Resumo
Portugal atravessa uma situação de crise económica e social que fez aumentar a pressão sobre os serviços sociais. Confrontadas com a diminuição da capacidade dos sistemas estatais de cuidado continuarem a providenciar este apoio, as pessoas (re)tomam vias informais para lidar com o problema. Ao mostrar como as pessoas se integram em sistemas formais e informais de cuidado este artigo debate o modo como as práticas informais contribuem para enfrentar situações de crise (económica, pessoal ou politica) e, nesse sentido, são um factor de sustentabilidade.
Cuidado; Relações Interpessoais; Crise; Portugal; Sustentabilidade
Abstract
Portugal is going through a socio-economic crisis which has led to increased pressure on social services. Faced with the reduced capacity of state care systems to continue providing support, people are (re)turning to informal ways of addressing the problem. During field work among middleclass families from Lisbon and Oporto, we witnessed how people simultaneously engage with both formal and informal care systems. The article discusses the ways in which informal practices are used to respond to crisis situations, thus contributing to social sustainability.
Care; Interpersonal Relations; Crisis; Portugal; Sustainability
O conceito de cuidado vem sendo usado em antropologia para referir situações em que a privação e os problemas de saúde são abordadas de formas que incluem, sem a ele se limitarem, o apoio estatal aos cidadãos (Benda-Beckman, 1988Benda-Beckmann, F. Von (org.). Between kinship and the state: social security and law in developing countries. Dordrecht, Foris, 1988.). No entanto, na existência relacional da vida quotidiana, as pessoas usam “cuidado” num sentido abrangente para descrever os processos e sentimentos entre pessoas que cuidam umas das outras em várias dimensões da vida social, num envolvimento tanto prático quanto emocional que mostra que ser significa ser/estar com outros, cuidar e ser cuidado.1 1 Como define Sahlins em seu ensaio “What kinship is”, o sentimento de família é o de um pertencimento intersubjetivo no qual as pessoas se vêem como intrínsecas nas vidas das outras, partilhando uma mutualidade do ser. “(…) generally considered, kinsmen are persons who belong to one another, who are members of one another, who are co-present in each other, whose lives are joined and interdependent (Sahlins, 2011:11)”.
Cuidado tem, assim, um duplo sentido: por um lado, refere-se a uma prática, ou um conjunto de práticas (tratar do outro) e, por outro, a um valor, ou um conjunto de valores (o afecto daquele que cuida, o amor e a compaixão/empatia da relação com o outro). O eclectismo das formas de exercício do cuidar do outro é traduzido em múltiplos termos e expressões, que são activados em diferentes contextos e asseguram um amplo leque de valores, compromissos direitos e obrigações que, de alguma maneira, estão envolvidos nas práticas de “tomar conta” daqueles que não são capazes de autonomamente cuidar de si mesmos. Jane Tronto (1993)Tronto, J. C. Moral Boundaries. A political argument for an ethic of care. Londres, Routledge, 1993. distingue quatro fases interconectadas de cuidado: caring about, taking care, caregiving, care-receiving nas quais estão envolvidos respectivamente quatro elementos éticos: attentiveness, responsibility, competence, responsiveness. Pensar sobre o cuidado implica, portanto, pensar articuladamente acções e disposições morais que são constitutivas do laço social; as práticas de cuidar são sempre relacionais e baseadas numa motivação de “olhar pelo outro”. Num sentido semelhante, John Borneman defende que os processos de cuidar e ser cuidado são um processo ontológico ao qual as ciências sociais devem prestar grande atenção (Borneman, 1997Borneman, J. Caring and Being Cared For: Displacing Marriage, Kinship, Gender, and Sexuality. In: Faubion, J. (ed.) The Ethics of Kinship. New York, Rowman and Littlefield, 2001, pp.29–46.:574).
Portugal atravessa actualmente uma situação de crise económica e social profunda – com índices crescentes de desemprego, de baixos rendimentos familiares, de população emigrante significativa, de envelhecimento da população – que aumenta a pressão sobre os serviços sociais públicos e privados. Confrontadas com a diminuição da capacidade dos sistemas estatais de cuidado continuarem a providenciar esse apoio, as pessoas (re)tomam vias informais para lidar com o problema.
Neste artigo irei discutir algumas destas diferentes dimensões do cuidado, focando em particular o caso português e as transformações promovidas por uma conjuntura de crise económica e social que, desde 2010 até à actualidade, tem promovido profundas alterações nas políticas públicas e nos modos de vida da população, em resultado da aplicação de severas medidas de austeridade que visam fazer face à divida publica soberana. De notar, porém, que este texto não fará uma reflexão sobre actividades profissionais de cuidado (care work). Os processos de cuidado do outro que analisarei são relações de entreajuda, de atenção e acompanhamento daqueles que se encontram numa qualquer situação de carência e/ou necessidades múltiplas e variadas (sociais, domésticas, económicas, clínicas, sanitárias e outras)
Essas tarefas executadas de modo informal no domínio privado para a sobrevivência quotidiana assumem uma tal importância que adquirem uma enorme centralidade no domínio público.
Partindo de uma noção abrangente de cuidado para pensar todas as formas de ajudar a assegurar qualquer tipo necessidade do outro irei argumentar, com base na pesquisa etnográfica realizada entre famílias de classe média de Lisboa e Porto, o modo como actualmente as práticas informais de cuidar do outro assumem um papel central nos processos de sobrevivência quotidiana, na economia nacional, e como essas estratégias são eficazes para sobreviver num contexto de crise. Confrontadas com falhas crescentes dos sistemas estatais de cuidado, as recorrem a processos informais de lidar com o problema. Assim, considero que o cuidado interpessoal é central para enfrentar situações de crise – económica, social, pessoal ou politica – e, nesse sentido, pode ser pensado como um factor de sustentabilidade.
1. Crise, austeridade e novas formas de vida Portugal
Tal como outros países europeus, Portugal atravessa no presente uma ampla situação de crise económica e social que, apesar de semelhanças com outros contextos, apresenta especificidades quanto ao peso do Estado Providência que, na verdade, só a partir de metade da década de 70 se estruturou realmente (Santos, 1993Santos, B. S. O Estado, as relações salariais e o bem-estar social na semi-periferia: o caso português. In: Santos, B. S. (ed) Portugal: Um Retrato Singular. Porto, Afrontamento, 1993, pp.15-59.).2 2 O retracto comum de Portugal como “welfare society” em oposição a “welfare state” (Santos, 1993), significa que os encontros entre cidadão e Estado são escassos em termos do apoio dado por este último e que o Estado português não foi tanto erodido pela tendência neoliberal, mas pelo facto de os seus mecanismos de providência são subdesenvolvidos; e que os encontros de “apoio” nas comunidades são abundantes, graças à eficácia dos laços morais, redes de parentes e vizinhos que dão apoio económico e formas de cuidado e assistência era engano e onde as mulheres são actrizes centrais (cf. Cunha, 2013). Independentemente das ambiguidades próprias do campo moral das obrigações (Narotzky e Smith, 2006), a eficácia dessas redes sociais tem sido crucial para as populações de baixos rendimentos. Isso tem levado alguns autores a considerarem a “pobreza” observada em contextos do Sul da Europa como específica e diferente da “exclusão” emergente nas sociedades capitalistas tardias (Merrien, 1996; Paugam, 1996).
