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Escrever além da raça: teoria e prática, de bell hooks

hooks, bell. Escrever além da raça: teoria e práticaSão Paulo: Editora Elefante, 2022

Escrever além da raça: teoria e prática é uma obra que evidencia o modo como a cultura dominante do patriarcado capitalista supremacista branco imperialista1 1 A autora utiliza os termos interligados e os define como simultâneos na dominação. é um fenômeno ideológico do dano e do trauma. A autora é a professora, teórica feminista e ativista afro-americana bell hooks (1952-2021), cujo pseudônimo é escrito em letras minúsculas por determinação da própria literata em focalizar nas suas ideias, e não na sua pessoa. De maneira geral, suas obras discutem gênero, raça, classe, representatividade, políticas culturais, críticas de cinema e o amor. O conteúdo do livro em questão parte da formulação de que a ação e o pensamento da supremacia branca inferiorizam, de variados modos, outros grupos raciais e étnicos. Esses meios de inferiorização são discutidos no decurso de seus 17 capítulos.

No Brasil, a obra foi publicada em 2022 pela Editora Elefante, que é responsável pela maioria das obras traduzidas de bell hooks. O prefácio à edição brasileira é escrito por Alex Ratts, um antropólogo de referência, em nosso país, acerca das discussões étnico-raciais. Nos Estados Unidos, o livro foi lançado originalmente em 2013 — contexto político em que Barack Obama, seu primeiro presidente negro, tinha sido eleito. Por esse ângulo, hooks aponta as múltiplas falácias de “superação do racismo” no ambiente americano, que similarmente ocorrem no cenário brasileiro pelo mito da democracia racial (González, 1984GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 2(1), 1984, pp.223-244 [https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7395422/mod_resource/content/1/GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf – acesso em: 09 maio 2024].
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), ainda reforçado. Acerca disso,

quando as pessoas insistem que o racismo acabou, o que em geral quer dizer que pessoas negras ganharam por meio de leis e práticas antidiscriminatórias, direitos civis suficientes para que não estejamos mais sujeitos ao constante terrorismo racial nem a punições brutais ostensivas com base na raça (hooks, 2022HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. São Paulo, Editora Elefante, 2022.:34).

As interseccionalidades constituíram uma ferramenta analítica amplamente produtiva para o pensamento feminista (Piscitelli, 2008PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, 11(2), Goiânia, 2008, pp.263-274 [ https://revistas.ufg.br/fcs//article/view/5247 - acesso em: 09 maio 2024].
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)2 2 Autoras que exploraram/exploram o uso da interseccionalidade: Patrícia Hill Collins, Avtar Brah, Maria Beatriz Nascimento, Angela Davis, Sueli Carneiro e Lélia Gonzalez, embora algumas dessas não façam menção direta ao conceito. . O termo tem origem em 1980, um contexto histórico em que bell hooks também estava produzindo o seu primeiro livro, E Eu Não Sou Uma Mulher? Mulheres Negras e Feminismo, de 1981, que discute, sobretudo, a condição específica das mulheres negras; a posicionalidade dessas mulheres nos guetos do movimento; bem como a denúncia do sexismo dos homens negros e do racismo das feministas brancas (hooks, 2019a), um debate cada vez mais efervescente no Brasil. Cabe destacar que Mulheres, Raça e Classe (1981), de Angela Davis, é do mesmo período e examina a peculiaridade das mulheres negras tendo, como ponto de partida, a escravidão (Davis, 2016).

Semeado e iluminado por produções epistemológicas do teor imbricado de gênero, raça e classe, o feminismo negro inaugura partindo da ideia de que as mulheres negras possuem demandas distintas provocadas, no mínimo, pelo racismo e pelo sexismo. Assim, a perspectiva interseccional que articula as diferenças/desigualdades (Piscitelli, 2008PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, 11(2), Goiânia, 2008, pp.263-274 [ https://revistas.ufg.br/fcs//article/view/5247 - acesso em: 09 maio 2024].
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), aderida por bell hooks, corresponde a um modelo transversal que incorpora o patriarcado, o capitalismo e a supremacia branca como instrumentos de exame fundamentais. Convém destacar que as abordagens hooksianas desenvolvem teorias para a prática.

