Resumos
Este artigo tem por objetivo descrever as internações hospitalares decorrentes de lesões autoprovocadas intencionalmente, atendidas no Sistema Único Saúde, no período de 2002 a 2013. Trata-se de estudo observacional, descritivo. Foi observada tendência decrescente para a taxa de internação em indivíduos com 10 ou mais anos de idade. As internações concentraram-se entre 30 a 49 anos de idade para os homens, enquanto para as mulheres entre 20 a 29 anos. As maiores taxas de internação e de óbitos hospitalares foram na região Sudeste. A principal causa de internação foi a autointoxicação intencional por medicamentos e substâncias biológicas não especificadas. Estudos desta natureza fornecem subsídios para a definição de estratégias de prevenção considerando os grupos mais vulneráveis e a complexidade dos fatores associados aos comportamentos suicidas.
Violência; Lesão autoprovocada; Suicídio; Vigilância epidemiológica; Hospitalização
The scope of this article is to describe hospitalizations resulting from intentionally self-inflicted injuries attended by the Unified Health System (SUS) for the 2002-2013 period. It is an observational, descriptive study of hospital admissions in the SUS arising from intentionally self-inflicted injuries in Brazil between 2002 and 2013. A decreasing trend was observed for the rate of hospitalization in individuals aged 10 and above. Hospitalizations were concentrated between 30 to 49 years of age for men, while for women it was between 20 to 29 years of age. The highest rates of hospitalization and hospital deaths were in the Southeast. The main cause of hospitalization was intentional intoxication with medication and unspecified biological substances. Studies of this type provide input for defining prevention strategies taking into consideration the most vulnerable groups and the complexity of factors associated with suicidal behavior.
Violence; Self-inflicted injury; Suicide; Epidemiological surveillance; Hospitalization
Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, classificou a violência em três amplas categorias: interpessoal, coletiva e autoinfligida. Esta última, também denominada lesão autoprovocada, é a violência que uma pessoa inflige a si mesma, podendo ser subdividida em comportamento suicida e em autoagressão. O comportamento suicida é caracterizado por pensamentos suicidas, tentativas de suicídio e o suicídio propriamente dito; enquanto que a autoagressão engloba atos de automutilação, incluindo desde as formas mais leves, como arranhaduras, cortes e mordidas até as mais severas, como amputação de membros1 , 2. A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) considera como lesão autoprovocada intencionalmente as lesões ou o envenenamento autoinfligido intencionalmente e as tentativas de suicídio3.
Atualmente, o suicídio é a segunda maior causa de morte no mundo entre os indivíduos com idade entre 15 e 29 anos.Em 2012, a taxa de mortalidade por suicídio no mundo foi igual a 11,4 óbitos por 100 mil habitantes, atingindo 803.894 indivíduos, o que representa um óbito a cada 40 segundos por esta causa4. No Brasil, aproximadamente 10 mil pessoas morreram por essa causa em 2011, com taxa de 5,1/100 mil habitantes5 e, em 2012, essa taxa foi igual 6/100 mil habitantes6.
No caso brasileiro, assim como em várias partes do mundo, a taxa de mortalidade por suicídio representa apenas uma pequena parte da problemática das lesões autoprovocadas intencionalmente, uma vez que ainda existe um grande número de internações por estas causas que não resultaram em óbito e um número ainda maior de indivíduos que procuram atendimento em âmbito ambulatorial ou os que nem buscam tratamento para as suas lesões1 , 4. Os óbitos, os danos provocados por tentativas, as lesões e os traumas físicos e emocionais e as ideações configuram o impacto do fenômeno do suicídio para o setor saúde no Brasil7.
No Brasil, os gastos com internação hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS) decorrentes das tentativas de suicídio atingiram, no período entre 1998 e 2007, montantes superiores a trinta e cinco milhões de reais, variando segundo sexo, faixa etária e região geográfica8. Os dados provenientes de internação hospitalar relacionada à lesão autoprovocada subestimam a real prevalência destas lesões (uma minoria dos indivíduos que cometem uma lesão autoprovocada procura atendimento hospitalar)1, e há um possível erro de classificação da causa de internação em casos como os de lesão autoprovocada praticada por meio de overdose de drogas.