A presente conjuntura de crise e medidas de austeridade aplicadas após a intervenção da Troika – constituída pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia – em Junho de 2011, provocou alterações radicais na organização do Estado Providência Português e reduções significativas nos benefícios que presta aos cidadãos. Simultaneamente, também o contexto social e demográfico do país se alterou. Depois de uma década de crescimento económico e melhorias sociais significativas, temos agora um preocupante crescimento dos índices de desemprego (13,9% Abril de 2015, 17,8% em Abril 2013, 15,2% em Abril 2012, 12.6% em 2011, 10,8% em 2010, desde o início das medidas de austeridade subiu cerca de 8%, dos quais 5% desde a entrada em vigência do programa de assistência financeira)3 3 Quando se incluem nos cálculos os que já não são contabilizados (porque não estão inscritos nos centros de emprego ou porque excederam o tempo permitido) esse valor atinge em Abril de 2015 22%). A situação do desemprego jovem é ainda mais grave. Em 2011, antes implementação das medidas de austeridade propostas pela Troika, 28% dos jovens activos entre os 15 e os 24 anos estavam desempregados, uma taxa que já era relativamente elevada. Quatro anos depois, no início de 2015, a taxa de desemprego jovem está nos 34,4%. Apesar de tudo, uma melhoria face a máximo de 42,5% que foi atingido em 2013. Dados do Instituto Nacional de Estatística. , uma significativa redução dos rendimentos familiares, “enorme aumento de impostos”4 4 Expressão do próprio Ministro das Finanças em declaração pública feita a 10/03/2012. que se reflecte no aumento do custo de vida e um crescente sentimento de incerteza e precariedade social e económica. Cada vez mais sectores da população portuguesa veem as suas condições de existência serem precarizadas e asseguradas de forma volátil e temporária. Por duas vezes (em 2012 e em 2014), o Governo aplicou cortes salariais na Função Pública, que foram posteriormente aplicados ao sector privado, e promoveu um “brutal” aumento de impostos (estimado em 11%), que se traduziram numa redução muito significativa do rendimento disponível das famílias. Essa situação aumenta consideravelmente a pressão sobre os serviços sociais, que pelo seu lado também reduziram a sua esfera de acção contributiva, fazendo diminuir inevitavelmente a capacidade de continuar a garantir aquilo que até há bem pouco tempo eram direitos universais dos cidadãos, com consequências negativas muito evidentes na vida quotidiana.
Nesse sentido, não podemos pensar a presente crise apenas através de uma análise estritamente económica. Essa é uma crise social que promoveu um profundo abalo no modelo social Europeu, colocando em questão não apenas os mercados mas também instituições os modos de vida, os processos de reprodução social, alterando significativamente as relações sociais, afectando assim quase todas as dimensões da vida quotidiana.5 5 A extensão do empobrecimento e a privação material produzidos pela austeridade numa “sociedade de bem-estar” (onde as pessoas dependem de redes sociais e apoio mútuo) contribuem para um grande aumento das desigualdades sociais e alterou drasticamente as relações entre as gerações [cf. Collins (2008), Collins e Mayer (2010)]. Os efeitos das medidas de ajustamento na vida dos cidadãos mostram cruamente o agravar dos mecanismos de desigualdade, não só em Portugal mas, como demonstra claramente Piketty (2014), nas sociedades ocidentais capitalistas que estão em conformidade com as dinâmicas da economia-política capitalista contemporânea.
Em resultado dessas medidas, a população viu afectadas as suas condições de existência e fragilizadas as suas expectativas em relação à sua vida e ao seu futuro. Presentemente proliferam em Portugal contextos de privação diferenciados, tributários de carências materiais e imateriais, que se estendem cada vez mais a muitos sectores da sociedade, afectando de forma particular a classe média. Um dos efeitos pouco comuns desta situação é que os grupos sociais desfavorecidos deixaram de ser os únicos a necessitar de apoio e cuidado para assegurar a sobrevivência quotidiana. A classe média empobrecida pelas medidas económicas do programa de austeridade, e a pauperização dos grupos sociais mais desfavorecidos, resultam numa conjuntura nacional de perda de bens primários e degradação acelerada dos factores gerais de bem-estar da população.
A instabilidade laboral e o abalo nas condições de existência/sobrevivência quotidiana e as tentativas para assegurar um ideal de normalidade que parece ter-se perdido levam-nos a uma nova dimensão: como se constrói o futuro de um país com base num presente sem expectativas de investimento e crescimento, sem esperança de viver de acordo com os padrões de vida consolidados ao longo de um período de crescimento económico e de prosperidade pessoal. O imaginário colectivo do mundo ocidental constrói-se, em grande medida, com base numa ideia de progressão e melhoria qualitativa das condições de vida, dos salários da formação académica e profissional. Da mesma forma, a ideologia subjacente ao desenvolvimento tecnológico e civilizacional assenta nessa ideia de progresso, de construção de melhorias. As gerações actuais estudaram mais do que as dos seus pais que, por sua vez estudaram mais do que os pais deles, e vivem melhor e em melhores condições que as gerações que os precederam. O ideal de construção do Estado Social moderno é o de garantir condições de vida básicas e dignas para todos, de acordo com um paradigma sociopolítico democrático de cidadania e igualdade de direitos e oportunidades. Porém, os últimos anos de crise e austeridade em Portugal puseram em causa esse conjunto de valores que se davam por adquiridos, e sobre os quais se constrói um modelo de sociedade moderna que agora colapsa, não enquanto ideia, mas enquanto possibilidade de realização. Para além da alteração das condições materiais de existência, há uma profunda transformação na percepção dessa mesma existência; uma transformação ontológica do que é ser cidadão.
