Open-access Produção de biodiesel de terceira geração a partir de microalgas

Third generation biodiesel production from microalgae

Resumos

O objetivo do estudo foi avaliar o biodiesel de 3 a geração produzido a partir do cultivo heterotrófico da microalga Phormidium sp., empregando amido de mandioca como fonte de carbono orgânico. Um planejamento experimental foi realizado para determinar as condições ótimas de temperatura e razão C/N. A partir da obtenção das melhores condições de cultivo desenvolveram-se cultivos em batelada e batelada alimentada em biorreator e avaliaram-se as características do biodiesel produzido. Os resultados indicaram que a temperatura de 30ºC e a razão C/N de 68 são as condições ideais do processo. As maiores produtividades em biomassa (50,41mgL-1h-1) e lipídica (7,49mgL-1h-1) foram obtidas no cultivo em batelada. Os ácidos graxos com maior representatividade foram os ácidos caproico (65,29%) e oleico (23,88%). As propriedades de combustão do biodiesel: conteúdo de ésteres (99,9%), número de cetano (54,88), índice de iodo (21,47gI2100g-1), grau de instauração (23,88%) e ponto de entupimento de filtro a frio (39,21ºC) se mostraram adequadas às principais normativas nacionais e internacionais

biodiesel; microalgas; cultivo heterotrófico; amido de mandioca


The aim of the study was to evaluate the third generation biodiesel produced from heterotrophic cultivation of the microalgae Phormidium sp. employing cassava starch as source of organic carbon. An experimental design was performed to determine the optimal conditions of temperature and C/N ratio. From the best growing conditions, was developed cultivations in batch and fed-batch in a bioreactor and evaluated the biodiesel quality. The results indicate that the temperature of 30ºC and the C/N ratio of 68 are the ideal conditions of the process. The highest biomass productivity (50.41mgL-1h-1) and lipid productivity (7.49mgL-1h-1) were obtained in batch cultivations. The fatty acids most representative were caproic acid (65.29%) and oleic acid (23.88%). The fuel properties of biodiesel: ester content of 99.9%, cetane number of 54.88, iodine value of 21.47gI100g-1, unsaturation degree of 23.88% and a cold filter plugging point of 39.21ºC, comply with the main international and national standards

biodiesel; microalgae; heterotrophic cultivation; cassava starch


INTRODUÇÃO:

A grande dependência pelos combustíveis fósseis levou ao surgimento de discussões sobre questões como a poluição atmosférica e a escassez dos recursos energéticos, direcionando ao desenvolvimento de tecnologias para a obtenção de fontes de energias alternativas e renováveis, como os biocombustíveis de 1a a 4a geração (MARTÍN & GROSSMANN, 2012). Os biocombustíveis de 3a geração são obtidos a partir do cultivo de microalgas, que possuem a capacidade de acumular lipídeos nas células, os quais, após extração, são transesterificados para a obtenção do biodiesel (MATA et al., 2010; HADDAD & FAWAZ, 2013).

As microalgas estão classificadas em um grande grupo de algas microscópicas fotossintetizantes. Algumas espécies apresentam obrigatoriamente o metabolismo fotossintético, embora outras sejam capazes de crescer sob condições heterotróficas na total ausência de luminosidade e presença de uma fonte de carbono orgânico. Os sistemas heterotróficos superam algumas limitações dos fotossintéticos, como a dependência de luz, podendo viabilizar a produção de bioprodutos como lipídeos, proteínas, carboidratos e pigmentos (SUALI & SARBATLY, 2012), além de serem conhecidos por resultarem em elevadas produtividades de bioprodutos (MOHAMED et al., 2011). Um fator determinante nos cultivos heterotróficos é a escolha da fonte de carbono orgânico utilizado, que representa um dos principais obstáculos para a aplicação industrial. O substrato orgânico é estimado em cerca de 80% do custo total do processo, podendo inviabilizar economicamente o processo. Uma alternativa aos elevados custos é a substituição de determinadas fontes de carbono orgânico por substratos de baixo custo, como amidos e soluções de celulose hidrolisada, podendo reduzir os custos em até 40% (XU et al., 2006; LI et al., 2007). Além dos substratos orgânicos sintéticos, resíduos industriais têm sido considerados alternativas promissoras para a minimização do custo dos meios de cultura para o cultivo de microalgas (PEREZ-GARCIA et al., 2011; QUEIROZ et al., 2013).

Em face disso, o objetivo do estudo foi avaliar o biodiesel de 3a geração produzido a partir do cultivo heterotrófico da microalga Phormidium sp., empregando amido de mandioca como fonte de carbono orgânico.

