Resumos
A toxicose experimental por gentamicina foi estudada em 11 cães. Dez cães receberam 10mg/kg de gentamicina por via intramuscular, 3 vezes ao dia, durante 14 dias. Outro cão recebeu a mesma dose por 10 dias. Os cães foram submetidos à eutanásia e necropsiados no 11°, 15°-19°, 21°, 27° e 37° dias do experimento. Os principais sinais clínicos foram anorexia, apatia, poliuria, polidipsia, diarréia, vômito e oligúria. Os achados laboratoriais foram enzimúria, cilindrúria, azotemia e isostenúria. As lesões macroscópicas eram restritas aos rins, que estavam acentuadamente pálidos, tumefeitos e macios. Dois cães desenvolveram edema perirrenal discreto. Ao exame histológico do rim, dez cães tinham necrose tóxica aguda restrita aos túbulos contorcidos proximais. Regeneração das células epiteliais desses túbulos foi observada nos rins de todos os cães, principalmente na cortical externa, variando de mínima a acentuada e associada a dilatação acentuada da luz tubular. Aos 37 dias os rins apresentavam-se morfologicamente recuperados. Não foram observadas lesões glomerulares, nem lesões extra-renais de uremia. Concluiu-se que a gentamicina, na dose e frequência administradas, foi tóxica para todos os cães, causando necrose tubular renal aguda com subsequentes graus variados de regeneração tubular.
nefrose tóxica; gentamicina; doenças de cães
An experiment on gentamicin toxicosis was carried out in 11 dogs. Ten dogs received 10 mg/kg intramuscularly 3 times a day for 14 days and another dog the same dosage for 10 days. All dogs were euthanatized and necropsied at the 11th, 15th-19th, 21th, 27th, and 37th day of the experiment. Main clinical signs were: loss of appetite, apathy, polyuria, polydpsia, diarrhea, vomit and oliguria. Laboratory findings included enzymuria, cylindruria, azotemia and isosthenuria. Gross lesions were restricted to the kidneys, these were pallid, swollen and soft. Two dogs developed mild perirenal edema. Histologically, tubular necrosis, restricted to the proximal convoluted tubules, was observed in the kidneys of 10 dogs. In the kidneys of all dogs there was regeneration of epithelial cells of those tubules; this change occurred mainly in the external cortex, varied from minimal to marked, and was associated to marked tubule dilation. At the 37th day of the experrment, the kidneys have their normal morphology restored. Neither glomerular lesions nor extrarenal lesions related to uremia were observed. It is concluded that gentamicin was toxic to dogs when administered in the dosis and frequency stated above and induced acute renal tubular necrosis with subsequent variable degrees of regeneration.
toxic nephrosis; gentamicin; diseases of dogs
INTOXICAÇÃO EXPERIMENTAL POR GENTAMICINA EM CÃES1
EXPERIMENTAL GENTAMICIN TOXICOSIS IN DOGS
Antônio Flávio Medeiros Dantas2 Glaucia Denise Kommers3 Carla Rosane de Aguiar Hennemann4
RESUMO
A toxicose experimental por gentamicina foi estudada em 11 cães. Dez cães receberam 10mg/kg de gentamicina por via intramuscular, 3 vezes ao dia, durante 14 dias. Outro cão recebeu a mesma dose por 10 dias. Os cães foram submetidos à eutanásia e necropsiados no 11°, 15°-19°, 21°, 27° e 37° dias do experimento. Os principais sinais clínicos foram anorexia, apatia, poliuria, polidipsia, diarréia, vômito e oligúria. Os achados laboratoriais foram enzimúria, cilindrúria, azotemia e isostenúria. As lesões macroscópicas eram restritas aos rins, que estavam acentuadamente pálidos, tumefeitos e macios. Dois cães desenvolveram edema perirrenal discreto. Ao exame histológico do rim, dez cães tinham necrose tóxica aguda restrita aos túbulos contorcidos proximais. Regeneração das células epiteliais desses túbulos foi observada nos rins de todos os cães, principalmente na cortical externa, variando de mínima a acentuada e associada a dilatação acentuada da luz tubular. Aos 37 dias os rins apresentavam-se morfologicamente recuperados. Não foram observadas lesões glomerulares, nem lesões extra-renais de uremia. Concluiu-se que a gentamicina, na dose e frequência administradas, foi tóxica para todos os cães, causando necrose tubular renal aguda com subsequentes graus variados de regeneração tubular.