Com a crise aumentou a percentagem de pessoas incapazes de fazer face aos seus compromissos financeiros e assegurar o seu dia a dia. A par das camadas sociais mais desfavorecidas e dos desempregados de longa duração, há cada vez mais recém-desempregados e o número de trabalhadores precários não pára de crescer. Nesses casos, recorrer à solidariedade familiar, à partilha de recursos da unidade doméstica, de parentes, amigos ou vizinhos tornou-se uma estratégia recorrente para assegurar a existência quotidiana. Em resultado dessa situação, a promoção de estratégias alternativas, como sejam o apoio dado pelas redes interpessoais ou por organizações não-governamentais de solidariedade social é uma realidade cada vez mais presente em Portugal. Para fazer face às situações de necessidade em que se encontram num momento de retracção do Estado Providência, as pessoas retomam vias informais para assegurar o seu quotidiano. Trabalhos de outros autores mostraram como em situações de quebra do suporte fornecido por um Estado fraco e incipiente, são atenuadas por redes de parentes e vizinhos que prestam assistência e cuidados a título pessoal como mostram alguns (Santos, 1993Santos, B. S. O Estado, as relações salariais e o bem-estar social na semi-periferia: o caso português. In: Santos, B. S. (ed) Portugal: Um Retrato Singular. Porto, Afrontamento, 1993, pp.15-59., Hochschild, 2004Hochschild, A R. As cadeias globais de assistência e a mais-valia emocional. In: Hutton, W. e Giddens, A. (ed.) No limite da racionalidade – convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro, Record, 2004, pp.187-209.) ultrapassando assim situações críticas através de estratégias pessoais informais (Borneman, 2001Borneman, J. Caring and Being Cared For: Displacing Marriage, Kinship, Gender, and Sexuality. In: Faubion, J. (ed.) The Ethics of Kinship. New York, Rowman and Littlefield, 2001, pp.29–46. e L’Estoile, 2014L’estoile, B. “Money is good, but a friend is better”. Uncertainty, Orientation to the Future, and “the Economy”. Current Anthropology, 55 (S9), 2014, pp.562-573.).
2. Novos contextos de precariedade e incerteza e o surgimento de novas formas de cuidado
Essas alterações no mercado de trabalho, das políticas públicas sobre impostos, segurança social, saúde e educação, têm profundas implicações em múltiplas dimensões da existência das pessoas, na sua forma de pensar a vida e consequentemente nas decisões que tomam para construir o futuro. Essa é uma questão que afecta em particular as gerações mais jovens, para quem a falta de possibilidades de empregos, a total incerteza quanto à sua inserção no mercado laboral, quanto ao seu futuro e estabilidade económica, tem sido indicada como um dos factores que mais condicionam tomadas de decisão quanto ao seu futuro, como por exemplo, a saída de casa dos pais, a constituição de famílias conjugais e o planejamento de filhos.
Vejamos alguns exemplos.
Raquel tem 27 anos, é dentista e trabalha em consultórios “low cost” onde ganha por hora de trabalho, recebendo muito pouco comparativamente com os seus colegas com um contrato estável num consultório. Tem um namorado há 5 anos mas continua a viver em casa dos pais porque a instabilidade não lhe garante a “coragem para dar esse passo de independência e autonomia” com medo de alguma coisa correr mal e não conseguir pagar as contas de uma casa a dividir pelos dois.
Carlos tem 45 anos, é sociólogo e vive em casa dos pais. Vivia com a namorada mas este ano foram viver para casa dos pais desta quando acabou a bolsa de pós doutoramento. Nunca tiveram filhos pois tiveram medo da precariedade da sua situação e hoje em dia acham que tomaram a opção certa pois neste momento estão ambos desempregados.
Mariana 40 anos é jornalista. Trabalhou 10 anos num importante jornal diário até ser despedida. Divorciada e com uma filha, teve de abandonar a casa onde vivia desde os 25 anos e voltar para casa dos pais, onde vivia também a avó materna. O pai está desempregado há dois anos (despedido ao fim de 14 anos a trabalhar de empresa de telecomunicações) e a mãe é professora. A avó de Mariana paga com a sua reforma todos os custos com a educação da bisneta Rita. Recentemente Mariana começou a trabalhar num Hostel, fazendo limpezas. Para conseguir cumprir com o horário de trabalho e assim aumentar o rendimento colectivo dessa casa de família alargada, Mariana delegou no pai a tarefa de ir levar e buscar Rita à escola diariamente.
Joaquim tem 57 anos e era soldador de tubos de navios. Desempregado há 2 anos depois de a empresa de construção naval em que trabalhou a vida inteira (desde os 15 anos) ter encerrado. A mulher trabalhava como faxineira e nos últimos anos perdeu a maior parte das casas onde trabalhava (famílias de classe média que, com a drástica redução dos seus rendimentos, deixaram de conseguir suportar essa despesa) e agora trabalha por horas quando consegue algum contacto. Acabado o subsídio de desemprego, perdeu qualquer tipo de rendimento fixo. O casal tem 2 filhos mais velhos – Pedro 30 anos também soldador e Carla 28 auxiliar num hospital, ambos casados e com um filho cada um – e uma filha mais nova com 17 anos que teve de abandonar o projecto de ir para a universidade e ir trabalhar como “operadora de caixa” num supermercado. Vivem perto de Lisboa, em Loures, num bairro de autoconstrução, recentemente legalizado. Aí se instalaram quando os seus sogros chegaram a Lisboa vindos de uma zona rural do norte do país, há 45 anos, em busca de uma vida melhor. Os filhos vivem num acrescento da casa por eles construído. A casa é na serra e tem um terreno onde cultivam uma horta e criam alguns animais, que desde há dois anos é o que lhes tem assegurado a subsistência. A igreja local tem sido uma importante fonte de apoio para a família fazer face ao seu dia a dia. Dada a crescente falta de recursos financeiros, o casal começou a vender alguns produtos ao Sábado no mercado, o que lhes tem permitido conseguir algum dinheiro. Mais recentemente, Joaquim começou também a vender na rua, sentado no chão numa banca improvisada, numa importante rotunda de Lisboa. De início conseguia fazer entre 10 a 15 euros por dia, pois vinha de bicicleta e não conseguia trazer muitos produtos. Há pouco tempo conseguiu recuperar um carro velho que lhe permite trazer mais quantidade e aumentar assim as vendas 20 a 25 euros por dia. Nessa unidade doméstica, o que cada um consegue ganhar é reunido e usado para uso de todos, construindo laços de interdependência e mutualidade que não tinham antes da crise os afectar dessa forma (os filhos que já viviam sozinhos com os seus companheiros voltaram para casa dos pais trazendo os cônjuges e filhos).
Esses exemplos revelam claramente que, em momentos de aflição, os grupos domésticos reorganizam-se de forma a garantir a subsistência de todos através de formas de entreajuda e cuidados mútuos.
