Resumo
O baixo consumo de cálcio e elevado de sódio por adolescentes configura um sério problema de saúde pública. A biodisponibilidade e o teor de cálcio contido no leite fazem dele a melhor opção no atendimento a Ingestão Dietética Recomendada (IDR) desse nutriente. Como o leite pode contribuir para a ingestão de sódio, a realização de programas que visem aumentar o seu consumo deve ser precedida de ações para diminuir o teor de sódio nele presente. O conhecimento dos teores de cálcio e sódio presentes nos leites industrializados é fundamental para que se estabeleça a quantidade adequada a ser consumida. O estudo realizado visou quantificar o cálcio e o sódio de leites em pó e ultrapasteurizados comercializados em supermercados da cidade do Rio de Janeiro e estimar a quantidade a ser consumida para atingir as necessidades diárias de cálcio e o impacto sobre a ingestão de sódio. O cálcio foi quantificado por volumetria e o sódio por fotometria de chama. Os teores médios de cálcio e sódio do leite em pó (mg/26g) foram, respectivamente, 262,5 ± 5,1mg e 116,8 ± 3,1mg, e do leite ultrapasteurizado (mg/200mL) foram, respectivamente, 246,0 ± 10,3mg e 162,5 ± 16,3mg. Para atingir a IDR do cálcio, pelo consumo de leite, os adolescentes consumiriam 584mg de sódio pelo leite em pó (39% da IDR) e 812,5mg pelo ultrapasteurizado (54% da IDR).
Palavras-chave Leite; Cálcio; Sódio; Adolescentes
Abstract
Low calcium consumption and high sodium intake among adolescents is a serious public health problem. Thehigh content and bioavailability of calcium in milk makes it the best choice for meeting the Dietary Reference Intakes (DRIs) for calcium. Since milk also contributes to sodium intake, programs promoting milk consumption should be preceded by initiatives to reduce its sodium content. Knowing the calcium and sodium content of processed milk is essential for establishing the adequate consumption of milk. The aim of this study was to estimate the calcium and sodium content of different brands of powdered and ultra heat treated (UHT) milk sold in supermarkets in Rio de Janeiro and calculate the amount of these milks that should be consumed by adolescents to meet daily calcium needs and the impact of this consumption on sodium intake. Volumetric analysis was used to measure calcium content and sodium content was determined using flame photometry. The mean calcium and sodium concentrations of powdered (mg/26g) and UHT milk (mg/200ml) were 262.5 ± 5.1 mg and 116.8 ± 3.1 mg and 246.0 ± 10.3 mg and 162.5 ± 16.3 mg, respectively. Milk intake sufficient to meet the DRI for calcium among adolescents would result in a sodium intake of 584 mg (39% of the AI) from the consumption of powdered milk and 812.5 mg (54% of the AI) from the consumption of UHT milk.
Key words Milk; Calcium; Sodium; Adolescents
Introdução
Segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2008-2009)1, o consumo médio per capita diário de alimentos contendo cálcio foi muito baixo: leite integral 38,6mL, bebidas lácteas adoçadas 43,5mL, iogurte 13,8mL, queijo 3,8g e couve 2,2g. Por conseguinte, o consumo médio diário de cálcio, entre adolescentes, residentes em área urbana, foi deficiente, oscilando entre 529 a 581mg, dependendo da idade e do sexo1.
Sendo o cálcio um nutriente essencial em diversas funções biológicas, a ingestão deficiente na adolescência poderá favorecer o surgimento de agravos à saúde, tais como obesidade, hipertensão arterial e osteoporose2-5. Nos adolescentes, a prevalência de excesso de peso, em 34 anos (1974-2008), aumentou em seis vezes no sexo masculino (de 3,7% para 21,7%) e em quase três vezes no sexo feminino (de 7,6% para 19,4%). Em relação à obesidade, a evolução de sua prevalência segue a mesma tendência, mas com menor intensidade6. Indivíduos com baixa ingestão de cálcio podem estar mais suscetíveis ao acúmulo de gordura corporal em seus adipócitos, provavelmente por um mecanismo que envolve a expressão de um gene presente nessas células denominado agouti, e a elevação dos níveis do Paratormônio (PTH) e da 1,25- diidroxivitamina D3, que promovem o influxo de cálcio nessas células e estimulam a lipogênese, diminuindo a lipólise7.