No capítulo 1, racismo: nomear a dor, em combinação com as premissas da psicologia, hooks realça o problema da saúde mental da população negra ao apontar o “trauma coletivo” que os estereótipos negativos causam na psique de pessoas negras e impossibilitam o bem-estar desse grupo. Ademais, hooks também cita algumas doenças físicas que demonstram disparidades entre pessoas brancas e negras — dentre elas, câncer, doenças cardíacas, diabetes, HIV/Aids, as tendências dos homicídios, o estresse que afeta a imunidade —, que intrinsecamente indicam o viés da raça como motivação. Como referência desses dados, cita os trabalhos do psicólogo afro-americano Norman Anderson. É possível pontuar, por exemplo, que o fato de as estatísticas sobre o crime de homicídio apontarem as pessoas negras como predominantemente assassinadas se associa à ocorrência da ideologia da supremacia branca, que está incorporada nas forças de Estado por meio da violência policial e também por membros de sociedades marcadas pelo racismo, que têm o imaginário social similar ao que questionou Lélia González em Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira: “Por que será que dizem que preto correndo é ladrão?” (González, 1984GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 2(1), 1984, pp.223-244 [https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7395422/mod_resource/content/1/GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf – acesso em: 09 maio 2024].
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:237).

Ao discutir a diversidade no capítulo 2, bell hooks faz críticas ao pensamento binário/dualista por ser redutível. Aqui, ela nos oferece a visão interseccional, que a leva a se colocar em lugares transitórios por considerar que ora pode ser oprimida, ora pode estar em posição de oprimir. Ao defender isso, hooks põe em conflito aquilo que se tem deturpado em parte dos movimentos sociais contemporâneos e em parte da “militância” digital: a interseccionalidade como uma soma; o popularizado conceito de “lugar de fala” (Ribeiro, 2019RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.) como um ciclo fechado que contém apenas “as vítimas” e impossibilita o diálogo coletivo de conscientização, além de instaurar a disputa hierárquica do “quem sofre mais”. Para a autora, essas condutas separatistas não contribuem para a libertação, pois “se eu reivindicar somente aqueles aspectos do sistema que me definem como oprimida (...) então eu continuo a não ter a visão do todo” (hooks, 2022HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. São Paulo, Editora Elefante, 2022.:63).

No capítulo 3, solidariedade: relações raciais entre mulheres, hooks faz uma alusão à disputa eleitoral de Hillary Clinton e Barack Obama como um dualismo de escolhas: “feminismo” ou “antirracismo” (hooks, 2002). A literata retoma os seus argumentos já inseridos em outras obras, como Teoria Feminista: Da Margem ao Centro (2019b) e E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo (2019a), acerca das contradições das feministas brancas ocidentais. Para iluminar o contrassenso, Avtar Brah chama atenção “à exclusão de outros determinantes como classe e racismo” (Brah, 2006:343). A socióloga tece críticas à suposta submissão universal do “segundo sexo” por considerá-la como uma forma isolada de compreensão de um todo mais complexo e se refere à noção de identidade, considerando os seus limites e as suas possibilidades; dentre estas, a identidade enquanto categoria permite a articulação das experiências.

No intuito de demonstrar caminho(s) além da raça, nos capítulos 7 e 12, bell hooks enfatiza com maior precisão o título da sua obra quando descreve que o amor é política! Estando o amor na condição de política, equivale a um colaborador do fim da dominação. Desse modo, ir além da raça é considerar a supremacia branca enquanto suporte do racismo e afrontá-la a partir da vigilância crítica3 3 Para bell hooks (2022), configura-se “vigilância crítica” a oposição, a descolonização e a modificação de hábitos da cultura dominante. . A autora cita, como percurso, o bem-estar como uma prioridade que compõe o físico, o psicológico, o social, o ambiental e o espiritual.

No intuito de dar o caráter de sistema, afirma que “todos nesta sociedade são inundados pela estética supremacista branca” (hooks, 2022HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. São Paulo, Editora Elefante, 2022.:41). Assim, pode-se afirmar que a obra gira em torno de discutir os impactos negativos na autoestima de pessoas negras, que iniciam já na infância, a partir do ensinamento da cultura dominante.