A incerteza face ao futuro cria novas formas de dependência e solidariedade geracional e intergeracional nessa conjuntura de precariedade prolongada que importa analisar pois promovem alterações profundas na organização das relações familiares e interpessoais. Os pais ajudam os filhos cada vez até mais tarde, vejam-se os casos de Raquel, Pedro, Mariana e Joaquim e das relações intergeracionais de apoio que se desenvolvem dentro dos seus grupos domésticos para o dia-a-dia que se tornou incerto. Mesmo os casos de jovens que já têm formalmente independência de moradia, muitas vezes só sobrevivem graças ao apoio directo ou indirecto dos pais (que pode ser em forma de em dinheiro ou através da compra de bens, pagamento da renda da casa, empréstimo de carro, cuidado dos filhos ou oferta regular de bens de primeira necessidade). Simultaneamente, encontramos cada vez mais situações em que são os mais velhos, os putativos seres em necessidade, que asseguram a sobrevivência das gerações mais novas, pelo dinheiro que amealharam ao longo das suas vidas de trabalho, pelas pensões de reforma que recebem e que, por vezes, são o único rendimento das famílias onde o desemprego se instala. O exemplo da avó de Mariana que representa tantos outros casos que podemos encontrar hoje em dia em Portugal, em que os valores das aposentadorias são um rendimento central, por vezes o único, da unidade doméstica. Verificamos uma profunda alteração nas relações intergeracionais em que os idosos que até há pouco tempo eram considerados como membros dependentes das famílias assumem agora um renovado papel enquanto provedores, enquanto os adultos desempregados perdem a sua autonomia e os jovens não conseguem conquistar a sua. Isso é claramente expresso quando muitos interlocutores afirmam que as gerações mais velhas estão mais preparadas para fazer face a esses novos constrangimentos que decorrem da crise porque sabem bem como é viver com pouco, sem emprego certo ou salário regular, sem segurança social ou a sistemas de saúde pública, sem as crianças terem possibilidade de ir à escola. Tal como nos dizia resignadamente Joaquim ao contar que a sua filha mais nova teve de abandonar a escola para ir trabalhar e assim ajudar em casa, “o nosso destino é ser pobres”.
Para superar dificuldades económicas pessoas tentam formas alternativas de encontrar recursos. Joaquim e Mariana são bons exemplos das profundas mudanças que a aplicação das medidas de ajustamento imprimiu em múltiplas dimensões das suas vidas.
A iniciativa pessoal, imbuída da moralidade do “cuidado” e do bem comum, torna-se frequente num país onde era praticamente inexistente e multiplica-se em diversas dimensões da vida social. Se essas estratégias informais tornam a vida possível em tempos de crise, é precisamente porque elas se tornam dispositivos de sobrevivência fundamentais nestas situações de incerteza, não apenas para as pessoas que os usam ou deles beneficiam, mas para todo o sistema social, na medida em que inibem, até um certo ponto, a escalada da tensão social e do colapso económico individual e colectivo.
Vejamos outro exemplo.
Tomás é um jovem universitário, aluno do segundo ano do curso de engenharia alimentar, natural do Fundão. Apesar de os pais estarem ambos desempregados, no último ano Tomás perdeu a bolsa de estudos e o apoio dos serviços sociais para estudar, e por isso tomaram a dura decisão de retirar o filho da universidade pois não tinham possibilidades de assegurar as despesas com a sua formação. Nesse momento Tomás pôde continuar a estudar pois vive em casa de Isabel, dividindo com ela as despesas da casa e não pagando aluguer. Desse modo a Isabel tem companhia e ajuda para os recados na rua e tarefas domésticas.6 6 “Laços para a vida – Casa & Companhia” é um projecto da Câmara Municipal e da Universidade de Évora e que conta com a colaboração de várias outras instituições: Banco do Tempo, o Cantinho do Cuidador, Unidade de Cuidados na Comunidade de Évora, do Centro de Saúde e o Banco de Voluntariado.
Numa situação de incapacidade de lidar com o presente, as pessoas viram-se para as formas tradicionais de o fazer dando-lhes, todavia, novas orientações e novos significados dentro de novos arranjos domésticos e sociais. Outra das dimensões novas a ter em conta nesses exemplos é a maneira como essas formas tradicionais de entreajuda para organização da vida quotidiana, como se usam as instituições estatais e não estatais para enquadrar e certificar trocas e relações informais. No caso de Tomás e Isabel, esse uso moderno, complexo e institucionalizado é bem diferente das antigas formas de troca directa, surpreendentemente mais usados pelos movimentos alternativos urbanos.
Na verdade, essas formas de solidariedade não são novas mas representam sim o retomar de velhos sistemas de apoio e interajuda que foram, nas últimas décadas, substituídos por práticas mais mercantis. Nesses dias de precariedade e incerteza recorre-se às e tradicionais formas de solidariedade e cuidado familiar de um Portugal pré-moderno. No entanto, esse aparente retorno a práticas comunitaristas antigas pode colocar alguns problemas ideológicos, pois poderá parecer que estamos a retroceder dos progressos atingidos pelo Estado Providência. Embora não sendo inteiramente novo, esse fenómeno não constitui um simples regresso ao passado. A sociedade mudou, as mentalidades evoluíram e por isso as mesmas práticas de cuidado interpessoal não têm o mesmo significado. Através da actual reactivação dessas formas de solidariedade intergeracional, estamos de facto a contrariar a perpetuação do projecto individualista que floresceu nas últimas décadas ligado a conceitos de bem-estar individual e realização pessoal tão proeminentes em economias mais versáteis, e a retomar formas informais de atenção ao outro que configuram um processo de retorno a uma associação destas à família e ao cuidado. A paisagem moral portuguesa está a atravessar uma série de transformações multidireccionadas e multidimensionais que reflectem uma mudança ética de larga escala de um sistema de direitos de cidadania para um sistema responsabilidade colectiva e participação.
As transformações sociais que decorrem da crise e das medidas de ajustamento tornaram a nossa existência num paradoxo: depois de o Estado Providência ter assumido um papel crescente, e o mercado de trabalho ter promovido a independência dos indivíduos face às “obrigações familiares”, no momento actual, as políticas governamentais tentam passar a responsabilidade novamente para o lado dos cidadãos. Esse “estado de emergência” (Agamben, 2005Agamben, G. State of Exception. Chicago, The University of Chicago Press, 2005.) estimula a construção de alternativas ao processo de reprodução social, não só na esfera económica mas também social e moral. As acções públicas de solidariedade social surgem todos os dias, as histórias pessoais de apoio a amigos, vizinhos, familiares ou a simples conhecidos, são ouvidas frequentemente. Proliferam organismos privados que atuam em múltiplas dimensões da vida quotidiana e procuram resolver várias “partes” das nossas vidas (bens básicos e outros).
Esse exemplo de análise a partir da etnografia contém uma parte substancial de um contributo mais contextualizado e crítico das condições de possibilidade e dos significados de “cuidado”. As relações informais de cuidado, que asseguram níveis mínimos de bem-estar e/ou sustentabilidade económica de pessoas em situação de necessidade, têm muitas vezes projeção pública direta que cristalizam ideários de bem, e que assentam coletivamente em regimes culturais de moralidade e justiça.
