Resumo
O estudo tem por objetivo analisar os conteúdos e a estrutura representacional sobre família na visão de idosos em corresidência. Trata-se de um estudo qualitativo, sendo descritivo e exploratório, tendo como aporte teórico a Teoria das Representações Sociais, sob a perspectiva estrutural, realizada com 169 idosos cadastrados na área de abrangência de duas Unidades de Saúde da Família. Foi utilizada a Técnica de Evocações Livres para a produção dos dados por meio do termo indutor família, sendo a análise realizada por meio do software EVOC. Identificou-se um provável núcleo estruturado a partir dos termos amor, preocupação, saudade e parentes, ao mesmo tempo em que os elementos periféricos apresentam léxicos como união e conflito, proporcionando aspectos de significados tanto positivos quanto negativos. Conclui-se que a estrutura representacional revela uma dimensão de aspectos positivos e negativos dos idosos no tocante à família.
Família; Idoso; Psicologia social; Representações sociais
Abstract
The scope of this study is to analyze the representational content and structure of the family from the viewpoint of co-resident elderly people. This is a qualitative, descriptive and exploratory study with the theoretical contribution of Social Representation Theory, from the structural perspective, conducted with 169 elderly people registered in the catchment area of two Family Health Units. The Technique of Free Evocations was used for production of data using the keyword family, and the analysis performed using EVOC software. A probable structured nucleus was identified based on the words love, concern, yearning and relatives, while at the same time the peripheral elements elicit words such as unity and conflict, revealing elements of both positive and negative meanings. The conclusion drawn is that the representational structure reveals a dimension of positive and negative aspects of the elderly with regard to the family.
Family; Elderly; Social psychology; Social representations
Introdução
Segundo o último censo demográfico realizado no Brasil, a população atual é de 190.755.199 milhões de pessoas, sendo que aproximadamente 10,8 % desta população total são indivíduos idosos. Esses dados demonstram que, assim como os outros países em desenvolvimento, o Brasil também é um país que envelhece de forma acelerada. Desde a década de 1940, é entre a população idosa, que se observam os índices mais altos de crescimento populacional, podendo assim estimar que esse grupo de indivíduos alcance em 2020, a magnitude de aproximadamente 14% da população brasileira1.
Esse processo de transição demográfica leva a mudanças econômicas e sociais, ocasionando também alterações na constituição familiar. Neste contexto, a corresidência entre gerações surge como uma das características do envelhecimento não só individual, mas também familiar, visto que, cada vez mais se identifica no seio das famílias brasileiras, a presença de pelo menos um idoso convivendo com filhos e/ou netos2. Esse novo arranjo familiar pode ser acompanhado de algumas dificuldades de adaptação, não só por parte do idoso, mas também pelos demais membros familiares3.
Segundo o estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), analisando os arranjos domiciliares dos idosos em 130 países, embora nos países desenvolvidos o arranjo mais comum seja morar sozinho, naqueles em desenvolvimento marcado pela pobreza, a maioria dos idosos vive com seus filhos4. Nestes, a corresidência entre idosos e seus familiares está associada ao mecanismo de autoajuda, ou seja, os jovens desempregados usufruem da renda dos idosos, e estes, dos cuidados que a família pode oferecer no domicilio5. Destaca-se, que a corresidência tem ocorrido muitas vezes pela maior necessidade dos indivíduos mais jovens, devido às instabilidades no mercado de trabalho6.
No Brasil, os cuidados aos idosos são realizados primariamente pela família, uma vez que existe predominantemente um modelo de políticas sociais, que privilegia o enxugamento do Estado. Sendo assim, o convívio intergeracional pode ser caracterizado como elemento importante no processo de transferências intrafamiliares de apoio e cuidados, significando melhoria nas condições de vida dos idosos e seus familiares7. Entretanto, esse convívio pode não ser benéfico, uma vez que as diferenças de ideias entre gerações podem fazer surgir conflitos. Além disso, a direção do fluxo de apoio parece ser mais expressiva vindo das gerações mais velhas para as mais novas, portanto, a corresidência, não garante amparo ao idoso em casos de dificuldades8,9.