Como referências intelectuais, a autora recorre a Malcolm X e a Martin Luther King, reservando o capítulo 5 para o diálogo com Malcolm e o capítulo 7 para King, pois, embora tenham exercido a luta racial de modos diferentes, ambos têm contribuições a se incorporarem. É em diálogo com um dos maiores ativistas pelos direitos afro-americanos, o Malcolm X, que bell hooks discute as “imagens negativas” — que afetam coletivamente a autoestima de pessoas negras, como o exemplo do Michael Jackson (hooks, 2022) — a partir do conceito de “descolonização da mente” (hooks, 2022HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. São Paulo, Editora Elefante, 2022.). No que diz respeito a Martin Luther King e à apreciação da espiritualidade, a autora nos informa que foi a insistência do pregador no amor que lhe deu inspiração na ação amorosa como verdadeira produtora de transformação social. No tocante a essa questão, a autora estabelece que o amor é uma ação, nunca simplesmente um sentimento.

Enquanto interventora crítica de cinema, hooks ainda propõe que “os filmes não nos mostram apenas a cultura que vivemos mas também criam a cultura” (hooks, 2022:193). No capítulo 9, é descrita uma entrevista sua com a cineasta Gilda Sheppard, girando em torno do filme Preciosa (2009)4 4 O filme retrata a vida de uma jovem de 16 anos que era violentada pelos próprios pais. Os recortes de classe, raça e peso faziam parte da sua vivência. , o que fomenta uma série de reflexões acerca dos estereótipos desempenhados pelo longa-metragem, embora tenha sido promovido no marketing como um filme “crítico” pelo teor dos assuntos sociais que são abordados: obesidade, incesto, violência doméstica, abuso físico e sexual contra crianças, entre outros. A autora questiona o constante silêncio de Preciosa, interpretada pela atriz Gabourey Sidibe; bem como a falta de perspectiva de futuro da personagem; as narrativas problemáticas em relação a pessoas negras e LGBTQIA+; e, sobretudo, a “pornografia da violência” (hooks, 2022HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. São Paulo, Editora Elefante, 2022.). A autora chama atenção para o fato de que, no filme, as pessoas que agem carinhosamente com Preciosa são brancas, e essa escolha produz um imaginário redentor da branquitude e induz a um outro mito, que é o do “branco salvador”.

Ainda sobre a produção de “imagens de controle” (Collins, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo, Boitempo, 2019.), bell hooks dá ênfase à mídia e acusa o meio televisivo como transmissor massivo do pensamento e da prática da supremacia branca, uma vez que possui o poder de localizar grupos socialmente definidos com base no privilégio branco. Desde sempre, foram as pessoas brancas que ocuparam, nos filmes, nas novelas e nas revistas, a “imagem positiva”; são protagonistas, empresárias, ricas (...), enquanto restam, para as pessoas negras, dois caminhos: a não inserção de suas imagens ou a inclusão estereotipada e negativa, como podemos observar em diversas produções televisivas e cinematográficas.

Embora sejam levados em consideração os papéis de novelas vividos por Taís Araújo, em Da Cor do Pecado (2004)5 5 A novela tem como foco o romance inter-racial conturbado entre o botânico branco e rico Paco Lambertini (Reynaldo Gianecchini) e a feirante pobre e negra Preta de Souza (Taís Araújo), que, junto ao seu filho Raí (Sérgio Malheiros), sofria com comentários racistas e pejorativos, como “neguinha”, principalmente pela antagonista Bárbara Sodré (Giovanna Antonelli). O título remete à sexualização e exploração sexual de mulheres negras no período escravatório do Brasil. Após 3 reprises e ser exportada para mais de 100 países, foi apenas na sua reexibição de 2021, no Canal Viva, que a emissora inseriu a nota “esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada”, sem maiores explicações sobre o teor racista (O Dia, 2021). , como Preta, e de Aline Dias, em Malhação: Pro Dia Nascer Feliz (2016)6 6 A série tem como protagonista Joana Miranda (Aline Dias), jovem cearense órfã de mãe e com uma relação tóxica com seu padrasto, que viaja ao Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. Lá, começa a trabalhar nos serviços gerais de uma academia, onde reencontra Gabriel Soares (Felipe Roque), jogador de vôlei viciado em endorfina e sobrinho do dono do estabelecimento, que foi uma paixão do passado. Assim, passam a viver conflitos amorosos. , como Joana, a atuação de Taís Araújo seguia uma série de estereótipos passíveis de críticas. Além disso, pode-se questionar o uso excessivo de uma das únicas atrizes negras pela rede televisiva mais prestigiada do Brasil, a Rede Globo, — o que nos lembra a teoria da antropóloga Zora Neale Hurston sobre O sistema ‘negro de estimação’ (2021)7 7 A teoria equivale à inclusão de poucos negros no “mundo dos brancos” com o intuito de evitar uma revolta generalizada (Hurston, 2021). . Algo parecido acontece com Aline Dias, atriz mineira, que interpreta uma mulher nordestina e faxineira, com o roteiro e a direção endossando preconceitos regionais. Embora a novela Da Cor do Pecado tenha sido transmitida em 2004 e Malhação: Pro Dia Nascer Feliz, somente em 2016, o padrão é sempre do protagonismo branco.