MATERIAL E MÉTODOS:

Microrganismo e meio de cultura

A microalga utilizada foi a Phormidium sp., isolada do Deserto Cuatro Cienegas no México (26º59'N 102º03W). Após purificação, as culturas estoque foram mantidas em tubos de ensaio contendo meio sintético BG11 (RIPPKA et al., 1979) solidificado com agar-agar (20gL-1). As condições de manutenção foram 25ºC e intensidade luminosa constante de 15µmolm−2s−1.

O meio sintético BG11 suplementado com amido de mandioca, como fonte de carbono orgânico exógeno foi empregado como meio de cultura. As diferentes razões carbono/nitrogênio (C/N) foram obtidas a partir da estequiometria do meio e de uma curva padrão construída com diferentes concentrações do amido de mandioca, expressa em termos de demanda química de oxigênio (DQO) (APHA, 2005).

Planejamento experimental

O planejamento experimental e as análises estatísticas foram realizados utilizando o software Statistica 7.0 (STATSOFT, Tulsa, OK, USA). A partir de um delineamento composto central com cinco níveis e três repetições no ponto central, foi avaliada a relação entre as condições de cultivo (variáveis independentes) e os parâmetros cinéticos do processo (variáveis dependentes). As condições de cultivo estudadas foram temperatura (23, 25, 30, 35 e 37ºC) e razão C/N (12, 20, 40, 60 e 68) e como respostas avaliaram-se a produtividade de biomassa, a taxa de consumo do substrato, o coeficiente de conversão do substrato em células e a eficiência na conversão do carbono orgânico.

Cultivo em Erlenmeyers

A otimização do processo, mediante o planejamento experimental, foi realizada a partir do cultivo em frascos Erlenmeyers de 250mL, sendo o volume nominal de trabalho de 150mL, utilizando agitador orbital. Os frascos utilizados foram esterilizados em autoclave a 121ºC por 20 minutos e a inoculação foi realizada assepticamente. As condições experimentais foram: meio sintético BG11 nas razões C/N e temperatura, descritas pelo planejamento experimental, concentração inicial do inóculo de 100mgL-1, pH ajustado a 7,8 e agitação constante de 150rpm.

Cultivos em biorreatores

Os cultivos em biorreator foram realizados em reator de coluna de bolhas construído em vidro borossilicato com um diâmetro externo de 12,5cm e uma altura de 16cm, resultando numa relação altura/diâmetro (L/D) igual a 1,28. O volume total do frasco, bem como o volume nominal de trabalho, foi de 2,0L. O sistema de dispersão de ar consistiu em um difusor de 2,5cm de diâmetro, localizado no interior do reator. A vazão de ar foi controlada por rotâmetros (precisão±5%), a entrada de oxigênio e a saída dos gases foram filtradas através de unidades filtrantes Millex-FG(r) de 0,22µm de diâmetro.

Operacionalmente, dois modos de operação foram avaliados: modo descontínuo e descontínuo alimentado. As condições de cultivos foram: concentração celular inicial de 100mgL-1, aeração constante de 1,0VVM (volume de ar por volume de meio por minuto), pH ajustado a 7,8, temperatura de 30ºC e ausência de luminosidade. Adotou-se uma razão C/N de 68 pela adição de 14,0gL-1 do amido de mandioca ao meio BG11. As alimentações nos cultivos descontínuos alimentados foram realizadas assim que a concentração de carbono orgânico atingisse 6,0gL-1. A alimentação foi realizada por meio de uma solução concentrada do amido (7,0gL-1), a fim de ajustar a concentração de carbono orgânico do meio à concentração de 14,0gL-1.

Amostragem e métodos analíticos

As amostragens foram realizadas de forma asséptica a cada 24 horas durante a fase de crescimento do microrganismo. A dinâmica do pH para os cultivos em biorreator foi determinada por potenciômetro e a concentração celular através de gravimetria por meio da filtração de um volume conhecido em filtro 0,45µm de diâmetro. A concentração de carbono orgânico, expressa em termos de demanda química de oxigênio (DQO) foi determinada por método colorimétrico do refluxo fechado segundo metodologia proposta por APHA (2005).

Ao término do processo, a biomassa foi separada do meio de cultivo por decantação, seguido de centrifugação, secagem e trituração.

