismo não estaria restrito aos artigos de docentes estudados por Maia, migrando também para as teses orientadas.
Conclusões
O objetivo deste artigo foi analisar o desenvolvimento das agendas de pesquisa sociológica no Brasil, tendo como enfoque gerações mais recentes de acadêmicos(as), ou seja, apreendendo como objeto as teses de doutorado defendidas em programas de pós-graduação especializados no país. A vantagem da seleção desses materiais consiste em serem produções de autoria individual e investimento de longo prazo. Artigos em periódicos científicos, em contraponto, podem resultar de projetos de investigação mais curtos e com colaborações coletivas dispersas. Com base nas teses de doutorado, pudemos examinar como as dimensões do ensino, da pesquisa, do pertencimento institucional e das políticas científicas podem se articular na definição de temáticas. Os dados que discutimos reforçam o diagnóstico de que há maior diversificação de assuntos sendo explorados nas pós-graduações especializadas, o que parece advir de estímulos institucionais de agências de avaliação e fomento.
Além disso, uma das contribuições que postulamos em diálogo com a literatura diz respeito ao desenho de pesquisa. Adotamos a técnica de Modelagem de Tópicos, consideramos as oscilações temporais nas temáticas estudadas e mobilizamos análises de correspondência para checar o peso da variável institucional nas escolhas e perspectivas defendidas em teses. Esse conjunto de opções permitiu proporcionar um retrato mais objetivo e neutro daquilo que se estuda na sociologia brasileira, captando suas transformações contemporâneas. No decorrer de uma década, algumas agendas de pesquisa perderam importância enquanto outras ganharam relevância. Destaca-se, a princípio, a grande dispersão em enfoques. A cultura é a temática que mais conquista atenção no período mais atual (10% das teses em 2016), sendo a sociologia histórica a que ocupa o extremo oposto (2%). Tópicos tradicionais, como trabalho e economia, perderam espaço. Gênero e raça, assuntos candentes do debate público e em expansão nas ciências sociais, foram consolidados na agenda.
Ao que os dados indicam, a sociologia brasileira adquiriu características próprias daquilo que Craig Calhoun (2007)Calhoun, C. (Ed.). (2007). Sociology in America: A history. The University of Chicago Press. chama de uma “ciência profissionalizada”, com uma alta especialização e diversificação temática. Mas, ao contrário do exemplo estadunidense analisado pelo autor, o cenário aqui parece refletir mais os efeitos de agências de avaliação e de fomento científico (Maia, 2016Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.), que assumiram nos últimos tempos a tarefa de orientar o desenvolvimento científico nacional.
Ao mesmo tempo que essa aproximação entre agências de regulação estatal e academia parece ter remodelado sensivelmente o campo, o diálogo entre ambas parece problemático. Nascimento (2021)Nascimento, M. (2021). A agenda de pesquisa sociológica no Brasil: O caso dos programas de pós- -graduação. Revista de Ciências Sociais, 52(2), 145-178. https://doi.org/10.36517/rcs.52.2.d05
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, Lima e Cortes (2013)Lima, J., & Cortes, S. (2013). A sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas ciências sociais. Civitas, 13(3), 416-435. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.3.16522
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, entre outros, mostram que a formalização de áreas em órgãos como Capes e CNPq reflete pouco o que a disciplina produz, o que impacta o planejamento estratégico da área e o caráter ainda fragmentário e pouco estruturado do seu financiamento.
A morfologia dos programas de pós-graduação parece contradizer a pluralização temática de suas teses. Se essas cada vez mais se estruturam em temáticas diversas, os programas passam por um processo de forte uniformização (Maia, 2016Maia, V. (2016). O campo da sociologia no Brasil: A estrutura relacional e os condicionantes do isomorfismo institucional [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.). Soma-se a isso a permanência de deficiências metodológicas importantes, destacadas por vários dos estudos aqui discutidos. Dentre os tópicos que elencamos, é notória a diminuta recorrência de abordagens sobre métodos de pesquisa. Essa lacuna entre as teses sociológicas defendidas no país corrobora os resultados do estudo de Melo et al. (2018)Melo, M., Bernardo, A. C., & Gomes, S. (2018). As teses da área de Sociologia no Brasil: Padrões de inflexões temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Sociologia, 6(13), 58-75., que ressalta a baixa preocupação generalizada da comunidade acadêmica brasileira com a descrição mais apurada das metodologias de suas investigações na disciplina. Tal problema, todavia, não se restringe a apenas essa área das ciências sociais, tendo sido frequentemente apontado também como um grande desafio da ciência política (Soares, 2005Soares, G. (2005). O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, (48), 27-52.; Neiva, 2015Neiva, P. (2015). Revisitando o calcanhar de Aquiles metodológico das ciências sociais no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, (79), 65-83. https://doi.org/10.7458/SPP2015794725
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).