Apenas no ano de 2022 a Rede Globo apresentou a sua primeira protagonista negra e do Nordeste: a cantora e atriz Lucy Alves, que interpretou Brisa em Travessia (2022)8 8 A novela aborda o romance interrompido entre Ari Souza (Chay Suede) e Brisa Ribeiro (Lucy Alves). Apaixonados desde a infância, o noivado deles é mal recebido pela mãe de Ari, que acredita que o filho deva se relacionar com alguém de maior poder aquisitivo, diferente da órfã Brisa, criada humildemente pela madrinha Creusa (Luci Pereira). O casal se separa quando Ari recebe uma proposta de trabalho no Rio de Janeiro, onde passa a conviver com a alta sociedade e conhece a jovem rica Chiara (Jade Picon), que passa a desejar o rapaz. . No entanto, observou-se que havia um “duplo protagonismo” com a influencer e atriz Jade Picon, que interpretou Chiara em sua estreia na teledramaturgia. Em seguida, no início de 2023, foi lançada Vai na Fé (2023)9 9 A trama da novela é a história de Solange Silva (Sheron Menezes), a Sol, uma empreendedora que sobrevive com a venda de marmitas e acaba reencontrando um antigo parceiro de trabalho da época em que cantava em bailes funk, 20 anos antes de se converter ao protestantismo devido ao casamento. Aceitando a proposta do velho amigo, de fazer backing vocal para um álbum de funk, a nova cantora em ascensão passa a ter seus comportamentos hostilizados pela Igreja. , uma novela que tem a sua protagonista negra interpretada por Sheron Menezes, que vive Sol, e tem o seu elenco formado majoritariamente por pessoas negras e com várias referências da cultura negra em seus episódios, como o conceito de “pretuguês”, cunhado por Lélia Gonzalez — é inédito! Meses depois, estreou Terra e Paixão (2023)10 10 A trama tem como ponto central a vida da professora Aline Machado (Bárbara Reis), que, junto ao seu marido, busca ampliar os negócios em sua fazenda. Acaba entrando em disputa com os capangas de Antônio La Selva (Tony Ramos), que cobiça suas terras, resultando na morte de seu companheiro. com uma protagonista negra vivida pela atriz Bárbara Reis (Aline) e uma personagem indígena interpretada por Suyane Moreira, modelo e atriz, que tem o nome ficcional de Iraê Guató, novamente inabitual. Podemos especular que essas ações se concretizaram com um abundante atraso, ao passo que podemos esperançar por essa implantação ser cada vez mais a regra e cada vez menos a exceção.

A partir disso, podemos pensar no conceito de “representatividade”. Hooks, em Olhares Negros: Raça e Representação, afirma que “negros e indígenas, foram profundamente afetados pelas representações degradantes que continuam sendo as imagens dominantes apresentadas em filmes e na televisão” (2019:275). Nesse rumo, faço menção ao trabalho de Souza (2021)SOUZA, Olívia Luiza Pilar. Representatividade importa?: representação, imagens de controle e uma proposta de representatividade a partir das personagens mulheres negras em 'Malhação: Viva a diferença'. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, 2021 [ https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/36631 - acesso em: 09 maio 2024].
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que está em diálogo com Patrícia Hill Collins e Lélia Gonzalez, no qual a autora questiona se a representatividade importa a partir da série Malhação: Viva a Diferença (2017) e elucida: “sua importância está em seu caráter de luta emancipatória, que busca, em última instância, por justiça social” (Souza, 2021SOUZA, Olívia Luiza Pilar. Representatividade importa?: representação, imagens de controle e uma proposta de representatividade a partir das personagens mulheres negras em 'Malhação: Viva a diferença'. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, 2021 [ https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/36631 - acesso em: 09 maio 2024].
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:151). Desse modo, entende-se que as representações nas mídias, inseridas gradualmente, partem de uma demanda dos próprios movimentos sociais, e a sua execução configura-se em retratação histórica.

