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Desdobráveis: o olhar das pesquisadoras sobre as dinâmicas desiguais de gênero no subcampo científico da Comunicação no Brasil

Unfoldables: The Perspective of Female Researchers on Unequal Gender Dynamics in The Scientific Subfield of Communication in Brazil

Resumo

O texto aborda as dinâmicas desiguais do subcampo científico da Comunicação no Brasil, pelo olhar de pesquisadoras Bolsistas Produtividade (CNPq) do estrato mais elevado (PQ1). Situamos a discussão sobre gênero e ciência, com foco no produtivismo acadêmico e suas incidências para as dinâmicas desiguais do campo. Foram entrevistadas cinco interlocutoras, através de uma entrevista semiestruturada. As entrevistadas percebem que as chances e oportunidades se concretizam de forma desigual para as mulheres, embora algumas não reconheçam que isso tenha afetado de modo direto sua trajetória. São dificuldades mencionadas a ocupação de espaços institucionais, o que envolve a dedicação a atividades-meio x atividades-fim, dedicação a espaços de poder e/ou representação, e também a dupla jornada de trabalho.

Campo da comunicação; Gênero e ciência; Produtivismo acadêmico

Abstract

The paper explores the unequal dynamics of the scientific subfield of Communication in Brazil, through the eyes of women researchers Productivity Scholars (CNPq) of the highest stratum (PQ1). We situate the discussion on gender and science, focusing on academic productivism and its incidences on the unequal dynamics of the field. Five female interlocutors were interviewed, through a semi-structured interview. The women interviewed perceive that the chances and opportunities for women are unequal, although some of them do not recognize that this has directly affected their trajectory. They mention difficulties related to the occupation of institutional spaces, which involves dedication to middle versus end activities, dedication to spaces of power and/or representation, and also the double working journey.

Communication field; Gender and science; Academic productivism

Mulher é desdobrável. Eu sou.

(Adélia Prado)

Introdução

Este texto é travessia do projeto1 1 Projeto “Ser Mulher e Ser Pesquisadora no Campo da Comunicação: Entre Papéis Sociais e Desigualdades na Esfera do Trabalho e da Produtividade Acadêmica” dedicado a compreender as formas de operação das desigualdades de gênero no subcampo científico2 2 Referimo-nos ao subcampo científico da Comunicação para circunscrever o espaço social específico dentro do campo da Comunicação onde o conhecimento é produzido e circulado, junto com os subcampos educativo e profissional (Lopes, 2003). No decorrer do texto, a ideia de “campo da Comunicação” será mobilizada para pensar esse espaço social de forma mais abrangente. Eventualmente, o/a leitor/a ainda verá mobilizada a expressão “campo científico” para tematizar as práticas de produção de conhecimento não necessariamente circunscritas à Comunicação. brasileiro da Comunicação. Em um olhar inicial, nos debruçamos sobre estatísticas, dados e indicadores. Tratou-se de um mapeamento de ênfase quantitativa que nos levou a perceber como as desigualdades de gênero, na Comunicação, se situavam nos detalhes (Oliveira-Cruz; Wottrich, 2023OLIVEIRA-CRUZ, Milena Freire de; WOTTRICH, Laura. Desigualdades de gênero no subcampo científico da comunicação: o teto de vidro no quintal. MATRIZes, São Paulo, Brasil, v. 17, n. 1, 2023, pp.141-163. DOI: 10.11606/issn.1982-8160.v17i1p141-163 [ https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/192431 - acesso em: 6 maio 2024].
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). Mesmo que nosso subcampo científico, em sua lógica e estruturação, não possua quaisquer mecanismos formais de impedimentos para a inserção, progressão e consolidação das pesquisadoras mulheres, ao aproximar o olhar, algumas dinâmicas desiguais se evidenciaram. Entre elas, a menor ocupação das mulheres em lugares de liderança; sua menor expressividade em posições de excelência (como as bolsas Produtividade em Pesquisa/CNPq) dos níveis mais elevados; e a menor proporção de mulheres entre as docentes, embora elas ocupem majoritariamente os bancos nos Programas de Pós-Graduação como alunas3 3 O aprofundamento dessa análise pode ser consultado em (Oliveira-Cruz; Wottrich, 2023) . A especificidade desses detalhes propiciou a compreensão de um contexto mais amplo, em que o subcampo científico da Comunicação, atravessado pelas lógicas inerentes à constituição dos campos científicos, muitas vezes reproduz e legitima as dinâmicas desiguais de gênero.

A percepção sobre esse cenário, no entanto, fica limitada se for restrita a esses dados e se não for matizada a partir da noção de situacionalidade. Afinal, números e estatísticas nos dão uma visão ainda distanciada das formas como essas desigualdades atravessam as trajetórias das mulheres pesquisadoras – e, por conseguinte, a própria configuração do campo da Comunicação. Como nos lembra Evelyn Fox Keller (2006)KELLER, Evelyn Fox. Qual foi o impacto do feminismo na ciência? cadernos pagu (27), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, julho-dezembro de 2006, pp.13-34 [https://www.scielo.br/j/cpa/a/bSBYCtG9zPV55wBnbQkkpCb/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 23 jan. 2022].
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, é necessário ter cautela com qualquer sentença que inicie com a afirmação de que “as mulheres são”, sem que isso seja compreendido no escopo de suas trajetórias e dimensões da experiência. Se a mulher é alguma coisa, talvez seja à moda de Adélia Prado: desdobrável. Em diferentes vivências e expectativas em torno do feminino ou, no caso de nosso interesse, das mulheres pesquisadoras, nos múltiplos papéis historicamente engendrados por elas e nas táticas mobilizadas para marcar posição no campo científico.

Para ver com mais nitidez esse cenário, realizamos, neste texto, um exercício de escuta. Abordamos o tema pela perspectiva de cinco mulheres Bolsistas Produtividade (PQ) do CNPq, do estrato 1, vinculadas a diferentes níveis, programas e regiões do país4 4 Na expectativa de considerar a diversidade e representatividade da amostra, as interlocutoras estão vinculadas a PPGs das três regiões que têm em seus quadros pesquisadoras do estrato PQ1: Nordeste, Sul e Sudeste. Além disso, a fim de dimensionar atravessamentos da vida privada nas dinâmicas de trabalho, buscamos ouvir experiências diversas no que diz respeito à experiência (ou não) da maternidade e do casamento. . Nesse cenário exploratório, tateamos – com a companhia de nossas interlocutoras – como as dimensões de gênero são experienciadas nesse subcampo. Realizamos uma entrevista semiestruturada (Duarte, 2009DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: DUARTE, Jorge.; BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo, Atlas, 2009, pp.62-83.), com um roteiro pré-figurado, mas fundamentalmente aberto a intervenções e percepções das entrevistadas. Este texto objetiva, assim, abordar as dinâmicas desiguais de gênero no subcampo científico da Comunicação pelo olhar dessas pesquisadoras.

Aqui, importa ponderar uma dimensão sensível e, por que não, epistêmica de nossa proposta. A abertura para este diálogo com pesquisadoras de referência no subcampo científico da Comunicação nos convoca a refletir a partir de um conhecimento situado (Löwy, 2000), que permite pensar o subcampo científico na perspectiva de quem o constitui. Por outro lado, é preciso reconhecer que nossa presença neste espaço de interlocução, enquanto pesquisadoras também partícipes desse subcampo, aciona dimensões intersubjetivas que perpassam os diálogos e as trocas estabelecidas – que nos sugerem considerar a reflexividade na prática da pesquisa, mas, especialmente, a potência dessas falas para pensar as questões de gênero que atravessam o subcampo.