As informações referentes às hospitalizações no Brasil estão disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) que, a partir da autorização de internação hospitalar (AIH), fornece dados demográficos e clínicos, permitindo descrever a morbidade e a mortalidade hospitalar no âmbito dos serviços próprios e conveniados ao SUS, além de dados sobre valores pagos e tempo de permanência hospitalar, os quais servem para dimensionar os custos envolvidos com as internações financiadas pelo SUS9. Para a padronização dos registros das doenças e das causas externas o SIH/SUS utiliza a CID-10 e permite também extrair informações referentes às internações hospitalares, observados pela pirâmide das lesões, como sendo os casos de maior gravidade10.Para as lesões autoprovocadas intencionalmente, em especial nos casos hospitalizados, é possível obter dados sobre sua natureza por meio do diagnóstico principal, e da circunstância da tentativa de suicídio pelo diagnóstico secundário7.
A média nacional de cobertura do SIH/SUS é de aproximadamente 80% das internações hospitalares, com variações entre as regiões e os estados brasileiros, em função da população usuária de planos de saúde privados9. Assim, estudos sobre essa ocorrência permitem um visão bastante ampla acerca desses agravos na população brasileira, visando a orientar políticas de promoção à saúde. Apesar da necessidade de relativizar a fragilidade das informações, a análise desses dados se mostra relevante11, tendo em vista a escassez de informações referentes às internações decorrentes de tais lesões e por permitirem avaliar a extensão do problema, identificar grupos de risco e monitorar os efeitos dos programas de prevenção.
O objetivo deste estudo é descrever as internações hospitalares decorrentes de lesões autoprovocadas intencionalmente, atendidas no SUS, no período de 2002 a 2013.
Método
Estudo observacional, do tipo descritivo, das internações hospitalares no SUS decorrentes de lesões autoprovocadas intencionalmente, tendo como unidade de análise as regiões do Brasil.
A fonte de dados foi o Sistema de Informação Hospitalar (SIH/SUS), com dados disponíveis no portal do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), correspondente ao período de 2002 a 2013, o qual foi subdividido em três intervalos de tempo, 2002-05, 2006-09 e 2010-13 visando à comparação entre os mesmos.
Foram selecionadas as internações que possuíam no diagnóstico secundário causas referentes aos códigos de X60 a X84 da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). As categorias foram agru padas em: autointoxicação intencional por medicamentos e substâncias biológicas não especificadas (X60-X64); autointoxicação intencional por álcool (X65); autointoxicação intencional por pesticidas e produtos químicos (X68-X69); lesão autoprovocada intencional por arma de fogo (X72-X74); lesão autoprovocada intencional por arma branca e objetos contundentes (X78-X79); lesão autoprovocada intencional por enforcamento e estrangulamento (X70); lesão autoprovocada intencional por precipitação de lugar elevado (X80); lesão autoprovocada intencional meio não especificado (X84); e demais categorias (X66, X67, X71, X75-X77, X81-X83). Foram excluídas as AIH de longa permanência.
As variáveis analisadas foram categorizadas segundo sexo e faixa etária (10-19 anos, 20-29 anos, 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, 60-69 anos, 70 a 79 anos e acima de 80 anos), pelos três períodos analisados. As crianças foram excluídas deste estudo, pois a literatura aponta que óbitos por suicídio nessa faixa etária praticamente inexistem, ou quando existem são de difícil caracterização sendo na maioria das vezes classificados como causas acidentais12. Estudo sobre atendimentos em serviços de urgência e emergência encontraram frequências de apenas cerca de 1% por essa causa entre crianças13.