Em termos gerais, Escrever além da raça discute a importância de desmontar as regras da branquitude por meio da autodeterminação, da vigilância crítica e da inclusão diversificada de trabalhos elaborados por pessoas negras, sendo eles bons ou ruins, em todos os gêneros. Uma maneira adequada sugerida por bell hooks é adquirir amor pela negritude para não sermos cúmplices da supremacia branca (hooks, 2022:292). A própria autora define que o amor foi emancipador na sua vida e na sua escrita, pois percebia o auto-ódio de pessoas negras, cultivado exatamente pelos ensinamentos racistas. Com relação a isso, González interpreta:

Tem uma música antiga chamada “Nêga do cabelo duro” que mostra direitinho porque eles querem que o cabelo da gente fique bom, liso e mole, né? É por isso que dizem que a gente tem beiços em vez de lábios, fornalha em vez de nariz e cabelo ruim (porque é duro). E quando querem elogiar a gente dizem que a gente tem feições finas (e fino se opõe a grosso, né?). E tem gente que acredita tanto nisso que acaba usando creme prá clarear, esticando os cabelos, virando leidi e ficando com vergonha de ser preta (González, 1984GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 2(1), 1984, pp.223-244 [https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7395422/mod_resource/content/1/GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf – acesso em: 09 maio 2024].
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:234).

Apreciar Além da raça resultou em várias associações cotidianas e práticas. Como discute a Angela Davis (2016)DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo Editorial, 2016. sobre o legado da escravidão, notam-se muitos resquícios coloniais nas condutas coletivas da sociedade brasileira. Assim, embora Davis e hooks estejam geograficamente localizadas em contexto estadunidense, as teorias que elas criaram se aplicam em nosso cenário fundamentado pelo fato de o feminismo negro brasileiro, a partir de Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Maria Beatriz Nascimento e Conceição Evaristo, dialogar com essas produções. Consolida-se, portanto, que bell hooks, Angela Davis e Lélia Gonzalez utilizaram o contexto da escravidão, especialmente a experiência das mulheres negras escravizadas, para produzir suas teorias das práticas, e fica evidente o quanto ainda há para ser enfrentado, como define hooks, em “uma resistência política contra-hegemônica” (hooks, 2022:29).

As concepções de bell hooks são inspiradoras e nos oferecem o sentimento de esperança direcionada a um modelo de sociedade que não seja baseado na dominação. É um exercício complexo, haja vista que as nossas experiências reforçam, com frequência, o contrário, mas os seus ensinamentos também fornecem recomendações que se aplicam ao agora. A autora demonstra como a prática do amor pode contribuir de modo paliativo enquanto estamos em processo de transformação. Somente o amor pode vencer a dominação!

Referências bibliográficas

Filmes

  • PRECIOSA: uma história de esperança. Direção: Lee Daniels. Produção: Lee Daniels; Gary Magness; Sarah Siegel-Magness; Oprah Winfrey. EUA, PlayArt, 2009. 1 DVD (1h 50m).