Palavras-chave: nefrose tóxica, gentamicina, doenças de cães.
SUMMARY
An experiment on gentamicin toxicosis was carried out in 11 dogs. Ten dogs received 10 mg/kg intramuscularly 3 times a day for 14 days and another dog the same dosage for 10 days. All dogs were euthanatized and necropsied at the 11th, 15th-19th, 21th, 27th, and 37th day of the experiment. Main clinical signs were: loss of appetite, apathy, polyuria, polydpsia, diarrhea, vomit and oliguria. Laboratory findings included enzymuria, cylindruria, azotemia and isosthenuria. Gross lesions were restricted to the kidneys, these were pallid, swollen and soft. Two dogs developed mild perirenal edema. Histologically, tubular necrosis, restricted to the proximal convoluted tubules, was observed in the kidneys of 10 dogs. In the kidneys of all dogs there was regeneration of epithelial cells of those tubules; this change occurred mainly in the external cortex, varied from minimal to marked, and was associated to marked tubule dilation. At the 37th day of the experrment, the kidneys have their normal morphology restored. Neither glomerular lesions nor extrarenal lesions related to uremia were observed. It is concluded that gentamicin was toxic to dogs when administered in the dosis and frequency stated above and induced acute renal tubular necrosis with subsequent variable degrees of regeneration.
Key words: toxic nephrosis, gentamicin, diseases of dogs.
INTRODUÇÃO
Os antibióticos aminoglicosídeos (AMG) são um dos maiores grupos usados no combate a infecções bacterianas de amplo espectro (LAURENT et al., 1990). Dentre os AMG encontram-se a estreptomicina, gentamicina, neomicina, canamicina, tobramicina, amicacina e netilmicina (CHEW & DIBARTOLA, 1992).
A gentamicina foi isolada em 1963 (WELLWOOD et al., 1976, BROWN et al., 1985) e tornou-se um dos principais AMG empregados na clínica veterinária (LAURENT et al, 1990). Entretanto, um fator limitante na sua aplicação clínica e a sua acentuada ação nefrotóxica observada em várias espécies animais, principalmente em cães (BROWN et al., 1985).
O objetivo desse trabalho foi estudar as alterações morfológicas renais observadas na intoxicação experimental por gentamicina em cães durante a fase aguda e na subseqüente fase de regeneração.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizados 11 cães, 4 machos e 7 fêmeas, sem raça definida, com idade entre 1 e 5 anos. Os cães foram desverminados, pesados, alojados em boxes individuais e alimentados com ração comercial balanceada uma vez ao dia e água a vontade. Amostras de sangue para dosagem de uréia e creatinina e de urina para urinálise e dosagem da enzima gamaglutamil transpeptidase foram colhidas antes do início do experimento sendo utilizadas como controle.
Dez cães receberam por via intramuscular 10mg/kg de gentamicina, três vezes ao dia, durante 14dias. Realizaram-se diariamente exames clínicos, dosagem de uréia e creatinina, urinálise e dosagem da enzima gama glutamil transpeptidase.
Um cão recebeu a mesma dose de gentamicina por 10 dias e foi submetido a eutanásia no 11° dia com o uso de barbitúrico e bloqueador neuromuscular. Os demais cães foram submetidos a eutanásia no 15° ao 19°, 21°, 27° e 37° dias do experimento. Os dados referentes aos animais e ao experirnento encontram-se na Tabela 1.
Todos os cães foram necropsiados. De ambos os rins foram colhidas seções longitudinais do terço médio para microscopia óptica. Seções histológicasde rins normais de 2 cães fêmeas, de 2 anos de idade foram utilizadas para comparação.
Os fragmentos de tecido renal e de órgãos dos demais sistemas foram fixados em formol neutro a 10%, processados e corados pela técnica histológica de rotina. Cortes histológicos dos rins foram corados pelos métodos histoquímicos do ácido periódico de Schiff-metenamina nitrato de prata (PASM), tricrômico de Masson e von Kossa.