Diante desse cenário torna-se importante a análise da estrutura das representações que os idosos construíram sobre família, podendo favorecer a compreensão dos significados criados por este frente à corresidência. Além disso, estudos com enfoque nos idosos e seus familiares, sobretudo que se direcionam à rede de apoio familiar aos primeiros, são importantes para subsidiar a criação e a efetivação de políticas públicas sociais e de saúde voltadas para essas populações. Contribui também, para a reflexão dos profissionais de saúde sobre a necessidade de incluírem ações de promoção de saúde e assistência às famílias intergeracionais no Sistema Único de Saúde (SUS).
Analisar as representações de família para os idosos em estado de corresidência com filhos e/ou netos torna-se relevante, uma vez que esse convívio entre várias gerações tem apresentado crescimento acelerado nos últimos anos. Destaca-se também que, estudo em representação social com o tema família favorece o conhecimento dos universos consensuais dos sujeitos envolvidos no processo de viver em família.
Sendo assim, este estudo tem por objetivo analisar a estrutura representacional de idosos em corresidência sobre família.
Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tendo como aporte teórico a Teoria das Representações Sociais, sob a perspectiva estrutural ou também denominada de Teoria do Núcleo Central proposta por Abric10.
A representação social é definida como “uma forma de conhecimento socialmente elaborado, que tem como objetivo prático a construção de uma realidade comum a um grupo social”11. Em relação à Teoria do Núcleo Central, Abric12 contextualiza que toda representação se organiza em torno de um núcleo central (elemento fundamental da representação), o qual, por ser estruturante da representação, tem as funções geradora (cria ou transforma a significação dos outros elementos da representação) e organizadora (determina a natureza dos vínculos que unem entre si os demais elementos da representação).
O estudo foi realizado tendo como público alvo, idosos de ambos os sexos, residentes na zona urbana do município de Jequié-BA, todos cadastrados em duas Unidades de Saúde da Família – USF. As USF utilizadas foram: Unidade de Saúde Antônio Carlos Martins e a Virgílio Tourinho de Paula Neto I, sendo estas escolhidas através de sorteio simples.
Os participantes foram localizados com o auxílio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) das USF. A população total de idosos foi de 232 pessoas cadastradas nas USF. Foram registradas 5 recusas, 17 indivíduos não foram localizados após três visitas domiciliares em dias e horários alternados, 4 idosos faleceram e 37 não possuíam cognição preservada para responder aos questionamentos segundo o Mini Exame do Estado Mental (MEEM)13, totalizando uma amostra final de 169 idosos participantes do estudo.
A produção dos dados foi realizada com idosos em estado de corresidência (convive e reside com uma ou mais gerações na mesma unidade domiciliar)7, pertencentes à faixa etária de 60 anos ou mais. Eles apresentaram grau de cognição preservado, avaliado segundo os escores do MEEM13.
Este estudo faz parte de um projeto integrado intitulado “Arranjo Familiar de Idosos em Corresidência Residentes em Municípios do Nordeste e Sudeste do Brasil”, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (CEP-UESB), cujo parecer foi exarado observando a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) vigente na época, nº 196/96. Sendo assim, foi encaminhado ao CEP-UESB uma solicitação de inclusão deste estudo ao projeto principal, de acordo a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Os procedimentos de geração dos dados foram realizados após aprovação da solicitação de inclusão deste estudo ao projeto principal pelo CEP-UESB, bem como autorização da Secretaria Municipal de Saúde do Município para permitir a entrada no cenário de estudo, e dos participantes pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foi utilizada a Técnica de Evocações Livres de Palavras para a geração dos dados, tendo-se adotado o termo indutor família, aplicada no período de março a maio de 2014 durante a realização de visitas domiciliares. A aplicação da técnica foi desenvolvida solicitando aos idosos que verbalizassem cinco palavras ou expressões que lhes ocorriam imediatamente à memória em relação ao termo indutor14, sendo as mesmas anotadas pelo pesquisador, na ordem em que foram evocadas de forma espontânea.
As palavras ou expressões evocadas, provenientes da Técnica de Evocações Livres de Palavras foram digitadas criando um dicionário que orientou a categorização das evocações, organizando e agrupando palavras com significados semelhantes. O produto das evocações foi organizado, compondo um corpus de análise.