Além disso, estudos populacionais têm demonstrado que o excesso de peso/obesidade apresenta forte influência sobre a pressão arterial (PA) de adolescentes8,9 e o cálcio apresenta efeito redutor desses níveis pressóricos. Têm sido proposto que este nutriente participa da estabilidade das membranas da musculatura lisa10, natriurese e na homeostase do sódio11, depleção de fosfato e aumento na síntese de prostaciclinas12.
A osteoporose representa um grave problema de saúde pública, com alto impacto econômico, onerando muito os gastos dos serviços de saúde. Na adolescência, a ingestão de alimentos contendo cálcio é fundamental na prevenção primária da osteoporose13. Embora não haja consenso sobre a idade na qual o pico de massa óssea ocorre, vários autores consideram a adolescência como o período fundamental para a aquisição dessa massa, pois a mineralização está aumentada, com taxas de formação óssea superiores as de reabsorção, em ambos os sexos14-18.
Associado a um baixo consumo de cálcio, a POF identificou uma elevada ingestão de sódio na população geral (4.700 mg/dia), equivalente a aproximadamente 12 g de sal. Mais de 70% dos adolescentes brasileiros tiveram ingestão diária superior ao valor máximo tolerável (2.300 mg/dia), sendo de 3.158 mg e 2.930 mg para meninos e meninas de 10 a 13 anos, respectivamente. Na faixa de 14 a 18 anos, a ingestão foi ainda mais elevada para o sexo masculino (3.744 mg) e similar para o feminino (2.915 mg)1.
O baixo consumo de cálcio por adolescentes associado ao elevado consumo de sódio promove o aumento da excreção renal de cálcio, que pode levar a sérios problemas de saúde. Segundo equações preditivas, acredita-se que a cada 2g de sódio ingeridos, ocorra um aumento médio na excreção de cálcio urinário de cerca de 30 a 40mg4. Além disso, o elevado consumo de sódio está associado ao desenvolvimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)2-4.
Em vista ao exposto, o conhecimento das concentrações de cálcio e sódio presentes nos leites industrializados, cujos aditivos são a base de sódio, é fundamental para que se estabeleçam quantidades adequadas desse alimento para a população, visando atender a DRI (Dietary Reference Intakes)19,20 desses nutrientes.
As tabelas existentes de composição de alimentos, bem como os rótulos dos produtos industrializados, nem sempre descrevem os teores de cálcio que não é obrigatório pela legislação e com relação ao sódio não fica claro se os mesmos foram analisados ou computados com base em tabelas21. Sendo assim, este estudo teve por objetivo quantificar os teores de cálcio e sódio em leites em pó e ultrapasteurizados (UHT) comercializados nas grandes redes de supermercados da cidade do Rio de Janeiro e estimar a quantidade a ser consumida, por adolescentes, para atingir as recomendações nutricionais de cálcio e o seu impacto sobre a ingestão de sódio.
Métodos
As marcas de leites em pó e UHT analisados foram escolhidas com base em visitas realizadas em dez lojas pertencentes a três grandes redes de supermercados, situadas nas zonas norte e sul da cidade do Rio de Janeiro. Foram selecionadas três marcas de leite em pó (A, B, C) e cinco de leite UHT (D, E, F, G e H), por terem sido encontradas em todas as lojas visitadas. A diferença entre o número de marcas se deu pela existência da maior oferta de leites comercializados sob a forma UHT.
Em continuidade, foi adotado um delineamento estatístico integralmente casualizado, tendo sido coletados, ao acaso, em diferentes bairros das duas zonas do município do Rio de Janeiro, oito diferentes lotes das marcas selecionadas para ambos os tipos de leite. Para cada lote, as concentrações de cálcio e sódio foram obtidas pela média de três determinações executadas em paralelo.
Inicialmente, procedeu-se a homogeneização das amostras. Os leites UHT foram agitados na própria embalagem. Os leites em pó foram homogeneizados em folha de papel pardo e quarteados. As operações de homogeneização e quarteamento foram repetidas até a obtenção de cerca de 10g de amostra, os quais foram armazenados em frascos de vidro hermeticamente fechados e devidamente identificados.