É neste sentido que esta escuta é política, permite-nos recuperar aqueles tempos que já não são nossos e assim tentar redefinir as condições de produção daquelas obras que não falam de quem somos, onde estamos, o que sentimos, mas apenas o que pensamos. Faz sentido medir nossas possibilidades sentipensantes e realizadoras? Quão possível seria fazê-lo? (Pérez-Bustos, 2019PÉREZ-BUSTOS, Tania. Mi tiempo ya no es mío: reflexiones encarnadas sobre la cienciometría. NÓMADAS (50), Colômbia, 2019, pp.35-43 [ https://nomadas.ucentral.edu.co/nomadas/pdf/nomadas_50/50_2P_mi_tiempo_ya_no_es_mio.pdf - acesso em: 21 jan. 2023].
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:41)

A escolha por entrevistar mulheres com Bolsa Produtividade do CNPq, atualmente em vigência, não é eventual. A obtenção e manutenção da Bolsa Produtividade, em seus níveis mais prestigiados, é associada à solidez das trajetórias e à contribuição ao desenvolvimento do conhecimento. Frente à escassez de recursos, também indica pesquisadoras pertencentes a um grupo social ainda restrito e para quem, ao menos idealmente, os obstáculos seriam menos agudos se comparados a outras vivências profissionais no campo.

Com essa discussão, temos a expectativa de que a investigação a partir das experiências das pesquisadoras auxilie a compreender o processo de segregação vertical das mulheres em suas carreiras científicas. A noção de “teto de vidro” (Barros; Mourão, 2020; Velho; De Leon, 2018DE LEÓN, María Antonia García. Claves de una investigación Pionera (Género y Poder). In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018, pp.157-174.; Martin-Palomino; 2018MARTIN-PALOMINO, Esther Torrado. Redes, sororidad y techo de cristal. In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciencia contemporánea. Barcelona, Icaria Editorial, 2018, pp. 133-156.) é usualmente mencionada para explicitar esses mecanismos sutis, informais e invisíveis que impedem as mulheres de seguirem progredindo em suas carreiras, mesmo que não existam objeções formais para tanto. Mas não é a única imagem usada para entender essa situação. Autoras advogam que, mais que prestar atenção nos impedimentos que existem no topo da carreira, é necessário observar as “paredes de fogo” (firewalls), ou “formas sistêmicas e dinâmicas de discriminação que compõem a própria estrutura das organizações e estão por todos os lados”, sendo persistentes em diversas dimensões e espaços da vida profissional das mulheres (Moschkovich; Almeida, 2015 MOSCHKOVICH, Marília; ALMEIDA, Ana Maria F. Desigualdades de gênero na carreira acadêmica no Brasil. Dados, v. 58, n. (3), 2015, pp.749-789 [ https://doi.org/10.1590/00115258201558 - acesso em: 21 jan. 2022].
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:752). Betina Stefanello Lima (2008) LIMA, Betina Stefanello. Teto de vidro ou labirinto de cristal? As margens femininas das ciências. Dissertação (Mestrado em História), Universidade de Brasília, Brasília, 2008 [ http://www.realp.unb.br/jspui/handle/10482/3714 - acesso em: 22 jan. 2022].
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prefere, ainda, abordar essa segregação como um “labirinto de cristal”, pois o problemático para as mulheres não seria exatamente ascender no campo científico, mas sustentar a permanência nele em um contexto no qual os mecanismos desiguais de gênero formatam um caminho muito mais sinuoso para elas.

Se as imagens explicativas são abundantes, o mesmo não podemos dizer do arcabouço empírico que nos permite problematizá-las a partir de contextos sociais específicos. Concordamos com Marília Moschkovich quando pondera que “talvez nenhuma metáfora tenha conseguido, até agora, captar por completo a experiência de ser mulher, brasileira e acadêmica” (2013:15). Menos ainda se focamos na Comunicação, em que não foram identificados investimentos analíticos dessa ordem. Ao investigar as experiências de pesquisadoras desse subcampo, não nutrimos ilusões de formular essa imagem explicativa única, até porque entendemos que a situação das mulheres nesse espaço social pode possuir especificidades (epistemológicas, políticas, sociais) em comparação ao universo mais amplo das pesquisadoras brasileiras. Se conseguirmos visibilizar suas experiências e problematizar, a partir de suas percepções, como as dinâmicas de gênero operam em nosso campo, já teremos feito algum avanço.

Produtivismo acadêmico e as lógicas desiguais do campo

Ao refletir sobre os parâmetros consolidados ao longo dos anos pelo campo científico no Brasil, Marília Moschkovich e Ana Maria Almeida (2015) avaliam que, hipoteticamente, do ponto de vista organizacional, a carreira acadêmica oferece condições para que mulheres superem as desvantagens relacionadas ao trabalho comumente encontradas em outros setores. Nas instituições públicas, há uma estabilidade na entrada e, via de regra, não há uma imposição do ritmo para a progressão. Essa lógica, que recai sobre a disposição e as possibilidades individuais, aparentemente, favoreceria (ou prejudicaria menos) aqueles/as que conciliam a vida acadêmica com outros compromissos fora da universidade, especialmente os que demandam tempo e investimento emocional, como as dinâmicas do cuidado voltadas para a vida familiar (prioritariamente as mulheres).

Essa igualdade de condições, entretanto, logo desmonta sua frágil aparência quando observamos que os critérios quantitativos e qualitativos estabelecidos para a permanência e para a progressão na pós-graduação no Brasil ignoram, enfaticamente, as dinâmicas e complexidades da vida fora da academia. A lógica produtivista, pautada em indicadores de desempenho e cultura de performatividade, não considera o contexto de condução da pesquisa, muito menos dos/as pesquisadores envolvidos no processo. Assim, o produtivismo acadêmico estimula a valoração quase exclusiva do produto final da pesquisa, sendo a publicação (os artigos, em especial) transformados em um fim em si mesmo, não visibilizados como frutos de um processo de construção do conhecimento (Patrus; Dantas; Shigaki, 2015)

Nesse sentido, importa perceber que os impactos dessa lógica recaem de modo diferente na vida de pesquisadores e pesquisadoras. Sobre esse aspecto, questiona Tânia Pérez-Bustos (2019PÉREZ-BUSTOS, Tania. Mi tiempo ya no es mío: reflexiones encarnadas sobre la cienciometría. NÓMADAS (50), Colômbia, 2019, pp.35-43 [ https://nomadas.ucentral.edu.co/nomadas/pdf/nomadas_50/50_2P_mi_tiempo_ya_no_es_mio.pdf - acesso em: 21 jan. 2023].
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:39, tradução nossa):

[...] essa ênfase nos objetos da comunicação e não naqueles que comunicam chama a atenção para a invisibilidade das condições de possibilidade da escrita. Perde de vista os valores que esses padrões de auditoria incorporam e seus efeitos na vida de quem alimenta o sistema. O que significa em um nível pessoal que temos que escrever mais e dessa maneira? O que esses padrões fazem com nosso trabalho investigativo?

Nesse sentido, partimos da provocação de pensar que os parâmetros de avaliações são construções sociais que funcionam como indutores de desigualdades de gênero na academia (Moschkovich; Almeida, 2015 MOSCHKOVICH, Marília; ALMEIDA, Ana Maria F. Desigualdades de gênero na carreira acadêmica no Brasil. Dados, v. 58, n. (3), 2015, pp.749-789 [ https://doi.org/10.1590/00115258201558 - acesso em: 21 jan. 2022].
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). O sistema não é objetivo (como afirma ser), uma vez que é constituído e operacionalizado por sujeitos social e politicamente situados (Patrus; Dantas; Shigaki, 2015), para refletir como o campo científico distingue e valoriza as atividades-meio e as atividades-fim que concernem à sua dinâmica.

Essa diferenciação, à primeira vista operacional, permite enxergar o engendramento de atividades, papéis, funções que, em última instância, situam hierarquicamente quem são os atores e o que importa realizar no campo científico para se obter reconhecimento e prestígio. Em um primeiro momento, situamos como atividades-meio aquelas que, segundo a lógica do campo científico, são fundamentais para o seu funcionamento e sua manutenção, mas não são reconhecidas ou devidamente contabilizadas/pontuadas de acordo com o sistema de avaliação e parâmetros de classificação estabelecidos pela CAPES. Estão nesse âmbito as avaliações de artigos, de programas de pós-graduação, de projetos submetidos para financiamento; as participações em bancas, coordenações, colegiados e editorias. Esse conjunto de atividades demanda “solidariedade acadêmica”, conceito bastante interessante trabalhado por Patrus, Dantas e Shigaki (2015:11), compreendido como relações cooperativas "que promovem a coesão da academia, ou seja, a consolidação de uma rede de colaboração voluntária que dá sustentação ao fazer acadêmico. No âmbito acadêmico da pós-graduação, a solidariedade é fundamental para a realização de projetos e trabalhos de ensino e pesquisa".