O corpus foi processado utilizando-se o software EVOC (versão 2003), que realiza a organização dos vocábulos produzidos em função da hierarquia subjacente à frequência e à ordem média de evocação (OME), construindo um quadro de quatro casas. O software calcula e informa para o conjunto do corpus, a frequência simples e as ordens médias de evocação de cada palavra, além da média das ordens médias de evocação ou rang14, que neste estudo obedeceu à ordem original das evocações produzidas pelos idosos.
O programa EVOC (versão 2003) gerou relatórios que favoreceram a criação do quadro de quatro casas proposto por Vergés15. Essa técnica ao combinar a frequência e a ordem em que as palavras ou expressões foram evocadas, pela ordem espontânea, permite a distribuição dos vocábulos produzidos conforme a importância dada pelos sujeitos14.
O quadro citado corresponde a quatro quadrantes. No quadrante superior esquerdo, composto pelos termos mais frequentemente evocados e de menor ordem média, ou seja, os mais prontamente evocados indicaram o provável núcleo central. No quadrante inferior esquerdo identificam-se os elementos de contraste; o quadrante superior direito nomeia-se como primeira periferia e os termos presentes no quadrante inferior direito constituem a segunda periferia da representação16.
Resultados e discussão
Os resultados do presente estudo evidenciaram que os 169 idosos participantes evocaram até cinco palavras, perfazendo um total de 476 palavras em resposta ao estímulo indutor família, sendo 94 diferentes.
A análise do corpus através do software EVOC gerou as informações para a construção do quadro de quatro casas. A frequência média (ponto de corte superior) de ocorrências das palavras foi 18; a média das ordens médias de evocação (RANG) foi 2,1, enquanto a frequência mínima (ponto de corte inferior) foi definida em 8 (Tabela 1).
As informações distribuídas no quadro de quatro casas permitem não só o conhecimento dos conteúdos da representação, mas também da sua organização ou estrutura. Além disso, traduz esquematicamente tais elementos em quadrantes comportando diferentes significados16.
O quadrante superior esquerdo do quadro agrupa os elementos evocados que representam o potencial núcleo central da representação analisada, sendo estes elementos os mais frequentes e mais prontamente evocados; o quadrante superior direito reúne os elementos periféricos mais importantes; o quadrante inferior direito é constituído pelos elementos menos frequentes e evocados nos últimos lugares; e o quadrante inferior esquerdo contém os elementos de contraste, evocados com baixa frequência, mas considerados importantes pelo sujeito na ordem de evocação14.
Em relação aos elementos evocados presentes no quadrante superior esquerdo, estes são possivelmente os constituintes do núcleo central da representação social dos idosos em corresidência sobre família. São os elementos mais frequentes, acompanhados de baixa ordem de evocação, ou seja, os mais prontamente evocados pelos sujeitos e, por isso, são considerados os mais importantes14. Ressalta-se, que mesmo sendo elementos importantes para os sujeitos, nem tudo que se encontra nesse quadrante pode ser considerado central, mas o núcleo central está entre eles14-17.
O sistema central, na sua função de organizador da representação, aparece como elementos mais estáveis e rígidos, apresentando dificuldades em modificar-se em função do contexto externo. Nessa perspectiva, observa-se que as palavras amor, preocupação, saudade e parentes foram as de maior frequência e de maior importância na ordem de evocação, evidenciando que fazem parte do possível núcleo central. Esses termos evidenciam significados afetivos associados à família, como as palavras amor, preocupação e saudade, e elementos imagéticos destacando o caráter gregário da família, na palavra parentes.
A palavra amor emerge um significado positivo de reconhecimento que a família vivencia laços afetivos e de amor entre seus membros, porém as palavras preocupação e saudade traz um sentimento de significado negativo, onde o sentimento atribuído a família está relacionado também a um convívio marcado por alguns enfrentamentos, tristeza, preocupações e sentimento de perda e distanciamento.