O cálcio foi quantificado pelo método 396/IV do Instituto Adolfo Lutz22, após as amostras terem sido tratadas como determina o método. Para a determinação quantitativa de sódio, massas adequadas das amostras determinadas, previamente, com base nos teores declarados nos rótulos, foram pesadas utilizando balança analítica Shimadzu® modelo AUY 120, em cápsulas de porcelana, previamente taradas e, em seguida, foram levadas ao estado de cinzas, como recomendado pela Association of Official Analytical Chemists23. O conteúdo de sódio foi quantificado por fotometria de chama, de acordo com o estabelecido pelo método 990.2324, através do emprego de um fotômetro Analyser modelo 910. As soluções usadas na construção da curva de calibração foram preparadas a partir de solução padrão de sódio 1000 mg L-1 (Sodium Standard for AAS FLUKA). Todas as análises foram realizadas no Laboratório de Bromatologia e Química da Escola de Nutrição da UNIRIO sob responsabilidade de doutores com expertise na área e por ser um órgão federal tem fé pública.
Para a aplicação da estatística inferencial (Anova25 e Teste de Welch26) entre as médias dos teores de cálcio e sódio obtidos através da análise das diferentes marcas de leite, foi realizado, primeiramente, o teste de Bartlett27, para verificar se as variâncias calculadas a partir dos teores médios de cálcio e sódio obtidos para os diferentes lotes eram homocedásticas ou heterocedásticas, e, assim, determinar o teste t a ser aplicado em cada caso. As análises estatísticas foram realizadas utilizando os programas Microsoft Office Excel 2007 e Sistema ACTION. Os resultados obtidos foram sempre comparados com os parâmetros críticos a significância de 5%.
Com base nos teores de cálcio e sódio quantificados nos leites em pó e ultrapasteurizados foi realizada uma estimativa do volume de leite que deverá ser consumido para atingir o nível de ingestão dietética de cálcio capaz de satisfazer as necessidades diárias de praticamente todos os adolescentes saudáveis (97,5%), ou seja, 1300 mg. A partir deste volume, foi avaliada a contribuição do sódio proveniente dos leites industrializados para AI (Adequate Intakes) desse nutriente. A estimativa foi realizada com base na AI, uma vez que os estudos até agora desenvolvidos não permitiram o estabelecimento da RDA (Recommended Dietary Allowances) e EAR (Estimated Average Requirement) para sódio, sendo considerado 1.500 mg o valor de ingestão dietética diária que parece reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis19,20.
Resultados
Os coeficientes de variação determinados, para cada marca, indicaram não haver variação relevante entre as concentrações de cálcio dos diferentes lotes analisados, tanto para as marcas de leite em pó quanto para aquelas de leite ultrapasteurizado (Tabela 1). Os resultados foram expressos em mg para 26g do leite em pó e para 200mL do ultrapasteurizado, pois estas são as quantidades apresentadas na rotulagem nutricional desses produtos. No caso do leite em pó, a porção indicada na rotulagem é aquela necessária para preparar 200 ml de leite. As concentrações médias de cálcio foram, para o leite em pó e ultrapasteurizado, respectivamente, de 262,5±5,1mg e 246,0±10,3mg.
Médias, desvios-padrão (DP) e coeficientes de variação (CV) das concentrações de cálcio determinadas para os diferentes lotes de leites em pó (mg/26g) e UHT (mg/200mL).
No que diz respeito às concentrações de sódio, o valor médio aferido para os leites ultrapasteurizados (162,5 ± 16,3mg) foi mais elevado do que para os leites em pó (116,8 ± 3,1mg) (Tabela 2).
Médias, desvios-padrão (DP) e coeficientes de variação (CV) das concentrações de sódio determinadas para os diferentes lotes de leites em pó (mg/26g) e UHT (mg/200mL).
Os valores de qui-quadrado (χ2) determinados pela aplicação do Teste de Bartlett27 indicaram que, no caso das concentrações de cálcio dos leites em pó e ultrapasteurizados e das concentrações de sódio dos leites em pó, as variâncias eram homocedásticas, permitindo a aplicação da Anova25 para comparação das mesmas. Para as concentrações médias de sódio dos leites ultrapasteurizados, o qui-quadrado indicou que as variâncias eram heterocedásticas. Em virtude ao exposto, essas médias não foram comparadas pela Anova, e sim pelo Teste de Welch26 indicando que as médias não eram idênticas sob o ponto de vista estatístico.