Para a extração de lipídeos totais da biomassa e produção do biodiesel, utilizou-se o método de BLIGH & DYER (1959) modificado, levando-se em conta as proporções entre os solventes metanol, clorofórmio e água destilada (2:1:0.8). A saponificação foi realizada através de proporções entre metanol, ácido clorídrico e clorofórmio (10:1:1), seguida da esterificação do extrato lipídico, a partir da reação entre o hexano e o clorofórmio (4:1), através do método de HARTMAN & LAGO (1976) modificado. A análise qualitativa e quantitativa do biodiesel foi realizada por cromatografia gasosa (CG) utilizando-se o cromatógrafo Varian 3400CX (Varian, Palo Alto, CA, EUA). Os ácidos graxos foram identificados por comparação dos tempos de retenção a partir de um padrão (Supelco, Louis, MO, EUA) e quantificados por normalização de área.

As propriedades de combustão do biodiesel foram determinadas de acordo com metodologia proposta por KRISNANGKURA (1986), RAMOS et al. (2008) e FRANCISCO et al. (2010). Avaliou-se o conteúdo de ésteres (EC), número de cetano (NC), índice de saponificação (IS), índice de iodo (II), o grau de instauração (GI), fator de comprimento da cadeia (FCC) e o ponto de entupimento de filtro a frio (PEFF), a partir de modelos empíricos que levam em consideração o perfil dos ácidos graxos presentes na matriz oleaginosa.

Análise dos dados cinéticos

Os dados de concentração de biomassa foram utilizados na obtenção da velocidade máxima específica de crescimento (ln(X/X0)=µmax.t), em que X é a concentração celular final (mgL-1), X0 é a concentração celular inicial (mgL-1), μmax é a velocidade máxima específica de crescimento (h-1) e t é o tempo de residência (h); no cálculo da produtividade de biomassa (PX=μ.X), em que μ ι a velocidade instantânea de crescimento (h-1) e X a concentração celular (mgL-1). A concentração de carbono orgânico foi utilizada para calcular a taxa de consumo do substrato (rS=dS/dt), em que S é a concentração de carbono orgânico (mgL-1) e t é o tempo de residência (h); a eficiência na conversão do carbono orgânico (EC=S0-S/S0), em que S0 é a concentração inicial de carbono orgânico (mgL-1) e S é a concentração final de carbono orgânico (mgL-1) e o coeficiente de conversão do substrato em células (YX/S=dX/dS). Os experimentos foram realizados em duplicata e os dados cinéticos referem-se à média de quatro repetições.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Otimização do processo em frascos Erlenmeyer

A tabela 1 apresenta os parâmetros cinéticos de produção de biomassa e consumo de substrato nas diferentes condições de razão C/N e temperatura, de acordo com o planejamento experimental. Observa-se, a partir da análise dos dados, uma variabilidade pronunciada no desempenho do processo em função dos fatores avaliados, obtendo-se produtividades em biomassa entre 6,33 a 50,72mgL-1h-1, taxas de consumo de substrato entre 6,46 a 65,82mgL-1h-1, coeficientes de conversão do substrato em células entre 0,17 a 0,81mgcélulamgamido -1 e conversões de carbono orgânico entre 10,08 a 99,61%. Estes resultados, quando analisados a partir da figura 1, indicam que razões C/N de 68 e temperaturas de 30ºC favorecem a produção de biomassa microalgal. Comparativamente, a máxima produtividade em biomassa evidenciada neste estudo (50,72mgL-1h-1) é superior aos processos similares descritos na literatura, nos quais produtividades em biomassa na ordem de 36,0mgL-1h-1foram obtidas por LU et al. (2011), a partir do cultivo de Chlorella protothecoides em amido de mandioca hidrolisado.

Tabela 1
: Matriz codificada do efeito da temperatura e razão C/N para a produtividade de biomassa (PX), taxa de consumo do substrato (rS), coeficiente de conversão do substrato em células (YX/S) e eficiência na conversão do carbono orgânico (EC).

Figura 1
: Diagramas de contorno para as variáveis produtividade em biomassa (A), taxa de consumo do substrato (B), coeficiente de conversão do substrato em células (C) e eficiência na conversão do carbono orgânico (D).

Os coeficientes dos modelos, bem como o ajuste dos modelos de predição, validados a partir da distribuição F sugerem a existência de uma relação quadrática entre as variáveis, indicando a aderência aos dados experimentais.

