Open-access Cobertura de avaliação do consumo alimentar em crianças participantes do Programa Crescer Saudável - Brasil, 2015-2018

Resumo

O estudo objetivou comparar a prevalência de cobertura de avaliação do consumo alimentar em crianças menores de 10 anos, antes e após a implantação do Programa Crescer Saudável (PCS). Nesse sentido, foi conduzido estudo transversal com dados de 548 municípios registrados no PCS disponíveis no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde. Analisou-se o indicador cobertura de avaliação do consumo alimentar, segundo as regiões geográficas. Realizou-se teste Qui-quadrado e estimaram-se as Razões de Prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança a 95% (IC95%). A cobertura de avaliação do consumo alimentar aumentou de 0,25% em 2015 para 1,78% em 2018 (RP=7,09; IC95% 7,00;7,18). As regiões que apresentaram maior e menor crescimento na cobertura de consumo alimentar foram Sul e Centro-Oeste, respectivamente. Embora o aumento da cobertura de avaliação de consumo alimentar tenha ficado abaixo da meta de 5% estabelecida pelo PCS, houve melhoria no monitoramento da situação nutricional de crianças, sendo necessário desenvolver ações que favoreçam o mapeamento do cenário alimentar e nutricional de crianças no Brasil.

Palavras-chave: Cobertura de Serviços de Saúde; Vigilância Alimentar e Nutricional; Consumo Alimentar; Criança

Abstract

This study aimed to compare the prevalence of food consumption assessment coverage in children under 10 years old before and after the implementation of the Healthy Growth Program (HGP). In this sense, a cross-sectional study was conducted using data from 548 municipalities registered in the HGP and available in the Food and Nutritional Surveillance System of the Brazilian Ministry of Health. The food consumption assessment coverage indicator was analyzed per geographic regions, a Chi-square test was performed and the Prevalence Ratios (PR) and their respective 95% confidence intervals (95% CI) were estimated. Food consumption assessment coverage increased from 0.25% in 2015 to 1.78% in 2018 (PR=7.09; 95%CI 7.00;7.18). The Southern region showed the highest and the Midwestern region the lowest increase in food consumption coverage. Although food consumption assessment coverage has increased less than the five-percent target set by the HGP, there has been an improvement in monitoring the nutritional status of children, which requires developing actions that support mapping the food and nutritional scenario of children in Brazil.

Key words: Health Services Coverage; Food and Nutritional Surveillance; Food Consumption; Children

Introdução

O monitoramento do consumo alimentar constitui-se como um processo indispensável no desenvolvimento da criança. Quando negligenciado pode contribuir com o aparecimento da obesidade infantil, que geralmente está relacionada ao estilo de vida, fatores culturais, demográficos, genéticos, bem como aos distúrbios hormonais. O enfrentamento da obesidade em crianças, por sua vez, deve ser pautado em políticas públicas, entre as quais aquelas voltadas ao ambiente escolar, capazes de exercer papel fundamental na promoção da saúde, da atividade física e da educação alimentar e nutricional1.

As recomendações para a construção de planos que possam reverter o problema e controlar a epidemia de obesidade infantil são inúmeras. No Brasil, planos de enfrentamento e pactuação de metas foram formalizados nos principais instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) em paralelo com outros intersetoriais, como o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade2.

O acompanhamento dos marcadores de consumo alimentar, por meio do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), é uma ferramenta de apoio à atenção nutricional, facilitando a identificação de lacunas e oportunidades de promoção da alimentação adequada e saudável, nos contextos individual e coletivo3,4.

Desde 2008, a Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN) disponibiliza os formulários de marcadores de consumo alimentar no SISVAN, permitindo a avaliação do consumo alimentar da população brasileira na rotina da Atenção Básica (AB). Com o intuito de estimular a avaliação do consumo alimentar por todos os profissionais das equipes de AB. Em 2013, a CGAN conduziu o processo de revisão para apresentar a proposta para avaliação rápida do consumo alimentar de pessoas em qualquer idade ou fase da vida3. No ano de 2015 foi incorporada ao SISVAN uma nova revisão do módulo de avaliação de marcadores do consumo alimentar, sendo possível avaliar práticas de aleitamento materno mais atualizadas5 pelos usuários da AB.