Os resultados da Anova indicaram não haver diferença estatisticamente significativa entre as concentrações médias de cálcio e sódio determinadas para os diferentes lotes dos leites em pó. Entretanto, em relação às concentrações médias de cálcio dos leites ultrapasteurizados, o teste indicou que a diferença entre os mesmos era estatisticamente significativa.
As concentrações médias de cálcio e sódio encontrados nas análises das diferentes marcas de leite em pó e UHT foram comparadas com os valores declarados nos rótulos, com o objetivo de verificar a diferença (%) entre as mesmas (Tabela 3). Verificou-se que estas eram superiores a 20% (limite máximo pela legislação) para os teores de cálcio dos leites F e H e para sódio dos leites A, C, D e F20.
Diferença percentual entre as médias das concentrações de cálcio e sódio determinadas através da análise e aquelas declaradas nos rótulos dos leites em pó (mg/26g) e dos leites UHT (mg/200mL).
O cálculo da estimativa da ingestão de leite para atingir a RDA de cálcio (1.300mg)20, para adolescentes de 10 a 18 anos, indica uma ingestão de 5 copos de leite por dia (1.000 mL por dia). Sendo assim, a ingestão de sódio seria de 584mg pelo consumo do leite em pó (39% da AI) e de 812,5mg (54% da AI) pelo consumo do ultrapasteurizado.
Discussão
Alguns estudos de base populacional têm demonstrado uma tendência de diminuição do consumo de cálcio e elevação da ingestão de sódio por adolescentes, o que pode gerar impactos negativos sobre sua saúde1,28. Foi observado nos cinco anos decorridos entre a POF 2008-2009 e o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), um agravamento na inadequação do consumo de nutrientes como cálcio e vitaminas A e E, associado ao elevado consumo de sódio, gordura saturada e açúcares entre os adolescentes, possivelmente relacionado ao aumento do consumo de alimentos ultraprocessados28.
O atual padrão de ingestão de cálcio e sódio pelos adolescentes pode ter consequências graves e, se esta situação não for modificada, poderá vir a causar, no futuro, danos ao estado de saúde desses jovens e também gerar impactos negativos na economia do país (aumento de gastos em saúde: maior número de hospitalizações e aumento das despesas com compra e distribuição de medicamentos e auxílio-saúde). O incentivo ao consumo de leite pode ser uma possível solução para aumentar a ingestão de cálcio e minimizar a situação. O leite fornece uma quantidade significativa de cálcio além de vitamina D, fósforo, proteína, zinco e magnésio que têm grande efeito na formação de uma estrutura óssea estável. Além disso, o leite contem o cálcio em uma forma altamente biodisponível e é de fácil ingestão. Os vegetais folhosos verde-escuros, a sardinha, o atum e algumas sementes podem ser opções para melhorar a ingestão de cálcio, porém, são de baixa aceitação por adolescentes1,28. Dessa forma, existe a necessidade de que seja incentivado, pelos profissionais de saúde, o consumo desses alimentos desde a infância. Os queijos e requeijões contêm quantidades elevadas de sódio e gordura e são, em geral, muito caros. As bebidas lácteas aumentam a ingestão de açúcar colaborando para aumentar a obesidade, uma situação que, entre os adolescentes, já se configura como bastante grave. Em vista ao exposto, o leite ainda seria a melhor opção no atendimento a RDA de cálcio e deve ter seu consumo incentivado. Apesar das inúmeras vantagens do leite, o mesmo também pode contribuir para o aumento da ingestão de sódio. Pelos resultados encontrados, nesse estudo, para se atingir a RDA de cálcio, é necessário o consumo de 5 porções de 200 mL de leite por dia (1.000 mL) e dependendo da forma de apresentação do mesmo (pó ou ultrapasteurizado), a ingestão de sódio poderá chegar a 54% da AI19.
Avaliando-se a recomendação da ingestão de 500 ml de leite por dia, feita pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)29, para adolescentes, conclui-se, com base nos resultados obtidos nesse estudo, que seria atingido somente 50% da RDA do cálcio e que os outros 50% deveriam ser supridos por outras fontes, as quais, pelos fatores anteriormente comentados, tornam essa complementação muito difícil de ser atingida. Mesmo que a recomendação da SBP seja seguida, a ingestão de sódio pelos adolescentes ainda seria elevada, uma vez que estariam ingerindo concentrações de sódio através dos leites em pó e ultrapasteurizado que corresponderiam, respectivamente, a 18% e a 27% da AI19.
