William Broad, no seu livro The Science of yoga. The Risks and the Rewards1 procura proporcionar uma visão equilibrada e cautelosa da prática do yoga.
As bases do yoga chegaram ao ocidente no final do século XIX e, no Brasil, foram estudadas e ensinadas no início do século XX. Atualmente, o yoga é classificado como uma prática mente-corpo pela OMS (2002-2005), sendo considerada também integrativa e complementar de saúde. Além disso, ela foi inserida no Sistema único de Saúde, por meio da Portaria 719, de 7 de abril de 2011, que criou o Programa da Academia de Saúde. Nos termos desta, lê-se no artigo seis serão desenvolvidas as seguintes atividades no âmbito do Programa Academia da Saúde: I - promoção de práticas corporais e atividades físicas (ginástica, lutas, capoeira, dança, jogos esportivos e populares, yoga, tai chi chuan, dentre outros)2.
O hatha-yoga, que se baseia na prática de posturas físicas, promove vários benefícios à saúde3 e é praticado por aproximadamente 15 milhões de norte americanos4. Contudo, em alguns casos, também pode gerar distenções musculares e lesões na coluna cervical e lombar, bem como nos joelhos.
O livro, distribuído em sete capítulos, inclui uma lista de 68 pessoas, de várias nacionalidades, que de alguma forma estiveram ou estão vinculadas ao universo do yoga: são cardiologistas, neurocientistas, instrutores de yoga, empresários, pesquisadores, místicos, gurus e cientistas religiosos. Outrossim, o livro contém uma cronologia do yoga que começa em 2.500 a.C. e termina em 2011. Destaca-se que o ano de 1972 marca o surgimento de uma série de advertências sobre o yoga, como a de um médico britânico alertando sobre o perigo do movimento de flexão do pescoço para trás, que pode resultar num acidente vascular cerebral. Em 1998, o National Institutes of Health começa a investir uma verba significativa na pesquisa sobre o yoga, principalmente em agravos como diabetes, artrite, insônia, depressão e dor crônica.
Nos capítulos I, II e III, que tratam da saúde, da perfeição e dos humores, respectivamente, o autor desconstrói com bom humor a imagem do yogue como figura sarada, forte, celibatária e santificada. Ele menciona alguns dos primeiros observadores do yoga como N.C. Paul, que recebeu uma formação médica ocidental na índia e registrou importantes passagens sobre essa prática em 1851, como o sepultamento de yogues vivos, o manejo que eles detinham sobre o ritmo respiratório e a repetição da sílaba “OM”, que, para Paul, promovia uma perda de gás carbônico. O autor também faz referência a algumas passagens do Hatha Yoga Pradipika, obra escrita no século XV, que afirma que os praticantes do yoga poderiam neutralizar venenos, destruir todas as enfermidades, aniquilar a velhice, atingir a imortalidade, além de superar a constipação, evitar o surgimento de rugas e cabelos brancos. Logo, o yoga conferiria ao praticante a reputação de um poder invencível.
O nacionalismo indiano surgido como um contraponto ao colonialismo britânico valorizou as tradições culturais e religiosas da índia, o yoga incluído. Jagannath G. Gune foi um dos promotores do yoga, que elevou a prática ao status de fitness, atraindo a atenção de Gandhi e Nehru. Gune chegou a publicar vários estudos sobre o yoga em 1924-25 referentes à pressão arterial e se distanciou daquele suposto yoga praticado por mendigos e fakires, que andavam sujos e desnudos pelas ruas praticando atos de magia e contorções. A nova face do yoga fora vinculada à ciência, à higiene, à saúde e ao fitness. A partir daí, o hatha-yoga foi popularizado no ocidente através de Krishnamacharya, Pattabhi Jois e Iyengar.
O capítulo IV do livro é dedicado ao risco de lesões. O autor afirma que, assim como acrobatas e contorcionistas sofrem lesões, ou mesmo os esportistas, os praticantes de yoga também podem estar fadados a se machucarem, dependendo da intensidade da prática. Só que no imaginário popular, o yoga é uma prática que relaxa, cura e promove saúde. Então, a omissão sobre o fato de que o yoga, tão procurado para acalmar, alongar e trazer bem-estar, possa, em alguns casos, gerar o efeito contrário, remonta ao silêncio dos gurus da antiguidade. Na literatura escrita pelos primeiros hatha-yogues que introduziram a prática no ocidente não há referências sobre lesões.
No entanto, médicos, principalmente norte-americanos, começaram a contabilizar as lesões sofridas por alguns praticantes de yoga a partir das décadas de 1970 e 1980. Segundo o autor, instrutores modernos de yoga têm enfrentado o desafio de reconhecer alguns perigos do yoga com o intuito de alertar os praticantes contra os exageros nas torções e flexões. E ele fez um levantamento das publicações que registraram as lesões, dentre as diferentes linhas de yoga. O ano de 2002 foi um ponto de virada, segundo o autor, devido a que a comunidade dos yogues saiu da apatia e começou a promover um debate sobre como prevenir as lesões e quais seriam as diretrizes seguras para a prática. Um dos fóruns que colocou o tema no centro dos debates foi o Yoga Journal. No entanto, os gurus famosos se mantiveram em silêncio.