Nesse quadrante destacam-se as palavras amor e preocupação. A primeira apresenta a maior frequência e a segunda ordem média de evocação, sendo considerada a mais importante do núcleo central deste estudo. Já a palavra preocupação, a mais prontamente evocada, expressa que a relação entre o nível de bem-estar biopsicossocial do idoso e o convívio com seus familiares depende do contexto socioeconômico, das políticas sociais, da cultura, da saúde e não apenas das características individuais, afetivas e preferências7.
A família é uma forma de organização construída historicamente, que gera vínculos afetivos entre seus membros. Esses vínculos afetivos se referem a laços exclusivos e resistentes às mudanças na sociedade, sendo fonte de apoio e de alegria. O sentimento de amor é uma força propulsora do enfrentamento das dificuldades, estando muitas vezes acima de qualquer situação18,19.
A convivência dos idosos e seus familiares é construída com base em diversos sentimentos, proporcionando relações enriquecedoras e trocas diversas entre os seus membros9. A corresidência entre os idosos, marcada pela intergeracionalidade, é uma estratégia de convívio familiar que proporciona transferência de renda, bens, recursos e cuidado, tanto para os idosos, quanto para os mais jovens. Entretanto, observa-se nos últimos anos um crescimento aparentemente acelerado e necessário da corresidência entre as populações mais jovens, principalmente nas famílias que vivenciam situação de pobreza7.
Os jovens estão permanecendo financeiramente dependentes de seus pais por muito tempo, alcançando a idade adulta ainda na casa destes. Aponta-se como principal fator explicativo desse processo a instabilidade do mercado de trabalho6. Sendo assim, o idoso se configura como provedor e chefe do lar, mesmo após os filhos terem constituído família, onde o benefício da aposentadoria, muitas vezes, é utilizado para prover o sustento de toda a família, que não apresenta renda suficiente. O idoso neste contexto, considera-se corresponsável e preocupado pela subsistência da mesma5. Tal preocupação apresenta um núcleo de sentido que se relaciona com a evocação problema financeiro da zona de contraste.
A preocupação dos idosos em relação à família, também foi observada no estudo de Cubas et al.19. Nos discursos relatados pelos idosos ocorreu a presença do sentimento de preocupação em relação ao sustento familiar, devido à instabilidade financeira dos seus familiares.
Destarte que a palavra parentes (central) apresenta uma interrelação com a palavra união (primeira periferia), reforçando a ideia de que a estrutura familiar é formada por vínculos afetivos e de proximidade. Mesmo a família passando por diferentes mudanças ao longo do tempo na sua estrutura, as famílias economicamente menos favorecidas tendem a se organizar preconizando o modelo de família extensa20. Estudo realizado por Araújo18 que discute a representação social sobre família em diversas classes sociais, apresentou o predomínio do tipo de família extensa com média de 4,8 pessoas na classe C.
A manutenção de elos com o núcleo familiar permite diálogos e ajuda mútua, e quando estes não existem, o idoso se ampara no sentimento de saudade. A palavra saudade, também presente no primeiro quadrante, remonta à importância que é dada à família extensa pelos idosos, em que a ausência do ente por falecimento ou por estar distante, provoca o sentimento da solidão21. Esta gama de sentidos agregados no quadrante do possível núcleo central deste estudo, reflete que a estrutura familiar é determinada pela integração de diversos fatores como econômicos, sociais e culturais, que remete, de um lado, a uma determinação histórico-estrutural, e de outro à forma específica de organização interna do grupo familiar.
No quadrante superior direito encontram-se os elementos que possuem alta frequência, entretanto, possuem uma posição média na ordem de evocação que não se apresenta suficiente para que integre o núcleo central, sendo denominado de elementos de primeira periferia. A primeira periferia marcada pela palavra união demonstra a corroboração das evocações do núcleo central, especialmente com o termo parentes, os quais têm seus significados reforçados nos elementos de contraste, através dos termos convivência e harmonia. Destaca-se também a relação dos núcleos de sentido com o termo companheirismo da segunda periferia.
A palavra união reforça a ideia de relações intergeracionais afetivas e harmônicas no contexto familiar, demonstrando a importância para os idosos deste convívio. A ternura e a ajuda mútua são aspectos necessários no relacionamento dos idosos com seus familiares, proporcionando um convívio mais agradável e harmonioso junto a seus entes queridos9.