As diferenças significativas encontradas entre os teores de cálcio e sódio pela forma de apresentação do produto (pó ou ultrapasteurizado) sugerem que tanto os adolescentes quanto a população de forma geral, deveriam optar pelo consumo do leite em pó, uma vez que estariam, neste caso, ingerindo, em comparação com o leite ultrapasteurizado, uma quantidade um pouco superior de cálcio (7%) e bem inferior de sódio (28%).
Um estudo realizado no Reino Unido30, onde foram investigados quais eram os principais alimentos que contribuíam para o cômputo diário de sódio entre a população britânica, revelou que o leite encontrava-se entre os cinco alimentos que contribuíam com 37% do sódio diário adquirido. O mesmo estudo afirmou que essa contribuição do leite ocorria mais em função do volume consumido.
Tomando-se como exemplo um desjejum consumido no Brasil, como sugerido pelo Guia Alimentar da População Brasileira31, constituído por leite com café, pão francês com manteiga e uma fruta (mamão, por exemplo), o sódio ingerido seria, dependendo da forma de apresentação do leite, de aproximadamente, 568 a 650mg32. Isto corresponderia de 37 a 43% da AI de sódio e somente o leite contribuiria com 10% desta recomendação, partindo-se de uma quantidade normalmente consumida pela população (200-300ml). Vale ressaltar que este tipo de refeição está associado ao consumo de outros alimentos processados ou ultraprocessados com teores elevados de sódio31.
No caso deste adolescente substituir o pão por uma tapioca com manteiga, a quantidade de sódio ingerida seria de, aproximadamente, 288 mg a 370 mg32, correspondendo de 19% a 24% da AI. Embora, neste caso, a redução do teor de sódio tenha sido significativa, o leite, foi o alimento que mais contribuiu para o total de sódio ingerido (58%). Isso denota a importância da educação alimentar e nutricional, orientando a população na escolha de alimentos mais saudáveis. A substituição do pão com manteiga pela tapioca ou alguns tubérculos poderia ser uma alternativa para a redução do sódio. Entretanto, o estudo ERICA28 demonstrou que o consumo de pães, entre os adolescentes, é elevado até mesmo nas regiões Norte e Nordeste (64,8% e 54,5%, respectivamente), onde culturamente o consumo de tubérculos, principalmente no café da manhã, é mais aceito28,31.
Sendo assim, vale uma reflexão sobre como atingir a recomendação de cálcio para adolescentes sem impactar tanto no consumo de sódio. Uma das alternativas seria a redução dos aditivos a base de sódio nos leites ultrapasteurizados, como por exemplo fosfato monossódico ou dissódico e citrato de sódio. Vale destacar que por análise não se faz possível separar a origem do sódio do leite. Desde 2010, o governo brasileiro vem promovendo, por meio do Ministério da Saúde, discussões com instituições e organizações envolvidas direta e indiretamente na agenda de redução do consumo de sódio33,34. O leite ainda não é um alimento que se encontra na pauta das discussões para esta redução, talvez, por ser classificado como minimamente processado ou por não se vislumbrar que o mesmo possa contribuir para uma elevada ingestão de sódio. Na realidade, ao contrário do que se pensa e como demonstrado nessa pesquisa, a concentração de sódio dos diferentes tipos de leites, principalmente devido aos aditivos a eles adicionados, não é tão baixa, se for considerada o número de porções que devem ser ingeridas ao dia para garantir o aporte de cálcio. Outra possibilidade seria incentivar a indústria a realizar a fortificação do leite com cálcio. Essas ações permitiriam que, pelo consumo de menores porções de leite, a ingestão adequada de cálcio fosse alcançada sem elevar a ingestão de sódio, mas, esta opção, com certeza, implicaria em um custo mais elevado para o produto.
Outra opção seria incentivar o consumo de leite em pó. Embora seja uma alternativa factível, é sabido que a população tem preferência por leite pronto para beber. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV) o leite ultrapasteurizado está presente em 87% dos lares brasileiros e corresponde a 47% do leite consumido no Brasil35. Além da praticidade do leite UHT, que não necessita de reconstituição como o leite em pó, em termos de análise sensorial, existe preferência pelo mesmo devido a uma percepção na diferença da palatabilidade36.