RESULTADOS
Anorexia e apatia foram observadas em todos os cães e tiveram início entre o 7° e o 17° dias do experimento. Poliúria foi observada em 10 cães, tendo início entre o 7° e o 9° dias, com duração de 3 a 4 dias. Os cães 269 e 270 apresentaram poliúria no 9° dia, seguida por oligúria no 12° e 13° dias, respectivamente. O cão 269 apresentou anúria do 13° ao 14° dias do experimento, e no 15° dia apresentou convulsões, mioclonias e hálito urêmico. O cão 279 apresentou somente anorexia e apatia. Outros sinais clinicos apresentados foram polidipsia, desidratação, diarréia, vômito e disúria. Os cães 251 (27 dias) e 260 (37 dias) não mais apresentavam sinais clínicos no dia da eutanásia.
Todos os cães intoxicados apresentaram enzimúria no 3° dia após o início do experimento. A partir do 7° dia de intoxicação, dez cães apresentaram cilindrúria, caracterizada pela presença de cilindros granulosos. Em 5 cães (264, 269, 270, 272 e 236) observou-se elevação nos níveis séricos de uréia e creatinina, a partir do 14° e 12° dias do experimento, respectivamente. Isostenúria foi observada em 6 cães no 14° dia do experimento. Pela urinálise observou-se também a ocorrência esporádica de proteinúria, hematúria e glicosúria. Resultados detalhados da patologia clínica já foram publicados (HENNEMANN et al., 1997).
Na necropsia os rins apresentavam-se pálidos, tumefeitos e macios. A palidez e a tumefação eram mais acentuadas do 11° até o 17° dias do experimento (Figura 1) e diminuíram de intensidade a partir do 18° dia. Edema perirrenal discreto foi observado em dois cães. Ao corte, a região cortical apresentava-se pálida e brilhante. Dois cães (235, 236) apresentaram congestão na região córtico-medular e outros dois cães (272 e 279) apresentararn congestão medular discreta ou acentuada. Os cães 251 (27° dia) e 260 (37° dia) não apresentaram alterações macroscópicas renais.
Na microscopia, dez cães apresentaram necrose tubular aguda tóxica, atingindo somente os túbulos contorcidos proximais (TCPs), variando de discreta a acentuada entre o 11° e o 19° dias do experimento. A necrose tubular foi mínima nos cães 279 (19° dia), 242 (21° dia) e 251 (27° dia).
A necrose foi difusa nos TCPs do 11° ao 17° dias, passando a multifocal entre o 18° e o 27° dias, estendendo-se da região cortical externa a córtico-medular. Quando a necrose do epitélio de revestimento dos TCPs era moderada ou acentuada observava-se somente cilindros granulosos eosinofílicos circundados pela membrana basal, contrastando com os tíbulos contorcidos distais (TCDs) íntegros (Figura 2). A presença de cilindros granulosos nos TCPs estendia-se da cortical externa a região córtico-medular entre o 11° e o 18° dias. A partir do 19° dia esses cilindros foram observados somente na região córtico-medular.
A proteinose tubular, caracterizada pela presença de cilindros hialinos intratubulares, era bemevidente em TCPs e TCDs da regão córtico-medular e acentuada em túbulos da medular. Nos cães 279, 242 e 251, que apresentaram grau minirno de necrose, essa caracterizava-se por necrose de poucas células dos TCPs. A maioria dos TCPs corticais estava normal e havia proteinose intratubular somente na região córtico-medular.
Infiltrado inflamatório intersticial mononuclear multifocal, de discreto a moderado, foi observado em 9 cães. Edema interstitial, discreto a moderado, foi observado em 7 cães. Fibroplasia intersticial cortical discreta foi vista no cão 235.
A regeneração dos TCPs foi observada em todos os cães e caracterizava-se por células basofílicas grandes e arredondadas ou pequenas, alongadas e achatadas, recobrindo os segmentos tubulares parcial ou totalmente. Essas células dispunham-se em uma só camada ou ficavam empilhadas, com 2 ou 3 células sobrepostas. Figuras mitóticas raramente foram vistas em túbulos em regeneração.