Os elementos presentes no quadrante inferior direito, também denominado elementos periféricos, constituem a segunda periferia do quadro de quatro casas. São elementos que possuem as menores frequências e menos importantes na ordem de evocação. Neste quadrante estão presentes os termos paz, saúde, apoio, conflito, felicidade, companheirismo e doença que refletem e reforçam a família como construção social permeada por um emaranhado de emoções. Família remete a lembranças, identidade, sentimentos positivos e negativos, enfim, um significado social compartilhado, integrando a cultura e o grupo social de pertença, o que leva ao estudo da família de modo contextualizado22.
A palavra paz encontra-se com maior destaque, visto que apresenta maior frequência entre estes elementos, sugerindo a família como fonte de tranquilidade, bem-estar e harmonia. A convivência intergeracional pode favorecer a saúde e o bem-estar dos idosos, através de um convívio tranquilo e harmonioso. Estudo compreendendo as representações sociais de família em diferentes faixas etárias identificou a paz entre os elementos periféricos com maior número de evocações entre os idosos em comparação aos jovens21.
Cabe ressaltar que a palavra felicidade, também presente neste quadrante, coloca-se na mesma dimensão afetiva positiva da palavra paz, uma vez que relaciona a família à autopercepção de bem-estar, alegria e harmonia, além de destacar o caráter idealizado dessa instituição.
Apresentando segunda maior frequência dentre os elementos de segunda periferia, destaca-se o termo saúde, sugerindo que para os idosos esta é uma condição essencial e importante para o viver bem em família. A saúde de todos seria fator fundamental para a vida, e que a sua ausência pode afetar o bem-estar do grupo, também valorizado pelo idoso. A família e o idoso com saúde podem continuar exercendo funções no mundo que os cerca, contribuindo para a sociedade23.
A palavra apoio merece destaque, uma vez que apresenta uma elevada frequência entre os elementos e pode estar refletindo que a corresidência dos idosos com os seus filhos e/ou netos contribui para o apoio mútuo, favorecendo a melhoria da qualidade de vida dos idosos e seus familiares. No Brasil, a família é a principal fonte de apoio e cuidado para os idosos, sendo a corresidência uma alternativa de auxílio emocional, instrumental, de informação e de interação social positiva. Observa-se, no entanto, um aumento do fluxo de apoio no sentido idoso-familiares24.
Os idosos no convívio intergeracional apresentam-se, muitas vezes, como provedores do apoio familiar, principalmente nas famílias mais pobres, nas quais se colocam como o provedor do sustento e do cuidado para com os netos, enquanto os outros membros da família trabalham fora do lar2.
O termo conflito, também com elevada frequência, apresenta divergência de sentido com os elementos presentes nesse quadrante, apontando uma dimensão negativa das relações familiares. Isso pode ser explicado pelo fato que, mesmo sendo um convívio marcado pela harmonia e vínculos afetivos, que proporciona felicidade e bem-estar entre as várias gerações, este pode apresentar turbulências e desentendimentos entre seus membros9.
São vários os motivos da presença de conflitos entre os idosos e a família, seja por divergências de ideias, pela dependência do primeiro em relação à segunda, ou desta, em relação a ele. Acredita-se que o fato do idoso ser, em muitos casos, o provedor emocional, financeiro, além de assumir o papel de cuidar dos netos pode provocar um acúmulo de atividades restringindo a sua privacidade e tranquilidade, causando estresse e preocupação24. Preocupação esta com alta frequência de evocação neste estudo.
O conflito pode ainda ser decorrente de algum tipo de violência, que se apresenta como um dos principais problemas da sociedade, atingindo todas as faixas etárias. Entre a população idosa, essa situação apresenta-se como reflexo dos conflitos de ordem social e das relações de poder entre as gerações no mesmo espaço doméstico19.