Embora fundamentais para a estruturação e a dinâmica do campo, a solidariedade acadêmica e as atividades-meio que dela decorrem são consideradas “um lado oculto e não valorizado do produtivismo” (Patrus; Dantas; Shigaki, 2015:4). Essa constatação, em paralelo com a ideia de que as atividades fim estão voltadas para produto final das pesquisas, principalmente as publicações, nos leva a uma associação direta com as noções de trabalho produtivo e trabalho reprodutivo. Por um lado, esse raciocínio nos remete à lógica mercantil que atravessa os processos e as lógicas produtivistas do campo científico, que qualificam o que “vale” e o que “não vale” em termos de tarefas e produtos desenvolvidos pelos pesquisadores. Por outra via, as atividades-meio, fundamentais para a sustentação do campo científico, mas desvalorizadas e até mesmo ocultadas como trabalho (porque permeadas pela lógica da solidariedade), nos endereçam à noção de trabalho reprodutivo. Já as atividades-fim, materializadas principalmente nos produtos finais das pesquisas (artigos, livros e suas respectivas citações), representam o trabalho produtivo, que tem valor mercantil, que pode ser contabilizado e valorizado nos parâmetros avaliativos do campo e que alimenta a sua dinâmica produtivista.

A esta altura, é importante ponderar que a divisão do trabalho produtivo e reprodutivo não é exclusiva nem excludente na perspectiva de gênero. Entretanto, entendemos ser possível (e necessário) refletir sobre os modos pelos quais o produtivismo acadêmico se sustenta a partir de dimensões individualistas, competitivas e estabelecidas por meio de relações hierárquicas e de poder.

Nesse movimento interpretativo, a discussão dos dados foi guiada, neste texto, para responder a duas questões de partida: de que modo as pesquisadoras bolsistas PQ1 percebem os engendramentos de gênero em suas trajetórias profissionais? Como as lógicas do campo científico incidem em suas vidas e vivências de gênero?

Desdobrando o cenário

Nossas interlocutoras foram convidadas à participação na pesquisa desde que correspondessem a um único critério: serem atualmente Bolsistas Produtividade do CNPq no seu estrato mais elevado (PQ1). Considerado esse recorte, buscamos constituir um grupo, na medida do possível, heterogêneo, com atenção à diversidade regional e às experiências de gênero, mais especificamente no que diz respeito ao casamento e à maternidade. A partir de um contato inicial, cinco pesquisadoras disponibilizaram-se ao diálogo, realizado de forma remota. O universo dos Bolsistas Produtividade em Pesquisa na Comunicação é consideravelmente pequeno e ainda menor5 5 No período de coleta de dados (2022), havia 41 Bolsas Produtividade em vigência no estrato PQ1; 23 delas, ocupadas por mulheres. se mirarmos somente as bolsas do estrato PQ1. Por isso, seguindo o percurso de pesquisas com matriz metodológica semelhante (Lima, 2011LIMA, Betina Stefanello. Quando o amor amarra: reflexões sobre as relações afetivas e a carreira científica. Revista Gênero, v. 12, n. (1), 2011, pp.9-21 [ https://ieg.ufsc.br/public/storage/articles/October2020/24042013-122919dossie01.pdf - acesso em: 22 jan. 22].
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), a idade, PPG a que se vincula, área do conhecimento, região e outros marcadores que eventualmente poderiam facilitar a identificação das interlocutoras foram ocultados neste texto para garantir o anonimato entre os pares, uma das condições combinadas para a realização das entrevistas. Cabe pontuar, no entanto, que todas as pesquisadoras se autodeclaram brancas6 6 Diante da ausência de dados sobre a autodeclaração da origem étnico-racial de todas as pesquisadoras PQ1, entendemos ser possível inferir, a partir de uma análise fenotípica, que se trata de um grupo majoritariamente branco, com algumas mulheres que podem se identificar como negras ou pardas. Durante o percurso da pesquisa, a intersecção do gênero com a raça se apresentou como uma questão importante que precisa ser tensionada para melhor compreender os desafios que se impõem nessas trajetórias pessoais e profissionais. Temos a expectativa de ampliar e aprofundar essa reflexão nas próximas etapas da pesquisa qualitativa. , cisgênero e vivem relacionamentos heterossexuais.

As entrevistas tiveram entre duas e três horas de duração, em alguns casos, realizadas em mais de um encontro, a partir de um roteiro de indagações semiestruturado. Guiaram o diálogo três eixos: um primeiro voltado à socialização (trajetória escolar, estímulos familiares para o estudo, referências intelectuais, desafios e oportunidades para dedicação aos estudos, relações de classe e de gênero na esfera familiar e suas implicações para as escolhas de vida); um segundo dedicado à carreira (lugar ocupado pela pesquisa na vida, escolha pela carreira na Comunicação, trajetória na pesquisa, conciliação do trabalho com a vida pessoal); e um terceiro voltado ao campo da Comunicação (visibilidade e oportunidades para pesquisadoras mulheres, mudanças no decorrer do tempo, dificuldades vivenciadas ou percebidas, trabalho como bolsista, parâmetros de avaliação e produtividade, possibilidades de transformação).

Gravadas e transcritas, as entrevistas passaram por um processo de decomposição e recomposição (Yin, 2016YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Penso Editora, 2016). A partir dos eixos norteadores do roteiro – socialização, carreira acadêmica e campo da Comunicação –, construímos uma matriz analítica, na qual cada eixo foi desdobrado em codificadores específicos, organizados a partir do material empírico. A escolha dos codificadores foi realizada a partir da correlação interna dos dados empíricos e de suas articulações com as teorias de base, ou seja, nem sempre vinculados à sequência presente na transcrição original. A matriz viabilizou o processo de interpretação, em diálogo recorrente com as transcrições. É importante perceber que a abrangência da organização dos dados, observada pela dimensão da matriz analítica, não pressupõe necessariamente a abordagem de todos os itens na escrita interpretativa. Os dados, no entanto, estarão lá, disponíveis para relacionar-se com a teoria no momento da escrita. Assim, tendo em vista que é no próprio exercício da escrita (e nunca antes) que as reflexões e conclusões sobre a observação acontecem, consideramos pertinente contar com a densidade e abrangência dos dados coletados de forma sistematizada para que fosse possível selecionar e analisar o caminho mais pertinente para a interpretação.

Desdobrando o trabalho

As formas como o trabalho é vivenciado pelas pesquisadoras são atravessadas pelas dinâmicas de gênero, considerando a divisão historicamente constituída entre os domínios público/privado, ou ainda trabalho produtivo/reprodutivo. Para refletir sobre essa dimensão, cabe matizar as especificidades da posição social ocupada por essas mulheres enquanto pesquisadoras vinculadas a instituições de Ensino Superior, pois “os diferentes significados dados ao trabalho podem apresentar variações importantes conforme a posição ocupada pelos sujeitos” (Oliveira-Cruz, 2018OLIVEIRA-CRUZ, Milena Freire de. Publicidade e desigualdade: leituras sobre gênero, classe e trabalho feminino. Porto Alegre, Ed. Sulina, 2018.:52). Um primeiro fator é que a desigualdade salarial, indicativo concreto da desvantagem histórica das mulheres no acesso e na permanência no ambiente laboral, não atinge de forma expressiva as pesquisadoras, considerando que sua ascensão é marcada por critérios estabelecidos no âmbito da carreira no funcionalismo público7 7 Embora essa não seja a realidade de todas as pesquisadoras bolsistas produtividade, observamos uma predominância de profissionais atuantes em universidades públicas. . Isso não quer dizer, por outra via, que não existam fatores intersubjetivos que atravessem as chances e oportunidades para progressão, mas esses não afetam, diretamente, a dimensão material da existência.