A regeneração dos TCPs foi discreta ou moderada nos cães 264 (11° dia), 270 (15° dia), 236 (17° dia), 239 (18° dia) e 235 (19° dia). Os cães 272 (16° dia), 242 (21° dia) e 251 (27° dia) apresentaram regeneração acentuada dos TCPs na cortical externa associada à dilatação acentuada da luz tubular. A regeneração foi mínima nos cães 269 (15° dia) e 279 (19° dia), e foi completa no cão 260 (37° dia). A membrana basal estava íntegra em todos os cães, não havendo diferenças morfológicas entre os cães onde a necrose tubular foi acentuada e no cão 260 (37° dia) onde houve regeneração e maturação das células dos TCPs. No cão 270 (15° dia) observou-se espessamento e enrugamento da membrana basal de raros túbulos em regeneração.
Observou-se mineralização de cilindros granulosos ou da parede de alguns túbulos das regiões córtico-medular e medular em 5 cães. Observaram-se congestão córtico-medular moderada ou acentuada nos cães 236 e 235, respectivamente, e congestão medular acentuada no cão 272 e discreta no cão 279. Não havia lesão glomerular nem lesões extra-renais de uremia.
DISCUSSÃO
A adrninistração de 10 mg/kg de gentamicina, intramuscular, 3 vezes ao dia, durante 10 e 14 dias, mostrou-se tóxica para todos os cães desse experimento. Dentre os sinais clinicos apresentados, a anorexia, apatia, poliuria e polidipsia foram os mais frequentes. Esses sinais têm sido descritos na intoxicação por gentamicina em cães (RIVIERE et al, 1981, RIVIERE et al., 1983, BROWN et al., 1985, BROWN et al., 1986). A ocorrência de poliuria, característica da intoxicação experimental por gentamicina (CRONIN et al., 1980, FINN & HILL, 1981, BROWN et al., 1985), pode ser explicada pelo tipo de lesão causada por esse agente, que atinge os túbulos contorcidos proximais (TCPs) (HOUGHTON et al., 1976, SPANGLER et al., 1980, HOUGHTON et al., 1986, LAURENT et al., 1990, CHEW & DIBARTOLA, 1992), nos quais, normalmente, ocorre reabsorção de grandes quantidades de água e eletrólitos, dentre outros compostos do filtrado glomerular (CORMACK, 1991b).
Nos cães 264, 269 e 270, observou-se oligúria a partir do 12° dia, após terem apresentado poliúria. A oligúria provavelmente deve-se à obstrução dos TCPs devido ao acumulo intratubular de detritos celulares necróticos. A ocorrência de anúria no cão 269 foi acompanhada por sinais clínicos de uremia (diarréia, vômito, hálito urâmico, convulsões e mioclonias), entretanto, lesões extra-renais de uremia não foram observadas nos cães desse estudo. A necrose tubular aguda (NTA) é uma causa freqüente de uremia (MAXIE, 1993, CONFER & PANCIERA, 1995, DANTAS & KOMMERS, 1997), porém a ocorrência de lesões extra-renais e inconstante é imprevisível (MAXIE, 1993). A ausência dessas lesões nos cães desse experimento pode estar relacionada ao tempo de evolução da NTA.
Os principais achados laboratoriais foram enzimúria, cilindrúria, azotemia e isostenúria. A enzimúria foi observada em todos os cães, a partir do3° dia do experimento, confirmando as observações de que a enzima gama glutamil transpeptidase pode ser usada como um indicador precoce de necrose tubular aguda em cães (WELLWOOD et al, 1976, GRECO et al, 1985, HEIENE et al, 1991, RIVERS et al, 1996).A elevação dos níveis séricos de uréia e creatinina foi observada somente em 5 cães, no final do período de administração da droga. Esses dois parâmetros são mais indicados como índices de filtração glomerular, do que de função tubular renal (GRECO et al., 1985).