Esses mecanismos são formas alternativas à assistência estatal, e visam, na medida da sua abrangência, superar os efeitos da ineficiência do atual estado social. Ideologicamente conceptualizam a ajuda ao Outro que se encontra numa condição visível ou camuflada de necessidade, como algo “que tem que ser”, algo que tem que obrigatoriamente ser feito. Trata-se de um ímpeto orientado por noções de dever, e pautado por uma economia moral que procura na prática tornar mais digna a vida dos mais necessitados. Esse tipo de ações, cada vez mais estendidas, de reutilização, partilha, oferta e troca de bens e serviços, revelam um novo modelo de redistribuição social. Por outro lado, no atual contexto sociopolítico, as vidas, os quotidianos e as economias são reduzidas a um jargão técnico que endereça a reflexão sobre a problemática atual de “crise” para números, índices e estatísticas. Contudo, nas ciências sociais reconhece-se que o estudo do econômico ultrapassa a aplicação dos modelos matemáticos e das medidas financeiras, que transformam a pauperização de parte significativa da população portuguesa em algo explicável através de números. Ao incorporarmos nesse quadro de análise as relações de cuidado ao outro, sem deixar de fora a análise das práticas quotidianas dos indivíduos e o que Okely (1999) designa por grassroot knowledge, demonstramos que essas dimensões interpessoais se constituem em conjunto com a economia política e os mercados, numa renovada economia moral com forte expressão nos quotidianos. Há portanto uma relação clara entre as práticas de cuidado e o sistema económico, entre as decisões políticas e a carência e necessidade de cuidado que podem ser melhor revelados pela etnografia.
3. O cuidado como ideologia moral do bem e do justo
Nas palavras de Mariana “cuidar é mostrar que as práticas comuns do quotidiano podem ser mecanismos fundamentais de ajuda e ao mesmo tempo de auto-satisfação”. As tarefas familiares simples, como cuidar dos netos ou ir buscá-los à escola, cozinhar ou realizar as tarefas domésticas menores (pequenos arranjos de costura, pinturas, etc.), receber os filhos em casa, ou ajudá-los a manter a sua autonomia em momentos de dificuldade são formas de cuidado fundamentais para a garantia da viabilidade do quotidiano de alguns dos nossos interlocutores. Os gestos simples reinterpretam-se nas experiências de vida em situações de precaridade tornando-se elementos centrais à sustentabilidade social.
Paralelamente aos processos informais de superação de necessidades levados a cabo no âmbito de redes interpessoais, familiares ou de amizade, há outras formas de contornar situações extremas despojamento e necessidade.
Nesse período de crise e transformação social surgiram múltiplas instituições de assistência social e, muitas delas funcionam exclusivamente com base em trabalho voluntário.
Na confluência do Estado-Providência e da chamada “sociedade civil”, emergem ONGs, organizações privadas de bem-estar social, voluntariado e associativismo como estruturas de apoio e cuidado menos institucionalizadas. Surgem como mecanismos de assistência alternativas ao Estado tentando superar os efeitos da sua actual ineficiência. Assim, tanto ao nível micro de ação individual, orientada para a resolução de uma crise particular, como ao nível de respeito a ações meta-econômicas (alternativas), que procuram superar a ordem estabelecida nas economias capitalistas liberais, o paradigma da assistência informal deve ser pensado como uma tendência global dos mecanismos de apoio e cuidado nos setores mais enfraquecidos da sociedade.
Devo notar que, até muito recentemente, praticamente não existiam em Portugal movimentos de participação cívica em projectos comunitários. Hoje em dia, a percepção generalizada de que muitos dos nossos concidadãos estão passando necessidade e extrema vulnerabilidade tem sido a razão mais frequentemente apontada para justificar a participação como voluntário em uma instituição. Nesse processo recente de participação em projectos de solidariedade comunitária, a motivação moral surge a partir da compaixão pelos outros. Esse significado moral do cuidado altruísta está profundamente enraizada na ideologia católica.
Exemplos disso são o C.A.S.A. e a Refood, duas associações sem fins lucrativos de assistência aos sem-abrigo e redistribuição de alimentos que temos seguido em Lisboa e Setúbal. Em ambos os casos, a prática da ajuda mútua é produzida localmente a fim de proporcionar respostas adequadas às necessidades específicas da comunidade. A Refood apresenta-se como uma associação, cuja principal característica não é a comida, mas a boa vontade das pessoas. Nessa associação todos os recursos humanos são voluntários. As doações e contribuições em dinheiro são alocadas exclusivamente para reconstruir e melhorar os espaços onde opera (atribuídos pelas empresas, indivíduos, pelo Estado ou congregações religiosas). Muitos dos beneficiários da Refood também são voluntários na organização, pois consideram que essa é a melhor maneira de retribuir o fornecimento de alimentos, denotando um amplo universo de benefícios e valores.
É, portanto, frequentemente através da metáfora do “cuidado” que são expressas preocupações morais acerca de uma existência ideal num mundo com desigualdades profundas e pessoas necessitadas. De acordo com Slote (2007)Slote, M. The Ethics of Care and Empathy. London, Routledge, 2007., a ética do cuidado oferece-nos uma visão compreensiva da moralidade. Esse sentido de significado moral do cuidado altruísta pode ser pensado através de outro caso que estamos a analisar: os movimentos de voluntariado que têm surgido em Portugal.
Tomando como exemplo o Banco Alimentar, podemos ver como a colaboração das pessoas como voluntárias na ONG (tanto a nível quotidiano como nas grandes acções que se fazem a nível nacional) tem vindo a crescer significativamente nesse período em que simultaneamente os pedidos de ajuda de associações várias têm vindo a aumentar.
Voluntariado e altruísmo são considerados muitas vezes parte integrante de um mesmo movimento. Porém, quem faz um algum tipo de voluntariado, e portanto dá gratuitamente parte do seu tempo para cuidar, para agir em prol dos outros, tem um retorno, uma recompensa, que não é monetária, mas é moral. Por outras palavras, há uma consequência para o sujeito que não é exclusivamente ou unicamente dedicada ao outro, algo que poderia traduzir-se como: “Eu faço o bem e sinto-me bem. Eu acho que me tornei uma melhor pessoa e a quem estou ajudando mais é a mim mesma. Eu dou comida ao Banco Alimentar, eu dou sopa aos pobres mas ganho auto-estima, sensação de dever cumprido”. Cuidar do outro não é, portanto, um acto de generosidade pura, o que torna a questão mais complexa e interessante. Esse processo tem uma faceta de generosidade, de compreensão pelos problemas e dificuldades alheias mas tem a tal recompensa moral para o sujeito que, de certo modo, se salva a si próprio. Nesse sentido, todo o voluntariado apresenta características muito semelhantes com ideais religiosos, o que, no contexto português, é um aspecto que não pode ser descurado.