Os elementos de contraste, presentes no quadrante inferior esquerdo, foram formados pelas palavras igreja, tudo, convivência, harmonia e problema financeiro. São considerados os elementos de baixa frequência, porém importantes para os sujeitos do estudo, podendo reforçar os elementos presentes no núcleo central e na periferia. Podem, ainda, sinalizar a presença de diferenças relevantes quando destoam do núcleo central14. As palavras presentes nesse quadrante possuem sentidos semelhantes a alguns léxicos encontrados na zona de contraste do estudo de Silva25, que também investigou a estrutura representacional de família com idosos em estado de corresidência. Observou-se a presença de palavras como viver bem, harmonia e benção divina.
Destaca-se entre os elementos deste quadrante (elementos de contraste) o termo igreja, que possui a maior frequência, o que expressa a percepção de família como uma benção divina, pautada na formação cristã. A prática religiosa é considerada fundamental na estrutura da família brasileira18. A palavra tudo se destaca também nesse quadrante, pois foi o elemento mais prontamente evocado, expressando uma sensação de completude pelos idosos atribuída à família.
As palavras situadas no quadrante inferior esquerdo reforçam e sustentam os sentidos apresentados no núcleo central e na periferia, pautados na percepção de família como espaço de convívio entre parentes, priorizando a harmonia, o bem-estar e o apoio mútuo entre seus membros através dos termos harmonia, convivência e tudo. Porém, acrescentam que apesar de ser a família uma instituição vista de forma positiva, esta se apresenta muitas vezes como espaço de problemas, conflitos e preocupações de ordem social, presentes principalmente naquelas com baixo poder aquisitivo. Isso pode ser confirmado pelo termo problema financeiro.
No estudo de Araújo18, a principal dificuldade vivida por estas famílias em relação às demais foi a falta de dinheiro, conforme destacado por 39,2% dos entrevistados. A aposentadoria proporcionou aos idosos melhores condições financeiras do que aquela vivenciada pelos mais jovens, dando a eles maior segurança econômica. Entretanto, observa-se uma redistribuição intergeracional da renda dos idosos que pode provocar alguns problemas financeiros e preocupações no seio familiar25.
Conclusão
Os conteúdos e a estrutura representacional sobre família para idosos em corresidência apresentam-se marcadas por uma construção psicossocial de que se o convívio intergeracional traz preocupação para os idosos, traz, também, o apoio afetivo entre os seus membros reforçando as funções afetivas da família, que proporcionam o sentimento de pertencimento de grupo e de laços amorosos.
Verificou-se, portanto, uma representação que salienta aspectos positivos enraizados na sociedade associados à família, como uma instituição essencial para a sobrevivência e de amor entre os seus membros. Entretanto, apoia-se também nas mudanças ocorridas nas famílias frente aos novos arranjos familiares de idosos, que podem ser marcados por aspectos negativos, como preocupações e desentendimentos entre os seus membros. Fato que pode estar relacionado às diferenças de ideias entre as gerações, dificuldades financeiras enfrentadas pelos jovens e maior vulnerabilidade dos idosos à violência nas populações de classes menos favorecidas, local deste estudo.
Salienta-se que, mesmo não aparecendo o elemento violência no quadro de quatro casas, este foi observado como aspecto relevante pelos pesquisadores no processo de produção dos dados deste estudo (aplicação dos instrumentos de coleta).
Os idosos deste estudo apresentam uma estrutura representacional que demonstra uma dimensão de carinho e amor atribuída à família, ao mesmo tempo em que apresenta a centralização da família nos parentes, ou seja, filhos, netos e demais componentes, enquanto membros definidores e importantes da organização familiar. A família é objetivada nos seus membros, envolvidos em relações amorosas, de carinho, de união, de dependência e de saudade na falta de algum ente familiar.
Cabe ressaltar, que a corresidência dos idosos é um ponto importante a ser conhecido e refletido pelos profissionais da saúde em relação ao cuidado para com eles e sua família, pois, se por um lado a relação entre os mesmos pode ser considerada um processo de ajuda mútua, uma vez que os idosos não são apenas cuidados e ajudados por seus familiares, mas também cuidam e ajudam, traz também, consigo muitas preocupações e possíveis conflitos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Maio 2019 -
Data do Fascículo
Abr 2019
Histórico
-
Recebido
25 Set 2016 -
Revisado
24 Jul 2017 -
Aceito
26 Jul 2017