As alterações macroscópicas estavam restritas aos rins, que se apresentavam acentuadamente pálidos, tumefeitos e macios. A partir do 18° dia essas alterações diminuíram de intensidade. Esses achados, assim como a congestão observada na superfície de corte e o edema perirrenal são característicos de nefrose tubular aguda tóxica (SPANGLER et al.,1980, CHEW & DIBARTOLA, 1992, CONFER & PANCIERA, 1995). A tumefação renal deve-se principalmente ao edema intersticial, causado pelo retroextravasamento do líquido tubular para o interstício através dos túbulos lesados. O edema perifrenal deve-se a reabsorção linfática do líquido intersticial (CHEW & DIBARTOLA, 1992).
Pelo exame histológico do rim, verificou-se que 10 cães apresentaram NTA tóxica restrita aos túbulos contorcidos proximais, confirmando observações anteriores na intoxicação por gentamicina (HOUGHTON et al, 1976, SPANGLER et al, 1980).
Dois fatores estão implicados no desencadeamento da necrose dos TCPs. O primeiro refere-se às características fisiológicas dos TCPs. Esses túbulos são freqüentemente afetados por substâncias tóxicas devido ao seu metabolismo celular elevado e a sua exposição aos agentes tóxicos durante a reabsorção do ultrafiltrado glomerular (MAXIE, 1993). O segundo fator se deve a gentamicina não ser metabolizada pelo organismo, sendo eliminada pela filtração glomerular e absorvida pelos TCPs. Ao ser transportada para o interior das celulas dos TCPs, ela se acumula nos lisossomos interferindo na ação das fosfolipases sobre o catabolismo dos fosfolipídios, resultando em fosfolipidose lisossomal. A fosfolipidose lisossomal leva à ruptura dos lisossomos, resultando em necrose das células epiteliais tubulares proximais (LAURENT et al., 1990, MAXIE, 1993).
A proteinose tubular foi observada ate o 27° dia do experimento. Na nefrotoxicose por gentamicina, os túbulos lesados apresentam reduzida capacidade de reabsorver as proteínas de baixo peso molecular que normalmente ultrapassam a barreira glomerular, resultando em proteinúria (BROWN et al., 1986, CHEW & DIBARTOLA, 1992).
O infiltrado inflamatório e o edema intersticial, observados nos rins da maioria dos cães desse experimento, foram achados constantes em outros estudos (SPANGLER et al., 1980, GRECO et al., 1985, FRAZIER & RIVIERE, 1987). Essas alterações são explicadas pela liberação de fatores quimiotáticos e de substâncias vasoativas nas áreas lesadas (GRAUER & LANE, 1995). A mineralização de cilindros granulosos, vista em 5 cães, foi observada raramente na intoxicação por gentamicina (SPANGLER et al., 1980).
A NTA tóxica caracteriza-se histologicamente por necrose acentuada dos TCPs com preservação da membrana basal (MB) tubular (MAXIE, 1993). A MB dos túbulos renais estava íntegra em todos os cães desse estudo. O espessamento e o enrugamento da MB de raros túbulos em regeneração no cão 270, foi descrito como um achado esporádico em outro experimento (SPANGLER et al., 1980). A regeneração tubular observada em todos os cães foi, muito provavelmente, favorecida pela integridade da MB, que fornece uma rede de sustentação para a regeneração epitelial tubular (CORMACK, 1991a). Nos túbulos em regeneração observavam-se células basofílicas, que são inicialmente alongadas e achatadas numa tentativa de recobrir a parede tubular necrosada. Essas células multiplicam-se e sofrem maturação gradativamente (MARTINEZ-HERNANDEZ, 1990).
A ocorrência de regeneração tubular diferencia marcadamente a NTA tóxica da isquêmica (MAXIE, 1993, CONFER & PANCIERA, 1995). Na NTA isquêmica, em conseqüência da tubulorrexia, a atrofia tubular e a fibrose intersticial são abundantes (CONFER & PANCIERA, 1995). A fibrose intersticial discreta, observada no cão 235, não estava associada com atrofia de túbulos, sendo possivelmente um achado incidental.