Para as interlocutoras, o trabalho assume um lugar central em suas trajetórias, vinculado à obtenção de autonomia, ao prazer e à satisfação. Essa centralidade é marcada por um certo borramento das fronteiras entre o domínio profissional e o pessoal, em que o trabalho, mais do que uma dimensão econômica e existencial, não se distingue com facilidade de outras dimensões da vida.

no início era independência, depois a uma certa altura foi sim e é realização profissional, satisfação, entendeu? Satisfação pessoal numa coisa construída por mim. (Interlocutora 1)

Trabalhar e viver pra mim é a mesma coisa. As coisas se misturam. (Interlocutora 4)

O universo de pesquisa está muito vinculado com o cotidiano e isso facilita. É um lugar muito central, inclusive na vida em comum. (Interlocutora 2)

Então o trabalho ocupa minha vida nesse sentido, porque eu não separo muito o trabalho da minha vida. (Interlocutora 3)

eu vejo as coisas misturadas, não é que o trabalho é uma coisa e o lazer é outra, a gente vive tudo isso junto, mas eu estive pensando que não precisava. A gente não precisa viver pra trabalhar, precisa fazer, essa coisa do tempo livre, do ócio, o ócio é criativo. (Interlocutora 5)

O lugar difuso ocupado pelo trabalho se articula a alguns fatores, mais ou menos tensionados pelas vivências de gênero. De forma geral, para os sujeitos situados no subcampo científico, há uma certa dificuldade em reconhecer sua posição enquanto trabalhadores, pois as lógicas de abnegação e dedicação individual obliteram a posição existencial que ocupam na estruturação da sociedade (Vieira Pinto, 1969PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. São Paulo, Paz e Terra, 1969.). Essa é uma situação inerente às lógicas de estruturação do campo científico, mas que precisa ser lida em articulação com uma certa naturalização do produtivismo (Rocha, 2018ROCHA, Rose de Melo. As razões do produtivismo: fricções intelectuais e capitalismo ficcional. GALÁXIA (39), PUCSP, 2018, pp.136-149 [ https://doi.org/10.1590/1982-255434152 - acesso em: 19 jan. 2022].
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) no trabalho de pesquisa, que tem, entre seus efeitos nefastos, a reprodução de uma cultura na qual “a responsabilidade sobre as tarefas não termina com as longas jornadas de trabalho e se estende, invadindo as horas de descanso ou desconexão e criando um ritmo de trabalho acelerado, uma intensificação das responsabilidades por obrigações e competência extrema” (Carpintero, 2018CARPINTERO, Ester Conesa. Academia acelerada, slow science y etica do cuidado. In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018.:176, tradução nossa).

Para Luciana Costa e Edilson Filho (2021), o produtivismo acadêmico se caracteriza como um fenômeno que tem origem na lógica neoliberal, uma vez que adota critérios meritocráticos e enfatiza excessivamente a quantidade em detrimento da qualidade da produção intelectual. Apesar de reconhecerem a necessidade dos parâmetros avaliativos para a destinação de recursos e financiamentos de pesquisa, os autores refletem sobre a adoção de critérios pouco sofisticados por parte das agências de fomento, que acabam por induzir à rivalidade e ao individualismo entre os pares, além de uma intensificação da pesquisa que desloca o foco da prática docente e desqualifica o papel social da universidade. Do ponto de vista individual, as consequências do produtivismo acadêmico estão na jornada exaustiva, que refletem na saúde física e mental dos docentes e na precarização da sua qualidade de vida.

Se existem efeitos deletérios, há também negociações e recompensas. A flexibilidade que leva a termo a configuração de um projeto individualista e meritocrático de trabalho possibilita também a configuração de táticas que, para as mulheres, se tornam centrais na viabilização das suas carreiras, na conciliação entre trabalho produtivo/reprodutivo e gestão do tempo. Geralmente, as pesquisadoras consideram a possibilidade de gerir seu tempo uma das vantagens principais da carreira científica (González Ramos, 2018GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. ¿Por qué abandonan las mujeres? In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018, pp.39-66.). Não separar o trabalho da vida significa, também, a possibilidade de conciliar distintos papéis aos quais são convocadas ou que desejam assumir.

No entanto, essa conciliação não ocorre sem, por vezes, tensas e intensas negociações com os pares e com os afetos familiares. O fenômeno do produtivismo é reconhecido pelas interlocutoras em nossa pesquisa e vivenciado de diferentes formas: no trato com a burocracia; na identificação de lógicas individualistas de trabalho; na dedicação que invade espaços de lazer e convívio; na autoexigência para escrever e publicar; entre outras menções.

Ao refletirem sobre como são vistas pelos pares, “excessivamente dura”, “exigente” e “arrogante” foram predicados apresentados por quatro das interlocutoras. Nesse sentido, o depoimento de uma interlocutora é bastante interessante para pensar os parâmetros de eficiência e qualidade no campo científico a partir de uma perspectiva masculinista, que se endereça para o comportamento e relacionamento com os demais:

[o campo] nos faz perder determinadas características e assumir outras que nós não temos, pra nos inserir numa lógica que não é a nossa, né? Eu acho que talvez a minha geração tenha praticado isso aí. Então quando eu disse “Ah, talvez hoje eu fosse mais afetiva com os meus alunos, mais conciliadora”... isso não quer dizer que eu perdesse o rigor, mas teria manifestado mais os meus afetos. Ninguém me exigiu isso, mas como que eu incorporei? Do mundo ao meu redor, né? E eu precisava, enfim, ser respeitada. [...] Mas como eu tenho que fazer pra ser respeitada? Eu tenho que trabalhar, eu tenho que ter um rendimento, eu tenho que me mostrar forte, eu tenho que falar de igual pra igual com homens, com mulheres, né? Não posso me permitir, vamos dizer assim, falhas ou fragilidades. (Interlocutora 1)

Os modos como acreditam serem percebidas pela comunidade acadêmica são reveladores de que sustentar uma posição de excelência científica, para elas, significa uma percepção social diferencial em termo de sua competência. Dialoga com o que pontua González Ramos (2018GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. ¿Por qué abandonan las mujeres? In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018, pp.39-66.:56) quando pondera que “a ambição é julgada de forma diametralmente diferente se for exercida por um homem ou uma mulher. Como na avaliação das competências de homens e mulheres (eles são brilhantes, elas são trabalhadoras)”.

Em relação às assimetrias de gênero na estrutura e no desenvolvimento da carreira, Fabiane da Silva e Paula Ribeiro (2014) abordam como principais obstáculos mencionados por pesquisadoras: a maternidade, a dupla jornada de trabalho, a competição, a produtividade em pesquisa e o preconceito e discriminação de gênero. As interlocutoras que entrevistamos percebem que as chances e oportunidades se concretizam de forma diferencial para as mulheres, embora algumas não reconheçam que isso tenha afetado de modo direto sua trajetória. Entre as barreiras mencionadas por elas, estão dificuldades relacionadas à ocupação de espaços institucionais, o que envolve a dedicação a atividades-meio x atividades-fim, dedicação a espaços de poder e/ou representação e também a dupla jornada de trabalho, especialmente a conciliação com as tarefas domésticas e a maternidade.