Foram calculadas medidas brutas de frequência de internações por tentativa de suicídio, a média de permanência e o valor médio do total de AIH pagas, taxas de internações (número de internações hospitalares por lesões autoprovocadas intencionalmente/população residente x 100 mil habitantes)14 e letalidade hospitalar (número de internações por lesões autoprovocadas com saída por óbito/total de internações por lesões autoprovocadas x 100). Utilizou-se o software SPSS para análise dos dados.
Analisou-se ainda a proporção do número de internações por causas externas de intenção indeterminada (Códigos Y10-Y34 da CID-10) para se dimensionar a possibilidade de perdas no registro das tentativas de suicídios.
As bases de dados utilizadas são de acesso público, por meio do sítio do Datasus, no qual existe a omissão da identificação dos indivíduos, respeitando os princípios da ética na pesquisa envolvendo seres humanos, em conformidade com a Resolução nº 466, de 12 dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde15.
Resultados
Nos anos de 2000-2013, ocorreram no Brasil 105.097 internações no SUS (288 casos por dia) decorrentes de lesões autoprovocadas intencionalmente, por pessoas com idade maior que nove anos; sendo 63.468 (60,4%) do sexo masculino e 41.628 (39,6%) do sexo feminino. As taxas de internação foram de 5,6 para cada 100 mil habitantes no período, sendo 6,9/100 mil habitantes entre os homens e 4,4/100 mil habitantes entre as mulheres (Tabela 1).
Observando-se a distribuição das taxas de hospitalização no decorrer dos anos, constata-se tendência decrescente, com as menores registradas em 2008 e 2012 (Figura 1).
Taxa de Internação Hospitalar no SUS, decorrentes de Lesões Autoprovocadas Intencionalmente (por 100 mil habitantes), segundo sexo. Brasil, 2002-2013*. Fonte: Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS. * Não foram incluídos pacientes com idade menor que 10 anos.
Nos três períodos estudados, as faixas etárias que apresentaram as maiores taxas de internação no país foram as de 30 a 39 anos (com 8,3 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2002 a 2005; 6,9 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2006 a 2009; e 6,1 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2010 a 2013). A elas se seguem as de 40 a 49 anos (com 7,8 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2002 a 2005; 6,7 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2006 a 2009; e 5,9 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2010 a 2013) (Tabela 1).
Dentre os homens, este panorama se manteve semelhante, porém entre as mulheres observa-se que entre 2002 a 2009 a faixa etária mais frequente foi a de 20 a 29 anos (com 6,0 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2002 a 2005; 5,1 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2006 a 2009; e 4,5 internações por 100 mil hab. entre os anos de 2010 a 2013). De forma geral, todos os grupos etários apresentam um declínio nas taxas tanto para o sexo masculino como para o feminino. Entre os anos de 2002 a 2009, a faixa etária que apresentou maior razão de sexo foi a de 50 a 59 anos (a taxa de internação foi 2,6 vezes maior entre homens que entre mulheres no período de 2002 a 2005; e 2,2 vezes maior entre homens que entre mulheres no período de 2006 a 2009). Entre os anos de 2010 a 2013, o grupo etário com maior razão de sexo masculino/feminino foi o de 60 a 69 anos (a taxa de internação foi 2,4 vezes maior entre homens que entre mulheres), conforme se constata na Tabela 1.
Em relação ao total de internações, observa-se que nos três períodos analisados, a região que apresentou a maior proporção de internações relacionadas às lesões autoprovocadas foi a Sudeste, seguida do Nordeste no intervalo inicial e final dos períodos estudados; e a Norte no intervalo entre 2006 a 2009.
As regiões Sudeste e Nordeste também foram as que concentraram a maior proporção dos óbitos hospitalares, nos três períodos estudados. A taxa média de mortalidade hospitalar foi maior no Sudeste e Centro-Oeste nos anos de 2002 a 2009; e Sudeste e Sul entre 2010 a 2013.