Em conjunto com qualquer uma destas estratégias, deveriam ser realizados programas que incentivem o consumo de alimentos fonte de cálcio (leites e derivados, folhosos verde-escuros, pescados, dentre outros) pela população, principalmente, crianças e adolescentes. O Programa Saúde na Escola (PSE)37, criado pelo Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007, com o objetivo de promover a orientação nutricional de alunos da rede pública de ensino, poderia ser usado como instrumento de conscientização da importância do consumo de tais alimentos e para a formação de hábitos alimentares saudáveis que contribuiriam como fatores de proteção contra DCNTs.
Vale ressaltar que o leite é um alimento que não deve ser excluído da dieta de crianças e adolescentes, por ser fonte de cálcio, nutriente essencial para formação de uma massa óssea adequada14. Além disso, seria de fundamental importância ações educativas que contemplassem as orientações no novo Guia Alimentar da População Brasileira30 com redução do consumo de alimentos processados (conservas, carne seca, toucinho, pães, queijos, etc) e ultraprocesssados (biscoitos; sorvetes; embutidos; macarrão instântaneo; salgadinhos de pacote; refrigerantes; bebidas lácteas; pratos prontos para consumo como pizzas, nuggets, dentre outros) que contem os maiores teores de sódio.
Outro fato preocupante deste estudo foram as diferenças entre os teores de cálcio e sódio indicados na rotulagem e os teores encontrados nas marcas analisadas. A rotulagem dos alimentos é considerada uma importante ferramenta de saúde pública, pois permite que os profissionais de saúde e os consumidores tenham acesso a informações sobre as características básicas dos alimentos, tais como origem, composição, valor nutricional, prazo de validade e forma de conservação. Os rótulos dos alimentos industrializados devem obedecer à Resolução - RDC nº 360, de 23 de dezembro de 200321, que regulamenta a rotulagem nutricional dos alimentos produzidos e comercializados, qualquer que seja sua origem, embalados na ausência do cliente e prontos para serem oferecidos aos consumidores. Na RDC nº 36021 consta que será admitida uma tolerância de até 20% com relação aos valores de nutrientes declarados na rotulagem. Em relação ao cálcio, apenas as marcas F (21,8%) e H (26,5%) não se encontravam de acordo com o preconizado pela legislação. No entanto, ao comparar os teores de sódio encontrados com os rótulos, foram observadas grandes diferenças, principalmente entre as marcas de leite em pó, onde todas as marcas analisadas estavam em desacordo com a legislação vigente.
Em vista ao exposto, seria de fundamental importância conscientizar a população e exigir do poder público uma regulação do setor para que se possa ter, no mercado nacional, um leite de melhor qualidade nutricional, de preferência sem inclusão de aditivos, que trouxesse para a mesa do consumidor todos os benefícios reconhecidos deste alimento milenar.
Conclusão
As análises confirmaram que, tanto os leites em pó quanto os ultrapasteurizados são ótimas fontes de cálcio, com teores médios desse mineral, por porção de 200ml, de 262 mg e 246 mg, respectivamente. Já em relação ao sódio, os leites ultrapasteurizados apresentaram teores mais elevados (163mg) desse mineral do que os leites em pó (117mg). A comparação dos teores encontrados para cálcio e sódio com a rotulagem revelou que algumas marcas de leite ultrapasteurizado e todas aquelas de leite em pó analisadas apresentavam teores de sódio 20% acima do declarado pela rotulagem, estando em desacordo com o preconizado pela legislação brasileira vigente, indicando a necessidade de uma maior fiscalização por parte dos órgãos reguladores sobre as indústrias alimentícias.
O leite é um alimento muito importante para os indivíduos atingirem suas recomendações de cálcio e se configura como um fator de proteção contra agravos à saúde na vida adulta. O incentivo à sua ingestão é de extrema relevância na construção de hábitos alimentares saudáveis e, consequentemente, da diminuição do risco de adquirir doenças crônicas na idade adulta. Para tal, é necessário que a indústria disponibilize produtos de melhor qualidade nutricional, sem adição de aditivos que modificam a composição dos mesmos e possam permitir uma melhor biodisponibilidade de cálcio, mineral tão importante para a saúde humana, principalmente para aqueles que estão em fase de crescimento intenso.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Ago 2019 -
Data do Fascículo
Ago 2019
Histórico
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Recebido
28 Ago 2015 -
Aceito
18 Dez 2017 -
Revisado
20 Dez 2017