O doutorado é o mais alto grau de formação no ensino superior, e neste trabalho abarcamos uma década inteira de produções concluídas por esse estrato de pesquisadores(as) na sociologia brasileira, de 2006 até 2016. Após esse período, o país e o restante do mundo atravessaram circunstâncias que mudariam radicalmente as interações e condições de vida de diversas populações, com a eclosão da pandemia de covid-19 e a ocorrência de catástrofes climáticas que são cada vez mais comuns frente ao aquecimento global. Como hipóteses de agendas de pesquisa que podem vir a apresentar crescimento na sociologia em virtude da conjuntura mais recente, salientamos, por exemplo, a saúde e o meio ambiente.
A sociologia cresceu academicamente ao longo do último século no Brasil, tendo se aproximado e adaptado fortemente às agências de regulação e de profissionalização da ciência. A multiplicação de estudos sobre a disciplina, sua história e morfologia atesta seu alto grau de institucionalização, mas não somente isso. O fortalecimento desse campo do conhecimento pode ser observado por diferentes métodos e variáveis, que nos ajudam a situar a área em meio a contextos políticos e sociais mais amplos. Desde que se tornou um setor de especialização, as análises sociológicas coexistiram com governos de esquerda e direita, golpe militar e ascensão eleitoral de uma gestão autoritária no Executivo.
A despeito dessas mudanças, que muitas vezes implicaram consequências negativas diretas às rotinas de trabalho dos(as) cientistas (Chaguri et al., 2023Chaguri, M., Freitas, G. de, Candido, M., & Catelano, O. Z. (2023). Futures of work in social sciences: Research report. SciELO Preprints. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.6128
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), a estruturação do sistema de pós-graduação nacional e de suas políticas de avaliação parece estar contribuindo para certa estabilidade de pluralização temática em agendas de pesquisa. Por outro lado, contudo, as próprias agências de regulação e fomento parecem não reconhecer a contento a forma temática que a disciplina assumiu. Outro limite a esse processo de especialização, conforme já pontuamos, é o relativo subdesenvolvimento de discussões metodológicas, que foi apontado por outros autores e demonstramos estar patente no diminuto espaço que essa temática assumiu no rol de categorias aqui formalizado. Há, portanto, conquistas, mas também desafios futuros à disciplina.
Disponibilidade de dados
Não é possível submeter os dados utilizados pois ocorreram tratamentos necessários nos dados originais, com apoio do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, que, em decorrência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e de acordos feitos com a Capes, não tem permissão de liberação das bases.
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A Capes, agência ligada ao Ministério da Educação, agrupa todos os programas de pós-graduação em cerca de cinquenta áreas atualmente. No âmbito das ciências sociais, temos três grandes áreas: ciência política e relações internacionais (que abriga também os programas de direitos humanos e estudos estratégicos); antropologia e arqueologia; e sociologia e ciências sociais. Vale destacar que esta última é a maior das três e conta com muitos programas interdisciplinares, isto é, com docentes ligados à ciência política e à antropologia.
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Evidências disso podem ser colhidas nos documentos relativos à avaliação trienal de 2007-2010: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos/avaliacao/avaliacao-trienal-2010/07022022_Sociologia_Rel_Avaliacao_Final.pdf
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Consulte o site em: https://www.cgee.org.br/
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A saber, história do Brasil, economia política, antropologia, sociologia, ciência política, geografia humana e demografia.
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Os programas analisados foram do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade de São Paulo (USP).
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Autodeclarado na Plataforma.
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As 17 áreas categorizadas pelas autoras em “temática central da tese” foram: 1. Arte/Cultura; 2. Economia/Consumo; 3. Criminalidade/Violências; 4. Educação; 5. Gênero/Sexualidades; 6. Identidades/Migrações; 7. Juventudes/Envelhecimento; 8. Participação política; 9. Religião; 10. Saúde; 11. Sociologia jurídica; 12. Ciências e tecnologias; 13. Teses teóricas/intelectuais/Pensamento social; 14. Trabalho; 15. Ruralidades/Urbanidades/Meio ambiente; 16. Instituições; 17. Outros. (Melo et al., 2018Melo, M., Bernardo, A. C., & Gomes, S. (2018). As teses da área de Sociologia no Brasil: Padrões de inflexões temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Sociologia, 6(13), 58-75., p. 61).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Nov 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
09 Nov 2022 -
Aceito
29 Maio 2023