A média, em dias, de permanência hospitalar foi maior nas regiões Sul e Sudeste no período estudado. No entanto, de 2010 a 2013 a região Nordeste apresentou a mesma média de permanência da região Sudeste. A região Norte apresentou o maior valor médio pago por internações decorrentes de lesões autoprovocadas intencionalmente no período de 2002 a 2005; a região Sudeste de 2006 a 2009; e a região Sul de 2010 a 2013, como se observa na Tabela 2.
As autointoxicações intencionais por medicamentos e substâncias biológicas não especificadas (X60 a X64) foram responsáveis pelas maiores taxas de internação total e para o sexo feminino, nos três períodos estudados. Todos os demais meios utilizados nas lesões autoprovocadas foram mais frequentes entre os homens. Para as taxas de internação total, em segundo lugar, estão as autointoxicações por álcool e, em terceiro, as autointoxicações por pesticidas e produtos químicos. As menores taxas de hospitalização se referem a lesões autoprovocadas por enforcamento e estrangulamento (X70), nos três períodos estudados e para os dois sexos. As internações decorrentes de lesões por arma de fogo apresentaram a maior razão de sexo nos três intervalos estudados (entre homens 8,5 vezes maior que entre mulheres de 2010 a 2013), conforme se constata na Tabela 3.
A Região Norte apresentou uma proporção instável no período de estudo, com constante aumento a partir de 2002 e queda no período de 2008 até 2010, voltando a atingir 10% de causas indeterminadas para causas externas. Essa região apresenta a maior média de casos indeterminado em todo o período estudado (9,19%), o que significa mais que o dobro da média de internações no mesmo período para o Brasil (4,36%)16, como se observa na Tabela 4.
Discussão
Este estudo aponta tendência decrescente para a taxa de internação hospitalar decorrente de lesões autoprovocadas em indivíduos com 10 ou mais anos de idade no Brasil, sendo as maiores taxas observadas no sexo masculino, quando comparadas ao sexo feminino. As internações concentram-se na população masculina e na faixa etária entre 30 a 49 anos. Entre as mulheres, a faixa etária predominante para hospitalizações é a de 20 a 29 anos. As maiores taxas tanto de internações como de óbitos hospitalares foram encontradas na região sudeste do Brasil. A principal causa de internação (total e para o sexo feminino), nos três períodos estudados, é a autointoxicação intencional por medicamentos e substâncias biológicas não especificadas (X60 a X64), seguida por autointoxicações intencionais por álcool e pesticidas.
As lesões autoprovocadas são consideradas importante problema de saúde pública, pois constituem um sinalizador de mal estar e sofrimento de indivíduos cuja ação geralmente está relacionada a um sentimento de impossibilidade na identificação de alternativas viáveis para a solução de seus conflitos e sofrimentos, optando pelas tentativas de tirar a própria vida, como resposta1. Tanto em relação ao tamanho da população como em números absolutos, as tentativas de suicídio são mais frequentes entre jovens8 , 14 , 17. No entanto, entre idosos, existe uma relação mais próxima entre tentativas e atos consumados7.
Estima-se que um caso de suicídio afeta diretamente, pelo menos, seis outras pessoas, podendo atingir centenas quando o evento ocorre em uma escola ou local de trabalho18, exercendo forte impacto nos serviços de saúde18 - 21.Uma série de fatores de ordem social, microssocial, emocional, médica e ambiental está associada com o risco de suicídio incluindo doenças físicas incapacitantes, transtornos mentais em particular a depressão, enfermidades mentais, abuso de álcool e outras drogas e problemas de ordem familiar, comunitária, institucional, emocional e socioeconômica7 , 22.
Um dos principais fatores de risco para o suicídio, além dos transtornos mentais, são as histórias prévias de ideações e as tentativas de provocar a própria morte. Botega et al.23 apontam que 15 a 25% das pessoas que tentaram suicídio repetirão a tentativa em até um ano, enquanto 10% delas evoluirão para óbito por esta causa no intervalo de 10 anos. A OMS também considera que para cada adulto (18 ou mais anos de idade) que tem como causa de óbito o suicídio, existam 20 tentativas de suicídio4.