Desdobrando espaços

Cabe retomar aqui a relação que estabelecemos entre atividades-meio/trabalho reprodutivo e atividades-fim/trabalho produtivo. Enquanto as primeiras atividades seriam pouco consideradas, as segundas são tomadas como medida de valor do trabalho científico, em chave produtivista, indicador do desempenho e da excelência dos pesquisadores. Assim como o trabalho reprodutivo, as atividades-meio, muitas vezes, não são socialmente contabilizadas como “trabalho”, mas como fruto do voluntarismo, da doação e da solidariedade em relação ao coletivo, uma tarefa que, não raras vezes, parece recair mais sobre as pesquisadoras mulheres. Quatro das interlocutoras reconhecem esse lugar de invisibilização das atividades-meio como um problema do subcampo e compreendem que há uma percepção diferencial do lugar do coletivo para as pesquisadoras:

Tem um monte de produção técnica, o parecer é uma delas, que é grande, mas tem mais milhões, como fazer parte de banca, que muita gente não faz. É necessário, porque você não pode publicar se eu não der um parecer. É um circuito. [...] Acho que a gente precisaria ter uma reestruturação de penalizar quem não está fazendo essas coisas da ordem do funcionamento da pós-graduação e que alguns estão livres disso. [...] A gente manda os pareceres e tem aqueles figurões que não respondem. [...] Se essa é uma lógica masculina que as mulheres aceitaram, que lógica é essa que você permite que na sua revista tenha gente no comitê que não trabalha? (Interlocutora 3)

a gente trabalha com afinco, é meticulosa… que sei eu, né? Encara… a gente, muitas vezes encara trabalhos por solidariedade. A mim me aconteceu de encarar determinados trabalhos mais por solidariedade com alguém do que propriamente porque eu quero, entendeu? (Interlocutora 1)

Mas eu acho mulher mais coletivista e homem mais individualista, num geral. Claro que há exceções, mas o homem carreirista, não é que não haja mulher carreirista. Mas, assim, nessa cultura machista, patriarcal, que o homem tem que conseguir seu lugar, fazer seu nome, as mulheres dividem mais o trabalho, compartilham os lugares de poder mais. (Interlocutora 5)

Acho, às vezes, que as formas são muito diferentes de lidar com o cargo e com o poder. Eu sinto, pelo menos. O que eu vi das associações e do modo como as mulheres pensavam mais em determinadas coisas coletivas do que os homens, as pautas eram outras. (Interlocutora 2)

Os depoimentos das nossas interlocutoras lembram a reflexão de Ana Maria González Ramos (2018)GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. ¿Por qué abandonan las mujeres? In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018, pp.39-66. quando afirma que, na academia, as mulheres tendem a se dedicar mais a tarefas que têm menor reconhecimento, ainda que demandem tempo e complexidade para a execução. “Elas também se dedicam mais que os homens a tarefas coletivas, necessárias ao departamento e ao bem da docência, ao invés de tarefas reconhecidas na carreira. Estes cargos são poucos valorizados na evolução da carreira e muitas vezes penalizam as mulheres” (González Ramos, 2018GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. ¿Por qué abandonan las mujeres? In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018, pp.39-66.:46, tradução nossa). É importante reafirmar, neste ponto, que o trabalho reprodutivo é essencial para a manutenção do sistema capitalista e para a própria produção econômica (Federici, 2019FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução. São Paulo, Elefante, 2019.). A associação que fazemos com as atividades-meio no subcampo científico diz respeito a tarefas burocráticas e coletivas (assumidas pelas interlocutoras) que não geram um produto final “rentável” ou valorizado para o campo (como artigos e produção bibliográfica). Por outro lado, embora invisibilizadas e desprestigiadas, as atividades-meio são fundamentais para a operação e o funcionamento do próprio sistema de produção do campo científico. Daí a importância de reconhecê-las e refletir a seu respeito a partir de uma lógica hierárquica e generificada.

Convém destacar que essa lógica é vivenciada pelas interlocutoras, mas reconhecida de modos distintos por elas. Se, por um lado, observam as implicações concretas das assimetrias de gênero no trabalho científico, por outro, é imprescindível considerar que o lugar que o trabalho ocupou em suas vidas foi sendo delineado pari passu ao desenvolvimento histórico do próprio campo da Comunicação; a forma como aprenderam a ser pesquisadoras se delineou junto à própria definição das bordas desse campo. Como refletiu a Interlocutora 4: “Talvez eu esteja tão envolvida nesse modo de operação que nem perceba. Sabe o peixe dentro do aquário? Ele não sabe que tá ali dentro. Talvez eu não saiba também”.

Suas compreensões são atravessadas pelos padrões masculinos historicamente constituídos como “norma” no subcampo científico. E isso se associa à lógica meritocrática, que coloca no primeiro plano o esforço, a abnegação e a capacidade individual, “como se a ciência fosse resultado de ‘saberes descorporificados’, sem gênero, etnia/raça, classe social, país de origem etc., em oposição aos ‘saberes corporificados e localizados’ que propõe Haraway (1995)” (Silva; Ribeiro, 2014SILVA, Fabiane Ferreira da; RIBEIRO, Paula Regina Costa. Trajetórias de mulheres na ciência: 'ser cientista' e 'ser mulher'. Ciência & Educação, Bauru, 20(2), 2014, pp.449-466 [ https://doi.org/10.1590/1516-73132014000200012 - acesso em: 18 jan. 2022].
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:460). É o que nos revela uma interlocutora ao comentar seu incômodo em ocupar espaços de poder e relacioná-lo à sua falta de traquejo, considerando que os homens teriam construído uma maior competência para se posicionarem nesses espaços.

Eu vejo as mulheres fazendo algumas coisas muito domesticamente, muito “mulhermente”. [...] Eu acho que os homens têm condições favoráveis para esse tipo de liderança, as mulheres além delas terem de fazer o que elas tão fazendo pra sobreviver, para trabalhar, elas têm que buscar isso e ainda por cima se dividir com a família, com filho… Ou seja, não são tão centradas, tão focadas, porque não podem. Uma coisa é uma pessoa que só se dedica a isso. Os homens da minha geração se dedicavam a isso, à sua vida profissional né, as mulheres é a vida pessoal, mais a vida familiar, mais a vida afetiva, mais não sei o que. [...] O campo tem mais mulheres, mas as mulheres, a grande maioria tem essa segmentação. Quando os homens assumem os postos pra mim eles são mais competentes, nesse sentido. (Interlocutora 4)

Embora reconheça que a “vocação” masculina para lugares de poder é socialmente constituída, a reflexão acima ratifica que os atributos socialmente vinculados ao feminino seriam impeditivos para ocupar algumas posições. Essa dinâmica é introjetada pelas mulheres, como reconhece a Interlocutora 3: “Talvez o que a gente precise ocupar mais são cargos de gestão, isso é uma autocrítica que eu faço. Eu fujo dos cargos de gestão e acho que as mulheres fogem dos cargos de gestão. Gestão que eu digo mais como estratégicos, que tem mais poder. Grupo de pesquisa, até do programa a gente vai, mas quando chega lá, ’vamos fazer a candidatura do Comitê de Área e Compós?’, a gente foge”. Essa percepção sobre a ocupação dos espaços de poder é compartilhada por outras interlocutoras, que destacam a sensação de desconforto, incômodo e o enfrentamento necessário para se manterem nessas posições: “Às vezes a gente se pergunta: ‘Por que eu escolhi isso? Por que escolhi esse incômodo?’. Acho que é isso, tem uma disponibilidade maior. Acho, às vezes, que as formas são muito diferentes de lidar com o cargo e com o poder” (Interlocutora 2); “Então acho que é uma posição de enfrentamento [...] os homens tendem a assumir a liderança e as mulheres têm que disputar por esse lugar” (Interlocutora 5). São sensações associadas por elas à socialização diferencial de homens e mulheres para ocuparem os espaços de poder, o que, no caso delas, é feito com maior dificuldade.

A consequência dessa lógica se institucionaliza na distribuição dos cargos, especialmente os de maior prestígio. Como apontamos em levantamento anterior, são os homens que ocupam, ao longo dos anos, a ampla maioria das posições de liderança em comitês, diretorias e presidências de associações científicas do campo (Oliveira Cruz; Wottrich, 2023).