Nas suas reflexões sobre as trocas não mercantis, Simmel (2004)Simmel. Fidelidade e gratidão e outros textos. Lisboa, Relógio d’Água, 2004. observa que a gratidão surge como um vector de coesão nas interacções nas quais a imposição de equivalências de valores não está inscrita. Quando as pessoas se mobilizam para ajudarem, não o fazem esperando uma retribuição equivalente ao valor da ajuda prestada, até porque tal retribuição não é possível uma vez que “ajuda” não corresponde a nenhum valor específico e quantificável. Nesse sentido, e ainda de acordo com Simmel, as noções de cuidado, e sacrifício perpassam as dinâmicas de ajuda e reconfiguram as identidades de quem ajuda. Tal é muito visível no número crescente de portugueses que participam como voluntários, dando gratuitamente o seu tempo e o seu trabalho para ajudar os outros em necessidade, em nome desse sentimento de solidariedade e motivação para fazer o bem e o justo. Também Tronto defende que o cuidado representa a qualidade moral da vida:
Ser uma pessoa moralmente boa requere esforço para atingir as exigências de cuidar do outro que se lhe apresentam ao longo da vida. Para que uma sociedade seja considerada moralmente admiravel ela tem de … assegurar formas de cuidado para os seus membros7 7 Tradução nossa do original “To be a morally good person requires, that a person strives to meet the demands of caring that present themselves in his or her life. For a society to be judged as a morally admirable society, it must ... adequately provide for care of its members and its territory” (Tronto, 1993:126). (Tronto, 1993Tronto, J. C. Moral Boundaries. A political argument for an ethic of care. Londres, Routledge, 1993.:126).
“Eu não consigo estar em casa e saber que há pessoas para quem eu posso fazer a diferença. É por isso que eu estou aqui”, diz-nos Vera que nesse dia levara consigo a filha de 15 anos para ajudar na distribuição de comida na cantina da paróquia. “Nós precisamos de ajuda, mas há quem precise ainda mais.” As medidas de austeridade tiveram também como efeito o crescimento de acções de solidariedade social entre os cidadãos que tomam o cuidado dos outros nas suas mãos. O cuidado deixa assim de se cingir à esfera do próximo e do privado.
4. Reformulações feministas da economia: cuidado, valor e género
As tarefas do cuidado são tradicionalmente desempenhadas por mulheres e simbolicamente associadas a elas. Porém, à medida que o contrato social muda e as mulheres entram no mercado de trabalho assalariado, muitas das tradicionais tarefas femininas começam a ser executadas por relações que incluem explicitamente movimentos de dinheiro (Folbre; Nelson, 2000Folbre, N. Nelson, J. For love or money – or both? Journal of Economic Perspectives 14(4), 2000, pp.123-140.) em esferas de actuação tradicionalmente desempenhadas de forma gratuita pelas mulheres na esfera familiar. Inicialmente definido como tarefas de âmbito familiar, o cuidado é actualmente pensado como trabalho. Atribuir um valor económico ao acto cuidar, e às redes informais em que esse se entretece, torna-se, assim, um desafio à economia mainstream. O desenvolvimento de estudos sobre as tarefas do cuidado resultam de uma preocupação micro com as situações concretas em que as pessoas cuidam e são cuidadas, que revelam importantes processos das economias políticas e sociais globais. Os primeiros trabalhos relevantes a teorizarem sobre a importância social do cuidado foram os estudos feministas sobre reprodução social nas décadas de 1960 e 1970 que chamaram a atenção para a interligação entre o trabalho doméstico não pago e a economia desafiando assim a definição mainstream de uma economia centrada no mercado. Como apontam vários autores, devemos atribuir às primeiras economistas feministas a sugestão de que a economia deve ser definida por uma preocupação com o provisionamento e não apenas o mercado e o lucro (cf. Nelson, 2008Nelson, J. Feminist economics. In: Durlauf, S. N.; Blume, L. E. (ed.) The New Palgrave Dictionary of Economics, 2008.).
Criticando a visão reducionista do cuidado como amor feminino associado à esfera familiar e doméstica, por oposição às actividades assalariadas dos homens na esfera pública, as reflexões feministas sobre o cuidado chamam a atenção para as inter-relações entre cuidado e relações económicas, deslocando-o da esfera do privado para o público e dotando-o assim de uma nova importância do ponto de vista da análise sociológica, económica e política.
A ideia de que a mercantilização do cuidado resulte num despojamento dos sentimentos e valores morais a ele associados decorre da preocupação de que a motivação pelo dinheiro possa conduzir a que as actividades de cuidar sejam levadas a cabo exclusivamente como trabalho, sem serem acompanhados do amor e atenção que, de acordo com os valores sociais hegemónicos em Portugal, deveriam estar na base da motivação para o cuidar.
Colocar a questão do dinheiro para pensar o cuidado é muitíssimo interessante pois nos obriga a articular motivações morais, afectos e economia. A questão das motivações dos cuidadores assalariados é muitas vezes colocada através da dicotomia: ou se cuida por amor ou por dinheiro, ou seja, o cuidado tem na base valores espirituais, afecto e altruísmo, ou é motivado pelo interesse económico ou necessidade – o caso das mulheres-a-dias, das enfermeiras, das emigrantes que cuidam de crianças e velhos por uma remuneração. Colocar essa dicotomia significa implicitamente que as acções dos agentes do mercado seriam sempre utilitaristas, e que as dos familiares, amigos e vizinhos sempre altruístas. Nenhuma das assunções é correcta, como mostram os trabalhos de Thelen e Read (2007)Thelen, T.; Read, R. Social security and care after socialism: changing notions of need, support and provision. Focaal: European Journal of Anthropology, 50, 2007, pp.3-18., Lisboa (2007)Lisboa, T. K. Fluxos migratórios de mulheres para o trabalho reprodutivo: a globalização da assistência. Revista de Estudos Feministas 15(3), 2007, PP. 805-821., Hirata (2012)Hirata, H. e Guimarães, N. A. (Org.) Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo, Atlas, 2012., Glenn (2010), England (2010)England, K. Home, Work and the Shifting Geographies of Care. Ethics, Place and Environment vol. 13, nº 2, June 2010, pp.131–150. e Debert (2014)Debert, G. G. Arenas de conflito em torno do cuidado. Tempo Social vol. 26, nº 1, São Paulo, 2014, pp.35-45..