Outro potencializador das ações de combate à obesidade infantil é o Programa Saúde na Escola (PSE), criado em 2007 por uma ação conjunta dos Ministérios da Saúde e Educação. O PSE objetiva contribuir com o fortalecimento de ações na perspectiva do desenvolvimento integral do educando, proporcionando à comunidade escolar a participação em programas e projetos para o enfrentamento de vulnerabilidades como a obesidade, entre outras, que comprometem o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens brasileiros6.

Partindo da compreensão de que a promoção da alimentação adequada e saudável e prevenção da obesidade infantil, contempladas no rol de ações do PSE deve ir além da realização de palestras, rodas de conversa e a entrega de folder com os dez passos da alimentação saudável ou dietas, de maneira propositiva, o Ministério da Saúde lançou adicionalmente o Programa Crescer Saudável (PCS) em 2017. Este programa objetiva apoiar a gestão municipal com medidas mais focadas na melhoria do consumo alimentar e a prática de atividade física com ações voltadas para promoção, proteção, diagnóstico e tratamento da obesidade, reforçando o fortalecimento ao cuidado integrado e multidisciplinar de escolares participantes do PSE3,4.

Neste contexto de ações articuladas entre saúde e educação, o PCS busca contribuir para o controle da obesidade infantil no país, por meio de ações a serem realizadas no âmbito do PSE para as crianças menores de 10 anos, matriculadas na Educação Infantil (creches e pré-escolas) e Ensino Fundamental I7.

Para participar do PCS são priorizados municípios seguindo critérios de maior porte populacional, maior cobertura de vigilância alimentar e nutricional e maior prevalência de excesso de peso em crianças menores de 10 anos. Os municípios contemplados recebem recursos financeiros a fim de obter linha orçamentária extra para organizar as ações de enfrentamento à obesidade infantil no território. A meta do PCS avaliada em relação ao consumo alimentar é de 5% das crianças menores de 10 anos com registro de acompanhamento de consumo alimentar no SISVAN, de acordo com os resultados registrados a cada dois anos, ciclo 2017/20182.

Sabendo que a obesidade infantil, como um problema de saúde relacionado ao consumo alimentar, já vem sendo abordada em outras ações, como o PSE, este estudo teve como diferencial a análise da cobertura de avaliação antes (2015/2016) e após a implementação do PCS (2017/2018), que ainda é pouco investigado no atual cenário nutricional.

Frente ao exposto, este estudo objetivou comparar a prevalência de cobertura de avaliação do consumo alimentar em crianças menores de 10 anos, antes e após a implantação do Programa Crescer Saudável (PCS).

Métodos

Realizou-se um estudo transversal com dados do PCS, disponíveis no SISVAN Web, do Ministério da Saúde e no relatório público de monitoramento do PCS.

Foram selecionados dados dos 548 municípios participantes do PCS, cujos indicadores do primeiro ciclo do PCS (2017/2018) foram comparados com os indicadores referentes ao biênio 2015/2016 (quando não havia PCS), registrados no SISVAN Web. A análise também foi realizada pelas macrorregiões do Brasil.

Apesar de o PCS apresentar outros indicadores relacionados ao estado nutricional e ações de promoção de alimentação e práticas corporais, este estudo deteve-se ao indicador cobertura de avaliação do consumo alimentar. Este indicador foi calculado por meio da divisão do número de crianças menores de 10 anos com registro de avaliação do consumo alimentar (numerador) pelo número de crianças menores de 10 anos residentes nos municípios do PCS (denominador), multiplicado por 100. Para estimar a população de crianças menores de 10 anos utilizou-se a projeção intercensitária com base no ano de 2012, extraída no Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS), pois continha a idade detalhada e estratificada por região mais atualizada.

A cobertura de avaliação de consumo alimentar foi realizada por meio do teste Qui-quadrado, com p<0,05, além da Razão de Prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foi usado o pacote estatístico Stata versão 14.08.

Este estudo utilizou dados secundários de acesso público (disponível em: http://nutricao.saude.gov.br/sisvan/relatorios_publicos/) que não identificaram os participantes da pesquisa, não sendo necessário a aprovação por parte do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Resultados

A Tabela 1 apresenta o consolidado dos indicadores de monitoramento de registros de consumo alimentar dos municípios participantes do PCS, comparando os anos 2015 e 2018. Constatou-se que houve aumento de mais de sete vezes no total de registros de consumo alimentar de crianças menores de 10 anos de idade.

Tabela 1
Indicadores de monitoramento do registro de consumo alimentar no âmbito do Programa Crescer Saudável. Brasil, 2015 e 2018.