A tendência decrescente para a taxa de internação hospitalar decorrente de lesões autoprovocadas intencionalmente encontrada por este estudo pode ser explicada pelo fato de apenas algumas tentativas de suicídio resultarem em ferimentos ou intoxicações que levem a tratamento médico4. As tentativas de suicídio apresentam maior probabilidade de resultar em óbito entre os homens do que entre as mulheres e conforme aumenta a idade cresce também a gravidade das lesões decorrentes24 , 25. Kudo et al.26, em estudo realizado com 1.348 indivíduos que procuraram o serviço de emergência psiquiátrica de um hospital em Mariokota no Japão após tentativa de suicídio, no ano de 2008, apontaram relação masculino/feminino de 1:2. Em Minas Gerais, no período de 1998 a 2003, o número total de internações pelo SUS decorrente de violência autoinfligida foi igual a 14.443, dos quais 55,4% foi entre os homens, corroborando os dados encontrados neste estudo14.
Souza et al.27 conduziram estudo no interior da Bahia, no período de 2006 a 2011, e apontaram que a tentativa de suicídio foi mais frequente na faixa etária de 20 a 39 anos de idade (57,7%). Almeida et al.28 encontraram a faixa etária de 15 a 34 anos como a mais frequente entre indivíduos que obtiveram diagnóstico de tentativa de suicídio, enquanto Pordeus et al.17 referiram maior frequência na faixa etária de 10 a 19 anos. Os achados em relação à faixa etária de 10 a 19 anos no país, aproximam-se dos dados encontrados entre os adolescentes em Minas Gerais (1998-2003)14 e no Brasil (1998 a 2007)8. Discute-se ainda a hipótese de que as tentativas de suicídio entre pessoas idosas tenham maior probabilidade de confluir para um desfecho fatal7, o que justificaria menores taxas de internação nesse grupo etário, particularmente no último triênio analisado neste estudo (2010-2013), enquanto as taxas de mortalidade pelo mesmo grupo de causas nessa faixa etária apresentam tendência de crescimento. Apesar de terem sido excluídas desta análise os dados de internação envolvendo menores de 10 anos, observa-se que a prevalência de lesões autoprovocadas nesta faixa etária encontra-se em número importante, sendo necessária uma análise mais aprofundada para se esclarecer se tais internações são decorrentes de erros de classificação do diagnóstico principal ou secundário, ou se realmente se referem a lesões autoprovocadas intencionalmente, tema este não proposto neste estudo.
A distribuição das internações por região do país acompanha o demonstrado em estudo anterior8, também utilizando dados do SIH/SUS, compreendendo o período de 1998 a 2007, no qual se encontraram maiores percentuais para a região Sudeste, seguida da Nordeste e com tendência de crescimento na região Norte. No entanto, no presente estudo, para esta região após o aumento verificado entre o período de 2002 a 2005 e 2006 a 2009, o percentual para o intervalo 2010 a 2013 apresentou redução de cerca de 50%, o que levanta questões sobre a fidedignidade dos registros de internação hospitalar por lesão autoprovocada na região. Cabe destacar que o eixo Sul-Sudeste contribuiu com 65,22% dos óbitos, fato este que pode ser associado a um maior contingente populacional e também a outros fatores socioambientais24.
Estudos sobre morbidade hospitalar por lesão autoprovocada apontaram para as autointoxicações como método mais frequente para as tentativas de suicídio para ambos os sexos14 , 17 , 28. Os dados observados neste estudo apontam para a maior frequência das autointoxicações por medicamentos e substâncias biológicas para o país e para o sexo feminino e autointoxicação por álcool para o sexo masculino como principais causas de internação por lesão autoprovocada no período analisado. Esses dados assemelham-se aos encontrados por Santos et al.29, que entre 1998 e 2009 observaram o uso de medicamentos como principal causa de internação por lesão autoprovocada para o sexo feminino e a ingestão de álcool para o sexo masculino. Esses autores discutem medidas de restrição aos principais meios de tentativas de suicídio pela autointoxicação.