Algumas das posturas que poderiam causar danos se praticados por muito tempo seriam: halasana, urdhva dhanurasana, bhujangasana, vajrasana, paschimottanasana e adho mukha svanasana. Mas a mais perigosa seria a parada de cabeça, já suprimida em várias escolas de yoga. Timothy McCall5, médico, instrutor de yoga e ex-editor do Yoga Journal relata que teve um formigamento na mão direita, durante a prática da postura invertida, devido à compressão dos nervos que passam do pescoço para os braços, que só melhorou quando ele deixou de praticá-la.
A cura é o tema do capítulo quinto, em que o autor relata casos de curas em praticantes de yoga, como, entre outros, o alinhamento da coluna, a melhoria da osteoporose, o fortalecimento de músculos, a melhoria da amplitude respiratória, a promoção da coordenação motora, do equilíbrio e da calma interior. E o autor aborda o tema da transformação do instrutor yogue em terapeuta, tema este que diz respeito ao yoga como profissão e que é tratado por Siegel e Barros no capítulo IV do livro que está no prelo6.
Não poderia faltar um capítulo sobre a sexualidade, tema do capítulo sexto, intitulado Divine Sex. O autor aponta para o fato de que embora o hatha-yoga seja derivado do tantra, os livros usados nos cursos de yoga regulares não enfatizam a questão sexual. A busca na literatura científica sobre yoga e sexualidade resultou em referências contraditórias, alguns textos afirmando que o yoga reduz os níveis de circulação de um importante hormônio sexual, muito embora a literatura popular, os websites, os vídeos e os dvd propagassem o contrário. O autor procedeu, então, à coleta de narrativas de instrutores e praticantes de yoga, nas quais houve a revelação de picos de erotismo e êxtases espirituais. A análise deste material deixou claro para o autor, porque o yoga estava envolvido em alguns escândalos noticiados na imprensa, em diferentes lugares e momentos. O autor lista os nomes de vários gurus que supostamente mantiveram relações sexuais com suas discípulas e passa a analisar os efeitos do despertar de kundalini, a força vital e libidinosa que repousa, segundo a teoria do yoga, em estado semilatente, num receptáculo na base da coluna, esperando ser despertada.
No último capítulo do livro, intitulado Muse, o autor reflete sobre a relação entre o yoga e a criatividade, citando a história de várias personalidades que atuaram nos dois campos, como, por exemplo, Carl G. Jung, o violinista Yehudi Menuhin, e personalidades menos conhecidas internacionalmente, como a pintora Linda Novick e a flautista Mia Olson. O fato de o yoga aliviar a tensão pode resultar em explosões de emoções reprimidas, as quais o autor compara com os efeitos dos métodos de rolfing, massagem neorreichiana, respiração holotrópica e psicologia somática, que visam romper com bloqueios mentais. O autor encerra este capítulo mencionando vários estudos sobre o yoga, principalmente no que diz respeito ao aumento de neurotransmissores durante a prática, e cita importantes pesquisadores como Andrew Newberg e Oliver Sacks, que se dedicam a estudar os mecanismos da espiritualidade e da arte a partir da neurologia.
O livro é uma importante contribuição para os profissionais de saúde e pesquisadores das práticas integrativas e complementares (PIC) que desejam ampliar seus horizontes sobre a prática do yoga, porque os temas são bem documentados, o texto é de agradável leitura e o autor não permanece somente no âmbito da pesquisa teórica, mas vai a campo e traz aos leitores uma quase-etnografia do yoga, coletada em várias cidades norte-americanas. Além do mais, o autor constrói o seu texto a partir de uma bricolagem de conhecimentos muito diversos, quais sejam: a saúde, a psicologia, a espiritualidade, a sexualidade e a criatividade.
Referências
- 1 Broad WJ. The Science of Yoga. The risks and the rewards. New York: Simon & Schuster; 2012.
- 2 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 719, de 7 de abril 2011. Institui o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 8 abr.
- 3 Siegel P, Barros NF. Yoga e Saúde: o Desafio da Introdução de uma Prática Não-Convencional no SUS [tese]. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas; 2010.
- 4 Saper RB, Eisenberg DM, Davis RB, Culpepper L, Phillips RS. Prevalence and patterns of adult yoga use in the United States: results of a national survey. Altern Ther Health Med 2004; 10(2):44-49.
- 5 McCall T. Yoga as Medicine. The Yogic Prescription for Health and Healing USA: Bantam Books; 2007.
- 6 Siegel P, Barros NF. Yoga: Tradição e Prática Integrativa de Saúde No prelo. 2014.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Fev 2015