O número de municípios que atingiram a meta estabelecida pelo PCS, ou seja, pelo menos 5% de cobertura de avaliação de consumo alimentar em crianças menores de 10 anos passou de 12 para 133 municípios, ou seja, 24,27% alcançaram a meta. Além disso, houve redução significativa de 64,4% no percentual de municípios que não tinham qualquer registro de consumo alimentar em crianças menores de 10 anos, passando de 368 para 131 municípios (Tabela 1).

A cobertura de avaliação de consumo alimentar em crianças menores de 10 anos sofreu variação ao longo do período estudado. Entre 2015 e 2016 constatou-se aumento de 0,25% para 0,67%, entre 2016 e 2017 decréscimo de 0,67% para 0,65% e, de 2017 para 2018, elevação de 0,65% para 1,78%. Os dados apontam que o ano de 2018 caracterizou-se como o período com maior produção de registros em relação ao consumo alimentar no SISVAN (Tabela 2).

Tabela 2
Cobertura de avaliação do consumo alimentar em crianças menores de 10 anos dos municípios partícipes do Programa Crescer Saudável segundo macrorregiões. Brasil, 2015-2018.

A cobertura de avaliação do consumo alimentar do total de municípios participantes do PCS aumentou de 2,68 vezes de 2015 para 2016, porém de 2016 para 2017 reduziu cerca de 3%. Em 2018, a cobertura foi duas vezes maior comparada a 2017 (Tabela 2).

Em 2015 e 2016, as regiões Centro-Oeste e Sul apresentaram maiores percentuais de cobertura de avaliação do consumo alimentar em crianças menores de 10 anos, com percentuais de 0,42% e 0,30% seguidos de 1,17% e 0,81% respectivamente. Em 2017, a região Sudeste com quase 1% de cobertura foi a região com maior crescimento no número de registros de consumo alimentar. Em 2018, ganharam destaque as regiões Sul, com (3,15%) e Nordeste com (1,97%) (Tabela 2). Nenhuma região atingiu a meta estabelecida pelo programa.

A região Norte foi usada como referência por apresentar os menores percentuais de cobertura de avaliação do consumo alimentar. Em 2015, com exceção da região Nordeste (1,05% [IC95% 0,97;1,10]), que apresentou resultados semelhantes a região Norte, as demais regiões apresentaram cobertura de avaliação do consumo alimentar significativamente maior (Tabela 3). As regiões com maior evolução da cobertura de avaliação do consumo alimentar foram Centro-Oeste (2015 e 2016), Sudeste (2017) e Sul e Nordeste (2018). A região Centro-Oeste em 2018 apresentou redução significativa na cobertura de avaliação do consumo alimentar em relação a todos os anos investigados (0,96% [IC95% 0,92;0,99]), sendo a única região com percentuais de cobertura inferiores a região Norte neste período de tempo (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência da cobertura de avaliação do consumo alimentar entre crianças menores de 10 anos segundo macrorregiões. Brasil, 2015-2018.

Entre os anos de 2015 e 2018 a região Norte aumentou em 4,85 vezes a cobertura do consumo alimentar, enquanto a região Nordeste sofreu um aumento de 9,38 vezes; e a Sudeste 5,52 vezes. A região Sul registrou o maior aumento (10,05 vezes) e a Centro-Oeste o menor (2,21 vezes) (Tabela 3).

Os estados com maior cobertura de avaliação do consumo alimentar foram: Tocantins (2015); Tocantins, Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais (2016); Tocantins, Amapá, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina (2017); Tocantins, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (2018) (Figura 1).

Figura 1
Cobertura de avaliação do consumo alimentar de crianças menores de 10 anos, segundo unidades da federação. Brasil, 2015-2018.

Discussão

Apesar dos avanços obtidos com a cobertura do consumo alimentar no SISVAN, a meta de 5% das crianças menores 10 anos com registro de acompanhamento não foi atingida em nenhuma região do Brasil. A região Norte apresentou o menor percentual, enquanto a região Sul e Sudeste os maiores percentuais. Além disso, constatou-se redução importante do número de municípios sem registro de consumo alimentar em crianças menores de 10 anos.