Em relação ao meio utilizado para as lesões autoprovocadas intencionalmente que resultaram em internação, observou-se elevada frequência de autointoxicação intencional por medicamentos e substâncias biológicas não especificadas. Dados semelhantes também foram encontrados em outros estudos8 , 16 , 28 , 29. Estudo conduzido por Marín-León e Barros16 apontou que o envenenamento foi o meio mais utilizado nos casos de tentativas de suicídio entre mulheres, enquanto entre os homens o enforcamento foi o mais frequente. Estes achados confirmam que os homens utilizam instrumentos e armas letais mais irreversíveis, resultando em taxas de óbitos mais elevadas que as de mulheres.
Conclusões
A primeira conclusão a se observar é a necessidade de novos estudos com agregação de diversas fontes de dados, a fim de ampliar o cenário real das lesões autoprovocadas ocorridas no país. O foco deste estudo são as hospitalizações, o que exclui as que ocorreram fora dessa ambiente, inclusive as que são resolvidas nos Pronto Socorros e Emergências30. Segundo a OMS1 existem evidências de que apenas 25% das pessoas que tentam suicídio sejam internadas e estes correspondem aos casos mais graves. Há também uma possibilidade de subnotificações nos registros hospitalares, visto que no mesmo período estudado ocorreu um aumento na proporção de registros hospitalares com classificação indeterminada entre as causas externas apesar do decréscimo das taxas de internações por lesões autoprovocadas. Aponta-se o fato de em 2008, ano em que se observou o maior declínio das taxas de internação neste estudo, ter ocorrido uma mudança no sistema de informação com a implantação da Tabela Unificada de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS, conforme a Portaria GM/MS nº. 2.848, de 06 de Novembro de 200731. Esta alteração no sistema de informação produziu o mesmo efeito em todas as causas de internação hospitalar.
O presente estudo observou uma taxa de internação por lesões autoprovocadas de 5,6 por 100 mil habitantes, maiores taxas na faixa etária de 30 a 39 anos e maiores proporções na Região Sudeste. O principal meio utilizado para as autoagressões que levaram à internação foi a autointoxicação por medicamentos e substâncias biológicas. No período analisado, houve uma tendência decrescente nas taxas de internação hospitalar por lesão autoprovocada no SUS.
O fenômeno das mortes e lesões autoinfligidas com todos os seus desdobramentos vem, cada vez mais, merecendo atenção especial dos órgãos de saúde pública no mundo1 , 23. Há evidências de que a sociedade, as famílias e o sistema de saúde podem prevenir eficazmente esses agravos e, também, há propostas concretas sobre os procedimentos corretos de atuação. A OMS publicou vários manuais com orientações para profissionais da atenção primária, de saúde mental, para educadores e para orientar o comportamento da mídia, todos com tradução em português32 - 35. Também o Ministério da Saúde (com base nessas publicações da OMS) elaborou um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio em 200636. No entanto, e apesar dos documentos existentes, ainda é quase inexistente uma ação proativa em favor das pessoas mais vulneráveis às lesões e à morte autoinfligida. Acompanhar ações concretas de prevenção nas redes de atenção nos mais diferentes níveis é muito importante para diminuir o sofrimento de quem tenta se matar, pois a literatura especializada ressalta que existe uma próxima relação entre ideação autodestrutiva, tentativas e suicídio consumado1 , 7 , 14. Daí a relevância de estudos sobre as internações hospitalares por lesões autoprovocadas que ajudam na definição de estratégias de prevenção considerando os grupos populacionais mais vulneráveis e a complexidade dos fatores associados.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar 2015
Histórico
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Recebido
15 Out 2014 -
Aceito
24 Nov 2014