Tende a reclamar-se uma separação total entre sentimentos e economia, embora na prática, quando perguntamos a alguém como se sabe que alguém a ama, as pessoas descrevam a demonstração de amor através da partilha de comida, dinheiro, roupa, acesso a crédito, oportunidades de emprego, trabalho e cuidado das crianças – que eu vejo como transacções económicas – embora elas resistam a considerá-las como tal. Simultaneamente, as mesmas pessoas descrevem esses actos como dádivas, actos sem necessidade de serem pagos, embora, se solicitadas para tal, consigam, ainda que de forma relutante, fazer uma contabilidade exacta dessas ofertas, e avaliem o carácter das pessoas consoante a retribuição, equivalente ou não ao que receberam (Rebhun, 2007:111).8 8 Tradução nossa do original inglês: “People claimed a total separation of sentiment and economics, while in practice, when asked how you know someone loves you, people described showing love by sharing food, money, clothing, access to credit, employment opportunities, labor, and child care – which I saw as economic transactions – while they were reluctant to so label them. They also described these acts as gifts, without explicit need for remuneration, but they could, when pressed, reluctantly, make an accurate accounting of such gifts, and judge people's character on the basis of whether they gave as good as they got” (Rebhun, 2007:111).
No mesmo período em que as economistas feministas chamavam a nossa atenção para essas questões, surge uma das mais importantes referências das ciências sociais e humanas na reflexão sobre o cuidado, o trabalho da psicóloga feminista Carol Gilligan (1982)Gilligan, C. In a Different Voice: Psychological Theory and Women’s Development. Cambridge, Harvard University Press, 1982.. Aqui, a autora argumenta que a ética do cuidado foi relegada ao obscurantismo e à subalternidade na sociedade ocidental como resultado da sua associação ao género feminino subalternizado na sociedade capitalista androcêntrica. Gilligan defende que os homens e as mulheres desenvolvem teorias éticas diferentes, devido à socialização diferenciada de que são objecto, e estas teorias éticas influenciam os seus comportamentos morais. Assim, defende que os homens desenvolvem uma ética da justiça, e as mulheres, uma ética do cuidado baseado na responsabilidade (cf. 1982:165-166).
De acordo com Gilligan, a teoria feminista demonstrou como o sistema patriarcal que dirige a sociedade dividiu a vida em duas esferas, a pública e a privada, e dotou de grande valor a primeira em detrimento da segunda. Para além disso, reservou para o género masculino o predomínio na esfera pública da vida – dotada de grande valor – e circunscreveu as mulheres à esfera do privado. A mulher, investida de uma falsa soberania no lar, é quem assegura o cuidado e a atenção aos outros, e é socializada para que assuma esse papel. De acordo com a escala de valores androcêntricos que guiam as nossas vidas, tudo o que acontece dentro da esfera privada e todas as tarefas nela desempenhadas pelas mulheres gozam sempre de menos prestígio social que as actividades assumidas pelos homens no espaço público. Nessa perspectiva, não só as tarefas de cuidar não têm prestígio social como são pensadas como uma obrigação feminina, circunscrevendo-as à esfera do doméstico e do privado, o que lhes retira valor social. Ou seja, não só se assume como uma tarefa feminina, mas como uma obrigação feminina. Quando o trabalho de cuidar entra no mercado de trabalho é associado a tarefas submissas e a um apoio emocional. Cuidado tem, portanto, sido definido por uma dicotomia conceptual que reifica uma divisão do trabalho por género, que naturaliza responsabilidades morais e reproduz desigualdades sociais uma vez que a organização social do cuidado se constrói através de múltiplas formas de coerção (cf. Glenn, 2010:5). As perspectivas analíticas que confinaram o cuidado à esfera do privado, do afecto, do altruísmo obscureceram o papel público e social que o cuidado tem invisibilizando a sua relevância na economia.
Concluindo
Para entender a centralidade do cuidado na criação, manutenção e dissolução de laços significativos, precisamos de ter em conta a sua centralidade para a economia e a política.
O trabalho de cuidar, por ser associado ao afecto, ao laço emocional com o outro, surge frequentemente como pouco importante do ponto de vista económico ou social. Porém, nesse novo momento histórico em que o contrato social se alterou o cuidado se tornou uma questão central: as formas de troca e suporte que ultrapassam a esfera “privada” são mais facilmente vistas como pertencentes à esfera da política e económica. Assim, colocar o cuidado no centro de análise permite novas perspectivas de análise sobre a organização social.
Como mostrei, algumas práticas informais, voluntárias e não estatais de cuidado são importantes para percebermos as formas de reprodução do tecido social português e como essas estratégias são centrais para garantir a continuidade de um sistema económico em ruptura. Porque não vemos mais protestos na rua? Mais revoltas contra o governo que aplica implacáveis medidas de austeridade, corta salários, aumenta impostos e reduz benefícios? Precisamente porque, apesar de todas as adversidades, as pessoas encontram formas de “se virar/desenrascar” com base nessas redes formais ou informais de cuidado.
Esse tipo de acções, cada vez mais estendidas, de partilha, oferta e troca de bens e serviços, deve ser avaliado à luz de um novo paradigma. É muito importante termos consciência política que, se por um lado essas estratégias informais de suporte aos sectores mais enfraquecidos da sociedade tornam a vida de quem deles beneficia possível em situações de crise e incerteza, elas são também centrais para todo o sistema social, pois inibem, até um certo ponto, a escalada da tensão social e do colapso económico individual e colectivo. Assim, creio que é fundamental incorporar num mesmo quadro de análise cuidado, economia e mercado, pois essas dimensões constituem-se em conjunto, numa renovada economia moral com forte expressão nos quotidianos.
A ajuda voluntária não assenta numa lógica capitalista de mercado, mas numa relação de dádiva, ou numa forma especial de troca económica (Graeber, 2010), que está para além da agência assente na escolha racional, mas que diz respeito ao bem-estar, à satisfação de todas as necessidades humanas, necessidades de bens públicos, tais como educação, segurança e um ambiente seguro, e ainda qualidades intangíveis como a dignidade (cf. Hann e Hart, 2011). Vemos, portanto, como cuidado assume também um valor de mercado, simultaneamente afectivo e financeiro, moral e social, e por isso não pode deixar de ser pensado também como um factor económico.
A dimensão económica das múltiplas e diferenciadas práticas de cuidar do outro que venho estudando se constitui através de trocas solidárias que procuram responder a necessidades, estando ou não os agentes (receptores e dadores) directamente envolvidos nas transacções. Significa que a circulação de bens e serviços de proximidade, dinamizados local e comunitariamente, é um mercado que se compõe de um elenco de necessidades e de um conjunto de bens colectivamente disponíveis, que procuram resolver as condições materiais e imateriais de existência do grupo onde este circuito se activa. É nesse sentido que argumento que o cuidado deve ser pensado como um factor de sustentabilidade, tanto a nível económico (provendo a pessoas necessitadas) como social (assegurando a continuidade do tecido social) e ainda emocional (mantendo algum bem-estar num quotidiano marcado pela incerteza e a precaridade).