Novelas

  • DA COR do pecado. Novela de João Emanuel Carneiro. Escrita por: João Emanuel Carneiro; Ângela Carneiro; Vincent Villari; Vinícius Vianna. [Denise Saraceni]. Rio de Janeiro, Rede Globo de Televisão, 26 de janeiro - 27 de agosto de 2004.
  • MALHAÇÃO: Pro dia nascer feliz. Série de Emanuel Jacobina. Escrita por: Emanuel Jacobina; Cristiane Dantas; Rodrigo Salomão; Juliana Peres; Dino Cantelli; Zé Dassilva; Anna Lee; Bruna Paixão. [Adriano Melo]. Rio de Janeiro, Rede Globo de Televisão, 22 de agosto de 2016 - 4 de maio de 2017.
  • TERRA e paixão. Novela de Walcyr Carrasco. Escrita por Walcyr Carrasco; Thelma Guedes; Vinícius Vianna; Nelson Nadotti; Márcio Haiduck; Dora Castellar; Cleissa Regina Martins. Produção: Raphael Cavaco e Maurício Quaresma/Luiz Henrique Rios]. Rio de Janeiro, Rede Globo de Televisão, 8 de maio de 2023 - 19 de janeiro de 2024.
  • TRAVESSIA. Novela de Gloria Perez. Escrita por Gloria Perez. [Claudio Dager/Tatiana Poggi]. Rio de Janeiro, Rede Globo de Televisão, 10 de outubro de 2022 - 5 de maio de 2023.
  • VAI na fé. Novela de Rosane Svartman. Escrita por Rosane Svartman; Mário Viana; Renata Corrêa; Pedro Alvarenga; Renata Sofia; Fabrício Santiago; Sabrina Rosa. Diretor(es): Paulo Silvestrin Cristiano Marques/ Produtora: Mariana Pinheiro. Rio de Janeiro, Rede Globo de Televisão, 16 de janeiro - 11 de agosto de 2023.
  • 1
    A autora utiliza os termos interligados e os define como simultâneos na dominação.
  • 2
    Autoras que exploraram/exploram o uso da interseccionalidade: Patrícia Hill Collins, Avtar Brah, Maria Beatriz Nascimento, Angela Davis, Sueli Carneiro e Lélia Gonzalez, embora algumas dessas não façam menção direta ao conceito.
  • 3
    Para bell hooks (2022)HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. São Paulo, Editora Elefante, 2022., configura-se “vigilância crítica” a oposição, a descolonização e a modificação de hábitos da cultura dominante.
  • 4
    O filme retrata a vida de uma jovem de 16 anos que era violentada pelos próprios pais. Os recortes de classe, raça e peso faziam parte da sua vivência.
  • 5
    A novela tem como foco o romance inter-racial conturbado entre o botânico branco e rico Paco Lambertini (Reynaldo Gianecchini) e a feirante pobre e negra Preta de Souza (Taís Araújo), que, junto ao seu filho Raí (Sérgio Malheiros), sofria com comentários racistas e pejorativos, como “neguinha”, principalmente pela antagonista Bárbara Sodré (Giovanna Antonelli). O título remete à sexualização e exploração sexual de mulheres negras no período escravatório do Brasil. Após 3 reprises e ser exportada para mais de 100 países, foi apenas na sua reexibição de 2021, no Canal Viva, que a emissora inseriu a nota “esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada”, sem maiores explicações sobre o teor racista (O Dia, 2021).
  • 6
    A série tem como protagonista Joana Miranda (Aline Dias), jovem cearense órfã de mãe e com uma relação tóxica com seu padrasto, que viaja ao Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. Lá, começa a trabalhar nos serviços gerais de uma academia, onde reencontra Gabriel Soares (Felipe Roque), jogador de vôlei viciado em endorfina e sobrinho do dono do estabelecimento, que foi uma paixão do passado. Assim, passam a viver conflitos amorosos.
  • 7
    A teoria equivale à inclusão de poucos negros no “mundo dos brancos” com o intuito de evitar uma revolta generalizada (Hurston, 2021HURSTON, Zora Neale. O sistema "negro de estimação". Ayé: Revista de Antropologia, 1(1), 2021, pp.91-100 [https://revistas.unilab.edu.br/index.php/Antropologia/article/view/652 - acesso em: 09 maio 2024].
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    ).
  • 8
    A novela aborda o romance interrompido entre Ari Souza (Chay Suede) e Brisa Ribeiro (Lucy Alves). Apaixonados desde a infância, o noivado deles é mal recebido pela mãe de Ari, que acredita que o filho deva se relacionar com alguém de maior poder aquisitivo, diferente da órfã Brisa, criada humildemente pela madrinha Creusa (Luci Pereira). O casal se separa quando Ari recebe uma proposta de trabalho no Rio de Janeiro, onde passa a conviver com a alta sociedade e conhece a jovem rica Chiara (Jade Picon), que passa a desejar o rapaz.
  • 9
    A trama da novela é a história de Solange Silva (Sheron Menezes), a Sol, uma empreendedora que sobrevive com a venda de marmitas e acaba reencontrando um antigo parceiro de trabalho da época em que cantava em bailes funk, 20 anos antes de se converter ao protestantismo devido ao casamento. Aceitando a proposta do velho amigo, de fazer backing vocal para um álbum de funk, a nova cantora em ascensão passa a ter seus comportamentos hostilizados pela Igreja.
  • 10
    A trama tem como ponto central a vida da professora Aline Machado (Bárbara Reis), que, junto ao seu marido, busca ampliar os negócios em sua fazenda. Acaba entrando em disputa com os capangas de Antônio La Selva (Tony Ramos), que cobiça suas terras, resultando na morte de seu companheiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2023
  • Aceito
    02 Maio 2024
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