Desdobrando papéis

Quando debatemos as desigualdades de gênero vividas no âmbito acadêmico, é importante ponderar o quanto a lógica masculinista (individual, meritocrática) do subcampo se fortalece pela manutenção das mesmas assimetrias vividas no que diz respeito à divisão sexual do trabalho em um contexto social anterior e mais amplo. A universidade, em muitos aspectos, é um espelho da própria sociedade que a abriga. Assim, nos dedicamos a entender, por um lado, o quanto as tarefas de cuidado (em especial aquelas atreladas à maternidade e ao casamento) contribuem para uma distribuição desigual do uso do tempo e impactam nas carreiras das pesquisadoras. Na via inversa, procuramos refletir, juntamente com nossas interlocutoras, o quanto as exigências da carreira acadêmica reverberam em limites, escolhas e conflitos em suas vidas pessoais, considerando a perspectiva de gênero e as atribuições assumidas (ou não) como mães e esposas. “Afinal, na medida em que as fronteiras entre o tempo pessoal e o tempo do trabalho tem se borrado, a situação das acadêmicas tem se tornado mais complexa” (Carpintero, 2018CARPINTERO, Ester Conesa. Academia acelerada, slow science y etica do cuidado. In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciência contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018.:198, tradução nossa).

Em pesquisa que reflete as implicações das relações afetivas na carreira científica, Betina Lima (2011)LIMA, Betina Stefanello. Quando o amor amarra: reflexões sobre as relações afetivas e a carreira científica. Revista Gênero, v. 12, n. (1), 2011, pp.9-21 [ https://ieg.ufsc.br/public/storage/articles/October2020/24042013-122919dossie01.pdf - acesso em: 22 jan. 22].
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identifica que a divisão sexual do trabalho corresponde a um dos principais obstáculos do percurso acadêmico de mulheres cientistas. Nesse contexto, um dos pontos mais significativos da articulação entre trabalho e família, que repercute diretamente na vida das mulheres, é a associação do cuidado como uma prerrogativa feminina. “Essa prática, ao ser socialmente construída e imputada como ‘responsabilidade’ ou naturalizada como ‘atributo’ feminino, se enfraquece como processo social e também onera as mulheres” (Araújo; Sacalon, 2005:22). Ao analisar a média de horas dedicadas ao trabalho doméstico entre as famílias brasileiras segundo dados PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios), Bila Sorj conclui que as mulheres casadas e com filhos dedicam mais tempo ao trabalho doméstico que as mulheres com filhos e solteiras – o que sugere que a presença do marido, ao invés de significar um compartilhamento das demandas, incide numa maior carga de trabalho para a mulher em casa (Sorj, 2013).

É interessante perceber, entretanto, que a desigualdade entre homens e mulheres não se restringe às atividades práticas da rotina doméstica. A partir de um diálogo com Francesca Cancian sobre a feminilização do amor, Betina Lima reflete que as mulheres são as principais responsáveis pela gestão dos sentimentos e pela manutenção das relações afetivas. Enquanto, para cientistas homens, estar casado é indiferente (ou até mesmo favorece) à sua progressão de carreira, para elas, a situação é inversa. “Nesta perspectiva, uma vez estabelecidas as relações amorosas, as mulheres se tornam os pilares do amor e também da família. Assim, para as mulheres, o investimento na carreira e nas relações afetivas são construídas como excludentes” (Lima, 2011:15).

Entre as interlocutoras de nossa pesquisa, uma é solteira; duas são casadas com outros pesquisadores PQ; outras duas casaram mais recentemente (e estavam solteiras nos anos de ascensão na carreira, reconhecendo que essa condição lhes permitiu maior dedicação ao trabalho). Para as cinco, a presença (ou não) dos companheiros em suas vidas e o tipo de atividade que eles exercem tem relação direta com o trabalho das pesquisadoras:

O papel da pesquisa na minha vida é quase um matrimônio, quase bodas de prata. Ou seja, ela tem um lugar que, se não digo central, é pelo menos coadjuvante no centro da história. Como eu não tenho filhos para cuidar e nem marido para contemplar nesse momento, acabo ocupando o tempo com isso. (Interlocutora 4)

O trabalho, no meu caso e do meu marido, é muito central, porque a gente trabalha com as coisas que a gente gosta. [...] De modo geral, a gente está em um patamar muito parecido na carreira, de coisas que a gente faz. Isso ajuda um a entender o que o outro tá passando. (Interlocutora 2)

Muitas vezes eu quero continuar trabalhando de noite, o [cita nome de companheiro] chega do trabalho e diz ‘ah, mas para aí, tu já trabalhou o dia inteiro’, né? Entra naquela coisa assim: ‘mas precisa ser agora? Por que tu não continua amanhã de manhã quando eu sair de novo?’. Geralmente tem uma motivação pra fazer uma outra coisa que pra ti continuar trabalhando tu tem que ter muita dedicação. (Interlocutora 1)

Pelos depoimentos, mesmo que a partir de condições diferentes, é interessante ponderar o quanto as pesquisadoras reiteram a demanda de um trabalho intenso, que ocupa noites e fins de semana. Em estudo sobre o desenvolvimento na carreira entre bolsistas de produtividade no Brasil, Suzane Barros e Luciana Siqueira (2019:72) apontam que a relação entre casamento e produção científica das pesquisadoras varia conforme o tipo de casamento e a ocupação do marido. Para elas, “as mulheres de segundo casamento, principalmente as casadas com pessoas do meio científico – alunos, professores ou colegas –, eram mais produtivas do que aquelas que estavam no primeiro casamento”. Em nosso estudo, em especial entre as interlocutoras cujos parceiros também são pesquisadores PQ, o casamento foi visto como um estímulo à carreira, uma vez que há compreensão do marido no que diz respeito às longas jornadas.

Por outra via, é interessante considerar a ponderação de Betina Lima (2011)LIMA, Betina Stefanello. Quando o amor amarra: reflexões sobre as relações afetivas e a carreira científica. Revista Gênero, v. 12, n. (1), 2011, pp.9-21 [ https://ieg.ufsc.br/public/storage/articles/October2020/24042013-122919dossie01.pdf - acesso em: 22 jan. 22].
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, que reflete a partir de exemplos de pesquisadoras casadas com homens que estão em estágios anteriores da carreira acadêmica ou que não fazem parte do campo científico. Nesses casos, prevalecem os relatos de competitividade ou incompreensão por parte dos companheiros – o que levou a maior parte das suas entrevistadas a considerar o casamento e a ascensão na carreira acadêmica como mutuamente excludentes. O casamento, desse modo, colabora para a constituição do labirinto de cristal, sendo um “obstáculo” para a dedicação tida como necessária para as atividades profissionais das cientistas mulheres (Lima, 2011LIMA, Betina Stefanello. Quando o amor amarra: reflexões sobre as relações afetivas e a carreira científica. Revista Gênero, v. 12, n. (1), 2011, pp.9-21 [ https://ieg.ufsc.br/public/storage/articles/October2020/24042013-122919dossie01.pdf - acesso em: 22 jan. 22].
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).

Para refletir sobre como as lógicas do campo científico (que até aqui já apontamos como produtivistas, competitivas e individualistas - logo, masculinistas) incidem nas experiências ou nas compreensões sobre a maternidade para nossas interlocutoras, é importante situarmos a ideia de que a própria maternidade é uma instituição e uma ideologia construída social e historicamente. Pela ótica do feminismo matricêntrico, é a partir de um engendramento bastante sofisticado do patriarcado que a maternidade se constitui como uma opressão adicional às mulheres, no que diz respeito às suas experiências, aos seus papéis, à sua identidade e subjetividade (O’Reilly, 2016).

Essa ressalva é importante para elucidarmos alguns pressupostos ideológicos da maternidade patriarcal (O’Reilly, 2016) que, de modo recorrente, são acionados como justificativas ou explicações para pensar as tensões vividas na articulação entre mães e carreira. No caso do campo científico como um espaço de trabalho que está atravessado por lógicas culturais e sociais mais amplas, interessa problematizar a naturalização e individualização como noções que tanto normalizam que os cuidados com as crianças são uma prerrogativa essencialmente feminina, que simplificam a maternidade como uma “escolha” (e não como uma função social) que recai exclusivamente sobre quem a fez. Assim, “a maternidade está associada a um evento que afeta a ‘vida pessoal das mulheres’”, em vez de refletir sobre esse assunto como um fenômeno estrutural que envolve a organização da ciência e a redefinição dos papéis de homens e mulheres tanto no espaço público como em casa” (Revelles-Benavente, 2018REVELLES-BENAVENTE, Beatriz. Competitividad y excelencia en los centros de investigación internacionales. In: GONZÁLEZ RAMOS, Ana M. Mujeres en la ciencia contemporánea: La aguja y el camello. Barcelona, Icaria, 2018, pp.67-93.:77, tradução nossa).