Em estudos anteriores da intoxicação por gentamicina, verificou-se atividade regenerativa mínima dos TCPs no 10° dia do experimento (HOUGHTON et al, 1976, SPANGLER et al, 1980). Nesse estudo, a regeneração variou de discreta a moderada do 11° ao 19° dias, e foi acentuada principalmente após o 21° dia, coincidindo com os achados de SPANGLER et al., (1980). No cão 260, não havia alterações necróticas nas células epiteliais dos TCPs no 37° dia do experimento, porém os sinais clínicos e os resultados dos exames laboratoriais confirmam a ocorrência prévia de NTA nesse cão. A recuperação completa dos TCPs, observada no 37° dia, esta de acordo com a previsão de regeneração em casos de NTA tóxica, onde observa-se que entre o 21° e o 56° dias, o epitélio tubular apresenta sua morfologia e funções totalmente recuperadas (MARTINEZ-HERNANDEZ, 1990, MAXIE, 1993, CONFER & PANCIERA, 1995).
A ausência de lesões glomerulares, também relatada por outros autores (SPANGLER et al., 1980, RIVIERE et al, 1983, GRECO et al, 1985), possivelmente se deve a gentamicina só ser absorvida nos TCPs, onde provoca necrose tóxica.
Apesar da dose elevada de gentamicina e da gravidade das lesões renais, verificada através de parâmetros clínicos e morfológicos, não ocorreu a morte espontânea de nenhum dos cães. A nefrotoxicose por gentamicina é considerada reversível, mesmo após a adrninistração contínua da droga (HOUGHTON et al.,1976), desde que haja regeneração tubular (FRAZIER et al, 1988, LAURENT et al, 1990), e que a capacidade de reserva funcional renal seja adequada (FRAZIER et al, 1988). Os efeitos da gentamicina sobre as células epiteliais regeneradas acentuam-se na medida em que essas células se diferenciam e adquirem sua capacidade de transporte, durante a progressiva maturação celular (HOUGHTON et al., 1986).
2 Médico Veterinário, aluno do Curso de Pós-graduação em Medicina Veterinária, área de Patologia Veterinária, UFSM, Santa Maria, RS.
3 Médico Veterinário, Mestre, Professor Assistente, Departamento de Patologia, Centro de Ciências da Saúde, UFSM, 97119-900 - Santa Maria, RS. Autor para correspondência.
4 Médico Veterinário, Mestre, Professor do Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, RS.
Recebido para publicação em 19.12.96. Aprovado em 19.03.97
Referências bibliográficas
- BROWN, S.A., BARSANTI, J.A., CROWELL, W A. Gentamicin-associated acute renal failure in the dog. J Am Vet Med Assoc, v. 186, n. 7, p. 686 - 690. 1985
- BROWN, S.A., RAKICH, P.M., BARSANTI. J.A., et al C.Fanconi syndrome and acute renal failure associated with gentamicin therapy in a dog. J Am An Hosp Assoc, v. 22, p. 635 - 640, 1986.
- CHEW, D.J., DIBARTOLA, S.P. Diagnóstico e fisiopatologia da moléstia renal. In: ETTINGER, S.J. Tratado de medicina interna veteriniria 3 ed. São Paulo: Manole, 1992. v. 4. cap 107, p. 1975 - 2046.
- CONFER, A.W., PANCIERA, R.J. The urinary system. In: CARLTON, W.W., McGAVIN, M.D. Thomson's special veterinary pathology 2. ed. St. Louis: Mosby, 1995, cap 5, p. 209 - 246.
- CORMACK, D.H. Ham histologia 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991a. cap. 7: Tecido conjuntivo frouxo e tecido adiposo: p. 123 - 149.
- CORMACK, D.H. Ham histologia 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1991b. cap. 21 : O sistema urinário. p. 441-461.
- CRONIM, R.E., BULGER, R.E., SOUTHERN, P. et al Natural history of aminoglycoside nephrotoxicity in the dog. J Lab Clin Med v. 95, n. 3, p. 463 - 474, 1980.
- DANTAS, A.F.M., KOMMERS, G.D. Lesões extra-renais de uremia em 72 cães. Ciência Rural v. 27, n. 2, p. 301-306, 1997.
- FINN, W.F., HILL. C. Nephron heterogeneity in polyuric acute renal failure. J Lab Clin Med v. 98, n. 1, p. 21 - 29, 1981.
- FRAZIER, D.L., AUCONIN. D.P., RIVIERE, E. Gentamicin pharmacokinetics and nephrotoxicity in naturally acquired and experimentally induced disease in dogs. J Am Vet Med Assoc v. 192, n. 1, p. 57 - 63, 1988.