Porém, desvendar essas práticas alternativas de sobrevivência pode constituir o risco de dar fundamentos ao argumento ideológico e moralizador dos defensores de um neoliberalismo feroz, que está na base de muitas das decisões políticas que se estão construindo sob a justificação da crise. Podemos com isso justificar a perigosa ideia de que os cuidados prestados pelo Estado não são um direito, mas um favor feito aos cidadãos durante um tempo, pois ele seria um dever da família e em particular das mulheres. A discussão é assim alterada de um argumento de direitos de cidadania para uma dimensão moral, ideológica e política. É, portanto, preciso não esquecer que, apesar de o cuidado se ter tornado de novo um importante factor de sustentabilidade, o sucesso das suas práticas reactivam e reproduzem formas tradicionais de desigualdade social e cristalizam a dependência dos carenciados, legitimando assim o domínio e o poder das elites económicas que reproduzem ideologias neoliberais da sociedade capitalista global.
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1
Como define Sahlins em seu ensaio “What kinship is”, o sentimento de família é o de um pertencimento intersubjetivo no qual as pessoas se vêem como intrínsecas nas vidas das outras, partilhando uma mutualidade do ser. “(…) generally considered, kinsmen are persons who belong to one another, who are members of one another, who are co-present in each other, whose lives are joined and interdependent (Sahlins, 2011Sahlins, M. D. “What kinship is (part one)”, Journal of the Royal Anthropological Institute 17 (1), 2011, pp.1-19.:11)”.
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2
O retracto comum de Portugal como “welfare society” em oposição a “welfare state” (Santos, 1993Santos, B. S. O Estado, as relações salariais e o bem-estar social na semi-periferia: o caso português. In: Santos, B. S. (ed) Portugal: Um Retrato Singular. Porto, Afrontamento, 1993, pp.15-59.), significa que os encontros entre cidadão e Estado são escassos em termos do apoio dado por este último e que o Estado português não foi tanto erodido pela tendência neoliberal, mas pelo facto de os seus mecanismos de providência são subdesenvolvidos; e que os encontros de “apoio” nas comunidades são abundantes, graças à eficácia dos laços morais, redes de parentes e vizinhos que dão apoio económico e formas de cuidado e assistência era engano e onde as mulheres são actrizes centrais (cf. Cunha, 2013Cunha, M. I. The changing scale of imprisonment and the transformation of care: the erosion of the “welfare society” by the “penal state” in contemporary Portugal. In: Schlecker, M. e Fleischer, F. (eds) Ethnographies of Social Support, New York, NY, Palgrave MacMillan, 2013, pp.81-101). Independentemente das ambiguidades próprias do campo moral das obrigações (Narotzky e Smith, 2006Narotzky, S.; Smith, G. Immediate Struggles. People, power and place in rural Spain. Berkeley, University of California Press, 2006.), a eficácia dessas redes sociais tem sido crucial para as populações de baixos rendimentos. Isso tem levado alguns autores a considerarem a “pobreza” observada em contextos do Sul da Europa como específica e diferente da “exclusão” emergente nas sociedades capitalistas tardias (Merrien, 1996Merrien, F.-X. État-Providence et lute contre l’exclusion. In: Paugam, S., (ed) L’Exclusion. L´état des savoirs. Paris, La Découverte, 1996, pp.417-425.; Paugam, 1996Paugam, S. Pauvreté et exclusion. La force des contrastes nationaux. In: Paugam, S. (ed) L’Exclusion. L’État des savoirs. Paris, La Découverte, 1996, pp.389-404.).
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3
Quando se incluem nos cálculos os que já não são contabilizados (porque não estão inscritos nos centros de emprego ou porque excederam o tempo permitido) esse valor atinge em Abril de 2015 22%). A situação do desemprego jovem é ainda mais grave. Em 2011, antes implementação das medidas de austeridade propostas pela Troika, 28% dos jovens activos entre os 15 e os 24 anos estavam desempregados, uma taxa que já era relativamente elevada. Quatro anos depois, no início de 2015, a taxa de desemprego jovem está nos 34,4%. Apesar de tudo, uma melhoria face a máximo de 42,5% que foi atingido em 2013. Dados do Instituto Nacional de Estatística.
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4
Expressão do próprio Ministro das Finanças em declaração pública feita a 10/03/2012.
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5
A extensão do empobrecimento e a privação material produzidos pela austeridade numa “sociedade de bem-estar” (onde as pessoas dependem de redes sociais e apoio mútuo) contribuem para um grande aumento das desigualdades sociais e alterou drasticamente as relações entre as gerações [cf. Collins (2008), Collins e Mayer (2010)]. Os efeitos das medidas de ajustamento na vida dos cidadãos mostram cruamente o agravar dos mecanismos de desigualdade, não só em Portugal mas, como demonstra claramente Piketty (2014), nas sociedades ocidentais capitalistas que estão em conformidade com as dinâmicas da economia-política capitalista contemporânea.
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6
“Laços para a vida – Casa & Companhia” é um projecto da Câmara Municipal e da Universidade de Évora e que conta com a colaboração de várias outras instituições: Banco do Tempo, o Cantinho do Cuidador, Unidade de Cuidados na Comunidade de Évora, do Centro de Saúde e o Banco de Voluntariado.
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Tradução nossa do original “To be a morally good person requires, that a person strives to meet the demands of caring that present themselves in his or her life. For a society to be judged as a morally admirable society, it must ... adequately provide for care of its members and its territory” (Tronto, 1993Tronto, J. C. Moral Boundaries. A political argument for an ethic of care. Londres, Routledge, 1993.:126).
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Tradução nossa do original inglês: “People claimed a total separation of sentiment and economics, while in practice, when asked how you know someone loves you, people described showing love by sharing food, money, clothing, access to credit, employment opportunities, labor, and child care – which I saw as economic transactions – while they were reluctant to so label them. They also described these acts as gifts, without explicit need for remuneration, but they could, when pressed, reluctantly, make an accurate accounting of such gifts, and judge people's character on the basis of whether they gave as good as they got” (Rebhun, 2007:111).
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Este artigo resulta da investigação feita no âmbito do projecto O Cuidado como factor de sustentabilidade em contexto de crise” financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia FCT PTDC/CS-ANT/117259/2010, IR Antónia Pedroso de Lima. Faz também parte do trabalho no projecto do Centro em Rede de Investigação em Antropologia CRIA/ANT/04038/2013 e do Grupo de Investigação Governação, Política e Quotidiano. Agradeço aos colegas da equipa as discussões dos temas que aqui analisarei e em particular a Catarina Fróis que leu e comentou versões deste texto.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Abr 2016
Histórico
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Recebido
10 Jul 2015 -
Aceito
12 Nov 2015