De forma direta, como pode ser observado nos depoimentos das interlocutoras, conciliar as demandas extenuantes do campo acadêmico e da maternagem é um conflito que cabe às mães pesquisadoras (tentar) resolver, não ao subcampo. Entre as pesquisadoras que são mães, uma parte dessa indissociabilidade das demandas maternas e da manutenção dos parâmetros de produção na carreira tem como consequência o sentimento de menor convívio com os(as) filhos(as).

Se eu me senti em algum momento prejudicada, foi porque são muitos focos pra atender. Ou seja, tu tem a tua vida pessoal, afetiva, da relação [...] A casa e a filha, a família, né? Não tenho a mínima dúvida que ser mãe te coloca numa outra posição, te coloca radicalmente em outra posição. Da forma como eu vivi a maternidade, muitas coisas eu abri mão. Abri mão de um convívio maior e tal, pelo trabalho, me sentia em determinados momentos tipo sem outra opção. [...] Mas sim, eu sempre reclamava dos meus colegas homens do tipo ‘tá, tu pode fazer isso porque tu tá aí…’, tem uma dedicação, um foco, né? (Interlocutora 1)

Hoje eu fico pensando se eu… será que fui pouco presente quando as crianças eram pequenas? Porque eu ficava muito fora de casa, agora depois, quando eu voltei [de outro país], nessa outra fase, com o grupo de pesquisa, com a pós-graduação lá e as crianças já maiores, eu sempre trabalhei demais, é aquela coisa de trabalhar o dia todo, eu sempre estava na universidade, trabalhava à noite, trabalhava final de semana, eu acho que eu trabalhei demais. (Interlocutora 5)

No Brasil, o movimento Parent in Science (PiS) tem analisado, desde 2017, os efeitos da maternidade na produtividade entre mães cientistas e pais cientistas, bem como entre pesquisadores e pesquisadoras sem filhos. De acordo com o levantamento, esse impacto se materializa, especialmente, na redução substancial do número de publicações após o parto, perdurando em média até quatro anos após o nascimento do(a) filho(a). Importante pontuar que os impactos da maternidade não se restringem aos anos após o nascimento dos filhos. Como resultado a médio e longo prazo, o levantamento do PiS identifica que existe uma diferença substancial na idade em que homens e mulheres têm acesso às bolsas PQ no país. Enquanto, entre os homens, a maioria das bolsas está distribuída no grupo com idades entre 45 e 54 anos, entre as pesquisadoras, o maior número de bolsistas se encontra entre as mulheres de 50 a 59 anos (Machado et al., 2019MACHADO, Leticia et al. Parent in science: the impact of parenthood on the scientific career in Brazil. In: 41st ACM/IEEE International Conference on Software Engineering, Montreal, 2019, pp.37-40.:37). Essas desigualdades impostas às pesquisadoras que conciliam maternidade e carreira são observadas também por nossas interlocutoras que não têm filhos:

Vendo minhas colegas, acho que não ter filhos facilita no sentido de que tem muito menos compromisso e mais autonomia de decisão para algumas coisas, como gerenciar seu tempo. Quando tem filhos tem que dedicar esse tempo, tanto no dia a dia quanto quando fiz decisões de morar fora e de viajar para congressos, tudo isso acho que teria que rever como fazer. (Interlocutora 3)

Acho que se eu tivesse sido mãe, eu não teria produzido e me envolvido tanto. Não sei como as pessoas conseguem fazer tese com um filho ao pé. Teria sido bem mais reduzido, possivelmente não teria saído para pós-doc e nem ter tanta pesquisa. Precisa de uma liberdade e um espaço para. [...] Eu tenho essa disponibilidade e esse senso de coletivo, e se eu tivesse filho não poderia ser tão disponível. Eu sou dona do meu tempo e meu espaço. (Interlocutora 4)

É instigante o quanto as reflexões das nossas interlocutoras fazem referência ao tempo como condição importante para a produção científica com qualidade. Como sugere Tânia Perez-Bustos (2019PÉREZ-BUSTOS, Tania. Mi tiempo ya no es mío: reflexiones encarnadas sobre la cienciometría. NÓMADAS (50), Colômbia, 2019, pp.35-43 [ https://nomadas.ucentral.edu.co/nomadas/pdf/nomadas_50/50_2P_mi_tiempo_ya_no_es_mio.pdf - acesso em: 21 jan. 2023].
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:40, tradução nossa), “investigar requer ler, pensar, dialogar, ouvir e perceber as temporalidades do que é investigado, dar conta dos espaços que nos convocam e dos corpos que nos acompanham”. A contradição se consolida quando o sistema produtivista impõe uma aceleração do ritmo do trabalho acadêmico, e a velocidade é tida como critério de competência – o que aumenta a tensão para conciliar a atuação em várias frentes em uma lógica “implacável e minimalista, em que tudo dura pouco e a interrupção é a regra” (Patrus; Dantas; Shigaki, 2019:5). Quando essa necessidade de tempo é também atravessada por demandas e tensões oriundas das desigualdades de gênero, que impõem às mulheres uma disponibilidade extra para gerenciar vida pessoal e profissional, temos institucionalizada uma condição complexa e desfavorável para as pesquisadoras.

Considerações finais

O movimento de escuta que apresentamos foi fundamental para abordarmos as dinâmicas desiguais de gênero no subcampo científico da Comunicação a partir do olhar (e das vivências) das pesquisadoras, nosso objetivo neste texto. Esse percurso nos permitiu tatear as dinâmicas generificadas presentes nesse subcampo, para além das estatísticas. Mas se há algo que nos congrega às interlocutoras - estarmos situadas em um subcampo científico específico -, as experiências parecem transcender uma posição objetiva desse subcampo e se relacionar aos espaços ocupados pelas mulheres no labor científico de uma forma mais ampla. Entender o que é - ou não - específico da Comunicação é uma provocação na qual nos aprofundaremos na companhia das nossas interlocutoras nos próximos movimentos de pesquisa. Por outra via, o percurso até aqui não nos permite, claro, empreender quaisquer generalizações em torno das vivências das pesquisadoras, mas oferece pistas para situá-las no curso histórico da configuração do campo de conhecimento. Afinal, “embora a história de vida de cada uma delas se constitua como uma história individual, ela também é coletiva, pois se trata de uma história vivida coletivamente, localizada num determinado contexto cultural, histórico e social” (Silva; Ribeiro, 2014SILVA, Fabiane Ferreira da; RIBEIRO, Paula Regina Costa. Trajetórias de mulheres na ciência: 'ser cientista' e 'ser mulher'. Ciência & Educação, Bauru, 20(2), 2014, pp.449-466 [ https://doi.org/10.1590/1516-73132014000200012 - acesso em: 18 jan. 2022].
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:453).

As interlocutoras reconhecem as dinâmicas desiguais de gênero no campo e as articulam diferencialmente às suas vivências, a partir de sua posição como sujeitas no mundo e dos distintos papéis ocupados por elas além do labor científico. O diálogo com elas nos permitiu identificar, no subcampo científico da Comunicação, a permanência de mecanismos mais ou menos sutis que atrapalham as mulheres em suas carreiras. A quase natural predisposição feminina às atividades-meio, por exemplo, fala dessas sutilezas. Mas os embates e renúncias derivados da conciliação da carreira científica com a maternidade, por outro lado, é uma camada bem visível da perversa desvantagem que ainda recai sobre as mulheres. Algo que não é próprio do nosso campo, por certo, mas cujas implicações não devem ser naturalizadas.