As razões associadas aos resultados insatisfatórios da cobertura de consumo alimentar estão relacionadas à gestão do sistema como um todo, com enfoque na estrutura física; falta de credibilidade nas informações geradas; mudança constante do corpo técnico, falta de comunicação e colaboração entre as esferas de governo; pouca interatividade e inteligência do sistema, a formação e a capacitação dos profissionais da saúde para a vigilância dos indicadores de consumo alimentar, e o maior incentivo para a coleta dos dados3,9,10.

De modo geral, os Sistemas de Informação em Saúde (SIS), têm sido subutilizados em seu potencial de instrumentalizar a tomada de decisão pelos gestores, como é observado em relação ao SISVAN. Em 2016, um estudo realizado junto aos estados e capitais no país, evidenciou que, apesar dos avanços geográficos da implantação do SISVAN nos municípios brasileiros, o sistema não era utilizado em sua totalidade como esperado pelo Governo Federal11, dificultando o avanço e consolidação na extração dos dados.

A compreensão e a análise do consumo alimentar através dos SIS são o ponto de partida para avanços dos registros, mas considera-se necessário desenvolver medidas para além dos aspectos biológicos, abrangendo o indivíduo e a comunidade, desenvolvendo políticas de saúde que englobem e compreendam a necessidade geral da população12.

O menor foco no acompanhamento e intervenção sobre os casos de crianças com déficit ou excesso de consumo alimentar pelo SIS é preocupante em diversos países, pois o sobrepeso na infância está diretamente associado a doenças crônicas, tais como as coronarianas, hipertensão e diabetes. Além disso, estudos mostram que déficits desta natureza nos primeiros anos de vida repercutem em limitações permanentes na saúde, educação e economia de gerações futuras13,14.

Como chamamento aos países para enfrentarem todas as formas de consumo alimentar inadequado, considerando sua multicausalidade, que engloba a desnutrição, as carências de micronutrientes, o sobrepeso e a obesidade, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançaram, para o período de 2016 a 2025, a Década de Ação das Nações Unidas para a Nutrição15. O Brasil foi protagonista nessas discussões, sendo o primeiro país a firmar compromissos no contexto da década para redução do consumo de alimentos não saudáveis12.

Todos os municípios brasileiros apresentaram indivíduos de todos os grupos etários (incluindo gestantes) cadastrados no SISVAN Web em 2010, no entanto, somente 22,4% dos municípios incluíram, ao menos, um registro de consumo alimentar no sistema nesse mesmo ano, com predominância de menores de 10 anos e das grávidas, ainda que estes grupos apresentassem baixa cobertura do acompanhamento do consumo. Tal situação pode ser explicada por falhas do próprio sistema, que foi construído com base no acompanhamento de indicadores do estado nutricional e de condicionalidades de crescimento, no combate a carências nutricionais, e com base no Bolsa Família, sem priorizar a correspondente avaliação do consumo alimentar3.

No presente estudo, as maiores frequências e variações de cobertura do consumo alimentar corresponderam aos primeiros anos investigados (2015 a 2016) e referiram-se a região Centro-Oeste. A região Norte, com a menor cobertura entre as regiões, apresentou o estado de Tocantins com a melhor evolução, posicionando-o na primeira colocação entre os estados da Região, mostrando constância de resultados ao se comparar com o estudo realizado em 2012 em que esse estado apresentou a maior cobertura estadual do país (2,1%)3,16.

Dos diversos motivos de os municípios não alcançarem a meta geral do consumo alimentar das regiões ao longo dos anos, relacionam-se também ao pouco controle sobre os erros e inconsistências na coleta e digitação dos dados2,3. A baixa qualidade dos dados de consumo alimentar existentes na realidade nacional e a dificuldade em analisá-los e interpretá-los acabam não motivando intervenções em prol da melhoria dos registros do consumo alimentar nas diferentes regiões do país11, ocasionando redução dos percentuais de cobertura.

Em outro estudo que avaliou o SISVAN, foi constatado que os esforços estão mais voltados para registrar dados de peso e altura, pois somente 1/3 dos responsáveis pelo manuseio do sistema fazia o registro do consumo alimentar, isso devendo-se principalmente a falta de formação e atualização desses profissionais em coletar, registrar e extrair adequadamente os dados9,13. As capacitações existentes acabam sendo mais voltadas para a avaliação do estado nutricional3, não sendo dado ênfase à necessidade e à importância da realização dos registros de marcadores de consumo alimentar, o que dificulta o monitoramento e análise dos indicadores.