- FRAZIER, D.L., RIVIERE, J.E. Gentamicin dosing strategies for dogs with subclinical renal dysfunction. Antimicrob Agents Chemother v. 31, n. 12, p. 1929 - 1934, 1987.
- GRAUER, G.F., LANE, I.F Acute renal failure: isquemic and chemical nephrosis. In: OSBORNE, C. A., FINCO. D.R. Canine and feline nephrology and urology Baltimore: Willians & Wilkins, 1995. cap. 22, p. 441 - 459.
- GRECO, D.S., TURNWALL, G.H., ADAMS, R., et al H. Urinary g-glutamil transpeptidase activity in dogs with gentamicin-induced nephrotoxicity. Am J Vet Res v. 46. n. 11. p. 2332 -2335, 1985.
- HEIENE, R. BIEWENGA, W.J., KOEMAN, J.P. Urinary alkaline phosphatase and g-glutamil tranferase as indicators of acute renal damage in dogs. J Small An Prac v. 32, p. 521 - 524, 1991.
- HENNEMANN, C.R.A., SILVA, C.F., SCHOENAU, W., et al Atividade da gama glutamil transpeptidase urinária, urinálise, dosagens séricas de uréia e creatinina como meios diagnósticos auxiliares na nefrotoxicidade induzida por aminoglicosídeo em cães. Ciência Rural, v. 27, n. 2, p. 237-244, 1997.
- HOUGHTON, D.C , GILBERT, D.N., BENNETT. W.M. Chronic gentamicin nephrotoxicity. Am J Pathol, v. 123, n. 1, p. 183 -194, 1986.
- HOUGHTON, D.C., HARTNETT. M., CAMPBELL-BOSWELL, M., et al A light and electron microscopic analysis of gentamicin nephrotoxicity in rats. Am J Pathol, v. 82, n. 3, p. 589 - 599, 1976.
- LAURENT, G., KISHORE, B.K., TULKENS, P.M. Aminoglycoside-induced renal phospholipidosis and nephrotoxicity. Bioch Pharm, v. 40, n. 11, p. 2383 - 2392, 1990.
- MARTINEZ-HERNANDEZ, A. Reparação, regeneração e fibrose. In: RUBIN, E., FARBER, J.L. Patologia Rio de Janeiro: Interlivros, 1990. p. 60 - 86.
- MAXIE, M.G. The urinary system. In: JUBB, K.V.F , KENNEDY, P.C., PALMER, N. Pathology of domestic animals 4 ed. San Diego: Academic Press, 1993. v. 2, cap. 5, p. 447 - 538.
- RIVERS, B.J. WALTER, P.A., O'BREIN, T.D., et al Evaluation of urine gamma-glutamil transpeptidase-to-creatinine ratio as a diagnostic tool in an experimental model of aminoglycoside-induced acute renal failure in the dog. J Am An Hosp Assoc, v. 32, p. 323 - 336, 1996.
- RIVIERE, J.E., HINSMAN, E.J., COPPOC, G.L., et al Single dose gentamicin nephrotoxicity in the dog: early functional and ultrastructural changes. Res Commun Chem Pathol Pharmacol, v. 33, n. 3, p. 403 - 418, 1981.
- RIVIERE, J.E., HINSMAN, E.J., COPPOC. G.L.. et al Morphological and functional aspects of experimental gentamicin nephrotoxicity in young beagles and foals. Vet Res Commun, v. 7, p. 211 - 213, 1983.
- SPANGLER W.L., ADELMAN, R.D., CONZELMAN, Jr., G.M., et al Gentamicin nephrotoxicity in the dog: sequential light and electron microscopy. Vet Pathol, v. 17, p. 206 - 217, 1980.
- WELLWOOD, J.M., LOVELL, D., THOMPSON, A.E., et al Renal damage caused by gentamicin: a study of the effects on renal morphology and urinary enzyme excretion. J Pathol, v. 118, p. 171 - 182, 1976.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Maio 2008 -
Data do Fascículo
Ago 1997
Histórico
-
Recebido
19 Dez 1996 -
Aceito
19 Mar 1997