Cultivos em biorreator

Com base nas condições definidas na etapa anterior, os cultivos em biorreator foram conduzidos mediante dois modos de operação distintos (batelada e batelada alimentada). Nesse sentido, os parâmetros cinéticos resultantes destes cultivos são apresentados na tabela 2 e figura 2. A análise dos dados indica que o cultivo em batelada apresentou taxas de consumo do substrato de 91,43mgL-1h-1, eficiência de conversão do carbono orgânico de 75,19%, concentração celular máxima de 4960mgL-1, eficiência de conversão de carbono orgânico de 75,19%, produtividade de biomassa de 50,41mgL-1h-1, teor de lipídeos de 14,86% e produtividade lipídica de 7,49mgL-1h-1. Os cultivos em batelada alimentada, por outro lado, apresentaram menor desempenho cinético para todos os demais parâmetros, com exceção do coeficiente de conversão do substrato em células (0,82mgcélulasmgamido -1) e da concentração celular máxima (9200mgL-1), que foram substancialmente superiores quando comparadas aos cultivos em batelada. A definição da melhor estratégia de condução do bioprocesso, entretanto, foi realizada com base na produtividade em lipídeos, no qual o processo descontínuo demonstrou uma capacidade produtiva 75% superior ao processo descontínuo alimentado, como reflexo principalmente da baixa capacidade de acúmulo de óleo na célula nos cultivos descontínuos alimentados. De acordo com QUEIROZ et al. (2013), os lipídeos microbianos são produtos intracelulares e, desta forma, a produtividade lipídica global é obtida através da quantidade de lipídios da célula, multiplicada pela produtividade em biomassa, o que faz da produtividade em biomassa um critério primário na obtenção de lipídeos microbianos.

Tabela 2
: Parâmetros cinéticos resultantes dos cultivos em biorreator e propriedades do biodiesel.

Figura 2
:Crescimento celular e consumo da fonte de carbono orgânico (DQO) em biorreator descontínuo alimentado (círculo aberto: concentração celular, círculo fechado: concentração do amido de mandioca expresso em DQO).

Estes resultados são potencialmente atrativos para a produção de óleos unicelulares por Phormidium sp., uma vez que este micro-organismo é capaz de converter eficientemente uma fonte orgânica de carbono abundantemente disponível no mercado internacional. Os processos similares, normalmente, são conduzidos a partir da hidrólise enzimática deste substrato, acarretando em operações unitárias adicionais, que impactarão nos custos operacionais do processo produtivo (LU et al., 2011; WEI et al., 2009).

Características do biodiesel

O perfil de ácidos graxos do óleo microalgal é o principal fator que determina as características do biodiesel (KNOTHE, 2005). Ao total, identificaram-se quatro diferentes ácidos graxos majoritários: ácido caproico (65,9%), ácido oleico (23,88%), ácido caprílico (5,43%) e ácido esteárico (5,39%). Dessa forma, o perfil de ácidos graxos foi predominantemente saturado (76,11%) e monoinsaturado (23,88%). KNOTHE (2005) reporta que óleos com composição predominantemente saturada e monoinsaturada são os mais adequados para a síntese de biodiesel, pois produzem combustíveis com propriedades ideais ao uso em motores a diesel.

Com base nessa matriz oleaginosa, a síntese do biodiesel produziu um combustível (Tabela 2) com conteúdo de ésteres de 99,9%, número de cetano de 54,88, índice de saponificação de 406,82, índice de iodo de 21,47gI2100g-1, grau de instauração de 23,88%, fator de comprimento da cadeia de 12,48% e ponto de entupimento de filtro a frio de 39,21ºC. As propriedades de combustão avaliadas são comparáveis ao biodiesel de soja (FRANCISCO et al., 2010) e estão de acordo com as normas Norte Americanas (ASTM 6751, 2002), da União Europeia (EN 14214, 2003) e brasileiras (ANP 255, 2003) para biodiesel, o que sugere a potencialidade de exploração do biodiesel obtido a partir da biomassa da Phormidium sp., nas condições avaliadas.

CONCLUSÃO:

A produtividade em biomassa da microalga Phormidium sp. a partir de amido de mandioca é otimizada em razões C/N de 68 e temperaturas de 30ºC. O cultivo em biorreator operado descontinuamente apresentou melhor desempenho na produção de óleos unicelulares (7,49mgL-1h-1). O perfil de ácidos graxos foi predominantemente saturado (76,11%), resultando em um biodiesel com propriedades de combustão (conteúdo de ésteres de 99,9%, número de cetano de 54,88, índice de iodo de 21,47gI2100g-1, grau de instauração de 23,88% e ponto de entupimento de filtro a frio de 39,21ºC) dentro das principais normativas nacionais e internacionais. Nesse sentido, os resultados obtidos demonstram a potencialidade de exploração deste tipo de processo para a produção de biodiesel.

AGRADECIMENTOS

O financiamento para esta pesquisa foi fornecido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Data do Fascículo
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2013
  • Aceito
    20 Jul 2014
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