A partir dessas reflexões, concordamos com Marília Moschkovich (2013)MOSCHKOVICH, Marília Bárbara Fernandes Garcia et al. Teto de vidro ou paredes de fogo? Um estudo sobre gênero na carreira acadêmica e o caso da UNICAMP. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, 2013 [https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/905752 – acesso em: 20 jan. 2022].
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quando fala da impossibilidade de reduzir as vivências das mulheres pesquisadoras brasileiras a uma única imagem. Pelo menos, para as nossas interlocutoras, na atual fase de suas carreiras, em que, após anos de intensa dedicação, galgaram os postos mais elevados da carreira científica, o “teto de vidro” não parece ser tão significativo. Mas, ao observar os relatos sobre suas trajetórias, identificamos caminhos sinuosos e relatos de sofrimento, “paredes de fogo”, mecanismos estruturais de discriminação que, devido à sua incidência sobre a própria noção de ciência, são muitas vezes pouco perceptíveis8 8 Nossa intenção é descobrir, na próxima etapa da pesquisa, se essas são vivências compartilhadas por pesquisadoras em outras fases da carreira, mais iniciais. .

Ultrapassar essas paredes, no fim das contas, acaba sendo uma tarefa individual. Cabe às mulheres, mais uma vez, desdobrarem-se. Uma ideia que pouco se distancia da concepção contemporânea produtivista de ciência (Rocha, 2018ROCHA, Rose de Melo. As razões do produtivismo: fricções intelectuais e capitalismo ficcional. GALÁXIA (39), PUCSP, 2018, pp.136-149 [ https://doi.org/10.1590/1982-255434152 - acesso em: 19 jan. 2022].
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), focada no desempenho e na competição:

No modelo masculino de trabalho científico, a resolução dos conflitos família-trabalho tem caráter pessoal, individual: um companheiro compreensivo, capacidade de organização, recursos para pagar uma empregada, mãe disposta a ajudar. Uma mulher particular consegue encontrar seu caminho, mas o problema continua lá para a próxima que, quando não consegue sua solução individual, falha. O problema, então, não está no modelo que foi criado para atender ao homem, mas na mulher que não foi “forte”, nem hábil o suficiente para se adaptar a ele (Velho; León, 1998VELHO, Lea; LEÓN, Elena. A construção social da produção científica por mulheres. In: Cadernos Pagu (10), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.309-344 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/4631474. – acesso em: 19 jan. 2022].
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:342, grifos nossos).

Para pensar sobre as resoluções em chave coletiva, argumentamos por uma ética feminista para o subcampo científico da Comunicação, proposta feita por Aimée Vega Montiel (2011)MONTIEL, Aimée Vega. Ética feminista e comunicação. Comunicação & Informação, 14(2), 2011, pp.3-18 [https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441. - acesso em: 22 jan. 2022].
https://revistas.ufg.br/ci/article/view/...
. A autora dialoga com Carol Gilligan (1982) para tensionar as diferenças entre homens e mulheres nas dimensões éticas e nas maneiras como constituem suas relações consigo e com o coletivo. Nesse raciocínio, a partir de uma perspectiva social, cultural e histórica, “enquanto os homens constroem sua identidade no princípio da diferenciação dos demais, as mulheres a constroem a partir de suas relações com esses outros” (Montiel, 2011MONTIEL, Aimée Vega. Ética feminista e comunicação. Comunicação & Informação, 14(2), 2011, pp.3-18 [https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441. - acesso em: 22 jan. 2022].
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:7). Avançando na reflexão da autora, chegamos na distinção entre a ética da justiça, calcada no pressuposto do individualismo, e a ética do cuidado – situada na premissa da responsabilidade com os outros. A proposta da ética feminista, defendida por Montiel, é de complementaridade. Para ela, justiça e cuidado não são “mutuamente exclusivas, mas cumulativas. A ética da justiça nos concentra no imperativo de não admitir exceções (...), e a ética do cuidado nos propõe o dever e a responsabilidade de atender às necessidades para que ocorra a equidade e a real igualdade” (Montiel, 2011:9).

Nesse sentido, implica considerar, pela ética feminista, que homens e mulheres não estão situados de forma semelhante na sociedade, bem como que as mulheres precisam ser reconhecidas em suas identidades e seus contextos específicos (idem). Em um contexto que se estrutura coletivamente, mas também abriga interesses individuais, disputas de dominação e controle, enxergar as assimetrias e as possibilidades de mudança pode ser um exercício de resistência e emancipação. Se, por um lado, o produtivismo pode ser visto como um fenômeno político (Patrus; Dantas; Shigaki, 2019), que favorece, por razões já mencionadas, um modo androcêntrico e meritocrático de fazer pesquisa, dar visibilidade às suas lógicas, desdobrar os sentidos que constituem as desigualdades de gênero, pode ser uma saída. “Eu considero que é uma ação política visibilizar a desigualdade [...] Porque ela pode levar a alguns sujeitos que não perceberam, por ‘n’ razões, a repensar”, nos diz, entusiasmada, a Interlocutora 1. Façamos, pois, da ética feminista no campo da Comunicação uma forma de resistência, mas também de cuidado, porque vislumbra o campo em sua conexão coletiva e seus agentes de forma interdependente.

Referências bibliográficas

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  • YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Penso Editora, 2016
  • 1
    Projeto “Ser Mulher e Ser Pesquisadora no Campo da Comunicação: Entre Papéis Sociais e Desigualdades na Esfera do Trabalho e da Produtividade Acadêmica”
  • 2
    Referimo-nos ao subcampo científico da Comunicação para circunscrever o espaço social específico dentro do campo da Comunicação onde o conhecimento é produzido e circulado, junto com os subcampos educativo e profissional (Lopes, 2003LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Epistemologia da comunicação. São Paulo, Loyola, 2003.). No decorrer do texto, a ideia de “campo da Comunicação” será mobilizada para pensar esse espaço social de forma mais abrangente. Eventualmente, o/a leitor/a ainda verá mobilizada a expressão “campo científico” para tematizar as práticas de produção de conhecimento não necessariamente circunscritas à Comunicação.
  • 3
    O aprofundamento dessa análise pode ser consultado em (Oliveira-Cruz; Wottrich, 2023OLIVEIRA-CRUZ, Milena Freire de; WOTTRICH, Laura. Desigualdades de gênero no subcampo científico da comunicação: o teto de vidro no quintal. MATRIZes, São Paulo, Brasil, v. 17, n. 1, 2023, pp.141-163. DOI: 10.11606/issn.1982-8160.v17i1p141-163 [ https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/192431 - acesso em: 6 maio 2024].
    https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
    )
  • 4
    Na expectativa de considerar a diversidade e representatividade da amostra, as interlocutoras estão vinculadas a PPGs das três regiões que têm em seus quadros pesquisadoras do estrato PQ1: Nordeste, Sul e Sudeste. Além disso, a fim de dimensionar atravessamentos da vida privada nas dinâmicas de trabalho, buscamos ouvir experiências diversas no que diz respeito à experiência (ou não) da maternidade e do casamento.
  • 5
    No período de coleta de dados (2022), havia 41 Bolsas Produtividade em vigência no estrato PQ1; 23 delas, ocupadas por mulheres.
  • 6
    Diante da ausência de dados sobre a autodeclaração da origem étnico-racial de todas as pesquisadoras PQ1, entendemos ser possível inferir, a partir de uma análise fenotípica, que se trata de um grupo majoritariamente branco, com algumas mulheres que podem se identificar como negras ou pardas. Durante o percurso da pesquisa, a intersecção do gênero com a raça se apresentou como uma questão importante que precisa ser tensionada para melhor compreender os desafios que se impõem nessas trajetórias pessoais e profissionais. Temos a expectativa de ampliar e aprofundar essa reflexão nas próximas etapas da pesquisa qualitativa.
  • 7
    Embora essa não seja a realidade de todas as pesquisadoras bolsistas produtividade, observamos uma predominância de profissionais atuantes em universidades públicas.
  • 8
    Nossa intenção é descobrir, na próxima etapa da pesquisa, se essas são vivências compartilhadas por pesquisadoras em outras fases da carreira, mais iniciais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2022
  • Aceito
    09 Jan 2024
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