Por outro lado, a elevação da cobertura total no ciclo 2017/2018 foi verificada após o estabelecimento de metas e benefício financeiro condicionado à adesão ao PCS2. Tal condicionamento teve como objetivo alavancar o registro do consumo alimentar, considerando a importância de explorar o quadro alimentar infantil para definição de estratégias de intervenção mais próximas à realidade do problema da obesidade em crianças.

Apesar de apenas 133 municípios terem alcançado a meta de 5% das crianças menores de 10 anos com registro de acompanhamento de consumo alimentar no SISVAN, estabelecida pelo PCS, durante o período de 2015 a 2018, houve elevação de dados registrados. O conhecimento dessas informações propicia uma melhor capacidade analítica dos marcadores de consumo alimentar, o que favorece o reconhecimento do cenário alimentar da população e melhora a capacidade de intervenção sobre os problemas comumente identificados4.

No entanto, mesmo com o aumento do monitoramento da situação nutricional em crianças, devido ao crescimento da cobertura do consumo alimentar, é necessário persistir nos esforços empregados para que os municípios, estados e regiões continuem a realizar a vigilância alimentar e nutricional desse público.

Dentre as regiões com o maior crescimento da cobertura do consumo alimentar no período de 2015 a 2018, ressaltam-se as regiões Sul e Nordeste. O aumento da cobertura identificado nessas regiões ao longo dos anos analisados reflete a melhoria dos indicadores dessa diretriz, relacionado ao cuidado nutricional em crianças menores de 10 anos. Estudo que investigou a cobertura do consumo alimentar das regiões brasileiras entre 2008 e 2013 demonstrou que o Nordeste e Sudeste apresentavam tendência estatisticamente significativa de aumento das coberturas regionais3, podendo estar associado a maiores investimentos em Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN).

A menor cobertura de avaliação de consumo alimentar da região Norte pode ser justificada pelas particularidades culturais e geográficas determinantes, que podem dificultar o avanço e a consolidação desses registros, como as características de seu território, no qual a maior parte constitui-se de Floresta Amazônica, dificultando a ocupação populacional e o acesso a diversas localidades. A diversidade cultural e a grande quantidade de comunidades indígenas e ribeirinhas também impõem desafios ao diálogo dessas populações quanto a gestores e técnicos, dadas as diferentes compreensões sobre o processo saúde-doença e as prioridades e métodos de trabalho a priorizar, especialmente nos cuidados com sua saúde16,17.

Os resultados apresentados neste estudo devem ser interpretados com cautela, pois deve-se considerar a utilização de dados secundários, visto que possibilitam possíveis inconsistências em relação à quantidade e à qualidade dos dados e a subnotificação de crianças acompanhadas pela atenção primária. Ademais, os resultados não possibilitam inferências a nível individual, uma vez que se trata de um estudo de agregados com análises por regiões. Outra limitação é a de que os municípios do PCS, no primeiro ciclo (2017/2018), tiveram apenas um ano para implementação das ações de prevenção e controle da obesidade infantil, o que pode ter contribuído para resultado incipiente no aumento da cobertura de avaliação de consumo alimentar.

Conclusão

O PCS possibilitou aumento da cobertura do consumo alimentar do SISVAN de crianças menores de 10, mesmo não atingindo a meta estabelecida em nenhuma região brasileira. Esse aumento sugere um melhor monitoramento da situação nutricional em crianças menores de 10 anos, mostrando resultados que evidenciam a expansão da cobertura total, devendo-se assim concentrar mais esforços para que os municípios e estados continuem a realizar a vigilância alimentar e nutricional em crianças.

Apesar de as regiões Sul e Centro-Oeste terem apresentado o maior crescimento da cobertura do consumo alimentar ao longo dos anos investigados, a região Norte permaneceu com menor incremento, mostrando a necessidade de estratégias públicas a fim de reduzir problemas estruturais e de acesso, causados pelas características geográficas, em busca de fortalecer o diálogo para resolução dos problemas existentes, em relação aos registros do consumo alimentar.

Dada a ausência de estudos sobre o tema relacionados ao PCS, é necessário monitoramento contínuo e sistemático das metas previstas pelo programa e reforço às estratégias do PCS para otimizar o mapeamento do cenário alimentar e nutricional de crianças, por meio do aprimoramento dos SIS frente à transição nutricional observada nas últimas décadas.

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Editado por

  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2021
  • Aceito
    08 Set 2021
  • Publicado
    10 Set 2021
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